Acerca das relações entre África e a Europa, dos valores que as permeiam e dos riscos que as ameaçam, não só prevalece uma fluidez de referências como se esquece o respectivo lastro histórico, concretamente, o estendal de promessas aos cidadãos. Logo, nos momentos de discussão das possibilidades futuras, a performance ritual tende a substituir o balanço crítico das concretizações dos objectivos de natureza política e cívica, reiterados há anos, mas que, no terreno, frequentemente conhecem recuos. Presentemente, os objectivos políticos, que deveriam implicar os Estados, tendem a ser preteridos a favor de realizações de âmbito social, económico e ambiental como se os avanços nestes domínios devessem colmatar lacunas no crucial campo político, mormente no tocante às liberdades e à sedimentação da latitude da decisão individual.
No rastreio das situações políticas e na avaliação das possibilidades de acção, por vezes é difícil ir além de um saber que, não raro, se compraz com a repetição ad nauseam das suas consabidas enunciações. Embora ciente destas limitações, o objectivo deste texto exploratório, que se centra nos PALOP, só pode ser o de tentar mapear interrogações[1].
A propósito das relações entre ambos os continentes, uma primeira questão prende-se com a ordem dos termos da equação: talvez não seja indiferente falar das relações entre Europa e África ou, diversamente, entre África e Europa[2]. A primeira formulação é mais comum entre nós, seja por um etnocentrismo tributário da costumeira representação gráfica do mundo[3], seja pela assunção impensada segundo a qual a precedência da Europa traduz com maior acerto os laços tendencialmente desiguais, materializados, por exemplo, na prática assistencial e no histórico de intervenções militares no continente africano.
Em todo o caso, mesmo que a ordem dos factores seja comutativa, resta saber o que são hoje a África e a Europa. Contra a difusa militância de inspiração pan-africanista, subliminarmente presente em locuções políticas e em documentos institucionais como a Agenda 2063, duvida-se que África seja una. Porém, dúvida equivalente aflora a respeito da Europa ameaçada por nacionalismos reactivos, obtusos e, amiúde, avessos à avaliação do seu significado político para além da actual conjuntura. No presente cenário de políticas titubeantes, ditadas por nacionalismos movidos por pulsões emo-cionais, dificilmente se entreverá um papel afirmativo de um qualquer país europeu isoladamente e, na circunstância, também da própria Europa.
Assim, são a África e a Europa entidades políticas operativas, em função das quais se pode tentar a projecção e a concretização de parcerias estratégicas[4]? Para lá das quatro cimeiras já efectuadas, pergunta-se: se as políticas tão permeáveis às injunções das conjunturas, que as tornam, não mutantes e adaptáveis, mas quase voláteis, como firmar objectivos e desenhar relações estratégicas?
A que valores se deve(m) referir a(s) estratégia(s) para a tornar profícua? É em função dos riscos que se tecem as estratégias ou estas deviam almejar metas que prevenissem ou minorassem os riscos, mormente para consecução do desenvolvimento e da segurança[5]. Afinal de contas, se não servirem para este desiderato, para que fins servirão as relações estratégicas (desejavelmente, de mão dupla) entre a Europa e a África[6]?
Apesar de amiúde faltar a noção do quanto a análise histórica é necessária a uma competente avaliação crítica das acções e dos processos políticos, desde há décadas que se traçam com razoável detalhe quadros de possibilidades e cenários prospectivos[7]. Porque é que não se consegue conter o que se elenca como riscos – alguns comparáveis a doenças silenciosas como os desequilíbrios de natureza ecológica e, em África, a desertificação progressiva e a escassez da água – e menos ainda se deteve a ampliação das ameaças (inevitavelmente também caracterizadas pela sua imprevisibilidade)? A aceleração do tempo, a ampliação das variáveis e a proliferação de poderes parecem laborar para aprofundar o descompasso entre o avolumar dos riscos e o limitado alcance das políticas dos múltiplos poderes instituídos, à primeira vista crescentemente incapazes de delimitar o reduto do bem-comum contra os legítimos, conquanto não necessariamente vantajosos, interesses privados a que se subsumiu o bem-comum.
Os poderes públicos parecem capturados por lógicas que não dominam, desde a irracionalidade das pulsões políticas das moles induzida pelos media até à capciosa necessidade de opacas “reformas estruturais” demandadas pelos mercados, de cuja racionalidade, desmentida pela história e no dia-a-dia, ninguém, todavia, parece sequer querer duvidar. Os poderes públicos surgem, assim, cingidos à construção da antepara de salvaguarda de interesses não escrutinados, nem no tocante às intenções nem ao modus operandi. Também por isto, em situação de privação generalizada, a ascensão do populismo não só labora contra as instituições, como já resulta da descrença nelas.
A aferirmos pela corrosão institucional ou pela desagregação social aparentes, a situação em África e na Europa parece radicalmente distinta. Mas, sopesada a indeterminação dos tempos presentes, entrevêem-se traços de similitude em países europeus e africanos, naqueles aflorando populismos supostamente ancorados num passado redentor, nestes avultando o moralismo sumaríssimo dos marginalizados da evolução económica contra os políticos[8], num e noutro caso pronta e crescentemente equiparados a corruptos e a ladrões.
Diga-se, sobretudo aos homens de acção, estas questões podem afigurar-se retóricas e despiciendas[9]. Porém, a não serem encaradas, decerto se incorrerá em vários erros, desde logo pela não clarificação dos cenários geopolítico e histórico-social da acção, nem dos valores que a norteiam. Impõe-se, pois, perguntar qual é nossa bandeira? [10]
Retorquir-se-á, se se requeresse uma clara definição prévia de todos os crivos e possibilidades como requisito para a acção, a provável impossibilidade de lograr aquela tolheria esta. Porém, admitir a fluidez na caracterização dos cenários não desobriga da preclara noção dos limites dos intentos e das acções. Tal implica prontidão para não ir muito longe nos objectivos e disposição para lidar com os efeitos impensados das políticas e das acções delineadas. Reconheça-se, nem mesmo a competente definição de riscos, valores e propósitos infirma a noção de quão ralo será qualquer cenário de relações estratégicas. Malgrado as cimeiras e os documentos, tal aplica-se às relações entre África e a Europa.
Reiteradamente predita desde há décadas, a correlação entre crise e disrupção em África, também materializada no surto de migração de refugiados, teve o seu impacto na Europa, evidenciando a vulnerabilidade da UE. Tal patenteia-se na falta de solidariedade na assunção de responsabilidades na União[11], ao mesmo tempo que países-membros perseguem em África interesses próprios, nem sempre compagináveis com os da União nem com os dos Africanos[12]. Nessa linha, tendo presente o fraco nível do sentimento europeu[13], reorientar a política de segurança de acordo com a percepção estrita das suas necessidades, mais virada para a componente defensiva e securitária[14], menos apostada na prevenção dos focos da insegurança além-fronteiras, poderá parecer uma opção avisada, porque prudente. Mas, só por si, tal solução poderá não ser efectiva nem contribuir para o reforço do sentimento europeu. Ao invés, poderá dar fôlego a forças centrífugas e avessas ao projecto europeu, apesar de este se afigurar o enquadramento que, num cenário temporal concebível, permite a afirmação dos países da UE.
Se pensarmos em África, sem embargo da arquitectura e da aprovação de políticas e de instrumentos jurídicos de protecção de pessoas e grupos e de promoção de soluções políticas legais e pacíficas, não se evita a percepção de fragilidade das instituições estatais, assim como não deixa de assomar a noção de uma acentuada pluralidade política e cultural. Só a arquitectura institucional continental como que a disfarça essa pluralidade, ajudando, por exemplo, a esborratar as fronteiras internas nalguns Estados, alguns dos quais com argumentos para alimentarem a vocação de potências regionais.
Suportes dos documentos conjuntos, como, por exemplo, o da Estratégia Conjunta União Europeia-África, aprovada em 2005[15], as arquitecturas institucionais vigentes em África e na Europa parecem claras, mas, mais vezes do que o desejável, revelam-se falhas de substância e de operacionalidade. Tal não é um exclusivo de África ainda que, por razões históricas, se observem neste continente maiores dificuldades na construção da democracia e, bem assim, na promoção do binómio, há anos julgado inextricavelmente solidário, da segurança e desenvolvimento. Não que as supracitadas metas tenham sido abandonadas – por ora ainda não se chegou aí –, mas vão assomando indícios de peculiares entendimentos de tais metas políticas.
Mesmo onde existem clausulados jurídicos atinentes à salvaguarda da dignidade da pessoa humana, não está forçosamente consolidada a observância dos direitos humanos, a qual tende a depender das circunstâncias políticas[16]. Afinal, em África, em menos de meia dúzia de anos, passou-se inapelavelmente do bom momento do continente[17] para um estilhaçamento dos tecidos sociais por força da presente crise global, entre cujos efeitos gravosos se conta a pobreza, uma realidade hoje menos compreensível do que há décadas, conquanto não necessariamente combatida com maior eficácia[18].
O diálogo intercontinental também não é fácil. Por um lado, a memória do passado, com tanto de comum quanto de conflitual, distorce-o, emperrando o relacionamento entre Africanos e Europeus. Para amplos segmentos sociais da Europa, África significa pouco. Já neste continente, da Europa (ou do Ocidente) sobrevém amiúde a associação a um colonialismo[19], que se transmudou na globalização, para muitos Africanos predatória de recursos e causadora de privação generalizada e de maiores desigualdades nas suas sociedades. Diga-se, comummente esta acusação brota da impossibilidade de agir contra os governantes.
Por outro, a informalização da política solapa a hipótese de um papel activo das instituições. A este propósito, a primeira tentação é olhar depreciativamente o curso da (significativamente redundante) africanização da política em África. Porém, do lado europeu, apesar do maior escrutínio das acções dos políticos, o grau de informalização das decisões políticas a benefício de poderes fácticos como a burocracia ou os famigerados mercados, não é negligenciável.
Neste contexto, malgrado a sobranceria de apriorismos relativos ao desconcerto no continente africano, presentemente é menor, para não dizer nula, a disposição para acções em África tipificáveis como de ingerência humanitária ou em prol da prossecução da segurança internacional.
Também as relações entre Portugal e os PALOP (quer as bilaterais, quer as multilaterais, prosseguidas no contexto da CPLP) suscitam interrogações acerca do que de estratégico ou de errático, de inerte ou de conjuntural elas comportam. No curso de tais relações, facilmente se esquecem objectivos – atente-se, por exemplo, o estendal de promessas relativas à mobilidade dos cidadãos ditos lusófonos. À conveniente demissão de exigentes balanços no tocante ao cumprimento de promessas políticas junta-se, no presente, a enfâse na dimensão económica, dir-se-ia, congruente com a orientação para os negócios que alegadamente pautou a IV Cimeira UE-África[20]. Ora, nas actuais condições de agravamento das desigualdades sociais que percorrem o mundo e, com particular acento, África, a redução da CPLP à dita vocação económica corrói ainda mais a dimensão de cidadania e de liberdade inscrita nas metas da organização e, bem assim, da União Africana e da União Europeia[21].
Não vale a pena invocar frases estereotipadas sem colagem à realidade, entre as quais, a politicamente oportuna alusão à comunidade de afectos. De, resto, ao cabo de vinte anos perdidos, desvelam-nos agora a súbita vocação da CPLP em que se inscrevem as relações entre Portugal e os Cinco: o futuro da CPLP reside na economia[22].
Se porventura atentar nestas proclamações, a rua fará delas uma leitura política prenhe de ressentimentos. Na verdade, ninguém asseverará convictamente que desta súbita vocação económica resultarão mais oportunidades para uma acumulação interna mais disseminada, maior mobilidade social e melhorias de padrões de vida nos países africanos. Para a maioria dos Africanos, o propalado enfoque na economia significará, decerto, a apropriação de rendas e dos recursos públicos pelos elementos da nomenclaturas metamorfoseados em burguesias nacionais que, ao invés de empreendedoras, tendem a ser rentistas. Para a rua, afigurar-se-á indiscutível que tal metamorfose ocorre com a cumplicidade europeia.
Abstraindo-nos por momentos do negativismo da rua africana, se nos detivermos nos PALOP, a situação apresenta-se pouco lisonjeira no tocante ao estabelecimento de laços de cooperação com impacto na promoção do desenvolvimento económico e na sedimentação da cidadania. Em parte, tal decorre das dificuldades vividas num Portugal que se redescobre periferizado numa Europa distante dos seus objectivos primevos. Mas deriva igualmente do lastro de desregulação política e social que, com excepção de Cabo Verde, pauta os Cinco em resultado seja do colonialismo, seja dos posteriores intentos de engenharias políticas e sociais que, enfunadas pelo monolitismo ideológico, foram impostas pelos Estados às sociedades[23].
Em virtude da sua particular insularidade, decisivamente influenciada pela dimensão diaspórica da nação e pela prevalência de um “substrato ocidental da cultura política e institucional”[24], Cabo Verde é, como se disse, a excepção ao quadro de corrosão política e social. No arquipélago, apesar de intensa, a dissonância no tocante ao destino e à matriz identitária do país não se desdobra numa dinâmica conflitual que extravase o quadro institucional[25]. Ponderadas as múltiplas amarrações de uma nação feita de diásporas, tais dilemas identitários, conquanto não negligenciáveis enquanto instrumentos da competição política, não têm, pelo menos para já, repercussões políticas danosas[26].
Ideologias ou ideais deixaram há muito de contar no país por que Cabral lutou. Na Guiné-Bissau, a ideia de um Estado só não é mera ficção apenas porque se tercem armas para o hegemonizar. Podemos preferir falar de um Estado adaptado e não de um Estado falhado ou de um quase-Estado[27] numa sociedade exaurida pela trajectória de empobrecimento e pela sucessão de intervenções armadas. Ademais, para além de inoperacional, podemos supor o Estado retalhado pelas clivagens étnicas, pelo avassalamento do território e das gentes pelas manobras do narcotráfico, pelo abastardamento dos ideais da luta, a qual até há pouco suportaram a tutela dos militares sobre a sociedade. Ao cabo de quarenta anos de violência nos círculos de poder – tentativas de golpes, golpes, guerras, prisões, tortura, mortes e retaliações, já para não falar da agressividade do Estado para com as estruturas das sociedades agrárias existentes na Guiné-Bissau – e de corrosiva degradação institucional, porque razão se deveria crer fundadamente numa inflexão atinente à normalização política e social? Na verdade, a crença só pode derivar do desejo de paz e do fim da violência[28] do comum dos guineenses.
Após a vitória do PAIGC, liderado por Domingos Simões Pereira, nas esperançosas eleições de 2014, o presidente Mário Vaz, igualmente saído das fileiras do PAIGC, induziu várias manobras políticas, entre elas, o êxodo de deputados da bancada do PAIGC, com o que se assenhoreou do poder. De permeio com a tensão daí resultante, por alguns dias, o país chegou a ter dois governos. A situação política mantém-se volátil e, numa visão com tanto de pessimismo quanto de realismo, não se entrevê que, independentemente de acordos assinados sob mediação de Alpha Condé, presidente da Guiné-Conacri, o país possa vir a dispor de tranquilidade política para lançar as bases da reedificação do Estado e para a reconstrução social. Afinal, a cada passo no sentido da normalização institucional tem-se sucedido o recurso à violência.
Em Moçambique, a disputa e a partilha do poder afiguram-se uma fonte de insanáveis dissensões. Os pronunciamentos a favor da paz e acerca do empenho em alcançá-la são coetâneos da intimidação e do assassinato de indivíduos independentes, isto é, desafectos ao governo, e de militantes de partidos, que não da Frelimo. Assim sucedeu a Jeremias Pondeca, um elemento da Renamo com assento na mesa de negociações da paz, e a Luciano Augusto, dirigente da Renamo na Zambézia. Estes episódios somam-se ao assassínio do constitucionalista Gilles Cistac e à violência contra José Jaime Macuane, professor universitário e comentador político. Tais ocorrências podem não conduzir à guerra, mas, já esvanecida a memória dos horrores da guerra civil, podem conduzir a uma violência de baixa intensidade, capaz, se não de o imobilizar, pelo menos, de arredar a confiança no país. Acresce a possibilidade de convulsões sociais que só se travarão com o recurso à violência do aparato estatal, a qual, nas actuais circunstâncias de acrimónia política, só a aumentará a tensão social.
Alvitre-se, ambas as forças políticas se baseiam em raciocínios não explícitos – por politicamente inaceitáveis na cena internacional ainda que relevantes no cenário nacional –, entre eles, o de que o seu peso eleitoral advém também – e não é um dado menor – da sua força militar, isto é, da capacidade de defender os seus[29] ou de infligir danos com visibilidade política e social. Esta crença tem uma valia limitada, quer pelo peso relativo do factor militar, quando cotejado, por exemplo, com a capacidade de distribuição de bens, quer por também depender do poderio militar do adversário, supostamente político, mas que, com frequência, é encarado como um adversário belicoso.
Por isso, não raro aflorará a tentação de condicionar o entendimento político à obtenção prévia de vantagens militares. A Frelimo pode alimentar a ideia de vencer militarmente a Renamo, enquanto esta julgará possível condicionar o governo por força de acções armadas.
Ora, talvez nem a Renamo chegue à reclamada governação de províncias a partir da violência, nem a Frelimo possa prolongar o seu tacticismo à espera de que a acção militar derrote politicamente a Renamo. De ambas as partes, esperar para fazer acordos em condições de vantagem militar pode parecer avisado, mas corresponde a uma opção de resultados curtos, porque, a despeito das crenças em contrário, as vantagens militares serão sempre transitórias, para não dizer efémeras. Sobretudo porque, infirmando os pequenos ganhos assim obtidos[30], a política de índole bélica tem um efeito aparentemente desvalorizado, o da acentuação da clivagem entre o sul e o norte do país. Esta clivagem foi colmatada na Frelimo com a sucessão de presidentes de diferentes origens, mas esta solução não foi estendida à sociedade e ao Estado. Ora, assoberbado por esta e outras fracturas, dificilmente o Estado moçambicano executará políticas de coesão social baseadas na promoção de direitos sociais básicos e dificilmente se constituirá como sujeito de uma pertinaz relação de cooperação para o desenvolvimento e a segurança.
Em Angola, acobertado pela guerra movida pela UNITA durante vinte e sete anos após a independência[31], o MPLA foi alargando o seu poderio. Após a morte de Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos foi transformando as dissensões ideológicas em torno da maior ou menor heterodoxia socialista em lealdade à sua pessoa[32]. Em Luanda, assistiu-se à tessitura de um poder concentrado num grupo restrito ou, com maior acerto, nas mãos de uma pessoa, cuja habilidade política foi, primeiro, a de conter e, num segundo momento, ameaçar, punir e recompensar as figuras das diferentes alas do MPLA. Independentemente do apoio social ao MPLA, explicável por circunstâncias históricas – entre elas, a guerra colonial e a guerra civil –, o MPLA tornou-se um partido subordinado aos desígnios de Eduardo dos Santos, a ponto de, até há anos, quando não até há meses, os próprios adversários de Eduardo dos Santos recearem a entropia do dia inelutavelmente mais próximo da sua saída de cena[33].
A acrescer a esta dinâmica, em Angola, o poder político como que independe da débil economia local e, por via disso, da vida quotidiana do grosso da população. Durante décadas, as receitas de petróleo sustentaram um Estado pouco preocupado em exacções a uma sociedade exaurida pela desorganização económica e pela guerra civil.
Após o fim desta, a governação pareceu até capaz de guiar a sociedade angolana na senda da progressiva melhoria das condições de vida. Ora, a presente retracção na disponibilização de bens e serviços à população (ou, pelo menos, à parte dela que, parecendo inerte, se constitui, ainda assim, numa residual pressão social) pode fazer perigar as confortáveis maiorias alcançadas pelo MPLA em pleitos eleitorais – mormente no de 2008, no qual logrou obter uma maioria qualificada de dois terços de deputados, com que veio a alterar a constituição no sentido da concentração do poder na figura do presidente – anteriores à recente queda do preço do petróleo.
Apesar de obrigado a ajustamentos económicos, não é expectável que o MPLA abandone a sua prática de décadas e se disponha à mínima partilha do poder. A expectativa da longevidade do MPLA no poder não ajuda a um diálogo político interno profícuo, nem induz a uma concertação política conducente à distinção entre o MPLA e o Estado angolano.
Embora pouco enraizado – aliás, até literalmente ausente de partes do território, ao mesmo tempo que avesso à descentralização administrativa[34], a que prefere a desconcentração –, o Estado angolano tornou-se militarmente forte, tendo capacidade de projecção internacional do seu poder bélico, que legitimará, se preciso, com a enunciação de máximas sobre actividades subversivas ou terroristas em países vizinhos. Todavia, apesar da perspectiva de uma aparente estabilidade escorada na força militar – suporte das relações externas de Angola, como, aliás, de vários países – seria erróneo adoptar raciocínios simplistas (e tranquilizadores) a respeito da estabilidade na região, porquanto a situação política na região se tem revelado volátil.
Mesmo onde a micro-insularidade, a pacatez e a exiguidade pareceram ditar parâmetros para uma confiável regulação social, caso de São Tomé e Príncipe, a vida institucional degrada-se a ritmo acelerado. Em virtude da dinâmica de desregulação social para lá de qualquer previsão de há décadas, quando não de há anos, São Tomé e Príncipe tornou-se irreconhecível[35] e não apenas, nem sobretudo, pelo afluxo de imigrantes da costa próxima, como apontam são-tomenses ainda apostados na tentativa de criação de uma identidade protectora em face da incerteza futura. Num quadro de funcionamento democrático, que, na cúpula, se tem revelado exemplar, as mutações sociais não deveriam ser um problema. Porém, para a generalidade dos são-tomenses, tais mutações não sedimentam senão a convicção sobre a sua incapacidade de determinação do seu futuro.
Em São Tomé e Príncipe, o ressentimento calado por décadas de subalternização face aos colonos conduziu à independência, lograda com a assistência dos militares portugueses em 1974-75[36]. Após a independência, o regime ditatorial de partido único de coloração socialista comprovou o engodo do período de transição e, para certas franjas sociais, certamente se revelou como punição divina. A partir do incremento das desigualdades sociais determinadas pelo curso da política – cuja recente monopolização por quem tem posses para ter clientelas tende a vedar ao grosso da população o acesso a bens, a recursos e a oportunidades – passou a imperar, sobretudo entre os jovens desapossados e sem expectativas[37], o moralismo sumário e a adesão a propostas salvíficas. A irmandade são-tomense de antanho esboroou-se, tendo sido trocada por relações sociais inquinadas pela desconfiança, um poderoso óbice a qualquer noção de bem comum. Deliquescente, o Estado subsiste enquanto instância formal do poder e veículo do fluxo das doações.
Na esteira do sucedido nos derradeiros anos do colonialismo, a independência trouxe, como se disse, a adesão dos ilhéus a uma sucessão de soluções redentoras[38], invariavelmente geradas fora e indutoras de um populismo sem horizontes. Não só a esperança se erode, como cada solução se transforma num passo no sentido da entropia – que sugere a oportunidade do pulso forte – e do bloqueio político, o qual, medrando a coberto da observância dos mecanismos formais de representação e de decisão políticas, corrói os laços sociais e solapa o desenvolvimento económico e social.
Ocasionalmente maior do que o relativo às violações dos direitos humanos, o horror da comunidade internacional às mudanças políticas por métodos não constitucionais[39] aplica-se a São Tomé e Príncipe e a mais alguns países susceptíveis de serem isolados sem dano para as cumplicidades internacionais[40], algumas delas dos tempos da luta[41]. Juntamente com este dado, a percepção dos são-tomenses quanto ao inelutável da sua contiguidade forçada emerge como factor de contenção da irrupção da violência. Mas actos violentos e, sobretudo, a agressividade verbal, quase incontinente em contextos tão diversos como o parlamento ou, mais frequentemente, a internet, desmentem a eficácia dos mecanismos da democracia representativa para acomodar e tornar profícuas as manifestações de desagravo. Não se estranhe que aventados constrangimentos à expressão pública de protestos possam induzir bloqueamentos políticos que gerarão novas desafeições e demandarão novos constrangimentos sobre os indivíduos.
Embora não forçosamente devido à actual titularidade dos órgãos de soberania pelo mesmo partido – Aliança Democrática Independente, um partido de um homem só (antes de Miguel Trovoada, hoje, de seu filho, Patrice), como, desde a independência, outros partidos também o foram –, não se arrede a hipótese de São Tomé e Príncipe vir a ingressar no rol das derivas autoritárias, mesmo se não com a intolerância da vigente na Guiné Equatorial, cujo “chefe” apregoa a adopção de uma democracia puramente africana[42] e, ao que se noticiou, sugere cortar tendões aos criminosos[43].
Aduza-se, a adopção da língua portuguesa poderá não ser um crivo absoluto para a aceitação da Guiné-Equatorial da CPLP, mas o mesmo não se dirá do respeito pelos direitos humanos. Ora, aceitou-se ad referendum a integração da Guiné Equatorial que, num prazo concebível, não cumprirá nenhum dos requisitos elencados[44]. A questão que assoma é se este mais do que provável desenlace não era sobejamente sabido e se não se claudicou por causa do petróleo.
Não espantam, pois, os sinais preocupantes de ruptura dos laços entre países da CPLP, de que se arrolam três: um, a escolha da mediação nigeriana em detrimento da agência da CPLP liderada por Angola aquando do golpe em 2003 em São Tomé e Príncipe[45], quando, dito de outro modo, o petróleo se sobrepôs à história. Outro, a ruptura da Guiné-Bissau com a Missang, lance a que, aventa-se, não terão sido alheios cômputos quanto a favoritismos na protecção de interesses económicos considerados indevidos, para além de que a Missang, oriunda de outra sub-região, projectava a ideia de menorização dos Guineenses. Fosse como fosse, a CPLP foi preterida pela organização regional. Por último, e ainda na esteira da aceitação da Guiné-Equatorial, a afirmação, agora abertamente reiterada, de que a CPLP é uma organização de Estados e uma rede de vocação preferencialmente económica. Os países, os povos e os “afectos” foram descartados em prol da economia. Na prática, tal só agravará a suspeita que percorre a rua africana de que tal economia não se destina ao povo[46].
Se tomarmos os Cinco – cujo relacionamento, outrora político-ideológico, se tornou casuístico ou instrumental – como amostra significativa do panorama da concertação política em África, teremos dificuldades em gizar bases prospectivas para qualquer relação estratégica com a parte africana. Porém, ainda que comummente se olhe com reticências para o lado africano – qual inércia dos tempos em que a Europa se julgou sentada em cima da história, cujo caminho os Africanos ainda teriam de percorrer –, alguns dos riscos também se situam do lado europeu, por exemplo, o de, pela hesitação e pela inconsequência, a Europa sugerir a confirmação a imagem da sua duplicidade moral. Dada a memória do colonialismo, tal imagem é de forma célere, mesmo se também inapropriada e injustamente, validada em África.
Por absurdo, admitamos que a (para alguns, hoje já desmentida) carta de valores da Europa se resuma às trocas económicas ou à criação do ambiente político facilitador de tais trocas, passando a ser este o esteio das relações com África. Ora, em matéria de economia e de suporte social, o actual compromisso da Europa talvez fique aquém das apostas dos Estados no fomento de suas colónias na fase tardia do colonialismo. A confirmar-se, tal hipótese não deveria necessariamente concitar reparos. Mas se as propostas de parceria económica dependerem não de opções dos Estados, mas de inescrutáveis pulsões conjunturais ou do patológico nervosismo dos mercados, então de pouco valerá uma civilização de milénios que até há pouco se arrogava a condição de porto de abrigo para a condição humana[47].
Entrementes, não só a afirmação económica da Ásia como, em especial, a ascensão da China enquanto potência mundial e player em África, a que se presumivelmente juntarão a Índia, Israel e outros, vieram lembrar que o crescimento económico não está mais ligado à democracia representativa. A Europa (ou o Ocidente) deixou de estar ligada à liderança do crescimento económico, agora sediado em zonas onde vigoram regimes musculados e alheios a itens como os direitos humanos ou as liberdades políticas fundamentais. Sem vantagens tangíveis no plano económico, a democracia representativa deixa de constituir o único princípio de legitimação política e de organização social e, por isso, um caminho a ser forçosamente trilhado por todos os povos.
Portanto, independentemente das verbas disponibilizadas em programas de cooperação, que há anos faziam da Europa o maior doador no domínio da ajuda ao desenvolvimento e de África o maior beneficiário dessa ajuda[48], a Europa parece perder o pé no tocante à possibilidade de ombrear com a prontidão de execução da China. Aos olhos de governantes africanos – mormente, aos mais interessados no crescimento económico do que na ética da prática política ou nos padrões de civilidade, no que, ao menos circunstancialmente, terão o apoio de populações com memória de décadas de privações –, a Europa perdeu a maior razão para a imposição de condicionalidades democráticas[49], independentemente de estas o terem deixado de ser, porque plasmadas em convénios subscritos pela União Europeia e pela União Africana. Pouco empenhados na densificação deste organismo e, arriscar-se-á, das instituições nos próprios países[50], alguns chefes africanos parecem hoje mais confortados para enveredar por regimes musculados, de pulso forte, onde as menções a direitos humanos e à salvaguarda da liberdade e das garantias individuais tendem a ser mais retóricas do que operativas.
Esta tentação de deriva autoritária[51] – que actualmente dispensa o compreensivo paternalismo ocidental dos idos anos de 1960 e 1970 relativo ao imperativo da construção do Estado e da nação em territórios recém-independentes[52] – perpassa pelo continente africano, onde, à África do Sul e à Gâmbia, outros países se seguirão no abandono do Tribunal Penal Internacional.
Há anos tida por definitivamente assente, a conexão entre desenvolvimento e segurança parece hoje abalada – dificilmente integrada nos objectivos do desenvolvimento sustentável, ODS[53] – ou, pelo menos, surge desvirtuada por acepções redutoras de desenvolvimento e de segurança, aquele entendido como crescimento económico sem correspondente partilha social, esta atida à pacificação ou à neutralização, se necessário mais ou menos forçada, da competição política, assim se dificultando ou anulando a alternância no poder.
Já pela Europa, em tempos de incerteza, que mais parecem de desunião, o comprazimento pela troca de políticas pertinazes de cooperação dos Estados por acções avulsas de agências da sociedade civil – quando, em África, suportada pela indução internacional, a sociedade civil local não raro se revela espartilhada e incipiente[54] – dá uma medida da inconsequência de propósitos e, por conseguinte, da desacreditação do diálogo e das intenções políticas.
Com realismo se pergunta, em que bases assenta qualquer relação estratégica entre os dois continentes?
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Não raro, para além de rendido ao imediatismo, o saber sofre constrangimentos políticos. Também por isso, frequentemente pouco acrescenta ao senso comum. Noutras circunstâncias, serve para racionalizar decisões políticas, cujos objectivos estão frequentemente envoltos numa opacidade inescrutável.
[1] Não raro, para além de rendido ao imediatismo, o saber sofre constrangimentos políticos. Também por isso, frequentemente pouco acrescenta ao senso comum. Noutras circunstâncias, serve para racionalizar decisões políticas, cujos objectivos estão frequentemente envoltos numa opacidade inescrutável.
[2] Acerca da costumeira prioridade da designação Europa nas alusões ao binómio Europa-África ou África-Europa, veja-se, por exemplo, PINTO 2009.
[3] A representação gráfica do mundo não foi sempre, nem necessariamente é, aquela que nos acostumámos a ver nos planisférios, como o provam as cartas de navegantes ou, por exemplo, a representação do cone sul da América Latina na revista Tempo do Mundo, vol.2, nº3, Dezembro de 2010, cf. http://www.ipea.gov.br/portal/images/stories/PDFs/rtm/111024_rtm_portugues03.pdf, acesso: 22 de novembro de 2016.
[4] E, perguntar-se-á, relações estratégicas de que tipo? Note-se, a estratégia militar foi sendo preterida a favor de outros domínios (RAMALHO 1999:137), mas não é claro que a acção militar não seja um último e, aparentemente decisivo, recurso. Em todo o caso, objectivos de longo prazo dificilmente se conseguem pela mera força das armas.
[5] Para lograr a segurança, não são de menor valia a prevenção e a resolução de conflitos. Todavia, a segurança, tão duradoura quanto possível, advirá sobretudo da sedimentação das garantias humanas.
[6] Ao contrário da vulgata do credo liberal, as sociedades só podem funcionar de forma eficiente se o Estado for reforçado para garantir a segurança e criar um ambiente institucional favorável aos desempenhos sociais, cf. HUGON 2009:66.
[7] No tocante à CPLP, coteje-se o exercício prospectivo acerca dos riscos e ameaças em RAMALHO 1999.
[8] Tal facto justapõe-se a uma luta geracional, grassando entre a juventude urbana a contestação a estruturas gerontocráticas de chefia das sociedades. HUGON considera que o moralismo, a violência e o ideal de sucesso material são perfilhados pelos marginalizados pelo crescimento, sobretudo, pelos jovens, cf. 2009:43.
[9] Como é sabido, menos o são no plano militar, que requer sempre a definição de objectivos políticos precisos; ver, por exemplo, RAMALHO 1999:141-142.
[10] Esta questão é bem mais complexa do que a da legalidade ou a da legitimidade das acções – chancelas sempre conjunturais, quando não circunstanciais – por remeter para objectivos políticos que, podendo, na aparência, ser consensuais, por regra, não o são, desde logo pelo diferente entendimento do que apressadamente se julga ser um património universal ou pelos diversos interesses que neste se acobertam.
[11] Sem negar a complexidade da resolução dos dificílimos problemas do surto migratório para a Europa, não parecerá razoável deixar-se os países da linha da frente mediterrânica a arcar com a responsabilidade de salvar ou deixar morrer milhares de seres humanos no Mediterrâneo, como não é justo que os países-membros deixem qualquer um deles a debater-se com os custos, também políticos e sociais, da integração de migrantes.
[12] Na verdade, a prudência política deveria prevalecer para evitar que a prossecução de interesses nacionais colidisse com segmentos sociais africanos, com boas práticas decorrentes dos documentos fundadores da UE e, por fim, com o compromisso mútuo no estabelecimento de um ambiente político e social favorável à concretização de programas políticos minimamente consensuais.
[13] Em primeiro lugar, o hoje mais rarefeito sentimento europeu poderá ser atribuível à percepção de um ónus económico injustamente imposto aos povos – seja tal verdadeiro ou falso, é irrelevante para a formação do juízo da rua – por uma ortodoxia financeira que parece ter capturado o campo político, previsivelmente em desfavor dos povos. Não raro, o fraco nível do sentimento europeu resultará da fraca liderança de políticos, incapazes de apontar caminhos em épocas difíceis, presos a interesses imediatos em detrimento de objectivos sugeridos pela necessidade de afirmação da Europa enquanto actor global para seu bem e do mundo, para o que, aliás, o histórico engajamento na (e da) OTAN deveria ser exemplo bastante.
[14] À Europa cumpre pugnar por África (e não só) ou, entrincheirando-se, esperar que imperativos básicos consignados na Carta das Nações Unidas façam o seu caminho em terreno veladamente reconhecido como inóspito e hostil?
[15] Para uma resenha dos intentos e dos instrumentos políticos então acordados entre a União Europeia e a União Africana, veja-se NUNES 2013; também MACKIE e WILLIAMS 2015.
[16] Alguns autores aventaram a necessidade de africanização da democracia, justamente para evitar a sua adopção acéfala e/ou instrumentalizada e favorecer o respectivo enraizamento social, mas não deixaram de focar o imperativo da assunção de valores básicos, para não dizer universais, como o respeito pelos direitos humanos, a liberdade de expressão e de associação e a realização de eleições, valores a serem “consequentemente institucionalizados e integrados nos sistemas de governo” (SILVEIRA 2005:89). Contudo, e sem deixar de ponderar o que de contingente e de evolutivo conterá a africanização da democracia, não é certo que tal constitua uma prioridade nos meios políticos e sociais africanos.
[17] Em parte, esse bom momento foi associado à procura das matérias-primas em alta no mercado internacional. Em todo o caso, a disseminação dos efeitos da crise global e, em concreto, a descida dos preços das matérias-primas revelaram a debilidade das economias do continente africano, logicamente, um factor indutor de privações e de tensões sociais.
[18] Por exemplo, para HUGON, a pobreza é multidimensional e não é redutível aos proventos, podendo ser vista como uma diminuição dos direitos derivada da exclusão do mercado, dos bens públicos e dos vínculos sociais. Como realça, a “vulnerabilidade diante dos choques e a precariedade ligadas aos riscos são mais importantes do que a questão da pobreza” (2009:102), facto com vultuosas implicações políticas e sociais. Por isso mesmo, constata-se que nem por força de um diagnóstico mais acurado o combate à pobreza se revela mais eficaz.
[19] Cujo alcance histórico – a saber, o relativo à permanência ou à evanescência das mudanças por ele operadas – permanece (e permanecerá) por resolver.
[20] Cf. MACKIE, James e WILLIAMS, Rhys, 2015.1
[21] Por vezes, sobrevém a convicção de que basta falar de novos quadros de cooperação ou de boas relações políticas para se rasurar o passado. Na verdade, se o passado é mais fácil de rasurar do que o deixavam perceber as insistentes menções aos agravos dos colonialistas (cuja motivação era a de não esquecer o passado para o instrumentalizar na tentativa de mascarar os fracassos no pós-independência), também é verdade que os falhanços nas metas da cooperação reforçam o arquétipo do Ocidente enquanto moralmente dúplice e, em última instância, apenas interessado no saque dos recursos.
[22] Nem sequer as trocas culturais merecem destaque, apesar de, nalguma medida, serem efectivas por força de iniciativas provindas da base das sociedades e das respectivas solidariedades horizontais.
[23] Tal extrapolação, extensível aos Cinco, baseia-se na avaliação de Trajano FILHO para o curso da Guiné-Bissau após a independência, a saber, o da implantação de um projeto institucional que, em nome de um suposto universalismo, preconizava uma nação subordinada ao Estado e esvaziada de diversidade e de sentido (2016). A ideologia imposta aos indivíduos revelar-se-ia falha de significado.
[24] Nalgumas análises, negar-se-á a prevalência de tal substrato cultural “ocidental” e criticar-se-á a subjectividade de tal apontamento. Seja como for, para SILVEIRA – um notável heterodoxo do PAIGC –, tal substrato esteve sempre presente, até sob o regime de partido único (2005:10). Talvez a questão seja a de saber em que medida este substrato se manterá operante em Cabo Verde e quais as implicações nos procedimentos das instituições do Estado de direito democrático.
[25] Veja-se, por exemplo, FURTADO 2016. Essa tensão identitária foi controlada e silenciada no período inaugurado pelo 25 de Abril por força da exaltação com a vindoura independência sob a batuta do PAIGC. A intentada africanização dos espíritos não decorria do mérito intrínseco desse lema quanto da conjuntura e dos lances políticos de 1974-1975.
[26] A propósito, lembre-se a incapacidade de formular um modus operandi facilitador da mobilidade dos cidadãos cabo-verdianos. Isso seria crucial para a atenuação da tensão política subjacente aos dilemas identitários em que se engajam as elites no arquipélago,
[27] Entenda-se por quase-Estados os que, com existência política reconhecida internacionalmente e titulares dos mesmos direitos e responsabilidades dos restantes, não estão institucionalmente capacitados para garantir o contrato social com os seus cidadãos, cf. RODRIGUES 2013:15.
[28] Diga-se, a violência que, algo surpreendentemente, não se repercute no trato social nas ruas pautado pela afabilidade dos Guineenses.
[29] Por isso, a Renamo fortalece-se eleitoralmente apesar de pegar em armas, ideia aventada por Michel CAHEN (algumas das reflexões aqui presentes decorrem da sua exposição, As guerras civis moçambicanas (1976-92, 2013-2014, 2015-?) numa perspectiva histórica, realizada a 19 de Outubro de 2016, no seminário sobre História de África, na Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa).
[30] Veja-se o caso do acordo assinado em 2014, ao cabo de mais de um ano de conflitos, em que a Frelimo aceitou tudo quanto meses antes recusara e em que a Renamo acabou por não capitalizar politicamente a pressão militar exercida nos meses anteriores.
[31] Segundo VIDAL, por causa da guerra, foi possível aos governantes alienar económica e politicamente a maioria da população, sem, todavia, perder o seu suporte político, cf. 2003:8-9.
[32] Veja-se VIDAL 2016.
[33] Afinal, em Luanda, como noutras capitais africanas, se pensará que a concentração de poder na figura do presidente é a mais sólida garantia da unidade nacional. Ora, não é claro que a concentração de poderes seja o caminho mais profícuo no que toca à construção da coesão nacional, mas as premissas e os raciocínios dos políticos obedecem a imperativos e a lógicas diversas das do registo analítico.
[34] Apesar da ausência de anos do Estado de partes substanciais do território, enjeita-se que a presença do Estado se concretize também através da criação de autarquias. Vale por dizer que se pretende evitar a emergência de alternativas políticas territorialmente localizadas a partir de práticas de descentralização administrativa. Por isso, não apenas se rejeita a criação de regiões, como se tem adiado a realização de eleições autárquicas, em troca do que mais recentemente se aventou que a edificação do poder local passa pela indicação das autoridades tradicionais como representantes das populações e dos respectivos interesses; a este propósito, veja-se FEIJÓ 2000 e 2012 e NASCIMENTO 2015b.
[35] Em meados da década de 1990, SEIBERT afirmava que as lealdades políticas eram uma extensão das lealdades pessoais ou familiares (1995:249). Tal correspondia ao esvaziamento de afinidades ideológicas justamente quando, em razão da implementação da democracia, a credulidade levaria a supor a existência de projectos de sociedade firmados em valores políticos e ideológicos. Ora, hoje, as lealdades políticas, transmudadas em dependências pessoais, são bem mais ralas do que as afinidades baseadas nas (equivocadas) ideologias de outrora.
[36] Tal a síntese enunciada por OLIVEIRA 2014:540. Essa inesperada ajuda foi decisiva para a assunção do poder pelo MLSTP. Mesmo quando revestida de prudência atida à observância da ordem pública – patente nas deliberações do governador e, depois, alto-comissário Pires Veloso, primeiramente, considerado reacionário, depois, um aliado extremamente útil –, essa assistência foi crucial não só para a resolução das pendências internas do MLSTP, mas também para a aceitação deste grupo pela população. Diga-se, após a independência, a luta, antes supostamente contra o colono, tornar-se-ia uma canga para o próprio povo; a este respeito, ver NASCIMENTO 2015a.
[37] A pobreza e a falta de expectativas tornaram-se crónicas, desembocando em formas particulares de violência, caso da crescente criminalidade. Além disso, apartam da política, gerando na maioria da população uma sumária condenação dos políticos.
[38] Cf. NASCIMENTO 2013.
[39] Num certo sentido, como que se confirma a interpretação de MESSIANT acerca das novas guerras, a saber, a da prevalência de um pensamento incriminador de quem se subleva e uma legitimação apriorística das atitudes dos Estados, na prática, de quem os controla, cf. 2008:17-18. A legitimação dos levantamentos populares pacíficos contra a tirania – pressupondo que eles possam ocorrer sem originarem massacres – é um passo, mas não deve desobrigar da denúncia da tirania quem o pode e deve fazer em vista da sua missão institucional. Ora, não só as cumplicidades do passado anti-colonial como a partilha de condição institucional tolhem a ponderação dos motivos de desagravo dos povos contra as tiranias.
[40] Já em 2014, depois de se reconhecer impotente quanto às sequelas da primavera árabe – facto lembrado em fóruns africanos, onde se dizia terem outros feito o que devia ter sido da iniciativa dos Africanos – porque refém de um clausulado que condenava revoluções sem atender à natureza do regime posto em causa, a União Africana veio a reconhecer o direito ao levantamento pacífico dos povos contra regimes opressivos. Concretamente, intimou os militares do Burkina Fasso que se tinham apropriado do poder após a demissão de Blaise Compaoré a entregá-lo a um civil (ver MACKIE e WILLIAMS 2015). Em todo o caso, falta precisar o que é um regime opressivo, que não pode ser apenas, e a posteriori, aquele que é derrubado por revoltas populares pacíficas, que, por isso mesmo, poucas hipóteses têm irromper e, obviamente, menos ainda de singrar.
[41] Por exemplo, na África Austral, as cumplicidades do tempo da luta impedem sanções eficazes contra os desmandos e as agressões de Mugabe a parte dos seus concidadãos.
[42] Em 2015, aquando da visita de Pinto da Costa à Guiné Equatorial, Teodoro Obiang Nguema terá afirmado: “Estamos também a fazer a democracia. Estamos a fazer uma democracia de estilo puramente africano. Não queremos fazer uma democracia copiada no ocidente, porque vai nos trazer muitos fracassos. Vamos nos equivocar bastante”, cf. http://www.telanon.info/politica/2015/08/06/19825/obiang-defende-democracia-puramente-africana-e-da-conselho-aos-dirigentes-de-stp/, acesso: 28 de outubro de 2016.
[43] O presidente da Guiné Equatorial defendeu a pena de morte e recomendou o corte dos tendões dos criminosos para que, ao coxearem na rua, toda a gente os identificasse como tal, cf. http://www.redeangola.info/obiang-quer-cortar-tendoes-dos-criminosos/, acesso: 28 de outubro de 2016.
[44] Aparentemente, a Guiné Equatorial demorou dois anos a aprovar uma moratória relativa à abolição da pena de morte, medida para cuja concretização solicitou apoio técnico na reunião de Brasília de 2016 (por exemplo, https://www.publico.pt/2016/11/01/politica/noticia/cplp-guine-equatorial-pede-apoio-tecnico-para-abolir-pena-de-morte-1749581, acesso: 25 de novembro de 2016), Ao arrepio das asserções cautelosamente diplomáticas, tal facto não pode deixar de ser encarado como uma manobra dilatória.
[45] Fradique de Menezes encontrava-se na Nigéria, donde se inferirá a dificuldade de escusa à dependência da tutela de Abuja. Todavia, aventaria que o peso das circunstâncias já era o corolário da aproximação do arquipélago à Nigéria. A implementação da democracia representativa fez-se acompanhar da saída da esfera de influência angolana, que se revelara crucial no suporte ao regime de partido único. Nos anos de 1990, o propósito de exploração conjunta de petróleo levou São Tomé e Príncipe a aproximar-se da Nigéria.
[46] Não se conceda importância demasiada à ideia de a CPLP ser um repositório de subliminares saudosismos e outros arcaísmos (ideia quiçá resultante de um exercício académico virtuoso, mas referido a um espaço político crescentemente exíguo para aquelas manifestações serôdias). Ao mesmo tempo que cumpre desvalorizar por instrumentais ou meramente rituais as alusões aos “afectos” e à “comunidade”, reconheça-se que as palavras dos políticos, como as dos analistas, não esgotam a realidade. Independentemente (do peso) dos vários lastros históricos ou das diversas intenções, a CPLP podia ser configurada como uma aliança com intuitos delineados por entidades políticas representativas. Hoje, a questão é a da desvirtuação dos propósitos fundadores da CPLP, agora reduzidos à vertente económica. Agora, tende-se a conceder uma lógica auto-suficiente e a aceitar uma autonomia de propósitos, que, em abstracto, se poderão revelar acomodatícias a derivas autoritárias, logo, corrosivas da cidadania sem a qual a CPLP não faz sentido.
[47] Assim, perante os falhanços no domínio político na Europa, a respeito de África não se poderá senão concluir pela escassa oportunidade de concretização dos votos subjacentes a questões como, por exemplo, a de saber “se a Estratégia conjunta UE-África conseguirá ultrapassar o modelo cooperativo de ajuda ao desenvolvimento, dando lugar a uma parceria regional de corresponsabilização e ação, assente na apropriação de valores, políticas, medidas e instrumentos conducentes à cooperação, ao crescimento económico e ao desenvolvimento do continente africano”, cf. NUNES 2013.
[48] Cf. MACKIE e WILLIAMS 2015.
[49] As condicionalidades democráticas foram transformadas pelos dirigentes africanos em protestos de adesão à democracia. Ora, não penetrando profundamente nas sociedades, a democracia transmudou-se no refazer do sistema de governo e da legitimação daqueles através de eleições pluripartidárias que, em muitos casos, os governantes não tiveram dificuldades em vencer, perpetuando-se no poder. Também por isto, será relativamente fácil reverter o quadro de competição eleitoral formalmente aberto – aliás, amiúde parcialmente derrogado ou condicionado – o que, nalguns casos, poderá induzir o surgimento de conflitos violentos.
[50] Como alerta NUNES, importa não presumir “a adequabilidade do princípio funcionalista ao espaço africano, [presunção] assente na ideia de que as instituições têm um efeito estabilizador sobre as sociedades e os estados e na convicção de que a similitude interinstitucional promove naturalmente a cooperação” (2013). Na realidade, tal vale para a arquitectura institucional continental, mas vale, sobretudo, para atentar nas realidades dos vários, países onde, esvaziadas, as instituições dependem frequentemente de desígnios eivados de lata discricionariedade. Ao erro do paradigma funcionalista deverá juntar-se a constatação da ausência da sua premissa.
[51] Amiúde, e por as governações não conseguirem prover bens essenciais às populações, a situação social tende a degradar-se. A contenção política, se necessário pela indução do medo e, no limite, pela violência, torna-se uma prática comum ou, pelo menos, um recurso para a modelação do campo político.
[52] Tanto nas esquerdas como nas direitas europeias se achava que, para se atingir rapidamente a modernidade, se impunha concentrar a autoridade e evitar quer a dissipação de forças no debate político, quer a promoção de conflitos, mormente de recorte étnico; a este respeito, ver YOUNG 2004:33-34.
[53] Cf. MACKIE e WILLIAMS 2015.
[54] Para HUGON, dada a fraca institucionalização do Estado, a que correspondem muitas maneiras de fazer política, as redes pessoais e de solidariedade vária suplantam a acção do Estado (cf. 2009:58 e 61). Mas, aventaria, tal não propicia uma sociedade civil forte. Atendo-nos a África, arriscaríamos dizer que não pode existir uma pujante sociedade civil quando não existe Estado.
Investigador do Centro de História da Universidade de Lisboa. Licenciado em História, foi cooperante em São Tomé e Príncipe de 1981 a 1987.