Nº 2583 - Abril de 2017
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Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

O início do mês de abril ficou marcado pala intervenção dos EUA na Síria, com o bombardeamento da base aérea de Shayrat, na região de Homs, com mísseis Tomahwaks. Do antecedente, através das declarações políticas de Trump, antecipavam-se como zonas potenciais de tensão, o Irão, a Coreia do Norte e a zona dos mares do sul da China, pelas reivindicações territoriais que ali se verificam, a par da militarização de algumas ilhas por parte das autoridades chinesas. As declarações políticas, uma vez mais, por parte do novo Presidente americano e as reservas expressas, quanto à política de uma só China e a dúvida de um novo relacionamento com Taiwan, não ajudavam a uma relação tranquila com Pequim – eventualmente, o encontro nos EUA com Xi Jinping, poderá melhorar o ambiente entre os dois países.

A intervenção americana na Síria levanta a interrogação se esta ação corresponde a uma alteração da estratégia americana em relação aquele país, ou se terá sido apenas uma ação de caráter punitivo, pela constatação da utilização de armas químicas, mas conduzida, igualmente, por razões de política interna na América. Em relação a este último ponto, são conhecidas as críticas Trump a Obama, relativamente a qualquer ação na Síria, “de que não resolveria o problema, agudizaria o terrorismo e só servia para gastar o dinheiro dos contribuintes americanos”; mas é conveniente lembrar que Trump também criticou, de forma bem contundente, especialmente durante a campanha eleitoral, o facto de Obama ter estabelecido “linhas vermelhas”, designadamente em situação similar e de nada ter feito.

Quanto a uma alteração do posicionamento estratégico, parece prematuro avançar com certezas, até porque, até agora para além da declaração da Embaixadora americana nas Nações Unidas e do acontecimento militar, não se vislumbra qual a ação política que se siga, ou se assistiu a quaisquer outro desenvolvimento político ou militar.

O que se tem vindo a assistir são declarações políticas e movimentações militares relativamente à Coreia do Norte, levantando-se a questão se a estratégia militar americana se passou a desenvolver e, nesse caso, perigosamente, por impulsos emocionais do presidente americano; recorda-se que este declarou recentemente que “se a RPC não resolvesse o problema da Coreia do Norte, os EUA estavam dispostos a fazê-lo”. A deslocação de uma significativa força naval, com um porta-aviões e vários navios porta-mísseis, para o mar e península coreana, com a explicação de que se destina a evitar provocações e demonstrar solidariedade para com os aliados da região, designadamente Coreia do Sul e Japão, a par dos permanentes exercícios militares, não contribui para um abaixamento da tensão na região.

A intervenção americana na Síria tem, contudo, contornos interessantes; houve a preocupação de avisar a Rússia, criando condições para que não houvesse qualquer confronto que causasse baixas ou destruição de material, sabendo-se igualmente que ao fazer este aviso ele seria dado a conhecer aos sírios, o que pode explicar o reduzido número de baixas militares. Também do lado russo não houve qualquer intenção em utilizar as defesas anti-aéreas para minorar a ação dos mísseis, assim como as críticas que foram feitas não puseram em causa os contactos políticos programados, designadamente com Rex Tillerson, com quem a Rússia pretende discutir vários acordos e onde não estarão ausentes as questões do petróleo, das sanções e da situação na Ucrânia, estas sim demasiado importantes para os dois lados.

Também não se conhece qualquer proposta ou imposição política que altere o atual estatuto de intervenção política no conflito por parte da Rússia e vamos, muito provavelmente, assistir a um reforço do apoio político e militar à Síria, quer por parte de Putin quer do Irão. De referir também que, tendo em conta os procedimentos havidos para com o desencadear do ataque à Síria, esta constituíu um teatro de baixo risco político, com a garantia da concordância da ação desencadeada, por parte maioria dos aliados ocidentais e possível de contribuir para modificar, favoravelmente, a sua imagem internacional junto dos mesmos e, em termos internos, concretizar uma iniciativa político-militar de sucesso, capaz de fazer esquecer alguns desaires políticos, designadamente no que toca à imigração e ao programa “Obama Care”.

Subsiste assim uma questão de fundo; embora o presidente americano tenha dito que não se queria envolver em guerras que não lhe diziam respeito, que mesmo na OTAN, se os europeus queriam manter a relação transatlântica e a parceria americana, tinham de aumentar os gastos com a defesa, isso não o impede de utilizar a coação militar, quando entender que determinados acontecimentos ferem a sua “sensibilidade”, num claro unilateralismo na linha do conceito “America First”, sem enquadramento das Nações Unidas e ou consultas/avisos aos aliados.

Situação que não deixa de ser preocupante, perigosa, imprevisível, arbitrária, potencialmente inconsequente e destabilizadora em termos internacionais e, no caso das Nações Unidas, procedimentos destes, minam a credibilidade da organização como referencial da estabilidade internacional e provocam, certamente, embaraços ao novo Secretário-Geral António Guterres.

 

* Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by COM Armando Dias Correia