No âmbito do Centro de Investigação de Segurança e Defesa, do Instituto Universitário Militar (ex-IESM), foi publicado o livro com o título de “Estudos do Poder Aeroespacial”, gentilmente oferecido à Revista Militar, com quatro artigos que correspondem a outras tantas dissertações de mestrado, incluídas no projecto mais vasto com a designação “Transformação do Poder Aeroespacial”, liderado pelo Sócio da Revista Tenente-coronel Piloto Aviador João Paulo Nunes Vicente.
Concretamente, a matéria constante dos quatro capítulos procura analisar o desenvolvimento de capacidades operacionais em duas áreas fundamentais no campo da Transformação do Poder Aeroespacial, a área dos veículos não tripulados e a área da utilização do espaço. Para além da visão operacional, procura avaliar a sua interligação com as capacidades nacionais na área tecnológica industrial. São, de facto, temas do maior interesse nacional pelo desafio que suscitam.
O primeiro capítulo tem por título “Da Edificação de Capacidades Militares – A Vigilância dos Espaços Marítimos”. Nele se faz uma muito breve referência à situação securitária actual e se anuncia a proposta de conceptualização de um modelo complementar ao modelo convencional ou dito industrial, para a edificação de capacidades orientadas contra ameaças não estatais à Segurança Nacional no espaço nacional, modelo esse baseado na gestão do risco. Sublinhe-se que se trata de modelo complementar ao modelo clássico, na medida em que trata de situações menos gravosas, mas com maior probabilidade de ocorrência, na actualidade. Para fundamentar o modelo, a nível teórico, é feita uma revisão dos conceitos básicos, designadamente os de ameaça, de segurança, de dissuasão e de estratégia coerciva, numa perspectiva construtivista. Na situação presente as ameaças existem sem autores, a sua origem é muitas vezes difícil ou impossível de determinar; daí a designação de risco como factor causador de insegurança, susceptível de produzir danos ou de limitar as escolhas políticas do actor que se sinta atingido. Enquanto a ameaça concreta obriga a uma defesa específica, o risco é multifacetado e pluridireccionado, o que conduz a que se considere um conceito de segurança alargado onde se equacionam não só factores militares, mas de outra natureza, como por exemplo económicos, políticos e sociais. A mitigação dos riscos é uma estratégia de carácter permanente.
Neste contexto, o conceito de segurança traduz-se na protecção dos valores adquiridos por uma sociedade, na continuidade da sua forma de vida, existindo um contínuo entre a segurança total ou absoluta, impossível de alcançar, e a insegurança total ou caótica que corresponderá à negação do ser ou da identidade. Será neste intervalo que se situa a gestão do risco, diferenciando eventos de elevada probabilidade de ocorrência e de baixos danos, de eventos de baixa probabilidade e elevado dano.
Como tese fundamental afirma-se que, neste contexto, a estratégia de negação, ou seja, impedir que o opositor seja livre de lançar ataques e reduzir os danos que poderá provocar, é a recomendada para a mitigação de riscos.
A edificação de capacidades decorre desta base conceptual e do facto de não se visualizarem ou identificarem facilmente os autores de ameaças. Portanto, os ingredientes do planeamento resultam das condicionantes externas, das ameaças, dos cenários, das políticas, dos compromissos, dos conceitos de operações, das tarefas estratégicas, dos sistemas de forças e dos sistemas de armas, como elementos fundamentais das capacidades militares.
O paradigma aqui proposto assenta na consideração de ameaças com grande probabilidade de ocorrência mas de efeitos menores, em contraposição com ameaças de grande impacte mas de muito baixa probabilidade.
Estas considerações teóricas fundamentais servem de base para o estudo de levantamento de uma capacidade de vigilância marítima. Desde logo, considera-se a fronteira marítima como interesse vital, a nível nacional e europeu, e parte-se do estado actual quanto a capacidades de vigilância actuais, baseadas em terra, no mar e no ar, assim como os beneficiários deste produto, de acordo com as disposições legais em vigor. De entre os vários tipos de ameaças actuais, é o crime organizado, o tráfico de droga e de pessoas, com a utilização de meios altamente sofisticados, aquelas que são mais relevantes. A discussão centra-se a seguir na descrição dos sistemas aéreos não tripulados e no processo de distribuição da informação por todas as entidades com interesse nessa informação, com particular ênfase na constituição de um sistema de fusão de informação e conhecimento. Em termos muito simples recomenda-se a dotação de sistemas não tripulados e a criação de uma estrutura de informação.
O segundo tema constante deste livro intitula-se “O programa de sistemas aéreos não tripulados da Força Aérea Portuguesa como alicerce da capacidade aérea não tripulada nacional”. Trata-se de um estudo muito completo sobre a edificação de capacidades nacionais de utilização operacional de veículos aéreos não tripulados, a partir da experiência já obtida pela Força Aérea. A finalidade do estudo é a verificação da viabilidade de introdução do sistema operacional a nível nacional, tanto em termos militares como civis, com a continuidade das actividades de investigação e desenvolvimento, isto é, de associar capacidade operacional, sustentação logística, com investigação tecnológica.
É feita uma descrição exaustiva sobre a história e os progressos obtidos com a investigação na área dos UAS, feito um ponto de situação dos resultados obtidos, tanto em termos de desenvolvimento de protótipos, como na definição de estratégias e das correspondentes publicações. As parcerias com a Universidade, e com empresas industriais, os projectos e os contactos estabelecidos a nível internacional, permitiram obter experiência suficiente para o lançamento de um programa nacional coerente e consistente. A lista das valências técnicas adquiridas, em todos os segmentos de missão, permite garantir uma base sólida para o arranque da exploração operacional nesta área em quase todos os domínios, sejam eles de natureza táctica ou estratégica. O documento procede a um levantamento das necessidades dos Ramos das Forças Armadas, das Forças de Segurança, de vários ministérios e de entidades civis, associando essas necessidades aos sistemas já desenvolvidos pela Força Aérea.
O que este capítulo do livro nos diz é que tudo isto está inicializado com resultados firmes. Impõe-se, a partir daqui manter e ampliar parcerias, atribuir recursos e caminhar numa direcção segura para o reforço das capacidades nacionais, para a definição e consolidação de objectivos de forças nesta área, no quadro de um conceito de operações muito claro. Ao mesmo tempo que se transita para a aplicação concreta, a investigação deverá continuar em acompanhamento dessa transição.
O terceiro capítulo tem por título “O espaço e as pequenas potências da Ásia à Europa”. É feito um estudo comparativo entre quatro pequenas potências asiáticas (Malásia, Coreia do Norte, Vietnam e Tailândia) e quatro pequenas potências europeias (Bélgica, Dinamarca, Irlanda e Portugal). A selecção destas oito potências foi baseada em critérios económicos e, claro, por desenvolverem actividades espaciais com motivações e interesses diferentes. A actividade espacial para cada uma destas potências foi discriminada quanto ao número de satélites lançados e a especialização predominante quanto às funções de cada um deles.
O que o estudo mostrou foi que as potências asiáticas procuram a autonomia, na medida do possível, em reforço das suas capacidades nacionais, enquanto as potências europeias têm tendência a recorrer ao apoio internacional, sendo certo que algumas das agências que fornecem este serviço resultaram da participação desses e de outros países como é o caso da ESA. Para o caso oriental o espaço é também um campo para afirmação nacional. O lado oriental move-se mais por interesses políticos, enquanto do lado ocidental prevalece o factor económico. Contudo, não deixa de ser curioso verificar que as potências asiáticas despendem menos recursos do que as europeias.
Como é sabido, o satélite tem um campo de aplicação muito vasto, desde as comunicações, a detecção remota, a cartografia, a oceanografia, a vigilância tanto para efeitos de segurança, como para visualização de situações catastróficas, entre muitos outros. O desenvolvimento na área dos sensores tem permitido resoluções de imagem que permitem a identificação de objectos de muito pequena dimensão. É um campo novo que se abre a Portugal e que exige uma grande coordenação política para daí se extraírem os melhores resultados que interessem a várias áreas nacionais.
O último capítulo tem por título “A tecnologia espacial nas Forças Armadas Portuguesas; presente e tendências”. A primeira constatação que o capítulo nos apresenta é que existe uma grande dependência do espaço nas operações militares do presente. Isto é também verdadeiro para a vida normal na sociedade civil. Normalmente, não se pensa no que poderia acontecer se esse apoio vindo do espaço deixasse de existir. A guerra no espaço poderá, de facto, tornar este medo em realidade, e talvez por isso a sua contenção esteja tão presente, à semelhança do que aconteceu com o medo do holocausto nuclear. Portanto, talvez seja interessante pensar nas alternativas possíveis face a essa eventualidade, no campo estritamente militar, começando por analisar o grau de dependência actual. Desde logo não poderemos esquecer que o grau do domínio do espaço está correlacionado com outros factores de poder, isto é, são as maiores potências que dispõem da maior utilização do espaço. Os dados mencionados neste estudo são elucidativos. Contudo, o espaço apresenta ainda grandes vulnerabilidades, pelo que nunca será de excluir a possibilidade da guerra no espaço, ou a possibilidade da guerra negando o domínio do espaço. Daí que a primeira área de missão seja o controlo espacial, para a criação de uma consciência situacional, semelhante ao que se passa com a situação do campo de batalha. Quantas plataformas estão em órbita e que funções desempenham? Quantas estações existem à superfície terrestre e a bordo de aeronaves, relacionadas com a guerra no espaço? Estas e outras questões do mesmo género constituem a base de Intelligence que carece de actualização permanente. A outra área da estratégia espacial é a de saber quais são os factores de multiplicação da força, na medida em que potenciem as capacidades militares, ou seja, que áreas de apoio são esperadas através do recurso espacial; em termos genéricos, poderemos dizer que esse apoio se traduz no reforço da capacidade de vigilância e reconhecimento, da precisão no posicionamento da plataforma e no guiamento da arma, na transferência de grandes volumes de informação em tempo quase real e a grandes distâncias, nas comunicações globais e noutras áreas similares; este exercício é inesgotável. O satélite mantém uma disponibilidade total, no período de tempo em que está visível, o que pode ser permanente quando configurado em rede. É óbvio que, como qualquer construção artificial, apresenta vulnerabilidades ou dificuldades de acesso, sendo a primeira o seu elevado custo.
As alternativas ao uso do espaço na aplicação militar deverão consistir no regresso à tecnologia anterior ao aparecimento eficaz da tecnologia espacial. Em termos práticos, o estudo sugere a utilização do sistema aéreo não tripulado, do balão no quase espaço, no micro satélite e de outros dispositivos ou mecanismos.
Em suma, o livro que agora sai à estampa representa um contributo importante para o estudo da transformação aeroespacial, nas áreas dos sistemas aéreos não tripulados e da exploração do espaço para fins militares, e constituirá certamente um documento de referência para debates futuros.
A Revista Militar agradece a oferta desta publicação que passou a integrar o acervo bibliográfico.
Vice-presidente da Assembleia Geral da Revista Militar.