Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Telemedicina no apoio às operações militares
Major Médico
Joaquim Dias Cardoso
Introdução
 
A sociedade da informação em que vivemos caracteriza-se por ser uma comunidade, cujo funcionamento, recorre de forma crescente a redes digitais de informação. Os sectores potencialmente mais influenciados, serão aquelas que lidam com maiores volumes de informação, como é o caso da saúde.
 
Uma das características do Serviço de Saúde Militar (SSM), que o distingue dos demais, é a dispersão e mobilidade dos seus principais utentes (o militar operacional) e também dos seus profissionais, quer no território nacional quer integrado em Forças Nacionais Destacadas (FND).
 
O enfoque principal do SSM deve ser as forças operacionais que se pretendem o mais saudáveis possível. Neste sentido, é necessário operar uma mudança conceptual importante, evoluindo de uma estrutura assistencial essencialmente territorial muito centralizado, para um modelo com maior enfoque nas unidades operacionais e mais descentralizado.
 
O SSM deve ser capaz de prestar cuidados de saúde em campanha (unidades operacionais, exercícios, FND, etc.) de qualidade tão próxima quanto possível da observada nas sua unidades territoriais. Uma rede informática de saúde devidamente estruturada e integrada permitiria que a informação clínica e a estrutura sanitária de apoio, acompanhassem mais de perto as movimentações dos operacionais.
 
As novas tecnologias de informação e comunicação (TIC) abrem novas perspectivas para a prestação de cuidados de saúde, nomeadamente quando a distância, o tempo e a dispersão de recursos se constituem em barreiras ou dificuldades. O autor propõe-se efectuar uma breve reflexão sobre o actual estado da arte da telemedicina (TM), com enfoque nas principais vantagens e limitações da sua aplicação no apoio às operações militares.
 
 
Aplicação das Novas Tecnologias à Saúde - Conceitos
 
A introdução das novas TIC no sector da saúde, deu origem a novos termos e conceitos, alguns dos quais de significado e/ou abrangência ainda não totalmente clara (ver glossário).
 
Assim, e em relação ao conceito de TM, encontramos diversas definições, que embora concordantes no essencial, diferem geralmente no que respeita a área de acção. Segundo a OMS (1997) entende-se por TM “a prestação de cuidados de saúde à distância, nas situações em que esta é um factor crítico. Tais serviços são prestados por profissionais da área da saúde, usando tecnologias de informação e de comunicação com vista ao intercâmbio de informações válidas para o diagnóstico, prevenção e tratamento de doenças e a educação contínua dos prestadores de cuidados de saúde, assim como para fins de pesquisa e avaliação, tudo no interesse de melhorar a saúde das pessoas e suas comunidades”.
 
Outros autores defendem um âmbito mais restrito para o conceito de TM e preferem usar o termo telesaúde, quando a abrangência é maior como a preconizada pela definição da OMS (fig 1). Ao longo deste texto usamos o conceito de telemedicina no seu sentido mais lato ou seja, em algumas situações à frente descritas, pela sua abrangência, estamos já no âmbito da telesaúde ou mesmo da e-saúde. Apesar de tudo optamos por usar o termo TM por ser mais conhecido e numa tentativa de procurar simplificar.
 
 
Principais Vantagens da Telemedicina
 
1 - Melhoria da acessibilidade aos cuidados de saúde
 
Em 1991 e mais tarde em 1994, a OMS considerou a equidade do acesso aos cuidados de saúde como um princípio essencial. Mas o cumprimento de tal desideratum implica, entre outras condições, uma distribuição equilibrada dos recursos de saúde, o que geralmente não se verifica.
 
Uma das principais potencialidades da TM é o de proporcionar um aumento da acessibilidade aos cuidados de saúde, a populações remotamente localizadas ou relativamente isoladas no que respeita a cuidados de saúde. Esta prática diminui a necessidade de deslocações de utentes e/ou profissionais e reduz o tempo necessário para efectuar o diagnóstico e/ou iniciar terapêutica. É pois um avanço muito importante para a quebra do isolamento de profissionais e utentes.
 
2 - Rentabilização dos recursos e redução de custos
 
Os recursos da saúde (humanos e materiais) tornam-se progressivamente mais caros, em grande parte devido à crescente sofisticação tecnológica e ao incremento da hiperespecialização dos profissionais da saúde. A racional utilização destes meios deve ser uma preocupação constante e generalizada. Nesta óptica, os serviços mais diferenciados tendem a concentrarem-se nos grandes centros e ficarem assim mais distantes de muitos dos potenciais utentes.
 
A TM permite a prestação de cuidados diferenciados à distância e a um maior número de indivíduos, garantindo uma melhor triagem e uma redução na necessidade de deslocação de pessoas com a consequente poupança de recursos e sem quebra de qualidade nos cuidados.
 
3 - Desburocratização no acesso à informação e aumento da coesão do sistema
 
A variedade e quantidade de informação produzida nos serviços da saúde aumentou significativamente, o que inviabiliza uma adequada gestão pelos métodos tradicionais e conduz à criação de ilhas de informação dispersas, desintegradas e por vezes redundantes. Esta situação acarreta com frequência prejuízos para o indivíduo e para o sistema de saúde em que se integra.
 
A TM facilita a colheita, o processamento, a integração, o armazenamento e a gestão da informação em formato digital, proveniente das mais diversas fontes e permite disponibilizá-la, para os mais diversos objectivos, em qualquer lugar e no momento oportuno (fig. 2).
 
4 - Maior qualidade e transparência dos processos
 
Informação de qualidade é quase sinónimo de conhecimento. Quanto maior e variado for o conhecimento disponível numa organização, melhor será a qualidade dos seus produtos ou serviços e mais fácil se torna a avaliação do seu processo de funcionamento. Ao disponibilizar, mais e melhor infor­mação, sistemas de apoio a decisão, etc., a TM reduz a probabilidade do erro (clínico, de gestão ou outro) e contribui para uma melhor gestão dos recursos disponíveis.
 
 
Principais Aplicações Clínicas da Telemedicina
 
As aplicações da TM abrangem praticamente todas as áreas da medicina clínica. Contudo, a maioria das aplicações testadas até a actualidade situam-se nas áreas das especialidades da radiologia, patologia, psiquiatria, dermatologia, cardiologia, oftalmologia, emergência, pediatria e cirurgia (fig. 3).
 
A “maturidade” destas aplicações clínicas, definida com base na quanti­dade e qualidade da investigação relacionada, desenvolvimento de standards e aceitabilidade, por parte dos profissionais, varia bastante. Assim, cada aplicação clínica é habitualmente validada com base na investigação publicada relativamente à sua viabilidade técnica, acuidade diagnóstica (concordância e fiabilidade), resultados clínicos e custo efectivo.
 
1 - Aplicações mais maduras
 
A telerradiologia e telepatologia representam as aplicações de TM mais maduras, bem estabelecidas e mais largamente aceites pelos especialistas da área. Esta situação deve-se em grande parte: 1) ao facto de ambas as especialidades se basearem muito no uso da imagem em vez do contacto directo com o paciente; 2) à forte aposta no desenvolvimento de standards para uma garantia de qualidade e que têm sido bem aceites pelos profissionais; 3) à existência de abundante evidência científica que demonstra a sua efectividade clínica e a boa correlação custo-benefício. Em muitos países estes serviços são já comparticipados pelos sistemas de saúde.
A) Telerradiologia - O desenvolvimento da radiologia digital permite eliminar o uso da película tradicional e assim pôr termo a algumas contrariedades que lhe estavam associadas: armazenamento e arquivo das películas, poluição ambiental (produtos da revelação) e, por outro lado, facilita enormemente a circulação e armazenamento das imagens obtidas, aspectos muito importantes na medicina militar, particularmente em contexto de campanha.
B) Telepatologia - neste tipo de aplicação da TM, há ainda necessidade de desenvolver tecnologia, protocolos e metodologias adicionais, afim de melhorar a aquisição e envio da imagem e assim permitir uma melhor avaliação à distância. No entanto, já hoje é possível utilizar microscópios robotizados que permitem a sua manipulação à distância.
 
Em conclusão, a evolução destas aplicações a curto/médio prazo deve fazer-se essencialmente à custa do aperfeiçoamento do equipamento existente.
 
2 - Aplicações em maturação
 
Apesar da larga quantidade de investigação e desenvolvimento de tecnologias de TM associadas a estas especialidades, não se tem verificado uma implementação proporcional. Tal facto contribui para a existência de uma deficiente avaliação da relação custo-benefício destas aplicações.
A)  Telepsiquiatria - está entre as aplicações de teleconsulta em tempo real mais usada em ambiente militar. A investigação tem demonstrado de forma consistente, um elevado grau de concordância diagnóstica entre a telepsiquiatria e a consulta em presença física, sendo que em termos de custo os estudos mostram vantagens económicas da primeira em relação à segunda.
 
Dado que a prática de telepsiquiatria requer uma ligação síncrona (em tempo real), exige comunicações de boa qualidade. Os custos asso­ciados às exigências tecnológicas para efectivar a telepsiquiatria e ainda, o limitado âmbito e duração de muitos projectos, prejudicam a leitura de resultados da relação custo-eficicácia.
B) Teledermatologia - deve muito do seu desenvolvimento ao conside­rável progresso que se tem assistido na área da imagem de alta definição. A investigação neste campo tem mostrado também um elevado nível de concordância diagnóstica com a observação convencional de dermatologia.
C) Telecardiologia - dadas as características especiais da patologia car­díaca, como sejam importância crítica da pontualidade diagnóstica e a elevada morbi-mortalidade das doenças cardiovasculares, tornam esta aplicação particularmente interessante. Tem-se vindo a simplificar a possibilidade da auscultação cardíaca à distância, e a transmissão de dados obtidos por electrocardiografia, ecocardiografia, angiografia, etc. A maioria dos estudos publicados apontam uma baixa taxa de erros de diagnóstico (inferior a 5%) e em contraponto, um diagnóstico mais pontual, mais barato e uma melhor referenciação dos indivíduos que necessitam de cuidados mais diferenciados.
D) Teleoftalmologia - Trata-se de uma aplicação relativamente bem sustentada, já que os dispositivos ópticos e de imagem são a base da avaliação oftálmica e os dados que fornecem podem ser facilmente transferidos. Tem-se verificado uma concordância diagnóstica significativa entre o diagnóstico por teleoftalmologia e o diagnóstico por meios convencionais.
 
Neste subgrupo incluem-se essencialmente aplicações de teleconsulta, que através tecnologia e metodologia adequadas, garantem o acesso remoto a especialistas para obtenção, de um apoio diferenciado, por parte de um médico, outro profissional de saúde ou mesmo pelo próprio utente.
 
3 - Aplicações emergentes
 
Assim designadas, porque os esforços da sua implementação são relativamente recentes e consequentemente são ainda escassos os necessários estudos de avaliação.
A) Telemergência - desde há cerca de uma década que é reconhecida como uma técnica capaz de aumentar a capacidade de apoio ás vitimas de trauma ou de doença súbita, sem um aumento significativo de custos. Tem sido usada com sucesso em diferentes vertentes da medicina de emergência - interpretação de exames imagiológicos “fora-de-horas”, monitorização remota, serviços de consultadoria (ex. centros de trauma), seguimento de vítimas de trauma nas suas comunidades após cuidados de estabilização iniciais, apoio a outras actividades da emergência pré-hospitalar e inter-hospitalar (ex. evacuações).
 
A investigação nesta área é ainda relativamente escassa, mas a que está disponível não revela diferenças significativas entre o apoio diferen­ciado no local ou a partir de um ponto remoto.
B) Telemergência em situações de catástrofe ou conflito - em situações deste tipo as incertezas aumentam dramaticamente e com elas a necessidade de comunicar. Em contrapartida as infra-estruturas de comunicação habituais encontram-se sobrecarregadas ou estão destruídas.
 
A disponibilidade de comunicações alternativas poderá ser vital, para permitir a cooperação entre as diferentes entidades e conduzir a uma efectiva e integrada gestão do acidente. Para garantir uma eficiente autonomia das comunicações nestes cenários, é importante uma aposta em telecomunicações móveis, nomeadamente o satélite e o rádio. As TIC empregues nestas situações, devem ser independentes das redes locais de telecomunicações e de electricidade.
 
A proeminência crescente da Internet e a miniaturização da informática, melhorarão no futuro próximo as possibilidades de ajuda nestas situações, dadas as suas características particulares - ubiquidade, portabilidade e baixo custo (fig. 4 e 5).
C) Telecirurgia - o interesse crescente nesta aplicação, é em grande parte suportado pelo sucesso dos procedimentos cirurgicos laparoscópicos e artroscópicos e ainda, pela progressiva miniaturização dos equipa­mentos e o desenvolvimento da robótica. Apesar do óbvio interesse desta aplicação, a investigação nesta área é ainda relativamente escassa.
 
Neste subgrupo de aplicações, a imprevisibilidade do tipo de ocorrências e a necessária prontidão e adaptabilidade da resposta, exige tecnologia mais robusta, mais portátil e pessoal adequadamente trei­nado.
D) TM na Saúde Pública/Medicina preventiva
Este tipo de aplicações da TM vão desde os sistemas de informação geográficos (SIG) até ao desenvolvimento de aplicações que permitem a realização de campanhas de prevenção de doença e/ou promoção da saúde à distância.
 
O estabelecimento de sistemas de comunicação de saúde interactivos (CSI), podem: a) permitir o acesso a informação individualizada sobre saúde; b) promover a adopção de estilos de vida saudáveis; c) facilitar a informação sobre o auto-controlo de doenças crónicas e permitir a monitorização domiciliar.
 
 
Formação Contínua
 
As modernas TIC tendem a modificar o sistema educação/formação dos profissionais de saúde. Com efeito, assiste-se a uma influência crescente destas tecnologias a nível do ensino pré-graduado, pós-graduado e, particularmente, na formação contínua.
 
A formação contínua à distância (e-Learning), essencial numa sociedade em constante mudança, está hoje bastante facilitada pelas modernas técnicas de vídeo teleconferência (VTC) e a crescente possibilidade de acesso a Intranets ou Internets em banda larga (fig. 6).
 
A grande vantagem destas novas ferramentas prende-se com a melhoria do acesso à formação (menor custo, omnipresença e a qualquer hora), à vastidão de informação que permite disponibilizar e ao seu crescente potencial em multimédia. A informação disponibilizável vai desde os conteúdos pedagó­gicos, a bibliotecas digitais, a sistemas de auto-avaliação, a exercícios interactivos, ao treino em simuladores virtuais, até aulas e conferências multicêntricas em tempo real.
 
 
A Telemedicina Militar
 
A TM militar é um dos modelos organizacionais mais antigos e testados e, assenta numa grupo alvo particular - a população militar. Dada a sua reconhecida importância na Saúde Militar, a TM faz hoje parte da logística básica dos exércitos mais modernos.
 
As estruturas militares dos países da NATO (e não só) estão em processo de mudança, preparando a melhor resposta a dar às novas ameaças, ao número crescente de conflitos assimétricos e ao aparecimento de novas armas e tecnologias bélicas.
 
A crescente possibilidade de pequenos grupos poderem provocar efeitos catastróficos nos nossos sistemas de vida global, é um problema actual sem solução à vista. A intensidade dos conflitos étnicos, religiosos e raciais tem vindo a aumentar, assim como o número de países poderosamente armados. As armas químicas e biológicas são relativamente baratas e fáceis de usar. Também o fantasma da ameaça nuclear está longe do seu términus.
 
Embora o risco de um conflito de grandes dimensões não se possa afastar em definitivo, são mais prováveis os conflitos de menor dimensão. A multinacionalidade das forças e respectivos estados-maiores é considerada vantajosa, entre outras razões, pela partilha das responsabilidades e riscos, pelo ganho de legitimidade e influência positiva junto das opiniões públicas nacional e internacional. Os novos conceitos operacionais e logísticos privile­giam a constituição de forças conjuntas e combinadas com elevada prontidão, mobilidade e flexibilidade no seu emprego.
 
A mudança destes conceitos obriga os serviços de saúde militar dos diferentes países, a desenvolverem novas estratégias, ao aprofundamento da aprendizagem doutrinária da Aliança e à harmonização de procedimentos comuns, de modo a adquirirem igual mobilidade e flexibilidade das forças que vierem a apoiar. O estabelecimento de uma cadeia de comando e controlo, apoiada em modernos sistemas de informação e comunicação é fundamental para essa interoperacionalidade das diferentes estruturas de saúde.
A TM facilita o intercâmbio de informação sanitária (de natureza e formato diverso), entre as unidades de saúde do teatro de operações (TO) (por vezes de nacionalidade diversa) e, também, entre estas e as estruturas de saúde nacionais.
 
A TM militar apresenta algumas particularidades. Embora não sejam tão notórios alguns dos problemas que habitualmente enfrenta a “TM civil”, como os relacionados com o licenciamento, o reembolso e hierarquização de responsabilidades etc, confronta-se com outros desafios não menos complexos, nomeadamente a necessidade de apoiar militares geograficamente dispersos e em cenários muitas vezes complexos.
 
A sua utilização mais visível aconteceu na primeira guerra do Golfo Pérsico. Desde então, não parou de desenvolver e ampliar capacidades, como se comprova pelo emprego crescente em conflitos posteriores - Jugoslávia, Somália e mais recentemente no Afeganistão e Iraque.
 
O Telemedicine and Advanced Technology Research Center (TATRC) do exército dos EUA, começou por ser um centro de investigação e desenvolvimento da TM, mas graças a uma exemplar cooperação entre unidades de investigação militares e parcerias com entidades civis (principalmente universidades) e indústria, transformou-se num centro de investigação e desenvolvimento de referência mundial na área das TIC.
 
Mantém como objectivo principal, o desenvolvimento de tecnologia e conceitos, capaz de proporcionar através das novas TIC, um apoio sanitário aos militares mais eficaz, de melhor qualidade e ao menor custo, independentemente da sua localização geográfica.
 
A teleconsulta tem sido uma das aplicações de TM mais testada em campanha - telerradiologia, telepatologia; teledermatologia e teledentista mais associada a tecnologia assíncrona; A telepsiquiatria essencialmente através da tecnologia de VTC; A teleoftalmologia, teleultrassonografia associada a combinação de tecnologia VTC e assíncrona.
 
 
Interoperabilidade entre estruturas de saúde
 
Até há relativamente poucos anos, o apoio médico aos exércitos em campanha, era uma responsabilidade estritamente nacional. Actualmente as missões NATO são normalmente operações multinacionais e, consequentemente, o suporte médico também o é. Parece óbvio que em TO deste tipo, a possibilidade transmitir dados clínicos e obter apoio de especialistas (que podem ser de outra nacionalidade), reveste-se da maior importância.
 
Para tal é fundamental que as unidades de saúde das diferentes nações operem em plataformas de informação médica compatíveis e interoperaveis - Multinational Integrated Medical Units (MIMU) - o que constitui um dos objectivos da NATO Standardization Agency (NSA) e do Telemedicine Painel da NATO, com uma importante colaboração do TATRC. O produto deste esforço de interoperabilidade tem sido vertido nos acordos de padronização (STANAGs), que devem ser implementados pelas nações aliadas.
 
A NATO tem-se preocupado, nos últimos anos, em definir e desenvolver standards mínimos para a criação de uma plataforma comum que permita a realização da teleconsulta entre unidades de saúde de diferentes nacionali­dades. Dada a natureza e complexidade previsível das operações tal tarefa não se apresenta fácil. Das dificuldades referidas destaca-se a necessidade de conseguir uma adequada integração das estratégias da teleconsulta com a doutrina médica da NATO e os sistemas C3I de pessoal e logística.
 
A doutrina operacional da NATO é fundada no princípio de interopera­bilidade, que passa necessariamente pela compatibilidade de equipamentos, integração de sistemas, implementação de protocolos comuns de comuni­cação e ainda, por uma terminologia médica e uma estruturação de dados comum.
 
Há já hoje um número significativo de standards internacionalmente definidos e adoptados pela NATO, como por exemplo: ISO, HL-7, TC215 e CEN 251 (associados a informática médica), ISDN, TCP/IP, H.320/323 (associados a VTC) DICOM (associado a imagem radiológica), HTML/XML (documentos de texto), etc. A interoperabilidade exige segurança, nomeadamente uma adequada politica de encriptação e outras medidas actualmente em fase de desenvolvimento.
 
O COMEDS Telemedicine Painel elaborou em 2000 um conjunto de recomendações mínimas relativamente ao suporte tecnológico que cada nível (Role) de cuidados deveria possuir para poder garantir uma plataforma básica de TM no TO. As Nações devem procurar satisfazer no mínimo estas necessidades e, consoante o seu interesse, ampliar ou não esta exigência mas respeitando sempre os standards NATO ou na falta destes, os internacionalmente mais aceites.
 
Os estados deverão assegurar a integração dos seus planos de apoio sanitário, nos procedimentos operacionais padrão da TM NATO, do ponto de vista operacional, técnico e clínico.
 
 
Tecnologia associada à Telemedicina
 
O desenvolvimento tecnológico tem sido a força motriz para o crescimento e aperfeiçoamento da TM. A inovação tecnológica associada a TM, resulta da convergência dos avanços observados em várias áreas, principalmente na engenharia biomédica, na informática e nas telecomunicações mas também em outras, como a inteligência artificial, a robótica, a ciência de materiais, etc.
 
A opção por uma tecnologia desajustada, resulta em gastos desnecessários e pode comprometer seriamente o sucesso esperado. A TM não exige a última palavra em tecnologia para funcionar de forma eficaz. Sempre que possível, deve apostar-se em soluções simples e fáceis de implementar.
 
 
Engenharia Biomédica
 
Nas últimas décadas assistimos a uma grande evolução deste ramo tecnológico a avaliar pela variedade e qualidade dos equipamentos electromédicos de apoio ao diagnóstico e terapêutica que entretanto surgiram. Hoje a medicina dispõe de uma enorme panóplia de aparelhos electró­nicos capazes de captar uma grande variedade de parâmetros fisiológicos, de visualizar e executar procedimentos nas cavidades anatómicas mais recônditas, de obter imagens bidimensionais ou tridimensionais das estruturas mais diversas do organismo, etc, etc. Também os equipamentos médicos clássicos como, o estetoscópio, oftalmoscópio, otoscópio, o electrocar­diógrafo, o microscópio, etc, melho­raram de forma espantosa com a introdução da microelectrónica, não só porque os dados agora colhidos são de melhor qualidade mas também porque são muito mais fáceis de armazenar e partilhar.
 
Um dos esforços da engenharia biomédica tem sido o da integração de componentes específicos de TM em muitos dos equipamentos médicos. No entanto, a maioria destes sistemas é configurado segundo protocolos exclusivos da marca, o que pode comprometer a comunicação entre aparelhos de marcas diferentes.
 
 
Informática
 
Das áreas tecnológicos atrás referidas, é talvez aquela onde a evolução foi mais vertiginosa. Apesar de ter decorrido pouco mais de cinco décadas em relação ao aparecimento do primeiro computador, com várias centenas de quilos de peso e alguns metros de comprimento, já estamos na era do “computador de bolso” (PDA) com apenas algumas dezenas de gramas e dimensões da ordem dos centímetros. Apesar deste espantoso processo de miniaturização, a capacidade de processamento dos actuais PDAs consegue ser de longe superior aos primeiros computadores e o seu custo muito mais acessível. A par desta evolução do hardware temos assistido também a uma espectacular evolução da ciência da computação, traduzida no desenvolvimento de software cada vez mais complexo na perspectiva do criador e simultaneamente mais simples na óptica do utilizador.
 
Mas a evolução não parou. Os limites da tecnologia informática são ultrapassados quase diariamente e, outros benefícios para a área dos cuidados de saúde se desenham no horizonte, alguns em fase avançada de experimentação outros apenas anunciados (tecnologia robótica, nanotecnologia, etc.).
 
Infelizmente a informática aplicada a saúde, está longe de atingir entre nós os níveis desejados. É necessário uma forte aposta na criação de Intranets (com e sem fios), na integração coerente da múltipla informação dispersa, no desenvolvimento do processo clínico electrónico, na disponibilização de ferramentas de apoio à decisão, na prescrição “on-line”, na disponibilização em rede dos protocolos/guidelines de procedimentos da instituição (administrativos, diagnósticos e terapêuticos), automatização de muitos dos procedimentos administrativos e clínicos de rotina, etc.
 
 
Telecomunicações
 
O progresso das telecomunicações, cada vez mais associado ao avanço da informática, traz para a área da saúde diversos benefícios ao facilitar a troca de informação relevante para a prática de cuidados de saúde - em maior volume, mais diversificada e principalmente de forma mais rápida.
 
A fibra óptica garante já taxas de transmissão superiores a 40 gigabytes por segundo (Gbps), o que permite a implementação de avançados sistemas de telemedicina. Os sistemas sem fios estão também em franca expansão e o seu uso na comunicação quotidiana ultrapassou já os sistemas fixos. A nova geração das comunicações móveis, já comercializada entre nós, suporta taxas de transmissão próximas 2 megabytes por segundo (Mbps).
 
A comunicação por satélite envolve equipamentos de transmissão e recepção específicos, bem como a disponibilidade de canal no próprio satélite. Existem essencialmente dois tipos de satélites para comunicação: a) os geoestacionários que ocupam posições fixas na atmosfera já que sincronizam a sua órbita com a rotação da terra. Devido às longas distâncias de transmissão, exigem instalações mais sofisticadas, geralmente fixas e consequentemente bastante dispendiosas; b) os de baixa órbita (LEO) (não geoestacionários), são satélites posicionados mais próximos da terra e por isso tecnologicamente muito menos exigentes no que respeita as estações de emissão/recepção. São estes últimos que habitualmente suportam os telefones-satélites (com ou sem VTC), equipamentos que se têm revelado muito úteis em situações de catástrofe ou militares de campanha (fig. 7).
 
A capacidade de transferência de dados, exigida às telecomunicações, varia com as aplicações específicas da TM. Contudo, com a excepção dos aparelhos de monitorização contínua com vídeo, a maioria dos sinais biomédicos de avaliação e/ou monitorização requerem taxas de transmissão relativamente modestas.
 
 
Interoperabilidade Tecnológica
 
O termo “interoperabilidade” refere-se a compatibilidade e facilidade de comunicação entre os diferentes equipamentos/sistemas individuais de telemedicina. Existem essencialmente dois níveis de interoperabilidade: 1) interacção entre dispositivos conectados à mesma plataforma; 2) interacção entre plataformas da mesma estação e ou estações diferentes (fig. 8).
 
A interoperabilidade completa de um sistema TM, implica ainda a normalização de outros componentes essenciais como o processo clínico electrónico e a interface com o utilizador.
 
 
Dificuldades de Implementação
 
Factores de natureza tecnológica
 
A qualidade do projecto inicial é fundamental. Para a sua concepção é importante identificar os objectivos que motivaram a implementação, localizar os pontos de estrangulamento da informação e encontrar soluções ajustadas para os resolver.
 
Qualidade da informatização depende em grande parte da colheita e tratamento dos dados. Maximizar a automação da aquisição dos dados e implementar sistemas de detecção de erros, aumenta a fiabilidade da informação disponível no sistema.
À medida que a informação vai passando pelos diversos sectores, deve tornar-se mais completa, organizada e inteligível podendo assim converter-se em conhecimento.
 
Dada a permanente evolução destes sistemas é importante a sua concepção modular de modo a permitir o desenvolvimento futuro.
 
Factores de natureza humana
 
A componente humana (responsáveis da instituição, gestores do projecto, fornecedores de tecnologia e os utilizadores) é a mais difícil de gerir.
 
Aos impulsionadores não basta demonstrar as potencialidades da tecnologia, devem ser capazes de provar, de forma suficientemente clara, que os benefícios esperados são vantajosos em relação ao modelo tradicional.
 
A formação é essencial para a necessária mudança de comportamentos. Por isso, o tempo e os custos financeiros dispendidos com uma formação de qualidade (pessoal técnico e utilizadores), será sempre um bom investimento.
 
Segurança e privacidade de dados
 
As questões legais, os princípios éticos e os deveres deontológicos, que regulam a comunicação clínica tradicional, são também aplicáveis à comunicação electrónica. Contudo, o uso das novas TIC acrescenta outras preocu­pações.
Uma rigorosa política de controlo de acessos e adopção de outros padrões universais de protecção de dados (por exemplo à encriptação), são fundamentais e reduzem as vulnerabilidades.
 
A manutenção dos registos dos actos praticados por TM é uma exigência, entre outras razões, para ajudar a documentar as decisões e ao mesmo tempo garantir um contínuo de cuidados médicos ao paciente. Estes registos devem ser mantidos como parte integrante da informação clínica do utente. Devem ser elaborados planos de contingência para os diversos tipos de falhas ou avarias previsíveis.
 
Algumas das regras básicas para implementação de um sistema de TM com vista a uma maior possibilidade de sucesso:
a) Os objectivos do sistema de TM (geral e específicos), devem ser claramente definidos e devidamente articulados com a missão da instituição; b) Identificação das aplicações TM a implementar, com a maior especificação possível dos serviços a serem fornecidos e a população alvo a que se destinam; c) Aquisição de tecnologia adequada às necessi­dades dos diferentes sistemas; d) Flexibilidade e modularidade quer das tecnologias quer dos sistema e instaladas, de modo a permitir a adopção de novas tecnologias quando disponíveis e apropriadas; e) Ava­liação contínua e sistemática, dos processos de implementação e dos resultados alcançados, para uma maior garantia da qualidade.
 
 
Conclusão
 
A sociedade da informação que nos envolve, obriga-nos a repensar a prática tradicional da medicina e a encarar as novas práticas, como uma realidade irrecusável que devemos implementar à luz dos princípios éticos e legais mais essenciais.
 
No esforço de modernização dos sistemas de saúde, a qualidade dos cuidados prestados terá de ser o farol orientador e as novas tecnologias usadas, cada vez mais, como ferramentas indispensáveis para atingir aquele desiderato.
 
A saúde militar tem como missão proporcionar ao militar, mesmo nos locais mais remotos, um apoio sanitário de qualidade. A TM constitui uma valiosa ferramenta capaz de vencer as barreiras geográficas e temporais e, assim, reduzir o isolamento que caracterizava o apoio sanitário de campanha tradicional ao permitir o acesso a cuidados diferenciados em tempo útil sem a deslocação de pessoas.
 
É fundamental aumentar a literacia informática e melhorar o acesso às novas TIC em tempo de paz, para que depois em campanha o uso destas ferramentas seja uma continuidade e não uma novidade. Também a relação médico-doente necessita de ser melhor regulada, atendendo a que na TM entre eles vai existir uma tecnologia que não existia antes (Fig 9).
 
Em suma, a tecnologia actualmente disponível para a TM permite a captação de uma grande variedade de dados clínicos, elevadas taxas de processamento e ainda, uma boa capacidade de troca de informação, com recurso a equipamentos cada vez mais miniaturizados e a custos mais acessíveis. Os entraves ao avanço da TM já não são de natureza tecnológica mas sim de natureza organizacional.
 
 
Glossário
 
Informática Médica - aplicação de meios informáticos à saúde
Telemática em Saúde - engloba as actividades relacionadas com saúde à distância através da integração das tecnologias de informação e de comunicação.
Telesaúde - aplicação de telemática para a prestação de telemedicina, educação médica e educação para a saúde.
Telemedicina - “uso de modernas tecnologias de informação e comunicação para a troca de informação sanitária e prestação de cuidados de saúde através de barreiras geográficas, de tempo, sociais e culturais” (NATO, 2005).
Teleconsulta - é a prestação de cuidados de saúde especializados (dermatologia, psiquiatria, cardiologia, etc.) à distância, directamente a doentes e/ou através de profissionais de saúde.
e-Saúde - concretização da Sociedade da Informação no sector da saúde. Prestação de cuidados ou transacção de informação ou bens relacionados com a saúde através das TIC, com particular destaque para a Internet.
 
 
 
 
Fig. 1 - Conceitos relacionados com emprego das novas TIC à saúde
 
 
 
 
Fig. 2 - Organização e gestão dos fluxos de informação sanitária
 
 
 
 
 
Fig. 3 - Representação esquemática de um sistema de TM
 
 
 
 
 
  
Fig. 4 - Estações móveis de TM
 
 
 
 
 
 
Fig. 5 - Kit de “TM de bolso”
 
 
 
 
Fig. 6 - Sala de VTC
 
 
 
 
Fig. 7 - Representação esquemática de um sistema de TM de Campanha
 
 
 
 
 
Fig. 8 - Plataforma de TM integrando diversas aplicações
 
 
 
  
Fig. 9 - Elementos que interferem na gestão da informação
 
________________
 
*      Chefe do Departamento de Medicina do Hospital Militar Regional Nº2 (Coimbra).
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2006-10-22
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REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia