Nº 2585/2586- Junho/Julho de 2017
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Quando este número Revista Militar for distribuído, estaremos distantes do final do mês de junho e do acontecimento de Tancos; provavelmente a situação estará mais esclarecida e, certamente, outros desenvolvimentos terão ocorrido, tornando este texto talvez menos ajustado. Contudo, a gravidade da situação, o impacto na opinião pública e as afirmações produzidas na comunicação social, por comentadores de diversos quadrantes políticos e por líderes partidários, legitimam mais uma opinião.

Desde 2010/2011 que, perante a afirmação política de que “com menos era possível fazer mais”, se ouviram responsáveis militares avisando que, “com menos faz-se menos, normalmente pior e que, em operações, o erro paga-se com a vida. A afirmação política da permanente necessidade de reforma das Forças Armadas, traduzida numa permanente redução de recursos financeiros, humanos e materiais, chocou-se várias vezes com a afirmação de responsáveis militares, alertando para que não se deveria tomar decisões que pudessem vir a comprometer as efetivas capacidades operacionais.

Essas posições muitas vezes mal recebidas, muitas vezes apelidadas de resistência à mudança, mais não eram que o exercício legítimo de quem tem a responsabilidade, quer de alertar com verdade as tutelas políticas quer de enviar militares para missões operacionais, em que tudo pode acontecer. Foi muitas vezes uma reação natural à ligeireza das decisões, à sua falta de consistência programática e de racional subjacente, ao oportunismo evidenciado, à opção por soluções e modalidades de ação já testadas negativamente e, em última análise, à inobservância do carácter institucional das Forças Armadas e da necessidade de não se comprometerem as condições operacionais para a sua permanente disponibilidade, para utilização em situações limite, em tempo e de forma sustentada.

Cabe aqui a questão se, do ponto de vista político, se garantiu, responsavelmente, nos sucessivos processos de reforma estrutural das Forças Armadas, designadamente na apelidada “reforma 2020” (Resolução do Conselho de Ministros nº 26/2013, de 11 de abril), quer em termos organizativos quer no quadro do pessoal ou do material e do reequipamento, as seguintes condições:

– permitir o seu funcionamento de guarnição, de forma digna e adequada, em termos de recursos humanos, financeiros, materiais e infraestruturas;

– permitir o seu emprego com oportunidade, eficiência e eficácia;

– perspetivar a garantia do êxito da missão atribuída;

– garantir a segurança das tropas empregues, conferindo-lhes o treino que é devido e o armamento e equipamento adequado;

– permitir a atuação integrada com os aliados e países amigos nas Alianças, Organizações e Coligações em que o país decide participar;

dispor da capacidade de sustentação logística, em pessoal e material (reservas de guerra).

A preocupação e empenho da Instituição Militar em cumprir todas as missões que lhe eram solicitadas, por vezes em situação de nítido esforço operacional, equilibrado por menos efetivos empregues e menores períodos temporais de empenhamento, configuram situações de risco, havendo internamente a convicção de que se algo corresse mal, tudo a montante seria ignorado e as responsabilidades, essas, seriam assacadas aos chefes militares; surgiu o incidente de Tancos e assim aconteceu e, ainda, de forma hipócrita, se refere que se havia “dificuldades”, deveriam ter sido oportunamente transmitidas.

No último Editorial, a propósito do tema Serviço Militar Obrigatório e da escassez atual de efetivos referia-se: “(…) o modelo em vigor configura um Sistema de Forças Nacional, abusivamente influenciado pela Troika e adotado politicamente na altura, de forma acrítica e passiva, o qual evidencia inegáveis astenias em recursos de toda a ordem (…) paralelamente, coexistem legítimas preocupações quanto à sua efetiva capacidade para cumprir, plenamente e de forma exigente se for necessário, as missões de soberania”. Poderá dizer-se que isto não é justificação para o que aconteceu e, em qualquer análise a fazer, estou certo que o Exército é o primeiro a lamentar os factos, mas ninguém deve ignorar as condições e as restrições financeiras e de pessoal com que as Forças Armadas têm vivido desde 2010.

O acontecimento em causa tem inequívocas responsabilidades militares, não podendo ser imputado diretamente àquele processo de desinvestimento, mas não o iliba dos pesados constrangimentos que provoca na permanente necessidade de estabelecimento de opções e prioridades, sempre subjectivas e discutíveis, mas incontornáveis e exigentes para quem tem o encargo e o dever de tomar decisões.

De tudo o que se tem ouvido, opinião pública, comentadores, partidos políticos, são evidentes as críticas ao Exército e aos Chefes militares, a legítima indignação e a preocupação relativa à imagem do país na imprensa internacional são atitudes louváveis, mas não podem ser seletivas; devem ser igualmente contundentes e incisivas, para com os políticos incompetentes e corruptos, demandados judicialmente, para com a capacidade de resposta aos fogos que não evitam a morte de dezenas de cidadãos, para com a situação de fome de famílias e em especial das crianças e para com um sistema social, que deixa morrer velhos abandonados em casa e crianças, vítimas de violência parental, para com um sistema de segurança que deixa morrer pescadores à vista da praia, para com as pontes que caem, para com um sistema judicial que arrasta, por anos, processos-crime, para com um sistema bancário e banqueiros, que agem fraudulentamente contra os seus clientes e os fazem perder as economias de uma vida e em que a demora das ações judiciais, se confunde com impunidade, para com os contratos públicos fraudulentos, etc., etc., …

Distinga-se o erro, de quem o praticou e deixemos de envolver as Instituições em jogos político-partidários, nem as utilizemos para cavalgar a batalha das audiências televisivas; saibamos todos nós assumir, em consciência, as nossas responsabilidades.

 

 

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2017-11-22
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia