RM, 69, 11, Nov, 1917, 729-740
(Para além de salientar as aspectos de natureza ética e moral da contribuição portuguesa para o esforço de guerra na Europa, o artigo procura demonstrar que ela é, proporcionalmente, tanto ou mais importante do que a dos restantes aliados.)*
Quando, em agosto de 1914, a explosão da actual guerra surpreendeu a humanidade, aos olhos desprevenidos da grande maioria da qual, haviam passado inteiramente inadvertidos os pronuncios da formidavel tempestade, que se amontoava no horisonte, publicou esta Revista uma singela declaração na qual expunha, que as responsabilidades, que pesavam sobre um jornal da sua indole, lhe não permitiam na ocasião ocupar-se daquele momentoso assunto. Em face das noticias contraditorias e pouco precisas, que então vogavam, a direcção preferia aguardar, que a situação se esclarecesse, para então versar devidamente o assunto.
Vão passados tres anos, entrámos já no quarto ano de guerra, e a situação aludida pouco ou nada se tem aclarado. É natural que assim tenha sucedido. Dos 57 Estados independentes, que o Almanaque de Gota enumera, cerca de 40 tem abandonado sucessivamente a neutralidade, pronunciando-se mais ou menos activamente pela intervenção na guerra, tomando atitude ofensiva em frente do bloco, exclusivamente constituido pela Alemanha, Austria-Hungria, Bulgária e Turquia.
Dos 145.917.426 quilometros quadrados, que mede a terra firme, incluindo os 12.700.000 das regiões polares, estas ultimas potencias apenas dominam em 2.245.430 Em julho ultimo, as potencias que haviam definido, até então, a atitude agressiva em face deste bloco dominavam uma area de 101.529.945 quilometros. Após essa data, outras potencias, entre as que ocupam mais vastas regiões, como a Argentina, o Brasil, a China, etc., egualmente se pronunciaram em hostilidade aos Impérios centrais e seus dois acolitos.
Evidenciando melhor a desproporção de forças, diremos ainda que dos 1.657 milhões de homens, que na opinião de Hartleben, povôam o globo, mais de 1.329 milhões estão aliados contra os 148 milhões, que compõem o bloco citado.
O conflito mundial, bem revelado pelos numeros citados, provém essencialmente, inutil é contestá-lo, do propósito firme com que a raça germanica, com aquela tenacidade que é um dos meritos do seu caracter, se propôs conquistar e assegurar a hegemonia universal, para colocar todas as demais raças sob a sua dependencia e servidão. Não ignorava ela as consequencias de semelhante proposito, porque já um insigne publicista lhe havia dito, depois da guerra de 1870-1871, que «quando um povo quer dominar o mundo, o mundo inteiro, guiado pelo instinto da conservação, se une contra ele». – Nesta eventualidade prepararam-se os germanos oportuna e reflectidamente para fazer face ao terrivel conflicto, que se avisinhava, sem esquecerem um só momento as palavras do seu grande mestre na arte da guerra, que foi Moltke, ao dizer: – Erst wagen, dann wagen! – Primeiro, calcular tudo, depois ousar tudo! Alentava-os ainda na sequencia inflexivel do seu proposito a vaidade, que tão avisada e cuidadosamente havia despertado na mentalidade teutonica o chanceler de ferro, o Principe de Bismarck, quando do alto da tribuna exclamava, para ser escutado por todo o mundo, que «a Alemanha, exceptuando Deus, não temia ninguem». Por isso, passados já tantos anos, quando a dura experiencia da guerra tem demonstrado áquele Império que os reflectidos planos de campanha, que urdira para destruir sucessivamente os provaveis adversários, haviam sido absolutamente ineficazes para alcançar tal proposito, ainda a Gazeta de Francfort, depois de fazer ostentosa divulgação dos dados geográficos, que ficam transcritos, acrescentava orgulhosamente: – «Não é uma frase vã dizer que a Alemanha se bate contra um mundo de inimigos».
Posto bem em relêvo nas considerações expostas o estado de perturbação guerreira em que se encontra quasi todo o mundo culto, é nosso proposito salientar e demonstrar não ser ainda o momento presente, quando as paixões se debatem com maior ancia do que no principio da guerra, quando os interesses em jogo prevalecem sobre quaisquer propositos conciliadôres, quando ambos os blocos adversarios contam conquistar a victoria final, o mais proprio para a imprensa técnica apreciar fria, calculada e serenamente a lição oferecida pelos factos da guerra, para dela deduzir a doutrina, que deve representar a evolução experimentada pelas sciencias militares na marcha incessante e sempre renovadôra do progresso.
A imprensa politica tem uma missão inteiramente diferente da que incumbe aos jornais técnicos. Ninguem exige daquela a precisão doutrinária, a fidelidade na descripção dos factos historicos, a imparcialidade na emissão dos juízos emitidos. O contrario sucede à imprensa técnica, a qual, por tal motivo, se vê condenada a pouco menos do que o silencio, emquanto a paz não tem assegurado a tranquilidade nos espiritos, e os estados maiores dos Estados beligerantes não coordenam e publicam os trabalhos mais fidedignos ácerca das operações realizadas, quando estas já pódem ser apreciadas como que em juízo contradictorio, no qual os depoentes por cada uma das partes possam ser acusados de erro de visão, mas não do proposito menos nobre de falsear a lição dos factos.
Escritos quasi que exclusivamente por profissionais ilustres, os jornais técnicos lutam ainda presentemente com outra dificuldade, não menos ingente, para se desempenharem dignamente da missão para que foram creados. Quando o momento assume de transcendencia, por ser aquele em que a voz do canhão abafa a da razão, desapareceram-lhe de subito os seus colaboradores mais ilustres e ardentes, que largaram da pena para tomar a espada, sendo com esta que estão traçando ainda com sangue nos campos de batalha as suas dissertações mais brilhantes aqueles a quem a Morte não ceifou a vida.
Quasi não ficam para os substituir nas fainas da imprensa senão os poucos que, como quem escreve as presentes linhas, se consideram já no despedir da vida, sem o vigôr da palavra e a ardencia da fé, que são peculiares da mocidade. No proposito inquebrantavel de darmos os ultimas alentos da vida, embora quasi invisiveis de tenues que são, ao serviço da Patria; dedicando ainda ao exército, em cujas fileiras quasi fômos nados e creados, as mais intensas simpatias e fazendo os mais ardentes votos pela sua gloria, nós os velhos soldados pouco mais podemos fazer do que parafrasear em honra dos camaradas, que arriscam a vida nos campos de batalha, o psalmo de David, inscrito como legenda no estandarte dos Templarios e que destes entoavam antes de carregar o inimigo: – Non nobis, Domine, sed nomini tuo da gloriam! Para nós proprios sómente solicitamos da Providencia que nos prolongue a vida, quanto seja necessario, para ainda podermos derigir aos lutadores, no momento do regresso à terra natal, saudação analoga à que os gladiadores romanos pronunciavam, antes do combate, ao passarem por deante da tribuna imperial : – Ave, Caesar, morituri te salutant!
Na verdade, observando atentamente os poucos jornais militares estrangeiros, que sobreviveram à eclosão da guerra mundial, e ainda os demais que dispõem de uma secção destinada a assuntos daquela especie, verifica-se serem os oficiais fóra dos quadros activos dos exércitos aqueles que mais especialmente tratam nas respectivas paginas as questões técnicas, o que não quer dizer que outros bem distinctos a não enobreçam ainda com os primores da sua cultura. Mas a acção de uns e outros limita-se mais geralmente ao registo de factos ocorridos, aventando apenas ligeiros comentarios ácerca dos casos reputados devidamente esclarecidos, em que as conveniencias patrioticas exigem a declinação de responsabilidades proprias, como designadamente são as causas da guerra, ou daqueles em que a justa vaidade das nacionalidades insta porque se ponha em relêvo o esforço nacional, tendente a robustecer o poderoso bloco, que se está defrontando com o dos Impérios centrais.
Nesta sagrada propaganda julga a Revista Militar ter egualmente associado a sua acção, porquanto nem um só dos documentos justificativos da intervenção de Portugal na guerra deixou de ficar devida e fielmente transcrito nas suas colunas (1). Logico parece, portanto, que expostas as causas de tal intervenção, se mencionem agora os efeitos consequentes. Mas, para a execução de tal proposito, sobram as dificuldades. A primeira das consequencias daquela intervenção foi a mobilisação do Poder Militar, que mais se tem tornado conhecida pelos efeitos pessoais do que pelos gerais, devido à lei que impéde o dar publicidade a noticias militares, que interessem à guerra, a qual tem sido aqui executada mais severamente do que em outro qualquer país pelas comissões a quem foi incumbida a respectiva acção de censura. Dizemo-lo sem desprimôr para com os membros dessas corporações, que consideramos, e a cujas susceptibilidades patrioticas rendemos homenagem, tanto mais sincera quanto que as paginas do nosso jornal tem saído sempre intactas da revisão, a que foram submetidas.
Mas temos o dever de explicar o motivo pelo qual a narrativa, que vamos fazer, ácerca do «Esfôrço Português» na guerra, será bem mais resumida, por certo, do que a relativa a outros países, designadamente á Inglaterra, que ainda nesta especialidade continua a manifestar-se a nação que maior respeito vota aos princípios de Liberdade. Ora, a explicação do nosso procedimento não é senão a carência de informações tornadas públicas, não nos julgando com autoridade para produzir outras, ainda inéditas, sem perigo de que elas houvessem de ser inutilizadas peja censura e o nosso procedimento acoimado por modo desagradavel.
Com aquela imparcialidade, que sempre desejamos manter na apreciação dos actos alheios, devemos confessar que a forma especial como no nosso país as questões patrióticas são apreciadas, sendo geralmente vistas atravez das lentes dos interesses e paixões políticas, muito dificulta o exercício da censura com um espírito rasgadamente liberal. É o que não sucede na Inglaterra. Ali, como em nenhum outro país, os partidos políticos de credos os mais heterogeneos, calaram inteiramente os seus litígios para somente se dedicarem ao serviço da Pátria. No ministério, que preside aos negócios públicos, tomam parte individualidades pertencentes a quasi todos os partidos políticos, que calaram entre si as causas de dissentimento, para com ardência se votarem unidos ao triunfo dos interesses nacionais, impondo essa mesma regra de procedimento aos respectivos parciais, pelo que no respectivo parlamento são menores de que em qualquer outra assemblea da mesma natureza as causas de conflito e de crises ministeriais. Não se transforma, porém, ao sabor dos homens a sua mentalidade. Os factos ocorrentes na vida das nações são sempre a consequência da constituição mental e educação dos respectivos povos. O que de excepcional se passa nas altas esferas sociais inglesas tem a sua mais segura explicação na especial constituição mental da raça anglo-saxonia, por tantos títulos diferente da latina.
Mas, abstraindo da causa que motiva a falta de informações minuciosas, precisas e convenientes ácerca do esfôrço nacional produzido para a intervenção na guerra, e ladeando o inconveniente que haveria em falar dos méritos de outras nações antes de haver citado os próprios, cremos haver encontrado modo de desempenhar a missão, que nos impozémos, sem perigo na fidelidade das informações, nem risco de incorrer nos rigores da censura, tanto mais que esta nos não permitiria referir o que impediu a outros jornais. O processo será o de transcrever seguidamente o discurso pronunciado na Câmara dos Deputados, em sessão de 6 de julho último, pelo Sr. Ministro da Guerra, quando S. Ex.ª regressou da sua visita aos campos de batalha, e entendeu chegado o momento de dar conta ao país daquilo que, até ao momento, se havia feito, e não havia perigo em divulgar. Ninguem com maior autoridade e competência o poderia substituir nesta importante missão, e, por isso, entendemos que os leitores voltarão a ler com satisfação esse importante discurso, que textual e seguidamente reproduzimos dos registos parlamentares.
O sr. Ministro da Guerra (Norton de Matos): – Principia o seu discurso por dizer que o Govêrno resolveu, como era seu dever, fazer no Parlamento uma exposição dos termos da intervenção de Portugal na luta gigantesca que se está travando na Europa.
"Julgou o Govêrno que era agora chegado o momento de dizer clara e nitidamente ao país aquilo que se tem feito, sob o ponto de vista da nossa preparação militar e da nossa entrada na guerra, não o tendo já feito porque muitas das cousas que se iam tratando, e que eram susceptiveis de alterações, o levaram a reconhecer que não havia necessidade nem vantagem de dar então conta de factos, que seriam conhecidos no seu momento preciso.
"Todavia, semanas antes da partida dêle, orador, para o estrangeiro, o Govêrno entendeu que alguma cousa devia dizer nêsse sentido, sendo esse o motivo das declarações que perante as comissões de guerra e dos negócios estrangeiros das duas casas do Parlamento foram feitas por êle, orador, e que na sua quasi totalidade constituem o que vai expor à Câ- mara.
“Faz em seguida o relato de tudo quanto se passou anteriormente à entrada de Portugal na guerra, dizendo que, quando a Alemanha declarou guerra ao nosso país, a nossa preparação militar, iniciada desde o rebentar do conflito europeu, e interrompida no Govêrno Pimenta de Castro, se intensificou depois de 14 de Maio; que em 7 de Agosto de 1916 o Parlamento tomou conhecimento do convite da nossa aliada, a Inglaterra, para uma maior cooperação militar ao lado dos aliados na Europa, convite que foi classificado de honroso, resolvendo-se manter ao Poder Executivo as faculdades já concedidas.
«Frisa depois a nossa situação internacional em face dêsse convite e da resolução do Parlamento, mostrando que no convite para uma maior cooperação militar se reconhecia a Portugal o direito de marcar e fixar a grandeza, força e natureza dessa cooperação. Para isso, em agosto de 1916, veio a Portugal uma missão de oficiais dos exércitos inglês e francês para, de combinação com alguns seus camaradas portugueses, estudar a melhor forma de levar ao fim essa cooperação.
“Os trabalhos dessa comissão foram orientados pelo Govêrno do tempo, debaixo de três pontos de vista: preparar, o mais rapidamente possível, as fôrças que iam ser enviadas a França, a fim de dar a impressão de que o convite tinha sido recebido com a consciência de que o poderiamos resolver, como nação livre e independente; fixar um contingente com uma organização e efectivo tais que lhe desse uma certa independência, um papel verdadeiramente nacional; não perder de vista as possibilidades militares, economicas e financeiras, ao fixar a força da cooperação militar. Por tudo isto, decidiu-se mandar marchar para França a divisão que tinha sido instruida em Tancos, reforçada com elementos de infantaria, artilharia e auxiliares, de modo a permitir que ela tomasse conta dum sector e se defendesse, sem precisar de recursos estranhos. O efectivo dessa divisão subiu, pois, a perto de 40.000 homens. Mas como a intenção do Govêrno foi sempre a de constituir duas divisões, foi mobilizada uma outra divisão, que manobrou nos terrenos ao norte de Lisboa, sob as ordens do sr. general Pereira de Eça.
"Por combinação entre os Govêrnos Inglês, Português e Francês, resolveu-se que essas forças fossem tomar parte na guerra junto dos exércitos ingleses, reunidas em uma unidade de maior valor militar, constituindo um corpo de exército, ficando, comtudo, ao Govêrno Português o direito de fixar o limite da sua fôrça. Esse corpo de exército tem um efectivo, compreendendo os seus depósitos e os elementos de base, de 55.000 homens, ou, em números certos, segundo os quadros de mobilização, de 54.976 homens, sendo necessário, para o manter, enviar mensalmente para França um contingente de 4.000 homens de todas as armas. Esse é o esforço que o país é chamado a fazer na guerra europeia ao lado da Inglaterra, esfôrço que representa um grande sacrifício, mas que é indispensavel cumprir, para reclamar aquilo que lhe compete, conservar as suas liberdades internas, a sua independência e o seu património colonial. Para o armamento dêsse corpo de exército fizeram-se convenções, estando êle a ser fornecido por Portugal e pela Inglaterra e França, devendo, porêm, dizer que para os 40.000 homens, que começaram a embarcar em Janeiro, havia todo o material de infantaria e artilharia, com o respectivo municiamento, para entrar imediatamente em campanha.
"Mais tarde, porêm, reconheceu-se que havia vantagem em adoptar a mesma espingarda usada pelos ingleses e em que as nossas peças fôssem idênticas às dos outros exércitos, pelo que foi combinado com o Govêrno Francês abastecer as nossas tropas com a artilharia de campanha, sendo, todavia, as despesas com alimentação, transporte, equipamento e municiamento pagas pelo Govêrno Português.
"Quer dizer, Portugal está em França nas mesmas condições em que está a Inglaterra.
“Alêm disto, no princípio do corrente ano, o Govêrno Francês pediu ao nosso, secundado pelo Govêrno Inglês, um certo número de tropas de artilharia, organizadas em grupos de batarias, com todos os seus oficiais, sargentos e praças, para constituirem um corpo de artilharia pesada, ao que o Govêrno Português acedeu, pois nisso só havia vantagem.
"Nessa orientação, foi assinada uma convenção em Paris, fixando-se o limite mínimo dessa fôrça em 15 batarias e o máximo em 30, e ficando entendido que, o mais rapidamente possivel, seriam enviadas 10, e que as outras 5 seriam enviadas quando podesse ser.
"O efectivo das 10 batarias, que dentro em poucas semanas partirá, eleva-se a 1.500 homens, compreendendo oficiais e praças, e a reserva mensal para o manter será de 70 a 100 homens.
"Quanto ao encorporamento dêsses batalhões no exército francês, é feito nas mesmas condições das Convenções assinadas entre Portugal e a Inglaterra.
"Todo o material e armamento é fornecido pelo Govêrno francês, ficando Portugal com o direito de o conservar, ou não, no fim da guerra, entendendo-se bem que, se ficar com êle, é em perfeito estado de uso.
"Referindo-se à nossa acção militar em África, afirma que o total das forças para ali enviadas, desde o comêço da guerra, é de 30.000 a 35.000 homens, que, junto com os contingentes indígenas e guarnições coloniais, prefaz um exército de 45.000 homens, esfôrço que não se compara ao que qualquer outra nação da Europa tem feito nas suas colónias (2).
"Acentua que é necessário manter todo esse esfôrço até o fim da guerra, sob pena de perder tudo quanto se tem feito, e, para isso, Portugal conta com a mobilização das classes já instruidas e das que se forem instruindo, com os oficiais saídos da Escola de Guerra e das escolas de oficiais milicianos, fôrças que não deverá ser inferior a 40.000 homens.
"A única dificuldade é de arranjar os oficiais para esse contingente, mas se todos se compenetrarem dos seus deveres, não será dificil alcançar-se esse fim.
"Deve frisar que êste esfôrço, sem dúvida grande, está longe de ser o máximo, mas o Govêrno entendeu que, no momento presente, não era necessário pedir mais sacrifícios.
"Todo o país tem concorrido admiravelmente para o bom êxito da cooperação militar, com uma compreensão nítida dos deveres de cada um, incluindo as fôrças de terra e mar, por forma a merecerem, todos, os louvores e a admiração do estrangeiro.
"Termina, expondo a razão da sua viagem a Inglaterra e a França, a qual teve simplesmente por fim acertar e esclarecer certos pontos que tinham sido tratados com a missão de oficiais estrangeiros, que estiveram em Portugal.
"Tudo isso se fez sem atritos, recebendo êle, orador, tanto da parte do Govêrno Inglês como do Govêrno Francês, as maiores distinções, e mostrando ambos o desejo de colaborarem comnosco, como de igual para igual, como aliados que somos. Alêm disso era seu dever, como Ministro da Guerra, visitar as tropas que estavam em França, ouvir as impressões dos seus chefes e soldados, patenteando-lhes, assim, que o Govêrno e o País se interessam por elas.
"Dessa visita trouxe a consoladora certeza de que Portugal está praticando o seu dever dignamente, e isso lhe dá fôrça para continuar a obra que está encetada.
"Em todos os passos que deu não perdeu de vista que era representante do Govêrno da República e que tinha de o representar com a dignidade e a altivez que competiam a um homem da sua posição; não se afastou nunca do caminho que sempre pretendeu trilhar e ha de conduzir ao prestígio e engrandecimento da Pátria.
“Julgou do seu dever fazer estas declarações, e crê que nelas há utilidade, porque muitas cousas assim se esclarecem e definem.
“Fizeram-se já determinadas obras e determinados trabalhos; cumpre agora ir à segunda fase: manter os efectivos, conserva-los em toda a sua eficiência até à vitória certa e segura das nações ao lado das quais Portugal combate.”
O que fica transcrito marca certamente os limites dentro dos quais é lícito à imprensa fazer referências concretas ao esfôrço português, produzido nas circunstâncias presentes. Quaisquer outras informações complementares ou seriam na essência insignificantes, em face da situação descrita, ou inconvenientes, visto delas se não haver feito menção no documento transcrito, que parece haver sido elaborado dentro do princípio de dizer só o necessário e nada mais do que o necessário. Esta persuação nos aconselha, portanto, a guardar de Conrado o prudente silêncio.
Mas esta atitude de modo algum prejudicará o desejo, que a direcção da Revista mantém, de trazer os leitores devidamente informados ácerca dos meios e processos com que o nosso país nobremente se esforça para digna e honradamente se fazer representar nos teatros da guerra, em que é chamado a intervir. Quando houvermos a certeza de que da sua publicidade não resultará inconveniente, muita satisfação teremos em os registar. Demais, esta orientação obedece ao plano a que serão subordinados os artigos, de que o presente é início, que se limitarão, quanto possivel, à exposição de factos, adiando a crítica respectiva para ocasião mais oportuna, seguindo assim o preceito expresso no conhecido verso de La fontaine: «En toute chose il faut considérer la fin».
Constituirão esses prometidos e despretenciosos trabalhos, portanto, meros registos de factos ocorrentes, colhidos aqui ou alêm, em conformidade com o exemplo dado por autorizados escritores, e a que já Molière aludia na sua conhecida asserção: «Je cherche mon bien ou je le trouve». Sob eles se poderão, mais tarde, assentar as apreciações técnicas, inteiramente alheias à intervenção das paixões políticas, sempre repelidas neste jornal, durante os setenta anos que vai completar da sua existência, isenção esta que lhe valeu com outras circunstancias a honra de se haver constituido o periódico militar mais antigo do mundo.
Os artigos assim urdidos representarão, portanto, como que a continuação daqueles em que, muito antes da explosão da guerra, prediziamos êste facto, assegurando não haver fôrças nem artifícios que podessem evitar essa dedução lógica da luta de ambições e interesses, na qual teve a primacial responsabilidade a acção germânica. Os factos, infelizmente, justificaram esse nosso asserto.
General MORAES SARMENTO.
(1) Vide Revista Militar, n.ºs 4, 5 e 9 de abril, maio e setembro de 1916, e n.º 4, de abril de 1917, afóra outros artigos em que factos da guerra tem sido apreciados, tanto sob o ponto de vísta material como moral.
(2) Desenvolvendo a tése exposta, o Seculo, de 27 de outubro, publica informações que entendemos necessario reproduzir, porque importam uma questão patriótica, a que convém dar a maior publicidade. Essas informações são as seguintes:
"Tem-se por vezes evidenciado o receio de que a União Sul Africana possa, no Congresso da Paz, exigir compensações á nossa custa, invocando a importancia do auxilio por ela emprestado á Gran-Bretanha na conjuntura actual. Parece assim admitir-se que o nosso esforço tem sido, e é, menor do que o das colonias anglo-boers do Sul da Africa.
"Ora não é assim. A União recrutou 66:000 homens, dos quais 20:000 vieram para a Europa e 46:000 combateram e combatem em outros teatros da guerra, mas principalmente na Africa Oriental. Nós temos 60:000 homens na Flandres e mandámos para a Africa, desde o começo das hostilidades, 30.000 homens europeus, devendo ter ainda hoje em campanha mais de 6:000 homens de tropas regulares indigenas.
"Não Falando mesmo nas reservas, vê-se que não ha paridade quanto ao numero dos combatentes e muito menos ainda nos sacrificios que a mobilisação acarreta. O exercito da União, tendo na sua maioria combatido em Africa, combate por assim dizer ao pé da porta. Nós tivemos de transportar a enormes distancias os nossos soldados com tudo quanto exige uma campanha demorada em um clima severissimo para tropas europeias e em regiões falhas de recursos".
* Selecionado pelo coronel Nuno António Bravo Mira Vaz, Vogal Efetivo do Conselho Fiscal da Revista Militar.