1. Introdução
Os modelos logísticos que são aplicados aos vários campos de actividade vão variando consoante as várias especificidades em presença. No caso militar, e em particular na saúde militar, há especificidades inerentes à condição militar (como sejam, por exemplo, prontidão operacional, reserva estratégica, informação classificada) que são importantes de serem consideradas e compreendidas. No presente artigo tenta analisar-se e sistematizar o modelo actual de logística sanitária do Exército e concluir qual ou quais os seus aspectos considerados mais importantes. Toda esta análise não pretende proceder a grandes considerações teóricas, nem aprofundar os modelos actuais ou os que se perspectivam, mas sim constituir-se num conjunto de considerações gerais que permitam reflectir e ponderar opções futuras de uma forma mais abrangente.
Fig 1
2. Conceitos gerais
Nas Organizações actuais os aspectos logísticos e em particular a gestão da cadeia de abastecimento, condiciona todo o planeamento estratégico e desta forma influencia o sucesso.
No Exército os antecedentes históricos têm demonstrado que a logística é saber fornecer “os bens ou serviços certos no momento em que são precisos, no local em que fazem falta e na quantidade adequada” e ter capacidade de o fazer de forma eficiente, influenciando assim, de modo determinante, o cumprimento da Missão que está superiormente atribuída.
A logística, pela sua abrangência, determina toda e qualquer manobra militar. De um modo mais simples é necessário ter a “inteligência”, leia-se sabedoria, para dotar os meios para passar da concepção à acção e deste modo atingir o objectivo.
A manobra militar, na prática, a interligação das duas manobras, a estratégica e a logística.
A manobra militar deve ser de simples execução.
No entanto há um paradoxo, a obtenção e a reunião dos meios materiais e humanos em tempo oportuno, pode implicar demora que por sua vez condiciona toda a manobra no teatro de operações.
Assim, o modo de contornar a complexidade que está subjacente ao apoio logístico, é conseguido através de orgãos de gestão centralizados que procedem a um planeamento detalhado, a estruturas funcionais devidamente enquadradas e sobretudo a meios humanos com elevada qualificação técnica e interligação com as componentes operacionais.
Pelo referido, é facil extrair a necessidade de existir um modelo organizacional bem definido, estável e com os recursos adequados.
Ao referido há mais dois aspectos que devem estar sempre presentes: a aplicação de regras de economia de meios (os recursos são sempre escassos) e sobretudo a utilização de uma flexibilidade de conduta.
Como conclusão destas reflexões iniciais, pode dizer-se que o bom funcionamento da logística é uma face invisível e que o seu sucesso muitas vezes passa despercebido e, pelo contrário, o seu insucesso é realçado, mesmo quando há factos pouco significativos de que alguma coisa correu mal.
Hoje de um modo evolutivo, o conceito de logística avançou para um processo estratégico que é mais do que distribuição física, mais do que a simples gestão de materiais ou serviços, mais do que o (re)abastecimento, mas sim, isto tudo numa perspectiva global, mais quantificada e em que os fluxos de informação possibilitem um controlo e uma rapidez, que no caso militar são de importância vital.
No caso dos Serviços de Saúde, a logística ganha uma importância acrescida porque hoje há realidades novas que importa considerar e só a título de exemplo, pode citar-se o seguinte:
- a evolução constante e acelerada das ciências médicas,
- o grau de incerteza no planeamento de saúde em especial em situações de imprevisibilidade,
- a necessidade de uma mobilidade adequada e de transporte apropriado,
- a compatibilização de suas diferentes vertentes,
- a necessidade de reduzir custos através da optimização das opções de medicamentos ou artigos a fornecer,
- a importância de adequar a informação por circuitos de suporte adequados,
- e, sobretudo, o aumento quantificado da qualidade do abastecimento logístico.
Por outro lado, recentemente, as Forças Armadas têm sido cada vez mais chamadas a desempenhar desafios novos que, de uma forma muito pragmática, influenciam a logística sanitária, como por exemplo:
- a projecção imediata de Forças para teatros de operações inopinados, (Fig 2)
- apoio em situações-problema que se constituem relevantes para populações civis, (Fig 3)
- constituição e manutenção de reservas que se constituam possibilidades de apoio em situações de força maior. (Figs 5 e 6)
3. Especificidades da logística num serviço de saúde
Do já referido sobressai, desde já, a possibilidade de vislumbrar especificidades.
No caso da logística aplicada à saúde militar aplicam-se, para além de todos os princípios e regras gerais da logística actual, incluindo a necessidade premente de racionalizar custos um conjunto de especificidades como por exemplo:
• Capacidade de apoiar os vários tipos de conflitos militares,
• Capacidade de possibilitar a projecção de Forças, muitas vezes de forma imediata, (Fig 4)
• Capacidade de constituir reservas ou apoiar situações de catástrofe,
• Capacidade de gerir as várias vertentes logísticas numa perspectiva polivalente.
Para conseguir a interligação de todos estes aspectos é, sobretudo, necessário:
Saber calcular as quantidades certas em quantidade e qualidade; conhecer a conduta operacional; ter altos níveis de prontidão; conhecer os diferentes TO e enquadrar-se numa linha hierárquica de Comando.
4. Enquadramento histórico
Para dar corpo ao modo como é concebida a logística sanitária, são estabelecidos modelos de organização, que historicamente têm tido uma concepção relativamente semelhante.
Neste aspecto, importa referir que os modelos existentes têm-se baseado em 3 pilares básicos. O primeiro é o responsável central pelo enquadramento da gestão e planeamento. No caso do Exército esta estrutura central tem estado localizada no Comando da Logística e na Direcção dos Serviços de Saúde do Exército, procedendo a um accionamento e a um controlo dos aspectos técnicos, de qualidade, ou mesmo orçamentais, de todas as acções de fornecimento de bens e/ou serviços.
Os outros pilares têm sido as estruturas de execução operacional e funcional para a logística de medicamentos e de os outros artigos não considerados de consumo. Assim, no caso dos medicamentos e outros produtos farmacêuticos e químicos, surgiu em 1918, a Farmácia Central do Exército que mais tarde deu origem ao Laboratório Militar de Produtos Quimicos e Farmacêuticos. (Fig 7) Esta estrutura não se limitou apenas à produção, mas estabeleceu-se como uma unidade funcional de aquisição, armazenamento e distribuição, para além de assumir outras valências técnicas relevantes para o Exército.
A existência deste estabelecimento fabril desenvolveu-se desde 1918 até aos dias de hoje, sendo actualmente considerada a principal estrutura logística dos serviços de saúde do Exército. Não cabe aqui fazer a análise desta estrutura, no entanto, interessa realçar, face à mudança dos tempos, a sua capacidade de evolução e adaptação.
Paralelamente ao Laboratório Militar, a logística sanitária contou com o contributo de uma estrutura tipo Depósito, designada como Depósito Geral de Material Sanitário e hoje integrada no Depósito Geral de Material do Exército, ao qual foram atribuídas missões de depósito de material sanitário e de módulos sanitários fundamentalmente destinados à componente operacional.
Todas estas estruturas basicamente têm-se mantido, obviamente com processos de evolução e adaptação às diferentes necessidades de apoio, sendo certo no entanto, e só para citar alguns casos, o mérito reconhecido destas estruturas nos grandes empenhamentos do último século, essencialmente nas grandes projecções de forças para Flandres (1ª Guerra Mundial), nos territórios ultramarinos (1961-1974) e nas Operações de Manutenção de Paz (desde 1991 e até à actualidade).
5. O modelo logístico sanitário actual
O Exército atravessa uma fase de reestruturação, sendo certo que há mudanças em curso que se reflectirão no futuro, sobretudo em alguns procedimentos e circuitos. No entanto, uma forma muito sintética, é possível referir que a logística sanitária é:
• Um modelo centralizado com alguns aspectos particulares descentralizados.
• Integra de forma complementar vários aspectos técnicos e acções logísticas como sejam: obtenção de artigos (aquisição normal, aquisição de artigos critícos, aquisição de artigos por importação especial, produção própria), obtenção/controlo de serviços laboratoriais e outros serviços de sanitarismo, armazenamento, distribuição, controlo técnico na aquisição de artigos com controlo de carga, catalogação e coordenação com a farmácia hospitalar e outros serviços hospitalares.
• Concentra todo o apoio sanitário numa estrutura simples gestão e controlo técnico em circuitos operacionais enquadrados pelos serviços de saúde.
6. Conclusão
A logística sanitária destina-se a apoiar a componente operacional das Missões militares.
Efectivamente todos os paradigmas da sua intervenção basearam-se nas especificidades próprias da Saúde Militar.
A capacidade de fornecer “os bens ou serviços certos no momento em que são precisos, no local em que fazem falta e na quantidade adequada” em Missões militares, tem sido possível essencialmente pelos seguintes factos:
• Integração da logística nos serviços de saúde e uma coordenação total com a componente operacional que se pretende apoiar.
• Estruturas operacionais, claramente definidas, tecnicamente capazes e com a capacidade de flexibilizar circuitos e procedimentos.
• Diferenciação técnica e formação adequada de técnicos empenhados.
Fig 2
Fig 3 - Destacamento Sanitário 7 MONUA, 1997.
Fig 4
Fig 5 - Reserva sanitária de medicamentos.
Fig 6 - Reserva sanitária de equipamentos para o Hospital de Campanha.
Fig 7 - Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.
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* Ex-Director do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos.