Esta edição da Revista Militar ocorre num momento em que tanto a União Europeia como a OTAN estão colocadas perante desafios significativos para o futuro que exigem respostas estratégicas que garantam o prosseguimento dos projetos de paz, desenvolvimento, e estabilidade. Estes projetos são os fundamentos e razão de ser da destas organizações e da adesão de europeus e norte-americanos, numa relação transatlântica que permitiu ganhar a guerra fria.
Perante a realidade dos acontecimentos – o BREXIT para a UE e a próxima Cimeira da OTAN, em Varsóvia no princípio de julho –, mais importante que definir a quente respostas imediatistas, correndo o risco de introduzir, artificialmente, dinâmicas no processo de decisão que poderão agravar os ditos acontecimentos e ferir a coesão dos Estados-membros, importa clarificar aquilo que se pretende que não aconteça.
No caso da OTAN, não se pretende o regresso da guerra fria e é indispensável prosseguir o diálogo com a Rússia, apesar da atual situação na Ucrânia e na Crimeia, cuja solução deve continuar a ser procurada, no quadro da Comunidade Internacional. Quanto à UE, não há qualquer interesse em desencadear procedimentos, que deem espaço e argumentos aos eurocépticos e aos partidos radicais, para forçarem um “efeito dominó”; assim a Comissão deve conduzir, desde já, o seu relacionamento com os países membros, abandonando uma postura de “superioridade moral”, para com alguns deles, alicerçada em argumentos economicistas, despidos de uma avaliação política e coerente com a conjuntura estratégica atual, assim como de uma total ausência de avaliação das implicações sociais, que a sua visão reformista tem tido nos cidadãos, designadamente no emprego e no empobrecimento.
Certamente que este ambiente no seio da União, decorrente do BREXIT, irá introduzir também uma agudização das divergências relativas às discussões ainda pouco conhecidas relativas às negociações do TTIP (Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento).
As referências por parte dos partidos de extrema-direita e nacionalistas, em França, na Alemanha e também na Holanda, quanto a uma intenção de provocarem referendos sobre a permanência na UE, não devem ser estimuladas por atitudes da União, conduzidas por um sentimento revanchista, o que não deve invalidar a firmeza com que a saída do Reino Unido deva ser conduzida, até porque este procurou, com a realização do referendo, obter, como afirmou o Primeiro-ministro David Cameron, “o melhor de dois mundos”. Basta de serviço “à la carte”, na União Europeia!...
Quanto à Aliança Atlântica, referiu-se nas vésperas da Cimeira, que tem de ser passada uma mensagem à Rússia, de firmeza e de determinação no quadro do seu art.º 5º, referindo-se à defesa coletiva e, nesse sentido, declarou a sua intenção em posicionar, nos Países Bálticos e na Polónia, quatro batalhões multinacionais, apoiados por forças de reação rápida, podendo medidas similares virem a ser tomadas na Roménia. A Aliança poderá também clarificar a sua postura estratégica relativamente ao Ciberespaço, assumindo-o como um novo ambiente operacional, no quadro da defesa coletiva. Parece, contudo, que a Cimeira não deverá perder de vista uma atitude de ponderação e distensão, a par de uma compreensão das perceções de quem olha para a OTAN, como uma organização em que existe uma indiscutível afirmação estratégica dos EUA.
Embora o Secretário-Geral da OTAN justifique a defesa contra mísseis balísticos, com a ameaça que representa a proliferação de ADM, designadamente no Irão, o Kremlin faz outra leitura perante a operacionalização da instalação BDM pelos EUA na remota base aérea romena de Deveselu, envolvendo um investimento de 800 milhões de dólares. O jornal China Daily, transcrevendo as declarações do almirante Vladimir Komoyedov, presidente do Comité da Defesa da Duma, referia-se a propósito desse facto que, “(…) Isto não é contra o Irão, mas sim contra a Rússia e as suas capacidades nucleares”.
No que se refere à UE, não ajuda à coesão começar à avaliação da situação decorrente do BREXIT e das eventuais respostas, a iniciativa alemã de convocar, de forma isolada, a França, a Itália e a UE e anunciar, também, uma reunião dos “países fundadores”, antes da realização do Conselho Europeu, agora a 27. É muito importante para o futuro da União que a Alemanha se decida se quer construir e estimular um projeto europeu, onde predominem os valores da liberdade, da solidariedade, da complementaridade e do respeito pelas características identitárias e históricas de cada país membro, ou se pretende assumir uma atitude “imperial”, colocando a sua visão financeira e económica como modelo a seguir, ignorando as implicações políticas e sociais e abrindo caminho, muito provavelmente, ao falhanço do projeto europeu, o EUFAIL (?).
Também no domínio da segurança e da defesa, a saída do Reino Unido da União corresponde ao desaparecimento do país membro com maior capacidade militar, tornando ainda mais evidentes as fragilidades da construção europeia neste domínio, sendo ainda mais relevante o papel da OTAN e trazendo, definitivamente, para a realidade orçamental, a necessidade de se rever a postura de redução contínua de investimentos e de efetivos, nos instrumentos militares nacionais. Neste domínio, certamente que a Cimeira de Varsóvia irá fazer um balanço sobre os compromissos assumidos pelos Estados-membros, na Cimeira de Gales, relativamente ao caminho para os 2% do PIB para a Defesa e os 20% dessa verba para investimento. No caso de Portugal, esse compromisso traduz-se numa realidade, de 1,33% e cerca de 8,7% em investimento, em 2015, conforme referiu o Secretário-Geral Adjunto da OTAN, na Assembleia de República no passado dia 23 de Junho.
Em termos nacionais será conveniente ponderar e comparar, com objetividade e realismo, os cenários desejáveis, com os mais prováveis, tendo presente que o bom senso aconselha a que o planeamento estratégico se centre nestes últimos, mas que preveja, também, os mais perigosos para o interesse nacional, ou seja os indesejáveis. Não favorece a coerência estratégica e a objetividade do processo de decisão, admitir, como no passado recente se verificou, que se a Grécia tivesse de abandonar a UE, esta continuaria com menos um país membro e hoje, as mesmas vozes, relativamente a um país que, numa atitude soberana e debatida em termos nacionais, opta pela saída, esta tenha que ser feita “sem pressas, de forma ponderada e de maneira equilibrada”; parece ser mais correto não introduzir dinâmicas ou delongas, que não estejam previstas no art.º 50º, conduzindo o processo previsto, com firmeza e determinação.
Afigura-se que o verão de 2016 começou com desafios geopolíticos de grande exigência, sendo desejável que os fenómenos que tradicionalmente nesta época do ano costumam ocorrer e que são referidos como normais da “silly season”, com carácter ocasional e passageiro, não se transformem, por inabilidade dos intervenientes, numa realidade com a qual tenhamos de lidar daqui para a frente.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.