Este número temático da Revista Militar aborda a participação militar nacional do Exército, da Marinha e da Aviação Militar, no teatro de operações europeu da I Guerra Mundial (I GM), constituindo assim o complemento da edição publicada em maio de 2014, onde se trataram as operações militares conduzidas em Angola e em Moçambique. Este conjunto de edições e a realização dos VI Encontros da Revista Militar (Das contradições da «neutralidade» de Portugal ao «esforço de guerra» português), subordinados ao tema do empenhamento militar nacional nos teatros africanos, inserem-se na ligação com a Comissão Coordenadora das Evocações do Centenário da I GM, constituída para a comemoração daquela efeméride.
Com esta edição, a Revista Militar, para além dos artigos sobre o tema indicado, da autoria de sócios da revista, recupera-se um conjunto de artigos publicados durante o período do conflito, dando conta do pensamento estratégico militar da altura e reúne-se o acervo bibliográfico de que se dispõe e que se encontra já digitalizado e disponível, quer no nosso “site” quer no da Biblioteca do Exército.
A I GM teve, início em agosto de 1914 e fim em 1918, com a assinatura do Armistício, em 11 de novembro; Portugal entrou oficialmente na guerra, na Europa, depois da Declaração de Beligerância por parte da Alemanha, em 9 de março de 1916, sendo também de referir, pelo seu significado, a chegada das primeiras tropas dos EUA, a França, em abril de 1917.
A ideia alemã de que o conflito conduzido de acordo com o Plano Schlieffen levaria à derrota da França, em poucas semanas, gorou-se e transformou-se numa guerra de atrição e de fixação de trincheiras, desde a fronteira suíça até ao Canal, onde se acumulavam materiais e efetivos e em que, durante anos, a artilharia procurava abrir brechas, numa floresta de organizações de terreno, de crateras de projécteis anteriores, de arame farpado e de destroços humanos e materiais, que permitisse uma efémera exploração do sucesso e que, no final da sua avaliação, se traduzia em milhares de mortos, feridos, desaparecidos e no impasse da situação operacional.
Durante todo o período do conflito, as lideranças político-militares encaram, de forma condenável, o factor humano como uma “commodity”, de utilização intensiva, cuja única preocupação era provocar a exaustão do lado oposto. Os comboios transportavam efetivos como se fossem “turnos de trabalhadores”, cuja primeira tarefa era serem empregues na construção e manutenção das trincheiras, dos abrigos subterrâneos e nas sapas, constituindo estas uma espécie de exploração mineira.
Como que se tratasse de intervalos desses trabalhos, eram chamados a agirem operacionalmente, saíam das trincheiras e expunham-se aos fogos de artilharia, os maiores responsáveis pelo número de baixas causadas, assim como às metralhadoras, a arma mais importante da guerra das trincheiras que dizimavam as formações da infantaria, que tentavam atravessar e progredir na “terra de ninguém”.
A contagem das baixas da I GM continua a fazer-se ainda hoje, nos terrenos de Verdun; o memorial ali existente continua a receber ossadas, encontradas em escavações que vêm sendo feitas nos locais das trincheiras e dos quilómetros de minas, cavados pelos sapadores durante o conflito. Estima-se que o conflito tenha provocado nos beligerantes, 10 milhões de mortos e 30 milhões de feridos, desaparecidos e inválidos, representando, em todos os países intervenientes, uma geração desperdiçada. Aquando do Armistício, o CEP tinha registado 2 160 mortos, dos quais 239 em processo de identificação, 5 224 feridos e 6 678 prisioneiros no inimigo; todas estas baixas representavam cerca de 24% do seu efetivo total, que ultrapassava os 60 000 militares. No cemitério militar português de Richebourg l’Avoué, em França, são mantidas 1 831 campas e no cemitério de Boulogne-sur-Mer existem mais 44 campas.
A assinatura do Armistício e a imposição das condições de paz à Alemanha, através do Tratado de Versalhes, ao contrário de concretizar o “fim da guerra que acabava com todas as guerras”, acabou por lançar os ressentimentos que conduziram, vinte e um anos depois, a um novo conflito mundial; a tradicional euforia da vitória, associada à indiferença relativa à evolução da conjuntura internacional, para além da imprevidência dos aliados, a falência da Sociedade das Nações, prevista no Tratado, a passividade perante o rearmamento alemão e as profundas consequências sociais causadas pela I GM, na Rússia e na Europa Central, acabaram por conduzir a tal desfecho.
O fim da I GM demonstrou a importância do emprego do carro de combate e do avião, alterando decisivamente o curso dos acontecimentos a favor dos aliados e a derrota da Alemanha. Mas esta será um lição aprendida pela estratégia militar alemão, que associava às causas do insucesso da sua Infantaria, o facto de terem perdido a “guerra das tecnologias”, para os aliados, não dando a importância devida “às metralhadoras, aos carros de combate, ao aeroplano, à guerra de gás, ao submarino e à utilização do torpedo”; igualmente, o inconveniente do comando de Moltke, a centenas de quilómetros da frente dos exércitos e o atraso na informação sobre o desenvolvimento das operações, não deixou de ser devidamente avaliado.
O fim da I GM e o começo da Segunda ilustram bem as Leis da Guerra, respetivamente, da Semelhança (a próxima guerra começa como terminou a anterior) e da Evolução (a melhoria dos materiais e sistemas de armas, a par da actualização e aprofundamento das doutrinas militares), se tivermos em conta que o rearmamento alemão estabeleceu as suas prioridades no levantamento das suas Divisões Panzer e na doutrina da blitzkrieg, na produção de submarinos ‘U-Boat’ e na concretização da sua nova ‘Luftwaffe’; será com estes instrumentos militares que a Alemanha irá dar início ao novo conflito.
São conhecidas as razões nacionais para a participação no conflito a que não é estranho, quer a legitimação do regime político, nascido em 5 de Outubro de 1910, quer as preocupações relativamente à preservação do Império; em edição anterior, deu-se a conhecer as dificuldades de organização, as carências de equipamentos e armamento, incluindo munições, as incúrias na preparação e na execução, para além de intromissões abusivas na ação de comando e ignorância dos pareceres militares pela tutela política, que necessariamente influenciaram o desempenho operacional do CEP.
É sempre oportuno a este respeito recordar as palavras de Sua Excelência o Presidente da República, no seu discurso do 10 de Junho em 2014: “Pode dizer-se que os militares que foram para a Flandres e para África nada tinha senão a Coragem”. Esta é uma situação que as Instituições e a Sociedade Civil não podem permitir que volte a acontecer, sendo necessário e indispensável denunciar tudo aquilo que possa contribui para isso.
Não haverá encargo mais negativo e expressão de maior inutilidade, a par do carácter redutor em termos de liberdade de ação política, do que manter umas Forças Armadas obsoletas, incapazes de responder à garantia da defesa da soberania e de resposta aos compromissos internacionais que o país decide assumir e, neste domínio, ser no seio das Alianças e Organizações Internacionais a que pertença, não só um país membro dispensável como também uma preocupação de segurança.
As Forças Armadas necessitam de investimento e de modernização como qualquer setor estruturante da nossa Sociedade. Os hiatos no processo de planeamento e a deficiente ou não execução das Leis de Programação Militar agravam a situação, adiam projetos de modernização e acabam por exigir, mais tarde, a necessidade de maiores investimentos, por vezes em quadros político-militares de uma necessidade urgente. O processo de reequipamento militar das Forças Armadas deve fazer-se garantindo o equilíbrio entre os Ramos, tendo em conta as disponibilidades financeiras do País e a sua dimensão estratégica, mas deve ser feito.
Hoje, as Forças Armadas têm um pendor conjunto muito acentuado, a obsolescência de um Ramo compromete a eficiência e a eficácia operacional dos outros, não sendo possível ignorar que cada um deles actua em ambientes diversificados (Ar, Terra e Mar); que têm equipamentos específicos, sendo a Marinha e a Força Aérea intensivos do ponto de vista tecnológico e o Exército, não dispensando as novas tecnologias, intensivo em termos de recursos humanos. Esta constatação não dispensa a necessidade de uma exigência de modernização coerente em todos os Ramos, indispensável para permitir, também, uma atuação integrada com as forças militares congéneres, no seio da Aliança e das Organizações Internacionais em que participamos.
Por último, esta edição da Revista Militar constitui uma sentida homenagem a todos os combatentes portugueses que atuaram nos teatros africanos e europeu, aos seus familiares que sofreram a dor das baixas e a todos aqueles que receberam e cuidaram dos inválidos; foi o sacrifício de todos eles que permitiu que Portugal participasse, legitimamente, na Conferência da Paris, na defesa plena dos seus direitos.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.