Nos últimos 15 anos, os principais países da América Latina – principalmente o Brasil e os países Andinos/Pacíficos da América do Sul, tiveram uma orientação estratégica mais voltada para as causas internas com foco nos movimentos sociais, onde a o Fórum de São Paulo da Internacional Socialista foi um dos baluartes deste comportamento. A influência desta doutrina culminou em um certo nível de fechamento das economias e, de forma muito seletiva, na construção de parcerias internacionais com cunho ideológico na América Latina.
Nos últimos dois anos, entretanto, este ciclo político e económico vem apresentando mudanças significativas que criam oportunidades de maior integração da América Latina em parcerias internacionais. Neste contexto, surgem a Aliança do Pacífico (TPP – Transpacific Partnership) – já em curso, e a possibilidade de uma parceria entre o Mercosul e a União Europeia. Considerando que o Brasil não é parte do TPP e atualmente só está presente em acordos bilaterais internacionais e blocos internos na América Latina, o seu potencial de tornar-se um player importante na concretização do acordo entre o Mercosul e a União Europeia é um fato relevante. Explorar esta potencialidade e entender os pontos de convergência entre as partes é fundamental para o sucesso deste acordo.
O Brasil, em particular, passa por um processo inédito em sua república como resultado da evolução de sua democracia pelo pilar do Poder Judicial, a investigar e tratar de delitos de responsabilidade orçamental e corrupção com fundos públicos. É um processo semelhante ao ocorrido em Itália, onde a economia paralela com os poderes executivo e legislativo em coluio ameaçam o Estado da Nação. Este fato é fundamental para entender o potencial que surge, pois, com a transparência e os valores éticos, os princípios do Acordo tornam-se mais sólidos. Tanto internamente no Mercosul quanto para o Acordo deste com a União Europeia, o entendimento do processo democrático em curso – sem a interpretação com lentes ideológicas, é uma janela de oportunidade política que não pode ser desperdiçada.
Outro aspeto importante que caracteriza a América Latina como um todo e, em particular, os países membros do Mercosul, é a questão das desigualdades sociais e o papel do Estado na sua função de afetação de recursos, geração de riqueza e a devida redistribuição destes para resolver as desigualdades. É fundamental a compreensão destes aspetos nesta recente mudança de ciclo político e económico – os países membros do Mercosul estão a conduzir políticas económicas que, de forma transparente[1] e com responsabilidade orçamental[2], já sinalizam melhorias no quadro económico futuro.
No entanto, a questão da presença do Estado junto à sociedade é fragilizada pela influência do poder e da economia paralela do narcotráfico. Este tema é muito pouco explorado no contexto internacional e, ultimamente, com a escalada do terrorismo, a prioridade e o foco internacional foi desviado do combate ao narcotráfico. A relevância deste tema é fundamental nas negociações de um Acordo entre o Mercosul e a União Europeia, pois a produção e o consumo estão entre estes blocos. O agronegócio, que é uma saída para a economia formal no Mercosul, visa o combate à economia paralela do narcotráfico, contudo, encontra sempre nas barreiras alfandegárias e lobbies económicos internos uma forte resistência. Uma possível solução para este impasse é a capitalização desta oportunidade no agronegócio, por via de investimentos privados com fomento público, dos empresários europeus nos países do Mercosul.
Poderíamos aqui discorrer ainda sobre muitos aspetos económicos relevantes para uma negociação desta magnitude, no entanto acredito que os dois pontos acima citados garantem, se estrategicamente bem conduzidos, um ambiente de negócio favorável aos países membros dos dois blocos. As oportunidades de negócios onde a Europa é primaz, como a indústria da saúde e de infraestruturas, a América Latina é carente. Entretanto, investir na América Latina requer a existência de um Estado presente nas usas funções de afetação de recursos públicos, na geração de riquezas e na sua devida distribuição. Assim sendo, os dois blocos são assimétricos e complementares, e a geração de riquezas em conjunto pode ser o fator diferenciador para um Acordo entre a União Europeia e o Mercosul.
[1] A Organização dos Estados Americanos fomentou com sucesso nos últimos dez anos a introdução de leis nacionais para a transparência e o acesso a informação pública, onde observância a publicidade é o preceito geral e o sigilo a exceção. Como exemplo, no Brasil a LEI Nº 12.527, DE 18 DE NOVEMBRO DE 2011.
[2] Os Organizações Multilaterais (OEA, FMI, BID, OCDE entre outras) fomentaram, nos últimos vinte anos, a introdução de leis nacionais para a gestão de recursos públicos com responsabilidade orçamental. Como exemplo, no Brasil a LEI COMPLEMENTAR Nº 101, DE 4 DE MAIO DE 2000.
Consultor internacional em Gestão Financeira Pública do Banco Interamericano de Desenvolvimento, do FMI e do Banco Mundial. Nesta atividade, destacam-se a coordenação das Reformas das Finanças Públicas do Estado do Rio de Janeiro (1999 a 2002), da República de Moçambique (2002 a 2005) e da República Portuguesa (2012 a 2015).