Nº 2571 - Abril de 2016
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O IASFA e o Apoio Social nas Forças Armadas
Tenente-general
Joaquim Formeiro Monteiro

1.Trajectória histórica

A prossecução da Ação Social Complementar (ASC) aos militares das Forças Armadas (FA) e respectivas famílias incumbiu, desde 1958, aos Serviços Sociais das Forças Armadas (SSFA), instituição criada pelo DL nº 42072, de 31 de Dezembro daquele ano, sob a égide do projecto político-ideológico e social do Estado Novo, relativamente à assistência e à previdência social corporativa.

Quatro décadas depois, atravessados diversos períodos, cujas transformações políticas, económicas e sociais impuseram desafios ao desenvolvimento da sua missão de apoio à família militar, a estrutura dos SSFA evoluiu para um novo modelo organizacional, passando a designar-se, com a publicação do DL nº 284/95, de 30 de Outubro, por Instituto de Acção Social das Forças Armadas, comumente conhecido como IASFA.

Mais tarde, em 2004, pela Lei nº 3/2004, de 15 de Janeiro, ocorre a passagem do IASFA à condição de Instituto Público (IP), com a aprovação da lei-quadro dos institutos públicos, num contexto de redimensionamento e de reestruturação da Administração Pública nacional, mantendo-se, contudo, inalterada a sua missão em promover e garantir a ASC aos seus beneficiários.

 

2. Enquadramento jurídico

Em 2009, a materialização desta nova condição irá ocorrer com a promulgação do DL n.º 215/2009, de 4 de Setembro, criando o IASFA, I.P., que, enquanto instituto público, se vai integrar na administração indireta do Estado, sendo dotado de personalidade jurídica e de autonomia administrativa, financeira e com património próprio, acabando por ser a única instituição, entre as organizações que prosseguem fins similares, a assumir a natureza jurídica de IP, sujeito a um modelo de gestão condicionado pelas regras próprias da administração pública.

Entretanto, se recuarmos no tempo, com a Resolução do Conselho de Ministros n.º 102/2005, de 24 de Julho, que preconizou a reestruturação dos subsistemas de saúde dos ramos das FA, a sua uniformização e consequente aproximação ao regime da Assistência na Doença aos Servidores Civis do Estado (ADSE), concretizada pelo DL nº 167/2005, de 23 de Setembro, iremos encontrar a génese dos problemas que, actualmente, se abatem no IASFA, no âmbito da assistência social aos militares e suas famílias.

Naquele contexto, foi estabelecido um novo regime jurídico da Assistência na Doença aos Militares das Forças Armadas (ADM), fundindo os três subsistemas específicos dos ramos, tendo sido, desde essa altura, a quotização dos benificiários titulares para a Ação Social Complementar, integralmente, transferida para aquele Sistema, e progressivamente aumentada até aos valores, hoje, fixados.

O IASFA vê, deste modo, alargada a sua missão, com a responsabilidade acrescida da gestão do sistema da ADM, vindo a confirmar-se como a única entidade em que os respectivos associados deixavam de suportar, direta ou indiretamente, qualquer contribuição para a ASC, que os deveria apoiar.

Na altura, a tutela política, reconhecendo a quebra de financiamento para a ASC, ter-se-á comprometido a transferir para o IASFA, nunca cumprindo, no entanto, montantes do orçamento de Estado equivalentes aqueles que, à época, os militares descontavam para aquele efeito, não fazendo, aliás, mais do que, de uma forma ou de outra, os restantes ministérios cumpriam em relação aos serviços sociais que apoiavam os respectivos funcionários.

Deste modo, com a inclusão da gestão da ADM, o IASFA passou a assumir responsabilidades e custos que não lhe deveriam competir, em detrimento do objectivo social materializado na ACS, esta que, efectivamente, se deveria constituir como seu desígnio primordial. Como resultado, poder-se-á concluir que a inserção da ADM no IASFA foi, seguramente, uma medida deveras gravosa dos interesses dos seus beneficiários e dos respectivos direitos, como posteriormente se veio, reconhecidamente, a comprovar.

Entretanto, a Lei Orgânica do IASFA de 2012 e os respectivos estatutos, que se seguiram com a Portaria de 2013, vieram alterar significativamente a composição do seu Conselho Directivo, que passou de três Oficiais Generais para dois elementos, com a particularidade destes poderem ser (ou não) militares. Estava servido o propósito de nomear, pela primeira vez, um civil para a Direcção do Instituto, iniciando-se, assim, o processo de civilização do IASFA e, deste modo, evitar que o mesmo se pudesse transformar numa coutada de militares, como mais tarde foi explicitamente afirmado pela tutela.

Como resultado directo da normalização imposta, os militares foram relegados, de forma objectiva, para um papel de segunda ordem na gestão do IASFA, enquanto se ia acentuando a degradação dos serviços de apoio social prestados, realidade que não era alheia à relevante carência de recursos financeiros e materiais, a par da falta de pessoal qualificado, indispensáveis ao seu adequado funcionamento, sem que o Ministério da Defesa Nacional (MDN), nos últimos anos, tivesse garantido, de algum modo, as medidas necessárias passíveis da inversão do processo.

 

3. Os desafios e as ameaças

Hoje, é sobejamente reconhecido que a população, dum modo geral, está a envelhecer, fenómeno que é acompanhado do aumento da esperança média de vida, concorrendo estes factores para uma maior exigência e solicitação dos sistemas de protecção social que, progressivamente, terão que prevenir e acorrer a situações de carência, isolamento e exclusão, agravadas pela severidade da conjuntura que o País atravessa, marcada pelas profundas e graves alterações económicas e sociais que se têm verificado nos últimos anos.

Este quadro vem renovar os desafios que, presentemente, se colocam à acção a desenvolver pelo IASFA, de modo a poder garantir a eficácia das atividades decorrentes da sua principal linha de missão, orientada no sentido de promover e assegurar o adequado apoio social aos seus beneficiários.

Contudo, ao invés, tem-se verificado, de forma continuada, uma desadequação da resposta aquelas necessidades objectivas, realidade traduzida numa progressiva diminuição da suficiência e da qualidade do apoio prestado, pondo em causa a estabilidade e a segurança da Família Militar, factor indispensável ao moral e bem-estar dos militares, e à consequente motivação e realização profissional.

Sub-orçamentaram-se actividades críticas, esvaziaram-se recursos descuidou-se a manutenção do património edificado e das estruturas de apoio, e assistiu-se à nomeação de personalidades para a Direcção do Instituto, que nada tinham a ver com a realidade da sua missão, criando-se, assim, condições objectivas para uma gestão inadequada, e para a ocorrência de fundados receios, no sentido de uma mera mercantilização das estruturas e dos serviços existentes.

Esta realidade obriga a um inevitável realinhamento da intervenção do IASFA, exigência que assume maior relevância, perante uma conjuntura nacional particularmente crítica, em que se destacam as recentes e pesadas alterações no âmbito da segurança social, que projectadas num futuro, não muito distante, conduzirão os militares a situações de expectável carência e dificuldades económicas e sociais, quando na situação de reforma.

Se a tudo isto acrescer a extinção do Fundo de Pensões e do Complemento de Pensão de Reforma, ditadas pelos programas políticos do XIX governo constitucional, numa acção de matriz persecutória, em relação aos militares, bem evidente no desrespeito continuado pelo Estatuto da Condição Militar, plasmado na Lei, estar-se-á, então, perante um cenário tão sombrio, como preocupante, para todos aqueles que servem o País, nas Forças Armadas.

 

4. A urgência de um novo modelo

Neste sentido, e considerando a oportunidade dada pelo presente contexto político do País, impõe-se a indispensável reconfiguração do quadro estatutário e do funcionamento do IASFA, que garanta a introdução de factores de mudança na sua governação, gestão e organização, devendo permitir:

– abandonar a natureza de “I.P.” por parte do IASFA, retomando o anterior estatuto dos SSFA, na dependência do Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (CEMGFA) ou, em alternativa, equacionar a viabilidade de adoptar o estatuto de fundação, com o adequado enquadramento legal;

– preparar, em conformidade, uma proposta de diploma com a tipificação da sua natureza jurídica e caracterização da identidade estatutária da nova entidade, a composição do património edificado, a descrição do quadro de recursos humanos, materiais e financeiros necessários, a definição do modelo de financiamento e do regime fiscal a adoptar, a par da salvaguarda explícita dos direitos e obrigações dos beneficiários do IASFA, IP., assim como dos subscritores do Cofre de Previdência das Forças Armadas (CPFA);

– separar de forma clara e explícita a gestão da ADM e da Ação Social Complementar, tendo em vista a transparência dos processos associados, em paralelo com a implementação de uma quotização obrigatória para os beneficiários titulares, com o envolvimento e compromisso dos ramos das Forças Armadas, no âmbito de um esforço complementar de financiamento daquela acção. De considerar que o superavit, actualmente, verificado na ADSE, confirmando o excesso das contribuições dos respectivos benificiários, e que na ADM, igualmente, se verificaria, não fosse a afectação indevida de custos a que vem sendo, reiteradamente, sujeita, poderia garantir a margem suficiente para o financiamento da ASC dos militares, evitando, deste modo, qualquer acréscimo contributivo por parte dos mesmos, para o efeito;

– reavaliar as Respostas Sociais a garantir no futuro, tendo em consideração a necessária adaptação às novas exigências e oportunidades nas vertentes social e económica com que a sociedade hoje se defronta. Considerando, naturalmente, como obrigatória a prevalência da primeira, ter em atenção, no entanto, a rentabilidade das capacidades instaladas, pela optimização dos rácios dos recursos e dos meios utilizados, a par do incremento das taxas de ocupação dos equipamentos sociais existentes;

– complementar a sustentabilidade e o financiamento das actividades decorrentes da missão primária do IASFA, através de comparticipações do Estado, pelo recurso à elaboração de protocolos com a Segurança Social, nas áreas onde se verifique capacidade restante;

– assegurar um regime fiscal adequado às respostas sociais do IASFA, à semelhança do que se verifica para outras entidades congéneres, muitas delas credoras de benefícios e de isenções fiscais de vária ordem;

– permitir o envolvimento não discriminatório de todas as entidades com interesses na matéria, desde o MDN, Estado-Maior General das Forcas Armadas (EMGFA) e ramos das FA, passando pelas Associações Profissionais Militares e pelos próprios Beneficiários, na redefinição dum novo modelo estatutário e duma nova estrutura funcional para o IASFA.

 

Afigura-se como deveras expectável que um quadro desta natureza pudesse vir a criar as condições necessárias para a ocorrência de um novo paradigma para o IASFA, baseado em processos de governação e de gestão autónomos, assente em critérios de rigor e transparência, e no âmbito de responsabilidades e de competências próprias partilhadas pelos respectivos associados.

O levantamento de um modelo assim parametrizado, ancorado num adequado quadro jurídico que configurasse o IASFA como pessoa colectiva de direito privado e de utilidade pública, com a conveniente autonomia face ao Estado, permitiria contornar os condicionalismos de ordem legislativa, financeira e funcional que têm prevalecido no domínio da sua intervenção.

Deste modo, poderia ser possível reunir as condições suficientes para a implementação de um modelo de apoio social aos militares das FA e suas famílias eficiente, credível e devidamente sustentado, que pudesse responder com eficácia às suas necessidades, e passível de não comprometer as suas legítimas expectativas.

 

5. Algumas considerações finais

O progressivo e continuado agravamento da situação do IASFA, pela crónica desorçamentação do seu funcionamento, a par de um modelo de governação desajustado e de um processo de gestão condicionado pelo seu estatuto de IP, com reflexos bem evidentes na degradação continuada do apoio social prestado aos seus benificiários, justificará, por inteiro, a reflexão e o debate convenientes sobre o assunto.

Neste âmbito, impunha-se ponderar sobre as verdadeiras razões que, suspeitosamente e de forma sistemática, vêm procurando omitir, ou no mínimo branquear, a génese da obra e do património do IASFA, que foram edificados pelos militares, para os militares e, maioritariamente, por conta das contribuições das suas sucessivas gerações.

Assim sendo, o património edificado do IASFA, que é proveniente dos extintos SSFA e do CPFA, embora, actualmente, se apresente degradado pela idade e pelo uso, não poderá ser alvo de qualquer tipo de alienação, sem ter em conta a posição dos seus associados e dos Ramos das FA, independentemente das justificações que possam ser avançadas para o efeito.

No mesmo sentido, ainda menos se poderá constituir como móbil para eventual especulação imobiliária, como insidiosamente se vai relevando na comunicação social, como resultado de uma clara manobra de desinformação, tendo em vista justificar, neste âmbito, ulteriores decisões.

Deverá ser por tudo isto que, se há domínios, no âmbito das Forças Armadas, cuja governação deva ser atribuída, em exclusivo, aos militares, o IASFA será, certamente, um deles, não devendo esta realidade ser sinónimo de couto ou de feudo dos mesmos, que somente o desconhecimento, a informação menos cuidada ou o preconceito indevido poderiam classificar.

Deverá ser, também, por estas razões, que todos os militares, sem excepção, se deveriam rever nesta sua obra que é o IASFA, devendo focalizar a sua atenção e concentrar as suas energias e capacidades no fortalecimento da mesma, não se deixando arrastar para projectos supostamente alternativos, difusos e de eficácia duvidosa, que, embora podendo ser bem-intencionados, nada ficam a dever ao pragmatismo e à realidade.

 

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2016-07-03
285-290
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia