Nº 2591 - Dezembro de 2017
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves: Quando ainda se tentava manter o país coeso
Tenente-coronel PilAv
João José Brandão Ferreira

“O povo que compreende Estratégia sobreviverá;

o que a não compreende perecerá”

Sun Tzu (544 BC – 496 BC)

 

Introdução

O Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foi criado em 16 de Dezembro de 1815, possuía um Hino Nacional (chamado Hynmo Patriótico), uma Bandeira, um Território (espalhado pela Europa, América, África, Ásia e Oceânia), um governo e uma capital – o Rio de Janeiro, entre 1815 e 1821, Lisboa entre 1821 e 1822 (se bem que oficialmente se possa considerar até 1825, data do reconhecimento da independência do Brasil, pelo governo português).

Figura 1 – Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves (1815-1822/1825).

 

Possuía uma língua e uma religião oficial, respectivamente, o português e o catolicismo; e uma moeda, o Real.

Teve um governo de Monarquia Absoluta, entre 1815 e 1820, e de Monarquia Constitucional, entre 1820 e 1822. E dois monarcas: Maria I, entre 1815 e 1816 e D. João VI, entre 1816 e 1822.

Estima-se que a Metrópole e os arquipélagos europeus tivessem uma população de cerca de três milhões de habitantes e o Brasil cerca de quatro milhões.

Figura 2 – Territórios do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

 

Em todos os outros territórios onde flutuava a Bandeira das Quinas é mais difícil de estimar a população que seria súbdita do Rei de Portugal, mas podemos considerar cerca de um milhão, uma estimativa conservadora.

O que terá levado então à construção desta notável figura política/jurídica, que não encontra paralelo na cena internacional, em todos os tempos, e que não teve qualquer problema de reconhecimento a nível internacional?

É o que vamos tentar dilucidar.

 

Antecedentes

“Todos os homens dos 15 aos 60 anos se armem; cidades, vilas
e povoações que se fortifiquem; quem o não fizer incorre em pena de
morte e as vilas que franquearem as suas portas, serão arrasadas”

Real Decreto de 11/12/1808, incitando os portugueses a resistirem aos franceses

 

As invasões francesas, consequência natural e directa da Revolução Francesa de 1789, causaram – como de resto já tinha sucedido no resto da Europa (com muitas atenuantes na Grã-Bretanha que o Canal da Mancha defendeu) – um terramoto político, social, económico, financeiro e militar, como não havia memória em Portugal.

Os efeitos deste “terramoto” continuaram a fazer-se sentir depois dos franceses terem sido expulsos e perduraram até aos nossos dias.

De facto, o país sofreu cinco invasões, em que os franceses e seus aliados foram protagonistas (apesar de só se considerarem três), sendo elas:

– A “Guerra das Laranjas”, em 1801, a qual está na origem da perda de Olivença, que lamentavelmente se prolonga até aos dias de hoje;

– A invasão comandada por Junot, em 1807;

– A 3ª invasão, capitaneada por Soult, em 1809;

– A 4ª invasão, e mais importante, liderada pelo Marechal Massena, em 1810;

– A 5ª invasão, que apenas durou 20 dias, efectuada pelo General Marmont, em 3 de Abril de 1812, já depois do exército de Massena ter sido expulso.

Na sequência, o exército anglo-luso combateu os franceses em Espanha, perseguindo-os na sua retirada até Toulouse, altura em que Napoleão se rendeu em Paris, a 30 de Maio de 1814.

Quando se soube que Junot tinha invadido Portugal – facto de que a Côrte portuguesa só se deu conta quando os franceses já estavam em Abrantes – pôs-se em marcha um plano já previsto e amadurecido com os aliados da “Pérfida Albion”, que previa a deslocação da Família Real para o Brasil, negando, deste modo, a Bonaparte prender os representantes do poder político e deitar mão aos navios da Armada Lusa, que tanta falta faziam aos planos de Napoleão.

Figura 3 – Embarque da família real, em Belém, em 29 de novembro de 1807.

 

Com Junot “a ver navios no alto de Santa Catarina”, os 54 navios e cerca de 15.000 pessoas – comboiados por seis navios da Royal Navy – chegaram ao Rio de Janeiro, após uma longa e penosa viagem de 54 dias, porém sem qualquer perda[1].

O Rio de Janeiro ia ser, até 1821, a capital de todo o Território Nacional, igualando uma vasta zona do Brasil à dos países mais desenvolvidos do Mundo.

 

 

Aspectos da geopolítica da época

“Não temos de fiarmos de outras potências,

 senão de nós próprios”

D. João V

 

Os franceses foram, por fim, expulsos de Portugal Continental, em 23 de Abril de 1812 e Napoleão definitivamente derrotado na Batalha de Waterloo, em 18 de Junho de 1815, já no fim do Congresso de Viena, que reuniu a partir de 1 de Outubro de 1814, para estabelecer as bases de uma nova paz, decorrente da derrota francesa.

Sem embargo, a Família Real e o governo português não mostraram intenção de regressar a Lisboa.

As razões que a tal levaram ainda não estão completamente apuradas, mas aparentam prender-se, fundamentalmente, com a complexa situação existente no Brasil.

Figura 4 – Localização da Guiana Francesa.

 

Esta situação envolvia a ocupação da Guiana Francesa; a abertura dos portos brasileiros ao comércio inglês em igualdade de circunstâncias com os nacionais – uma quase imposição inglesa como contrapartida à garantia de segurança à família real e à soberania portuguesa; a perigosa situação decorrente dos movimentos independentistas na América Espanhola, que acabou por provocar a Guerra Cisplatina de 1816-20 e a ocupação do Uruguai; o combate aos surtos de republicanismo brasileiro que já vinham do fim do século XVIII e que culminaram com a revolução Pernambucana, em 6 de Março de 1817, que foi esmagada. Finalmente, com as ideias independentistas do próprio Brasil[2].

Figura 5 – Revolução de Pernambuco (1817). Benção das Bandeiras da Revolução.

 

E, claro, é preciso não esquecer que a maior produção de riqueza era no Brasil que residia, não na Metrópole.

 

*****

 

“Que o historiador não ouse dizer uma

mentira nem esconder uma virtude”

 Cícero (106 AC – 43 AC)

 

Do outro lado do Atlântico, ou seja, neste canto à beira mar plantado, a situação não era melhor, antes pelo contrário.

De facto – um facto de que resta hoje escassa memória –, a maioria do país estava literalmente destruído, a agricultura arrasada, as indústrias em ruína, a Ilha da Madeira ocupada militarmente pelos ingleses e as famílias choravam os cerca de 300.000 mortes que se estimavam terem ocorrido, por causa das invasões imperialistas francesas.

O comércio estava desorganizado, a Marinha de rastos e as trocas comerciais com o Brasil ressentiam-se dramaticamente de tudo isto.

O restante Ultramar estava ao abandono, com o Estado da Índia também temporariamente ocupado pelos ingleses, o que ocorreu entre 1799 e 1813.

Os ingleses dominavam ainda o exército português e o seu Comandante, o Marechal Beresford, era, simultaneamente, Regente, por delegação de D. João VI.

Figura 6 – Monumento aos Heróis da Guerra Peninsular, em Lisboa.

 

Estou ainda em crer que a maioria do povo português entendeu as razões da partida da Família Real para o Brasil, mas deixou de perceber a demora no seu regresso. E tudo isso causou um sentimento, digamos, de orfandade.

A piorar as coisas, apesar dos franceses terem sido expulsos – pois lamentavelmente não conseguimos trucidar todos eles –, deixaram cá as ideias jacobinas que transportavam na ponta das baionetas, o que veio a causar, posteriormente, a maior das divisões fratricidas alguma vez ocorrida no seio da Nação Portuguesa.

A primeira grande reacção provocada por este estado de coisas foi uma conjura, abortada em 1817, liderada por Gomes Freire de Andrade, que era Grão-Mestre da Maçonaria – ramo francês – que acabou enforcado com mais onze correligionários (hoje conhecidos como mártires da Pátria).

Figura 7 – Wiliam Carr Beresford            Figura 8 – Gomes Freire de Andrade

(1768-1854).                                                    (1757-1817).

 

Até que, em 14 de Agosto de 1820, aproveitando a ausência de Beresford no Rio de Janeiro, rebentou uma revolução liberal, no Porto, que saiu vitoriosa. Esta Revolução foi preparada por um conjunto de notáveis civis e militares, liderados pelo bacharel Manuel Fernandes Tomás, que se reuniam numa loja maçónica apelidada de Sinédrio.

Esta revolução captou a anuência de Lisboa, em 15 de Setembro, tendo-se reunido rapidamente uma Assembleia Constituinte, encarregada de elaborar uma Constituição, que veio a ser aprovada, em 23 de Setembro de 1822.

Figura 9 – Manuel Fernandes Tomás (1771-1822).

 

Estes eventos foram muito influenciados por aqueles ocorridos em Cádis, em 1812, que levou à feitura da primeira constituição espanhola.

Foi este acontecimento que fez decidir D. João VI a regressar a Lisboa trazendo consigo 4.000 pessoas e 50 milhões de cruzados que sacou do Tesouro brasileiro.

Figura 10 – D. João VI (1767-1826).

 

O Rei teve o cuidado de deixar o seu primogénito, o Príncipe D. Pedro, no Brasil – antevendo uma possível quebra de laços políticos e jurou a Constituição; coisa que a Rainha Carlota Joaquina se recusou a fazer.

 

O congresso de Viena

“O Congresso não anda; ele dança”

Príncipe de Ligne

 

No meio de todos estes eventos decorreu, como já se disse, o Congresso de Viena, entre 1 de Outubro de 1814 e 9 de Junho de 1815, ou seja, antes da derrota final de Napoleão, em Waterloo.

Este Congresso foi presidido pelo Príncipe Metterniche e foi dominado pelas grandes potências de então, vencedoras do conflito: a Rússia, a Prússia, a Áustria e a Inglaterra.

Deste modo, os princípios orientadores foram o da restauração legitimista e a redefinição de fronteiras e o princípio do equilíbrio, o que incluía uma possível intervenção contra as independências nas Américas.

Para tal, foi criada a “Santa Aliança”, uma aliança político-militar, que reuniu os Exércitos da Rússia, Prússia e Áustria.

A França, representada pelo seu ministro Talleyrand-Périgord, conseguiu, apesar de ser a grande derrotada, manter um estatuto de quase vencedora conseguindo, por exemplo, manter as suas fronteiras anteriores a 1792.

O Congresso nunca teve uma reunião plenária e tudo o que era importante foi apenas discutido entre os “quatro grandes” e … a França.

Potências consideradas menores, como a Espanha, a Suécia, os Estados Alemães e claro, Portugal, ficaram de fora das mesmas.

O nosso país foi representado, e bem representado, por três ministros plenipotenciários: D. Pedro de Sousa Holstein, Conde de Palmela; António Saldanha de Gama; e D. Joaquim Lobo da Silveira, diplomatas destacados, respectivamente, na Rússia e na Suécia.

Figura 11 – Os representantes de Portugal no Congresso de Viena (respetivamente, D. Joaquim Lobo da Silveira, António Saldanha de Gama e D. Pedro de Sousa Holstein.

 

Estes diplomatas tiveram de tentar articular as suas posições, apesar da distância, com o Governo no Rio de Janeiro e a sua acção foi muito dificultada por as restantes potências olharem para o nosso País como um protectorado da Inglaterra.

No fim do Congresso de Viena resultou:

– A reconstrução das monarquias absolutas;

– A anexação de parte da Polónia, da Finlândia e da Bessarábia, por parte da Rússia;

– A anexação dos Balcãs, pela Áustria;

– A Inglaterra anexou a Ilha de Malta, o Ceilão e a Colónia do Cabo, o que lhe garantia o controlo das rotas marítimas;

– A manutenção do controlo dos povos cristãos do Sudeste da Europa, pelo Império Otomano;

– A união da Suécia e da Noruega;

– A anexação de parte da Saxónia, da Vestefália, da Polónia e as províncias do Reno, por parte da Prússia;

– A união forçada da Bélgica com os Países Baixos;

– A constituição da Confederação Alemã com a participação de 38 estados, além da Prússia e a Áustria;

– O restabelecimento dos Estados Pontifícios;

– A restauração das antigas dinastias em Portugal e Espanha sem, porém, terem quaisquer ganhos territoriais.

Portugal teve ainda que ceder a Guiana Francesa, à França, em 1817, conseguindo que, através do artigo 105 do Acto Final, lhe fosse concedida a retrocessão de Olivença, o que a Espanha nunca cumpriu até hoje.

O Congresso de Viena consagrou ainda a livre navegação nos rios Reno e Meuse; a condenação do tráfico de escravos – o que trouxe graves consequências para Portugal – a melhoria das condições para os judeus e uma regulamentação para as práticas diplomáticas.

 

A criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves

“Para se ser livre é necessário ser forte…”

Lord Castlereagh, Diplomata britânico, no Congresso de Viena – 1814

 

Foi com todo este pano de fundo que tomou forma, no seio da Coroa Portuguesa, a ideia da criação do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, ideia superior de alto alcance político, que permitia fazer face à muito complexa situação existente, nomeadamente, a manutenção da unidade da Nação multirracial e pluricontinental, a estabilidade política e social, às ameaças exteriores e às novas realidades geopolíticas saídas do Congresso de Viena.

Figura 12 – Império português (1415-1999).

 

Tudo, aliás, na velha tradição portuguesa, da unidade política nacional, na integração dos povos dos diferentes territórios onde nos viemos a estabelecer, na matriz cultural portuguesa e outorga da nacionalidade, na complementaridade e auxílio mútuo entre as diferentes partes do todo nacional e na evolução progressiva do estatuto social e político dos diferentes territórios – tivessem eles a designação que tivessem –, à medida que a sua evolução social e cultural permitia e justificava.

Foi assim que, por exemplo, os territórios da Península Indostânica, que constituíam um Estado, desde o século XVII, e Angola e Moçambique foram elevados à categoria de Estados, na revisão constitucional de 1971. Do Brasil partiram as tropas que reconquistaram S. Tomé e Angola, durante a Guerra da Restauração; e de Moçambique se reforçava Goa, Damão e Diu e daqui se enviavam forças para o Extremo Oriente, etc..

Deste modo, não se pode estranhar que a Família Real tenha decidido estabelecer-se no Brasil – o que ocorreu sem qualquer problema –, o que esteve também previsto acontecer, se necessário, durante a guerra da Restauração, entre 1640 e 1668.

Do mesmo modo, ainda, que o governo português preparou a sua saída para os Açores, caso Lisboa fosse ameaçada de ocupação durante a II Guerra Mundial.

Ora, não se conhece nenhum caso de paralelismo em qualquer parte do mundo.

Por isso, elevar o Brasil (que já tinha a categoria de Estado, desde 1621) a Reino e juntá-lo à designação já existente de Portugal e dos Algarves, seria, como foi, encarado naturalmente pelos portugueses, mas compreendemos que tal causasse, e cause, grande estranheza a um estrangeiro.

E quero fazer notar que “Algarves”, no plural é uma designação apenas usada depois de 1471, quando se considerou o Norte de África um prolongamento natural do Algarve, ficando este com a designação de “aquém – mar” e o “prolongamento” como o de “além-mar em África”, título que se manteve mesmo depois do governo português ter abandonado a última praça em Marrocos, em 1769, a cidade de Mazagão.

Tal designação apenas terminou, como se sabe, após um “grupo de monárquicos” ter conseguido implantar a República, em 5 de Outubro de 1910…

Além disso, a designação do Reino dos Algarves, era a de um reino de direito separado de Portugal (mas não da coroa portuguesa), mas que “de facto” não possuía instituições, foros ou privilégios próprios, nem sequer autonomia.

Era, na prática, um título honorífico sobre um território, que em nada o diferenciava do resto de Portugal.

A nova fórmula político/jurídica do Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves foi também inspirada na Constituição da Grã-Bretanha, já que a Inglaterra se juntou à Escócia, em 1707, e agregou a Irlanda, em 1800. O País de Gales já tinha sido integrado, em 1535! E sobretudo pela atmosfera do Congresso de Viena que não via com bons olhos que a coroa portuguesa vivesse no Brasil e tivesse a capital no Rio de Janeiro, já que consideravam aquele território uma colónia.

Por outro lado, a América Espanhola estava a desmembrar-se em numerosas repúblicas e a elevação do Brasil a Reino permitia manter uma monarquia forte naquelas paragens, ao mesmo tempo que mais facilmente se travariam quaisquer intenções seccionistas.

Finalmente, a elevação do Brasil a Reino vinha ameaçar as intenções da Grã-Bretanha sobre o Brasil, enfatizando os legítimos direitos portugueses sobre o território, conferindo todos os atributos de um governo soberano e retirando aos ingleses qualquer argumento de eventual protecção a um governo refugiado.

Não podemos deixar de adjectivar esta solução política como brilhante, onde a figura tão injustamente maltratada de D. João VI, pelas historiografias liberal, primo-republicana e marxista, tem créditos a haver.

 

*****

 

Acervo de teorias irrealizáveis, se teorias se podiam chamar, de instituições talvez impossíveis numa sociedade como a nossa e na época em que tais instituições se iam assim exumar no cemitério dos desacertos humanos”

Alexandre Herculano (Sobre a Constituição de 1822)

Figura 13 – Côrtes Constituintes de 1820.

 

Esta solução política veio a falhar estrondosamente, porém, pela precipitação dos acontecimentos na Metrópole Portuguesa.

De facto, a Revolução Liberal de 24 de Agosto de 1820, a expulsão de Beresford e a convocação de Cortes Gerais e Extraordinárias da Nação Portuguesa (ou soberano Congresso), a fim de se elaborar uma Constituição, vieram a provocar profundas alterações na sociedade portuguesa, a que os eventos ocorridos, entretanto, em Espanha, foram tudo menos alheios.

Esta revolução exigia o retorno imediato da Côrte para Lisboa e a restauração da exclusividade do comércio com o Brasil, ou seja a restauração do Pacto Colonial.

Em 28 de Setembro desse ano, foi constituída a Junta Provisional do Supremo Governo do Reino, que tinha o encargo de organizar as eleições para as Côrtes Constituintes.

Estas reuniram-se em 30 de Janeiro de 1821 (o processo foi rápido!).

As bases da Constituição foram aprovadas, logo a 9 de Março, bem como a nomeação de um governo e a convocação de eleições, sem consulta prévia ao Rei.

Em 20 de Abril, D. João VI convocou, no Rio, uma reunião, a fim de serem escolhidos deputados à Constituinte, mas tal provocou incidentes que foram duramente reprimidos.

No Brasil, a partida do Rei para Lisboa não era bem vista, pois receava-se que a autonomia existente lhes fosse retirada.

O Rei ainda tentou enviar o herdeiro da Coroa para a Metrópole, mas este recusou-se.

Deste modo, D. João VI nomeou D. Pedro como Regente, e partiu para Lisboa em 25 de Abril, onde chegou a 3 de Julho. No dia imediato, o Rei jurou as bases da Constituição.

O Brasil elegeu 97 representantes para as Constituintes de Lisboa, em Abril de 1821, tendo ainda nesse mês um deputado brasileiro, Maciel Parente, sido o primeiro a discursar na Constituinte.

Figura 14 – D. Pedro I, do Brasil, e IV, de Portugal (1798-1834).

 

Mas, logo em Agosto, foram apresentados no Parlamento embrionário três projectos para o Brasil, que por terem sido considerados de recolonização, caíram muito mal nos representantes brasileiros.

A separação do Brasil tornou-se real a partir do Dia do “Fico”, em 9 de Janeiro de 1822, quando D. Pedro, pressionado, decidiu não regressar à parte europeia de Portugal. Desde então, os acontecimentos passaram a ser influenciados por José Bonifácio de Andrade e Silva, nomeado ministro do Reino, desde 16 de Janeiro.

Esta posição ficou oficializada, em 7 de Setembro de 1822, com o “Grito do Ipiranga”.

No dia 30 desse mesmo mês, foi aprovada a Constituição, que ainda falava no Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves, designação que iria perdurar “de Jure” até 29 de Agosto de 1825, data em que, pelo Tratado do Rio de Janeiro, a independência brasileira foi reconhecida pelo governo português, retendo D. João VI a prerrogativa de ser tratado como Imperador do Brasil, até à sua morte.

Figura 15 – Rainha Carlota Joaquina (1775-1830).

 

A 1 de Outubro de 1822, o Rei foi obrigado a jurar a Constituição, mas Carlota Joaquina (e o cardeal Patriarca) recusaram-se a fazê-lo, sendo os seus direitos cassados e perdendo o título de Rainha.

O prelúdio da maior guerra civil que, até hoje, abalou a terra portuguesa tinha começado.

 

Conclusão

“Foi o único que me enganou”

 Napoleão, sobre D. João VI

 

Portugal sempre foi um país no mínimo estranho e original, e capaz do melhor e do pior[3].

Numa conjuntura interna e internacional, seguramente das mais complexas e críticas de toda a História de Portugal, e depois de um tremendo sacrifício vivido, sobretudo na parte europeia e continental de Portugal, conseguiu conceber-se uma fórmula jurídica/política que permitia salvaguardar o todo português na sua matriz sócio-cultural e a Soberania Nacional, garantindo em bases sustentáveis o futuro do País.

Tinha, porém, um ponto fraco e que se veio a revelar fatal: havia dois polos de poder, um remanescente e novo, em Lisboa, e outro no Rio de Janeiro.

Ora, a situação da Côrte no Brasil começou, pouco a pouco, a inverter a situação da Metrópole e do território ultramarino – o termo “colónia” apenas entrou no léxico português entre 1920 e 1926, e de 1930 a 1951 (por modismo da época), e terminou na revisão constitucional de 1951.

Daí se poder dizer que não foi o Brasil que se tornou independente de Portugal, mas sim Portugal que resgatou a sua independência do Brasil…

Mesmo assim, aquando das negociações e da assinatura do tratado de paz com o Brasil e reconhecimento da sua independência, ainda se mantiveram pontes que permitiriam uma reunião posterior dos dois reinos, como sendo o título de imperador do Brasil outorgado a D. João VI e o reconhecimento de D. Pedro como herdeiro do trono de Portugal e Algarves.

Para já não falar de que a independência tinha sido um acto de cedência do Rei de Portugal e não fruto de uma acção separatista violenta…

As sequelas da Revolução de 1820 fizeram o resto, querendo retirar ao Brasil a autonomia político/administrativa que o novo estatuto do Reino lhe conferia, sem embargo de ter mantido na Constituição que elaboraram o título de Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves!

Tudo isto à mistura com muitos desatinos políticos, ideológicos e sociais que normalmente acompanham os períodos revolucionários.

Esquecendo-se ainda de um princípio fundamental e que é este: nunca se deve retirar às pessoas e aos povos algo – neste caso direitos – que lhes tenham sido prometidos e, por maioria de razão, concedidos ou outorgados.

Mas aquilo que é concedido deve ser bem ponderado. Uma realidade que muitos políticos e governos teimam continuadamente em ignorar.

 

Bibliografia

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Martinez, Pedro Soares. “História Diplomática de Portugal”, Verbo, Lisboa, Maio de 1986.

Martins, Rocha. “História das Colónias Portuguesas”, Empresa Nacional de Publicidade, Lisboa, 1933.

Mendonça, Manuela e Reis, Maria de Fátima (coordenação de). “Raízes Medievais do Brasil Moderno”, Academia Portuguesa da História, Lisboa, 2016.

Peres, Damião e Cerdeira, Eleutério. “História de Portugal, Edição Monumental ”, Portucalense Editora, Barcelos, 1933.

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[1]    A questão do número de pessoas que acompanhou a Família Real para o Brasil varia com os autores, tendo havido até agora um consenso que os situa entre os 10.000 e os 15.000, tripulação dos navios incluída.

[2]    Em 30 de Março de 1818, D. João VI publicou um alvará a proibir as sociedades secretas, visando a Maçonaria, a quem se atribuía a origem das revoltas de 1817. O monarca foi ainda surpreendido pela existência de um “loja” maçónica na própria Côrte, no Rio de Janeiro, que mandou extinguir de imediato.

[3]    “É um povo paradoxal e difícil de governar, os seus defeitos podem ser as suas virtudes e as suas virtudes os seus defeitos, conforme a égide do momento.” Professor Jorge Dias, In “Elementos Essenciais da Cultura Portuguesa”.

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