A História de Portugal está, desde a Fundação, associada às operações conjuntas: durante a Reconquista, frotas de cruzados ajudaram os nossos primeiros reis a conquistar as mais importantes cidades portuárias; no período da Expansão, as operações anfíbias, envolvendo a Armada e o Exército, foram cruciais no estabelecimento dos mais emblemáticos pontos-fortes do Império, como Ceuta, Goa e Malaca; ainda no século XVI, mas sobretudo durante o século XVIII, Portugal marcou a sua posição na cena internacional através da participação em operações conjuntas combinadas envolvendo bombardeamento e bloqueio naval conjugados com desembarques de forças de infantaria e artilharia, de que são exemplo as expedições contra a costa da Barbária (Norte de África), em coligação com Espanha e outros estados mediterrânicos, e a reconquista de Malta e de Nápoles às forças revolucionárias francesas, em apoio à esquadra britânica de Nelson.
Mas foi, sobretudo, durante a Guerra Civil de 1828-1834 que um herói algo esquecido, o almirante escocês Charles Napier, personificou a verdadeira perspectiva conjunta das operações que, embora ainda pouco reconhecida, influenciou decisivamente o resultado final do conflito.
Com a morte de D. João VI, a 10 de Março de 1826, coloca-se o problema da sucessão, pois os brasileiros não desejavam que o seu Imperador, D. Pedro, legítimo herdeiro do trono, voltasse a reunir, na sua pessoa, os dois estados. O herdeiro da coroa decide, então, abdicar do trono português em favor da sua filha, D. Maria da Glória, na altura com sete anos. O infante D. Miguel, que se encontrava exilado desde o fracasso do golpe absolutista da “Abrilada” (1824), é convidado a regressar e a assumir a Regência, na condição de jurar a Carta Constitucional (mais moderada do que a constituição de 1822) entretanto outorgada ao reino pelo seu irmão.
Mas os absolutistas reagem, rejeitando abertamente a Carta e afirmando que D. Pedro, tendo traído a sua Pátria quatro anos antes, ao proclamar a independência do Brasil, não tinha legitimidade para impor ao País a sua vontade. A agitação resultante traduz-se num clima de intimidação e perseguição contra os liberais. Também a conjuntura internacional joga contra estes: as potências da Santa Aliança, a Espanha, de Fernando VII, a França, de Carlos X, e até a Inglaterra, onde se instala um governo conservador chefiado pelo Duque de Wellington, são-lhe francamente hostis1. Quando regressa a Lisboa, em Fevereiro de 1828, D. Miguel, recebido em apoteose, tem o caminho aberto para assumir as rédeas do poder absoluto.
A reacção liberal não se faz esperar, com golpes militares no Porto, no Algarve, na Madeira e na Terceira. Dominando rapidamente as revoltas no continente, onde tem o Exército e grande parte das populações a seu favor, o Regente aproveita para legitimar os seus direitos de sucessão. Em Julho, as Cortes por si convocadas consideram que D. Pedro se tornara indigno de herdar o trono (com efeitos para os seus descendentes) e aclamam D. Miguel como rei legítimo e absoluto. As perseguições que se seguem obrigam vários milhares de liberais a exilar-se na Inglaterra ou na França, onde constituem núcleos de apoio logístico e diplomático à causa que defendem. Esta sanha persecutória não abona em favor do reconhecimento externo do novo governo e só a Espanha, a Santa Sé e os E.U.A. (que desejavam evitar, a todo o custo, a reunificação de Portugal e do Brasil) acabam por fazê-lo2.
A Madeira é submetida pela força das armas ainda nesse ano (Agosto), mas, no ano seguinte, a expedição enviada a reconquistar a Terceira falha rotundamente ante a encarniçada resistência das forças constitucionais. A ilha torna-se rapidamente o grande bastião da causa liberal, que vê, em 1830, o mapa político europeu evoluir em seu favor, com a deposição de Carlos X, em França, e a demissão de Wellington, na Inglaterra. Diplomaticamente pouco hábil, D. Miguel, que, pela brutalidade do seu regime, não soubera capitalizar as simpatias internacionais quando estas estavam a seu favor, acaba por granjear a hostilidade da França e da Inglaterra, ao envolver cidadãos daqueles países nas suas perseguições políticas. Se a Inglaterra protesta vigorosamente e chega a enviar uma pequena força naval para impor as suas exigências, a França, que em 1830 dera um novo impulso ao seu fervor nacionalista lançando-se na conquista da Argélia, mostra-se muito mais belicosa3, bloqueando a barra do Tejo, enviando navios para os Açores e, pouco depois, forçando, com uma esquadra de consideráveis dimensões, a entrada do porto de Lisboa, ameaçando a cidade e apresando vários navios de guerra. Na sequência destas acções, a marinha miguelista fica consideravelmente debilitada, deixando o caminho praticamente livre ao trânsito de homens e de material destinados ao reforço das posições liberais.
Encorajados por esta reviravolta, as forças constitucionalistas empreendem, a partir da Terceira, a reconquista de todo o arquipélago dos Açores. É a ocasião propícia ao regresso de D. Pedro que, abdicando da coroa brasileira, vem para Portugal defender os interesses da sua filha. Passando, primeiro, pela Inglaterra, o ex-imperador ali reúne reforços, entre exilados portugueses e voluntários estrangeiros, e adquire duas fragatas (mercantes armados, respectivamente baptizados como “Rainha de Portugal” e “D. Maria II”), uma corveta (“Amélia”) e uma escuna (“Terceira”). Ali obtém, também, os serviços do capitão-de-mar-e-guerra George Sartorius, que se voluntaria para comandar as forças navais da Rainha, e de vários oficiais ingleses. Do Brasil trazia já a corveta “Regência de Portugal”, que adquirira no Rio de Janeiro, e a escuna “Boa Esperança”, que lhe fora oferecida no mesmo local. Com ele vinha também o brigue “Conde de Vila Flor”, ex-“D. Estêvão de Ataíde”, requisitado pelo cônsul de Portugal para a causa de D. Maria II, no decurso de uma viagem que aquele navio fizera ao Brasil, e posteriormente armado. Em 22 de Fevereiro de 1832, o ex-imperador desembarca em Ponta Delgada.
Depois de uma tentativa gorada para submeter a Madeira – cujo governador se mantém fiel a D. Miguel – através de uma “demonstração” que envolve a fragata “D. Maria II” e o brigue “Vila Flor”, a força de 7500 homens reunida nos Açores parte em direcção ao continente num comboio formado por 42 navios de transporte sob a protecção das duas fragatas, da corveta, do brigue “Vila-Flor” e das escunas “Terceira”, “Liberal”, “Boa Esperança” e “Eugénia”.
Desembarcada na praia do Mindelo (Vila do Conde), em 8 de Julho, a força expedicionária entra no Porto, sem encontrar qualquer oposição. Dali manda D. Pedro a sua pequena esquadra, reforçada com o brigue “Vinte e Três de Julho” (comprado no Porto), para bloquear o porto de Lisboa. Apesar de pouco efectivo, devido à reduzida dimensão da força, do bloqueio resulta o apresamento de alguns navios, nomeadamente da charrua miguelista “S. João Magnânimo”. E aqui é de assinalar a passividade da força naval absolutista, que se mantém abrigada em Lisboa, não obstante a sua superioridade em número e em poder de fogo, que poderia aniquilar, num único golpe, o poder naval adversário. Assim, em vez de ir fazer bloqueio ao Porto, como seria lógico, é ela que se mantém bloqueada.
No entanto, apesar desta passividade, o governo de D. Miguel envia uma esquadra, sob o comando de Pereira de Campos, a transportar munições para as suas tropas no Norte. Esta força, composta por uma nau, uma fragata, três corvetas, três brigues e um vapor, fura o bloqueio a 3 de Agosto, sendo logo acompanhada pelos navios de Sartorius (entretanto nomeado vice-almirante por D. Pedro). As duas esquadras navegam à vista uma da outra e chegam a registar-se algumas escaramuças, mas sem que sejam infligidos danos consideráveis numa ou noutra das partes. As munições acabam, efectivamente, por ser desembarcadas em Vila do Conde, Figueira da Foz e Aveiro. Regista-
-se, no entanto, o facto de Pereira de Campos demonstrar, uma vez mais, as limitações de comando que já revelara, em 1823, no Brasil. Embora tivesse uma missão de transporte para levar a bom termo, não conseguiu, sobretudo depois de desembarcado o material, aproveitar a sua superioridade táctica para varrer dos mares a esquadra de D. Maria II e, possivelmente, decidir o desfecho da guerra a favor do seu rei.
Para as forças constitucionais entrincheiradas no Porto, começava um longo e difícil cerco por terra. No entanto, não tendo a armada de D. Miguel assegurado o domínio do mar, como lhe competia, manteve-se aberta a via marítima de abastecimento à cidade sitiada, o que, em boa parte, evitou a sua capitulação e permitiu que, posteriormente, dali partisse a contra-ofensiva liberal.
Tendo sido retomado o bloqueio de Lisboa, D. Miguel dá ordens para a saída da esquadra, desta vez, com o propósito declarado de dar combate ao inimigo. Pereira de Campos sai a barra, em Setembro, e dirige-se para norte, com ambas as forças, uma vez mais, à vista uma da outra, mas qualquer uma delas hesitando em tomar a iniciativa. O combate dá-se, finalmente, a 11 de Outubro, ao largo de Vigo, em cuja baía os navios liberais abrigavam frequentemente. A luta é intensa, mas de resultado indeciso, com grandes estragos de parte a parte.
Por essa altura, já se notavam graves dissensões entre Sartorius e o comandante da “D. Maria II”, capitão-de-mar-e-guerra Peter Mins, cujos oficiais consideravam que o navio não estava em estado de prosseguir a missão. Estes desaguisados, que não passam despercebidos à marinhagem, aliados aos atrasos nos pagamentos, agravam a situação, que degenera em revolta aberta das guarnições, com a saída de cerca de 200 marinheiros ingleses e recusa em cumprir ordens directas, como sucedeu quando foi necessário efectuar o transporte de mantimentos para o Porto ou apoiar com fogo naval o ataque às posições miguelistas na foz do Douro. E este apoio era essencial, pois as baterias de artilharia inimiga nas margens do rio não só flagelavam incessantemente a cidade, como interditavam quase completamente a barra, colocando sérios entraves ao abastecimento por mar. Os navios de guerra de menor porte que patrulhavam o Douro e prestavam apoio de fogos às surtidas das forças liberais foram sendo, assim, sistematicamente, afundados. Além de várias embarcações armadas, a marinha de D. Pedro perdeu ali dois brigues e duas escunas.
Apesar da chegada de um novo reforço para a esquadra, a fragata “D. Pedro”, comprada em Inglaterra com fundos reunidos pelos amigos da causa da Rainha, a situação torna-se de tal modo grave que o governo de D. Pedro começa seriamente a equacionar a substituição de Sartorius, entabulando, para o efeito, conversações com o capitão-de-mar-e-guerra britânico (de origem escocesa) Charles Napier.
Charles John Napier nasceu em Stirling, Escócia, a 6 de Março de 1786. Filho de um oficial superior da Armada Britânica, alistou-se, como voluntário, na Royal Navy em 1799, sendo promovido a guarda-marinha no ano seguinte. No período das Guerras Napoleónicas, serviu nas Caraíbas, onde participou em vários combates. Num deles, em 1808, no comando da chalupa “Recruit”, contra uma chalupa francesa, foi ferido por uma bala de canhão, que o deixou a coxear para o resto da vida. Em Abril de 1809, distinguiu-se na ocupação da Martinica sob as ordens de Sir Alexander Cochrane. Promovido, por distinção, ao posto de capitão-de-mar-e-guerra, foi, no entanto, passado à reserva, ainda nesse ano, com metade do vencimento.
Contudo, em Setembro de 1810, ofereceu-se para acompanhar os seus três primos, oficiais do Exército, na campanha da Península Ibérica. Desembarcado no Porto, foi um observador privilegiado da Batalha do Buçaco. Nessa altura, travou amizade com o general Arthur Wellesley, futuro Duque de Wellington, que apreciava as suas originais teorias sobre a condução da campanha terrestre.
Regressou ao serviço activo em 1811, no comando da fragata “Thames”. Servindo no Mediterrâneo, participou na ofensiva britânica contra a costa napolitana, ocupada pelos franceses. Nessa altura, conduziu a ocupação da ilha de Ponza, um ninho de corsários, feito que lhe valeu o título de Cavaleiro de Ponza, concedido por Fernando I das Duas Sicílias. Com as Guerras Napoleónicas a chegar ao fim, serviu ainda na guerra contra os Estados Unidos, de novo sob o comando de Cochrane, onde desafiou para uma espécie de duelo naval a fragata americana “Constellation”, que estava abrigada no porto de Norfolk. Apesar de ter visto o seu repto aceite, o ansiado combate singular acabaria, porém, por não se concretizar, pois, entretanto, foi assinada a paz.
De novo na Reserva, casou e viajou pela Europa, tendo residido em Roma e em Paris. Regressado a Londres, procurou persuadir o Almirantado britânico a reformar o serviço naval, através de métodos de recrutamento mais humanos, investimento na formação e aposta na incorporação de novos meios, técnicas e tácticas. As suas ideias visionárias foram, contudo, ignoradas. Decidiu, então, investir os bens de família na construção pioneira de navios a vapor, mas a sua companhia acabou por ir à falência. Viu-se, assim, de novo, forçado a regressar ao Activo.
Em 1829, foi-lhe entregue o comando da fragata “Galatea”, equipada com um sistema de propulsão de rodas por ele concebido. No ano seguinte, foi a Lisboa exigir a devolução de alguns navios britânicos retidos pelo governo de D. Miguel. Portugal estava, já, plenamente mergulhado na Guerra Civil. Efectuando um cruzeiro nos Açores, teve, em Maio de 1831, os primeiros contactos com as forças liberais entrincheiradas na ilha Terceira. Em Setembro de 1832, era contactado em Londres pelo Marquês de Palmela.
Chegou ao Porto, em 3 de Junho de 1833, para assumir o comando da esquadra liberal. Uma vez que não tinha permissão do governo britânico para o fazer, foi registado com um nome fictício, mas ligado às suas glórias passadas: Carlos de Ponza.
Logo nos primeiros contactos, Napier mostra-se disposto a aceitar (com alguns escrúpulos em relação a eventuais melindres do seu antecessor) o convite de D. Pedro, advogando, no entanto, a necessidade de se efectuar, sem perda de tempo, um ataque directo a Lisboa enquanto o grosso das tropas absolutistas se concentra em torno do Porto. Mas o Ministro da Marinha, Bernardo de Sá Nogueira (futuro Marquês de Sá da Bandeira), mostra-se pouco receptivo à ideia, sugerindo, em alternativa, um desembarque em Peniche, em Sines ou no Algarve, onde as praias são mais propícias e as defesas costeiras oferecem menor perigo do que as da barra do Tejo. O oficial britânico começa, então, a encarar favoravelmente a última alternativa, pois algumas notícias davam a população algarvia como sendo maioritariamente fiel à Rainha, podendo, portanto, iniciar-se ali uma sublevação.
Apesar de inicialmente se insurgir contra o modo como é conduzido o processo da sua destituição, Sartorius aceita, de bom grado, o “alívio”. Trazendo consigo cinco vapores financiados por uma subscrição entre os liberais exilados, dois batalhões de voluntários estrangeiros, 400 marinheiros e “alguns distintos oficiais” da marinha britânica, Napier é empossado como vice-almirante, a 8 de Junho de 1833. Na sequência das suas insistências é autorizado, pouco tempo depois, a conduzir a projectada expedição ao Algarve, onde, no dia 24, são desembarcadas tropas, sob o comando do Duque da Terceira.
O governo realista reage enviando a esquadra sob o comando do chefe de esquadra, António Torres de Aboim. Esta surgia, agora, em grande força, composta por duas naus, duas fragatas, três corvetas e dois brigues. As duas forças avistam-se a 3 de Julho, mas só no dia 5 se dá o combate, ao largo do Cabo de S. Vicente. A hesitação saiu cara à esquadra miguelista, já que a acalmia do vento e do mar que entretanto se verificara permitiu a Napier, num golpe arrojado, lançar-se à abordagem dos navios adversários, pois o combate próximo, evitando o tradicional confronto artilheiro em linha, era o único modo de anular a vantagem numérica e de poder de fogo que aqueles detinham. Mais uma vez, tal como já se verificara na Baía (Brasil) dez anos antes, um comandante português preso a tácticas de combate convencionais era surpreendido pela audácia de um oficial de marinha britânico. Na verdade, podemos dizer que se tratou essencialmente de uma batalha entre ingleses e portugueses4, pois além do almirante da esquadra liberal também eram britânicos os comandantes dos principais navios combatentes daquela força, como o próprio Napier fez questão de referir nas suas memórias5. Desta acção resultou o apresamento das naus, das fragatas e de uma corveta da esquadra miguelista, apenas tendo escapado as corvetas “Isabel Maria” e “Cíbele” (que retiraram para Lisboa) e os brigues “Tejo” (que seguiu para a Madeira) e “Audaz” (que se entregou em Lagos, no dia seguinte). Com esta batalha, que foi o último grande combate da Marinha Portuguesa, a armada de D. Miguel praticamente desapareceu.
Assegurada que estava a supremacia no mar, as tropas do Duque da Terceira batem todo o Algarve e avançam rapidamente para norte, encontrando pelo caminho pouca ou nenhuma resistência. Assim, quando se dirige a Lisboa para preparar a chegada do exército liberal (a sua intenção seria a de atacar Cascais, numa manobra de diversão), Napier é surpreendido pela notícia de que a capital fora ocupada sem luta, após a fuga precipitada de D. Miguel e dos seus ministros. Ficava, deste modo, aliviada a pressão sobre o Porto, cujos sitiantes tiveram de ser divididos para acudir ao sul do País.
Napier coloca, então, os navios maiores na defesa do porto de Lisboa, enquanto os restantes são colocados a bloquear a costa. Uma vez que a esquadra miguelista deixara de existir em termos efectivos, o almirante preocupava-se em reservar o grosso da capacidade artilheira para a defesa da capital, enquanto na costa se requeria, essencialmente, uma acção de vigilância face a eventuais tentativas de desembarque por parte das forças absolutistas. Mas a via marítima estava, já, praticamente interdita aos navios de D. Miguel. Os liberais, por seu lado, tinham, agora, total liberdade de movimentos por mar, o que lhes permitiu acudir a alguns focos de resistência miguelista e a reforçar os pontos do litoral considerados mais vulneráveis. Setúbal mereceu especial preocupação, com a colocação inicial da corveta “Isabel Maria” e o posterior reforço com a fragata “D. Maria II” e o guarnecimento do forte de S. Filipe por marinhagem desembarcada.
Durante este período é, também, de destacar a importante acção das embarcações que constituíram as esquadrilhas do Tejo e do Guadiana, a primeira em apoio de fogos e de transporte às acções militares liberais no Ribatejo e na defesa da capital pelo sul e pelo leste, a segunda no combate aos focos da guerrilha miguelista no Algarve.
A 22 de Março de 1834, Napier desembarca, com forças de marinha, na cidade de Caminha e, a partir daí, com o apoio de três colunas enviadas do Porto, obtém o controlo de todo o Minho, aliviando, desse modo, o cerco da “Invicta” pelo lado Norte (o que o leva, nos seus escritos, a vangloriar-se, comparando-se ao Duque de Wellington6 – tal como, após a Batalha do Cabo de S. Vicente, se comparara ao Almirante John Jervis!7). Pouco tempo depois, desembarca tropas em Buarcos, as quais encontram a Figueira da Foz abandonada pelos absolutistas. Ficavam, assim, tomados todos os portos de mar que ainda permaneciam nas mãos das forças leais a D. Miguel, cuja capitulação chegaria pouco depois.
A nossa Marinha ainda voltaria a pequenas acções de combate em 1846-47, aquando da chamada “Guerra da Patuleia”, mas o tempo das grandes batalhas navais tinha, em Portugal, chegado ao fim.
O contributo de Napier poderia ter sido ainda maior se os ministros de D. Pedro lhe tivessem permitido reformar a Marinha Portuguesa de acordo com o projecto que defendia para a Royal Navy8. No entanto, desgostoso com a falta de consideração dos governantes liberais, acabou por pedir a demissão, tal como a quase totalidade da oficialidade estrangeira que servira a sua causa.
Reintegrado na Armada Britânica com o posto de capitão-de-mar-e-guerra – e perdoado pela sua deserção temporária –, participou na campanha da Síria em 1840. Entre 1841 e 1846, serviu no Parlamento como deputado, tendo, ainda desempenhado as funções de Ajudante de Campo da Rainha Vitória. Promovido a contra-almirante em 1846 e a vice-almirante em 1853, comandou a esquadra do Báltico, durante a Guerra da Crimeia.
Passou definitivamente à Reserva em 1855. No entanto, foi, de novo, eleito para o Parlamento, onde manteve acesas polémicas com o Almirantado.
Faleceu em Londres, a 6 de Novembro de 1860.
Apesar da sua vaidade e espírito algo controverso, é inegável que a iniciativa e a visão conjunta de Napier se revelaram de fundamental importância para o desfecho do conflito a favor das forças liberais, o que torna um pouco injusto o apagamento ou mesmo o esquecimento do seu nome face a outros grandes comandantes como os Duques de Saldanha, da Terceira e de Palmela e o Marquês de Sá da Bandeira. Para além da sua acção decisiva no controlo do mar e dos portos e no alívio, pela retaguarda, da pressão militar inimiga, a sua ousadia pessoal e o seu conceito de guerra de movimento terão, definitivamente, contribuído para resolver o perigoso impasse em que se encontravam os exércitos de D. Pedro durante os primeiros meses do cerco do Porto, dando à guerra um novo rumo.
Sendo, talvez, um pouco forçada a sua auto-comparação a grandes figuras da História Britânica (e mundial) do seu tempo, como Jervis e Wellington, certo é que o distinto almirante escocês, ao contrário daquelas ilustres personagens, soube pensar e agir fora do seu elemento natural, o que o torna verdadeiro paradigma do pensamento operacional. E se as suas vitórias e qualidades demonstradas não fizeram dele um dos grandes vultos da História Universal, granjearam-lhe, ao menos, o direito a um lugar destacado na História do nosso País.
ESPARTEIRO, António Marques, Três Séculos no Mar (1640-1910), 32 vols., Colecção Estudos, Lisboa, Ministério da Marinha, 1973-1987.
MONTEIRO, Armando da Silva Saturnino, Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, vol. VIII (1808-1975), 1ª ed., Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1989.
NAPIER, Charles, A Guerra de Sucessão. D. Pedro e D. Miguel, trad. Manoel Joaquim Pedro Codina, introd. António Ventura, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, Março de 2005.
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1 Entre 18 e 23 de Outubro de 1827, em Viena, representantes da Áustria e da Inglaterra, tinham assinado um acordo secreto em que se comprometiam a apoiar o regresso do Infante D. Miguel a Portugal (Fernando de Castro Brandão, Sinopse Cronológica da História Diplomática Portuguesa, Biblioteca Diplomática, série A, Lisboa, Ministério dos Negócios Estrangeiros, 1984, p. 82).
2 José Calvet de Magalhães, Breve História Diplomática de Portugal, Colecção Saber, 2ª edição, Mem Martins, Publicações Europa-América, 1990, pp. 155-156.
3 E, na nossa opinião, algo revanchista em relação a um país que alinhara ao lado das potências vencedoras de 1815. Além disso, era uma ocasião soberana para afrontar indirectamente a Inglaterra, sondando até que ponto esta estava disposta a ir para defender o seu aliado.
4 Conforme refere o Comandante Saturnino Monteiro em Batalhas e Combates da Marinha Portuguesa, vol. VIII (1808-1975), 1ª ed., Lisboa, Livraria Sá da Costa Editora, 1989, p. 99.
5 Charles Napier, A Guerra de Sucessão. D. Pedro e D. Miguel, Lisboa, Centro de História da Universidade de Lisboa, Março de 2005, p. 104.
6 Id. Ib., p. 230.
7 Id., ib., p. 104
8 Id., ib., pp. 122-124, 172-179, 269.