Nº 2580 - Janeiro de 2017
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Importância Geoestratégica do Acordo de Associação UE-Mercosul
Dr.
Francisco Assis

De inegáveis e mútuos benefícios económicos, o Acordo de Associação entre a União Europeia (UE) e o Mercosul que se encontra em negociação não se esgota no comércio entre os dois blocos; bem pelo contrário, a sua dimensão geoestratégica é tão ou mais importante do que a sua dimensão económica. A UE precisa de novos aliados no mundo e a América do Sul, pelos seus laços históricos e culturais com a Europa, é um aliado por direito próprio. Entre outros factores, o acordo reveste-se de grande importância para contrabalançar o peso de outros acordos internacionais de livre comércio presentemente negociados pela UE (desde logo, o Acordo de Parceria Transatlântica de Comércio e Investimento, vulgarmente designado como TTIP), e evitar assim uma excessiva concentração do comércio no Atlântico Norte em detrimento do Atlântico Sul, com os consequentes riscos de agravamento das assimetrias regionais e de viragem da América do Sul para o comércio no Pacífico, onde os EUA e a China levam vantagem. Com efeito, se a UE não arrepiar caminho, o poder de sedução dos EUA e da China acabará por sobrepor-se, o que poderá levar a que a América Latina se comece a afastar da órbita de influência da Europa.

Se bem que Mauricio Macri e Michel Temer tenham manifestado nos últimos tempos a vontade de celebrar o referido acordo, é sabido, por exemplo, que o Presidente da Argentina tem a intenção de celebrar um acordo de livre comércio com os EUA. E no Brasil há quem defenda que este país deve procurar um acordo bilateral com a UE, advogando um Mercosul a duas velocidades no que aos acordos de comércio diz respeito. De certa forma, a actual paralisia institucional do Mercosul e as suas múltiplas contradições já estão a conduzir, na prática, a um bloco a várias velocidades. Muito recentemente, o Uruguai celebrou um acordo bilateral com o Chile que liberalizou as compras intergovernamentais, o comércio de serviços e o comércio digital. E em finais de Outubro de 2016, Mauricio Macri mostrou-se condescendente face ao acordo de livre comércio que o Uruguai pretende negociar com a China, declarando compreender as necessidades urgentes da economia uruguaia. Sinais de impaciência em alguns países do Mercosul que deviam ser motivo de preocupação na UE.

O recente namoro entre o Mercosul e a Aliança do Pacífico significa, por outro lado, que há uma vontade política por parte dos países da América do Sul de ganharem escala, conquistando assim maior poder negocial (sendo que os países da Aliança do Pacífico estão mais interessados no comércio com os EUA do que com a UE). Em finais de Novembro de 2014, numa cimeira realizada no Chile, os líderes do Mercosul e da Aliança do Pacífico exploraram a possibilidade de uma integração gradual e flexível dos dois blocos. O diálogo tem-se revelado frutífero e a Argentina tomou, em finais de Junho de 2016, a decisão de integrar a Aliança do Pacífico na qualidade de Estado observador (estatuto já detido pelo Paraguai e pelo Uruguai).

 

É preciso não esquecer que os acordos de livre comércio comportam sempre uma dimensão de cooperação política, institucional, cultural e científico-tecnológica, bem como um acréscimo de mobilidade de investidores, trabalhadores, estudantes, investigadores, etc.. São por isso vectores de aproximação entre povos e países, contribuindo para uma maior coesão mundial. Os tratados comerciais consagram entendimentos e compromissos que apontam o caminho no que toca ao desígnio de regular a globalização e combater ou atenuar as consequências negativas que esta também comporta. Com efeito, não se perspectivando, a curto prazo, o surgimento de instâncias supranacionais com suficiente poder para estabelecerem normas vinculativas à escala mundial (no que toca, entre outros, às relações laborais, ao ambiente e aos direitos humanos), os tratados comerciais são, por enquanto, o instrumento possível para introduzir alguma racionalidade e alguma justiça no processo de globalização que é, para todos os efeitos, a realidade histórica em que nos inscrevemos. Infelizmente assistimos hoje a dinâmicas de culpabilização e deturpação do livre comércio e dos tratados que o consubstanciam, assentes na exploração de medos e egoísmos vários que têm feito caminho na opinião pública e que tiveram já o condão de paralisar o processo do TTIP, fomentando a ilusão de que é possível regressar a soluções protecionistas completamente desajustadas do nosso tempo histórico.

No caso do acordo de associação UE-Mercosul, os principais focos de resistência têm sido interesses sectoriais no domínio agrícola, muito em especial na fileira agropecuária. O carácter hipersensível desta questão é bem visível nas pressões e reivindicações dos agricultores irlandeses e ingleses no sector da carne bovina e dos agricultores franceses no que toca à generalidade dos produtos agrícolas. A contestação levou mesmo François Hollande a contemporizar com o sector agrícola francês e a adoptar uma postura de retraimento face ao acordo. Procurando contrariar essa tendência, a Espanha tem procurado assumir uma posição musculada na defesa deste Acordo de Associação, defendendo uma visão geoestratégica no âmbito das relações UE-América Latina e de relativização dos interesses sectoriais europeus, os quais, não podendo deixar de ser atendidos nas suas legítimas preocupações, não podem pôr em causa as importantíssimas repercussões positivas do acordo nas exportações da UE, e, por aí, no crescimento económico sustentado e na criação de emprego. Por outro lado, o processo do “Brexit”, segundo alguns especialistas, pode ser prejudicial às negociações, dado que o Reino Unido foi sempre um dos mais convictos defensores do comércio internacional no seio da UE.

Na verdade, os tratados comerciais, ao aumentarem o grau de interdependência entre economias situadas em regiões díspares do globo e com diferenças a nível político, social e cultural, promovem patamares de diálogo e entreajuda, encorajam boas relações diplomáticas e estimulam o desfazer de animosidades, tensões e incompreensões. Algo de muito desejável numa época em que assistimos ao acentuar de clivagens entre diversos países e ao surgimento – ou à reedição – de polarizações que a todos inquietam.

Cumpre também a Portugal, desde logo pela sua relação privilegiada com o Brasil, mas também pelos claros benefícios para as nossas exportações, desenvolver todos os esforços diplomáticos ao seu alcance nesta etapa das negociações e colocar-se ao lado da Espanha e da Itália (os dois países que mais têm militado em prol da conclusão do acordo UE-Mercosul), com vista a que seja possível assistirmos à conclusão do Acordo de Associação UE-Mercosul num futuro próximo.

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2017-11-07
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Dr.

Francisco Assis

Presidente da Delegação para as Relações com o Mercosul do Parlamento Europeu.

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by COM Armando Dias Correia