Na última edição da Revista Militar, expressámos uma opinião relativa aos desafios próximos que se colocavam tanto à União Europeia como à Aliança Atlântica, fruto das implicações do “brexit” e da Cimeira da OTAN, em Varsóvia, tendo presente as declarações que iam sendo proferidas relativamente ao diálogo com a Rússia, considerando a actual situação na Ucrânia.
Em relação à União Europeia, o que se torna evidente é que a Alemanha, querendo assumir uma liderança no processo futuro europeu, não conseguiu afastar as desconfianças internas, quer no seu quadro nacional quer no contexto dos países membros. Primeiro, foi a reunião com a França e com a Itália, o que não agradou à Espanha, e depois foi o anúncio do encontro com os países fundadores, o que levantou desconfianças nos restantes que se sentiram excluídos; seguiu-se o anúncio do encontro dos países de Visegrado, em Varsóvia, e, mais recentemente, a reunião de Atenas com os países do sul da Europa.
Tudo isto tendo ainda por pano de fundo um discurso rígido dos países nórdicos, a favor da austeridade, a par da mesma atitude de inflexibilidade do Eurogrupo, tornando notória uma fratura política, em termos de perceção social e económica, relativamente às opções futuras da União nestes domínio, tornando evidente uma clivagem entre a Europa do Norte e a do Sul. Também a Comissão parece viver alheada das realidades da atual conjuntura estratégica quando, perante as declarações do Presidente Hollande e do Vice-Chanceler alemão Sigmar Gabriel, que se pronunciaram sobre o impasse e o provável fim do Transatlantic Trade and Investment Partnership (TTIP) com os EUA, um Comissário veio referir que isso eram declarações para consumo interno, que tinham um mandato para conduzir as negociações e que as mesmas iriam continuar, assumindo-se como uma entidade supranacional, cuja vontade parece querer impor-se à dos Governos.
Parece ser claro que a União vive um período de ausência efetiva de liderança, reconhecida pela justeza das opções políticas e pela defesa dos valores da solidariedade e da coesão, que estão na base da sua formação, assumindo a próxima Cimeira de Bratislava, em meados de setembro, um papel crucial na coesão política, económica e social, relativamente às políticas que vier a delinear para o futuro próximo, incluindo a maneira como irá lidar com o Reino Unido e com as consequências do “brexit”.
Relativamente à Aliança Atlântica, é conhecido o Comunicado da Cimeira de Varsóvia e deve ser referido, que um documento com 139 entradas listando temas distintos é mais um documento destinado a que contenha as posições expressas por todos os países membros e assim tornar fácil o consenso e a sua aprovação, do que na realidade uma orientação estratégica, para lidar com a actual conjuntura e resolver dificuldades internas da OTAN, quer no domínio da coesão política quer das suas capacidades militares, quer ainda de uma relação clara e complementar, neste âmbito, com a União Europeia.
Sobre aqueles que eram os objetivos da Cimeira da OTAN, em Gales, expressos em 2014, designadamente no reforço das capacidades da Aliança e no colmatar das lacunas detetadas, através de um crescimento dos orçamentos de defesa e do investimento neste âmbito, tanto o Comunicado Final da Cimeira como a Declaração dos Chefes de Estado e de Governo limitaram-se a referir que “cinco dos países membros atingiram os 2% do PIB, relativamente aos orçamentos de defesa e que a dissuasão continua a basear-se numa complementaridade estratégica de forças convencionais e nucleares e na capacidade de defesa contra mísseis balísticos”.
Terminada a “silly season”, voltamos à realidade pura e dura da conjuntura estratégica atual, com os desafios do terrorismo global, da crise dos refugiados, da situação na Síria e na Ucrânia, mas também na Líbia e na Turquia, onde uma “purga” levada a cabo pelo Governo, prende cerca de 8000 militares e polícias e afasta de funções cerca de 50000 cidadãos, perante a passividade dos defensores dos direitos humanos na comunidade internacional e, ainda, a continuada crise das dívidas soberanas. Neste último domínio, salienta-se a fragilidade e a instabilidade evidenciadas pela Banca, o que naturalmente gera desconfiança nas opiniões públicas e levanta a interrogação, relativamente a quem cabe a condução da política, se aos governos se ao capital financeiro.
* Presidente da Direção da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.