Nº 2592 - Janeiro de 2018
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Serviço Militar em Portugal – o debate necessário
Tenente-general
Joaquim Formeiro Monteiro

1. Evolução e contexto*

Em Portugal, desde o início do Século XX, a mobilização e o recrutamento de pessoal para o serviço nas Forças Armadas (FA), com excepção dos seus quadros permanentes, esteve assente num sistema de conscrição, denominado como Serviço Militar Obrigatório (SMO), interrompido em 2004, como resultado da sétima revisão constitucional, em 1997, que retirou da Constituição da República Portuguesa a obrigação da prestação de serviço militar aos cidadãos nacionais.

Analisando a evolução da prestação de serviço militar, em Portugal, ao longo da sua vigência, verifica-se que o mesmo veio assumir o seu valor mais elevado, em número dos jovens cidadãos recrutados, durante o período de guerra em África, entre 1961 e 1974.

Em 1961, foram recenseados, aos 20 anos de idade, 73.366 cidadãos do sexo masculino, tendo sido apurados para o serviço militar 64,8% do universo recrutável, com o tempo de serviço alargado para dois anos e, dez anos mais tarde, em 1971, o recenseamento foi estendido, pela primeira vez, aos cidadãos que completavam 18 anos, atingindo um número de 91.363, tendo sido apurado 72% do contingente de recrutamento.

Em 1973, no Exército, o ramo das FA com mais efectivos, aqueles números apresentavam valores da ordem dos 150.000 elementos nos três teatros de operações da Guiné, Moçambique e Angola, a que acresciam os efectivos ao serviço nos territórios continental e insular.

                                                                                      Fonte: CAVE MG-10 – 1960 Terreiro do Paço

Figura 1 – Parada Militar na Praça do Comércio (Terreiro do Paço), em Lisboa,
por ocasião da visita da Portugal do Presidente do Brasil, Juscelino Kubitschek
de Oliveira (7 de agosto de 1960).

 

Portugal mobilizava, assim, praticamente, a totalidade da sua população masculina, em idade recrutável, para poder conduzir a campanha militar nos teatros africanos sob sua administração.

Após a Revolução de Abril de 1974 e com o início do processo de independência dos territórios africanos sob administração portuguesa, o esforço recrutável diminuiu com significado, mantendo-se, no entanto, a prestação de SMO para os cidadãos nacionais passíveis de recrutamento.

Desde 1975 e até à revisão constitucional de 1982 e à promulgação da Lei n.º 29/82, de 11 de Dezembro (LOBOFA), em que, pela primeira vez, no ordenamento constitucional português, se definiu o conceito de Defesa Nacional, visando demarcar a área normal de intervenção das FA e das forças de segurança, os efectivos militares continuaram a diminuir, passando de 175.000 para cerca de 70.000. Manteve-se, no entanto, a prestação do SMO, embora a sua duração tivesse diminuído para quinze meses, em Julho de 1975, no Exército, e para dois anos, em Outubro do mesmo ano, para as praças da Armada.

Entretanto, uma nova Lei do Serviço Militar, a primeira após o 25 Abril de 1974 (Lei n.º 30/87, de 7 de Julho), veio abrir o caminho para a prestação do serviço militar em regime de voluntariado e de contrato (RV/RC), abrangendo o universo do sexo feminino.

No entanto, a nova Lei continuava a apontar, explicitamente, para a obrigatoriedade do serviço militar, considerando que este traduzia o contributo devido por cada cidadão para a defesa da Pátria, obrigação encarada como um dever e um direito fundamental de todos os portugueses.

Em 1991, verificou-se a redução da prestação do serviço militar para quatro meses, com a aprovação e regulamentação de uma nova Lei do Serviço Militar (Lei n.º 22/91, de 19 de Junho).

A consequente descredibilização do modelo resultante da referida Lei, dada a reconhecida ineficácia da sua aplicabilidade, a par da dimensão orçamental verdadeiramente desastrosa que lhe esteve associada, ditada pelos custos inerentes à elevada taxa de rotação das incorporações, veio a prenunciar, desde logo, as condições para um futuro agendamento político, no sentido da extinção do SMO.

A redução do tempo de serviço inscrita na Lei vinha culminar uma aspiração das juventudes partidárias de então, com excepção da Juventude Comunista, e viria a ser precursora do quadro legal para a prestação do serviço militar em RV/RC, a par do regime de conscrição, dando início, pela primeira vez, em Portugal, a um modelo de serviço militar misto, com características profissionalizantes.

Em 1993, começou a registar-se alguma adesão, no seio do universo recrutável, ao novo RV/RC, que a Lei n.º 30/87, de 7 de Julho, já tinha previsto, passando o mesmo a representar cerca de um terço do pessoal ao serviço das FA, excluindo os quadros permanentes.

Entretanto, durante a década de 1990, vai assistir-se a uma série de movimentações de ordem político-partidária, que, procurando influenciar a opinião pública nacional, não mais fazia do que procurar esvaziar a validade da prestação do SMO em vigor e conduzir à sua progressiva eliminação, visando a adopção de um modelo de prestação de serviço militar totalmente voluntário.

Com a revisão constitucional de 1997, que veio desconstitucionalizar a obrigatoriedade do serviço militar, abriu-se, então, a janela de oportunidade para a aprovação de uma nova Lei do Serviço Militar (Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro), que fixou a prestação do serviço militar, exclusivamente baseada num novo modelo de voluntariado e de contrato, em tempo de paz.

Desta forma, com a Lei Orgânica n.º 3/99, de 18 de Setembro, e, em 2000, com a regulamentação da Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, a prestação de serviço militar passou a ser exclusivamente voluntária, a partir de 2004, após um período de transição de quatro anos fixado na Lei, formalizando-se, desta forma, o fim de uma Instituição levantada na primeira Constituição da República Portuguesa, em 1911.

                                                                                                                                                                    Fonte: CAVE 189/FOTO/17

Figura 2 – Juramento de Bandeira do 2º CFGCPE/COMANDOS/2017.

 

2. A abordagem institucionalista

O peso histórico da Instituição Militar, à qual o SMO esteve, sempre, intrinsecamente ligado, até aos finais do século XX, em Portugal, obriga a focalizar a análise desta política pública no âmbito da estrutura e do funcionamento das FA, bem como na sua identidade inalterável ao longo do tempo, devido ao carácter permanente da sua missão, ditada constitucionalmente.

É nesta perspectiva que o SMO permanece legitimado ao longo de várias épocas, desde a 1ª República, passando pela vigência do Estado Novo, pelo período da guerra colonial e pela revolução de 25 Abril de 1974, a qual, seguramente, não teria sido possível sem um SMO institucionalizado.

Neste sentido, a concepção institucionalista associada à génese do SMO, traduziu, de forma inequívoca, a continuidade do interesse do Estado no desenvolvimento institucional do SMO, até 1997, explicando, desta forma, a relativa imutabilidade daquela política pública, em Portugal, até aquela data, o seu impacto na organização e na cultura das FA, bem como o papel destas como variável explicativa dos factos políticos mais marcantes da vida nacional, ocorridos num tão prolongado período de tempo.

Como resultado, nem mesmo após a Revolução de 25 Abril de 1974 aquele modelo de prestação de serviço militar se alterou e, apenas, nos finais da década de 1980 começaram a surgir na agenda mediática algumas intervenções no sentido da sua reavaliação.

A esta realidade não terão sido estranhas, seguramente, as alterações geopolíticas ocorridas, entretanto, no leste da Europa, realidade que as democracias liberais do continente, na urgência de colher os denominados dividendos da paz, aproveitaram para deslegitimar técnica, económica, sociopolítica e geoestrategicamente o modelo das Forças Armadas de conscrição.

 

3. A abordagem pluralista

É de assinalar que, em Portugal, embora a obrigatoriedade da prestação de serviço militar tivesse começado a ser contestada, a partir do final dos anos 80 do século passado, uma larga maioria da sua população mantinha-se favorável aquela forma de prestação de serviço.

Assim se devem entender as alterações verificadas na forma de prestação do serviço militar, desde aquela altura, correspondendo a ciclos políticos de governação, em que as medidas tomadas, neste domínio, se destinaram, essencialmente, a satisfazer as reivindicações de certos grupos de pressão e de movimentos da sociedade, assentes em interesses próprios de classe, pouco tendo a ver com os reais interesses do País.

Esta realidade confirmava, uma vez mais, que as políticas do Estado se encontram quase sempre influenciadas por um conjunto alargado de centros de poder, e sujeitas às acções desenvolvidas por vários grupos de interesses, que tentam manipular a acção política da governação em seu favor, condicionando, decisivamente, não raras vezes, a efectivação daquelas políticas, através de processos de pressão e de influência, num considerável número de sedes do sistema socio-político. Confirmava-se a narrativa vigente nas democracias liberais, em que o poder se encontra distribuído por diversos grupos, com suficiente capacidade para influenciar o processo político da tomada de decisão, no âmbito das políticas estruturantes do Estado.

Será neste perspectiva que se poderá interpretar o papel desempenhado pelas juventudes partidárias, à época, em termos da pressão exercida sobre os governos da República, no sentido da abolição do SMO, a par duma conveniente e quase sempre enviesada cobertura mediática sobre o assunto.

Como resultado, a partir daquela data, assistiu-se a um processo pouco rigoroso e quase sempre manipulador em termos da avaliação da Instituição do Serviço Militar Obrigatório, complementado por um fluxo de opinião publicada, onde pontificaram as posições de certas elites urbanas e de algumas chefias militares, que acabou por inviabilizar uma reflexão séria e uma discussão política empenhada, a par do indispensável debate nacional que a temática deveria obrigar.

 

4. Os fluxos da política

Em termos da percepção pública do problema é de salientar que, à data e desde há algum tempo, os resultados de várias sondagens à opinião pública continham alguns dados de interesse para se poder avaliar como os portugueses percecionavam as questões da Defesa Nacional e das Forças Armadas.

Alguns estudos de opinião indicavam, por sua vez, como resultado da ausência de políticas de educação e de esclarecimento público sobre as questões relacionadas com aquela matéria, que os portugueses consideravam que era muito baixo o nível de ameaças externas à sua segurança, daí deduzindo que a necessidade de Forças Armadas para enfrentar as mesmas se afigurava como reduzida e remota.

Por outro lado, com a desintegração da União Soviética e com final da guerra fria, começava a verificar-se o abandono progressivo da prestação do serviço militar, como dever obrigatório de cidadania, por parte de alguns países europeus, passando a servir, convenientemente, a respectiva decisão política, no sentido de diminuir despesa pública considerada dispensável.

Na Europa, e em particular nos países da OTAN, eram estudadas formas alternativas de prestação de serviço militar, que passavam desde modelos mistos de conscrição e de voluntariado, por modelos totalmente profissionalizantes, e por outros incidindo na mobilização periódica do contingente recrutável, embora por curtos períodos de tempo.

Em Portugal, onde o conveniente estudo e debate sobre o assunto nunca ocorrera adequadamente, o fluxo das políticas orientava-se para uma colagem a modelos importados, acarretando dificuldades acrescidas na obtenção de recursos humanos qualificados para a prestação do serviço militar, induzindo a um maior afastamento dos cidadãos em relação às suas Forças Armadas, e levando a uma crescente interferência dos executivos governamentais nas políticas de defesa, com uma menor responsabilização da arena parlamentar.

Assistia-se a uma inversão da problemática da questão, uma vez que se começava por considerar o serviço militar, sobretudo a sua duração, como o principal objectivo a discutir, o fim último que tudo justificava, nem que para tal fosse necessário alterar, a jusante, o Conceito Estratégico de Defesa Nacional, o Conceito Estratégico Militar, o Sistema de Forças e, eventualmente, as próprias missões das Forças Armadas.

O SMO parecia, assim, constituir-se como o ponto de partida na construção do edifício da política de Defesa Nacional, sendo-lhe subsidiárias todas as fases do inerente ciclo de planeamento estratégico que, previamente, deveriam estar consolidadas.

Numa perspetiva manifestamente enviesada, não se entendia que o modelo de prestação de serviço militar a adoptar deveria ser, tão somente, um meio e um instrumento que o poder político dispunha para atribuir às FA os meios humanos que as mesmas necessitavam para cumprir as missões que lhes fossem cometidas, no âmbito de legislação enquadrante, que deveria existir a montante.

Entretanto, como já referido, as campanhas dos grupos de pressão e dos opinion makers contratados faziam o seu caminho na defesa da desobrigação do SMO, começando, desta forma, a abrir-se a janela de oportunidade para a sua extinção, que acabou por ocorrer com a revisão constitucional de 1997 (Lei Constitucional n.º 1/97, de 20 de Setembro).

A nova Lei do Serviço Militar (Lei nº 174/99, de 21 de Setembro), decorrente daquela alteração e que tinha sido aprovada no Parlamento em 1 de Julho do mesmo ano, com o objectivo comprometimento do XIV Governo Constitucional, fixava no seu Artigo 59.º um período de transição de quatro anos para o fim efectivo do SMO, justificado pela necessidade de prever o redimensionamento dos Ramos das Forças Armadas, mais dependentes do mesmo (casos do Exército e da Armada), tendo a obrigação de serviço militar nestes moldes sido gradualmente eliminada, a partir da entrada em vigor do Regulamento da Lei do Serviço Militar (Decreto-Lei n.º 289/2000, de 14 de Novembro), até Novembro de 2004.

A consulta da Reunião Plenária da Assembleia da República, de 1 de Julho de 1999, no Diário da Assembleia (I Série – n.º 101, de 2 de Julho, pp. 3694-3698), ajuda-nos a reavivar a memória sobre a “votação parlamentar, na especialidade, do texto final, apresentado pela Comissão de Defesa (CD), relativo à «proposta de lei n.º 214/VII – Aprova a Lei o Serviço Militar»”, durante a qual surgiu um diferendo entre deputados do Partido Socialista e do Partido Popular Democrático relativamente ao «período de eliminação do SMO» (Artigo 52.º do texto da CD): aqueles apoiavam a proposta “gradual de 4 anos para a sua extinção” e estes defendiam a “extinção imediata do mesmo”.

Da discussão parlamentar, resultou o seguinte:

A votação, com aprovação da proposta do mencionado Artigo 52.º («período de eliminação gradual do SMO, durante 4 anos»), com votos a favor do PS, votos contra do PSD e abstenções do CDS-PP, do PCP e de Os Verdes;

A votação final global do texto apresentado pela CD, com aprovação do mesmo, com votos a favor do PS e do CDS-PP, votos contra do PCP e de Os Verdes e a abstenção do PSD.

Neste contexto, considera-se não ser despiciente a revisitação, entre outros documentos sobre a desconstitucionalização do SMO, do «Relatório e parecer da Comissão de Defesa», na sequência da proposta de lei n.º 214/VII, apresentada pelo Governo, à AR, e do projeto de lei n.º 634/VII, da iniciativa de deputados do Grupo Parlamentar do PSD, que “pretendem [ambas] substituir o SMO pelo serviço militar voluntário” – Diário da Assembleia da República (I Série-A – n.º 47, de 25 de Março, pp. 1270-1292).

 

5. O Dia da Defesa Nacional

A Lei n.º 174/99, de 21 de Setembro, para além da transformação que suportou o novo modelo de prestação de serviço militar, instituiu, no seu art.º 11º, o Dia de Defesa Nacional (DDN), para que, supostamente, se não perdesse a ligação entre os jovens cidadãos e as FA, um dos riscos que, acertadamente, se presumia que viesse a ocorrer com o final do SMO.

Com a implementação da primeira edição do DDN, em 2004, veio admitir-se, explicitamente, que o modelo de serviço militar exclusivamente voluntário, fixado em 1999, deixava de assegurar efectivamente a ligação entre o País e as suas Forças Armadas, e que, portanto, se tornava necessário uma iniciativa desta natureza para preencher o decorrente hiato de cidadania verificado.

Por outro lado, ficando as FA exclusivamente dependentes, em relação ao seu recrutamento, da adesão ao regime de voluntariado por parte das camadas mais jovens da população, entendia-se que o DDN pudesse vir a constituir-se como um instrumento catalizador para o efeito e, consequentemente, como a medida adequada para a sustentação do novo modelo de prestação de serviço militar.

Contudo, desde o início se veio a verificar que nenhum daqueles objectivos tinha sido alcançado numa dimensão tão desejada como necessária, uma vez que, da avaliação feita aos resultados das sucessivas edições do DDN, materializados em inquéritos posteriores dirigidos ao universo dos jovens convocados, foram identificados significativos desvios, que importaria relevar.

Na realidade, o DDN, desde cedo, se revelou como um mito, baseado numa política de cosmética duvidosa em relação aos objectivos a que se propunha, tendo vindo a ser maioritariamente identificado pelo universo a que se dirigia, como uma manobra implícita de captação de voluntários para o serviço militar.

         Fonte: https://www.revistamilitar.pt/revista/2584 (editorial)

Figura 3 – Palestra no Dia da Defesa Nacional.

 

Nesse sentido, se deverão interpretar as respostas aos inquéritos conduzidos após cada edição do DDN, em que, de uma forma geral, 60% dos jovens inquiridos considerava a experiência vivida, simplesmente, como um dia perdido nas suas vidas, apesar dos encómios que a tutela dedicava à iniciativa, e que os órgãos de comunicação social de serviço se encarregavam de amplificar.

Complementarmente, de assinalar que nos referidos inquéritos, as percentagens das respostas dos jovens que eram oriundos de universos mais escolarizados e de meios economicamente mais robustos superavam, ainda, os valores atrás referidos, assaz evidenciando o fracasso do interclassismo social, que a experiência, supostamente, deveria procurar alcançar.

 

6. A realidade dos números

A Lei do Serviço Militar, aprovada em 1999, ao não dispor de mecanismos para tornar o recrutamento suficientemente atractivo, deu lugar a um reduzido fluxo de pessoal voluntário para prestação de serviço nas fileiras, acabando por impor severas dificuldades na sustentação do Sistema de Forças Nacional, e criando reconhecidas dificuldades e limitações no cumprimento das missões atribuídas às FA.

Como resultado, com base em números oficiais do próprio Ministério da Defesa Nacional, entre 2012 e 2017, verificou-se uma redução global de efectivos na ordem dos 20%, nos três Ramos das FA, que se fixaram em cerca de 27.500 elementos no final do período considerado, inclusive abaixo dos valores estabelecidos na denominada reforma 2020, definidos que foram num intervalo entre 30.000 e 32.000 unidades.

Evidenciando bem o grau de dificuldades das FA neste domínio, atente-se na sua particular gravidade no caso do Exército, onde a variação verificada naquele período se traduziu num decréscimo da ordem dos 25%, com os números relativos ao pessoal em RV/RC, por sua vez, a diminuírem 40%, e com o contingente de Praças a fixar-se em cerca de 6.500 unidades.

Aprofundando estes números, verificava-se que, no Exército, as existências no universo do RV/RC, no final de 2017, se situavam em cerca de 62%, relativamente aos Quadros Orgânicos aprovados nas componentes fixa e operacional, não chegando, inclusive, a atingir o valor dos efectivos autorizados por lei, fixando-se na ordem dos 75%, em relação a estes.

Deste modo, como resultado do abandono do SMO, aliado a um processo de desorçamentação continuada imposta às FA, estas terão perdido, desde 2010, uma significativa parte da sua capacidade operacional, que no caso concreto do Exército se aproximou de valores da ordem dos 50%, facto que, certamente, não será alheio ao decréscimo de 62% verificado no empenhamento de Forças Nacionais Destacadas e Elementos Nacionais Destacados, ao longo do período em análise.

Esta realidade, aliás, não foi mais do que o culminar da designada Agenda 2020 para a Defesa, da responsabilidade do XIX governo da República, que apontou cortes adicionais, em pessoal, estruturas e sistemas de armas e equipamentos das FA, da ordem dos 30%, orientações que a Lei Orgânica das FA (Lei n.º 6/2014, de 1 de Setembro) veio plasmar no seu articulado, com a consequente e significativa contracção do dispositivo de forças, materializado numa menor presença nas parcelas do território nacional, diminuindo a capacidade operacional das FA, a ligação à Nação e a perda do sentido de defesa entre a população nacional.

 

7. Serviço Militar Obrigatório: o debate necessário

Enquanto isso, nos últimos anos, verificavam-se significativas modificações no quadro geopolítico mundial, tornando-se, por essa razão, indispensável estabelecer mecanismos capazes de garantir a mobilização de efectivos suficientes, de forma a permitir que o País pudesse assegurar a sua quota-parte, no conjunto das forças reunidas, no âmbito das alianças em que estava inserido.

Conscientes dessa realidade, alguns países europeus vieram a retomar os modelos de conscrição de serviço militar que, entretanto, tinham abandonado no final do século passado, admitindo que os modelos profissionalizantes que tinham adoptado não reuniam, mais, as condições necessárias para responder à matriz potencial de riscos e ameaças decorrentes das significativas mudanças verificadas no quadro da segurança europeia.

Contudo, em Portugal, as FA, que, no final da década de 1990, mantinham um leque de capacidades adequado às suas missões constitucionais, e permaneciam ligadas à Nação através de um dispositivo e de um conceito de recrutamento adaptado aos recursos do País, foram confrontadas com um novo paradigma que, ao basear a prestação do serviço militar num modelo voluntário, viria induzir dificuldades assinaláveis na respectiva sustentação, condicionando, de forma decisiva, a sua organização e funcionamento.

Assistiu-se à desarticulação do modelo existente, que se traduziu no esvaziamento de Unidades, Estabelecimentos e Órgãos, no abandono de outros e na degradação da sustentação logística e do produto operacional do Sistema de Forças Nacional.

Em paralelo, ocorria o encerramento de centros de recrutamento, a extinção de gabinetes de esclarecimento e de atendimento público, a par da ausência de incentivos credíveis ao voluntariado e da falta de cumprimento daqueles que estavam estipulados na Lei, enquanto se passava a verificar uma indesejável aleatoriedade e irregularidade do fluxo das incorporações, quer no tempo, quer na localização das Unidades de formação.

Torna-se, então, legítimo questionar se a actual política pública de prestação de serviço militar, com semelhantes limitações e vulnerabilidades poderá vir a gerar, alguma vez, as condições indispensáveis às Forças Armadas para estas poderem fazer face ao quadro de empenhamento que lhes está fixado no Conceito Estratégico de Defesa Nacional, e para poderem responder, cabalmente, aos preceitos constitucionais a que estão obrigadas.

Até ao presente, esta questão não tem sido levantada por quem de direito, talvez, até porque a resposta tenderá a ser demasiado evidente, e não se ajustará, por ventura, aos interesses da decisão política, que vem assumindo as responsabilidades da governação do País.

Resta, entretanto, um modelo de prestação de serviço militar imposto pelas juventudes partidárias, com o beneplácito implícito dos respectivos partidos, que tendo sido mais do que uma medida legislativa suportada no quadro da governação política, se traduziu no cercear de um importante vínculo de ligação das Forças Armadas ao Povo e à Nação.

Ao aniquilar-se um vector estruturante de cidadania desta natureza, foram postos em causa, como sobejamente se provaria, mais tarde, os fundamentos para a consecução de uma política de Defesa Nacional coerente e credível, em particular para um País com uma matriz social e económica como Portugal.

 

8. Conclusão

Perante esta realidade, de quase todos conhecida, mas, apenas, por alguns denunciada, os sucessivos governos da República, de forma autista e tendencialmente irresponsável, têm vindo a recusar o agendamento político sobre a questão do serviço militar, impedindo, deste modo, a reflexão e o debate público sobre uma política, que, sendo efectivamente estruturante para a Defesa Nacional, é reconhecidamente relevante para o reforço agregador da identidade nacional.

Deste modo, tornar-se-á incontornável que, face ao quadro das reconhecidas vulnerabilidades, do actual modelo de serviço militar, e perante as assinaláveis mudanças dos quadros geopolíticos e de segurança europeu e mundial, em presença, a sociedade civil possa vir a ter uma participação plena
e activa num debate público, que não deverá ser-lhe cerceado sobre tão importante, como sensível matéria.

Entretanto, às falácias tecnológica, financeira e ocupacional sobre o SMO, tão intensamente inculcadas na opinião pública pelos opinion makers do costume, deverão opor-se as verdades do capital humano, do capital social e do capital cultural, respectivamente, resultantes do cultivo de novas capacidades, de novas relações humanas e de novos códigos de conduta e de comportamento, reconhecidamente presente na prestação do Serviço Militar Obrigatório.

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*  O autor escreveu em consonância com o anterior acordo ortográfico, não autorizando a respectiva transição para o novo acordo.

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2018-06-08
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by COM Armando Dias Correia