Nº 2593/2594 - Fevereiro/Março de 2018
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Súmula das intervenções e debate

–  É comum afirmar-se que não há estratégia sem política e fins enunciados, bem como não existirá estratégia militar sem política de Defesa Nacional e objetivos estabelecidos, mas, igualmente e em complemento, é uso ouvir-se que não há estratégia sem meios e muito menos estratégia militar sem Forças Armadas (FFAA); neste contexto, fará todo o sentido trazer à colação a problemática das FFAA e falar dos seus problemas e preocupações, pelo que a pertinência do tema é, sem dúvida, grande e será, por certo, o primeiro e maior desafio que se coloca à estratégia militar.

 

–  Porquê falar agora destes “desafios da estratégia militar” e, naturalmente, das FFAA, a instituição que lhes é inerente? Porque é que o tema está na ordem do dia e é trazido à colação, também, pelos Órgãos de Comunicação Social (OCS)? Porque é que nessas circunstâncias os assuntos militares adquirem um tal destaque e são título de primeira página dos OCS? Todas estas perguntas são naturais e aparecem com frequência e a resposta também é ela, óbvia, natural e a mesma de sempre: “o que não corre bem é que é notícia!”

 

–  Pese embora o circunstancialismo, não deixa de ser igualmente relevante que a questão da Instituição Militar seja abordada nos OCS, não porque seja importante discorrer sobre ela e, no caso presente, sobre os “desafios da estratégia militar”, mas e acima de tudo, porque importa deixar registo, de forma clara e rigorosa, “do porquê e daquilo que se faz”, do “como e com quê” se desenvolvem e realizam as atividades militares e as suas pluridisciplinares tarefas e, tudo isto, atento o direito que o público tem de ser informado e esclarecido e, bem assim, pelo respeito que nos merecem todos os cidadãos nacionais e, muito em particular, os homens e mulheres que integram as FFAA e nelas prestam serviço com empenho, por vezes com riscos e sacrifícios.

 

–  Porém, constata-se a inexistência de uma cultura nacional de informação pública e de educação para a cidadania onde a Defesa Nacional e os assuntos militares não podem deixar de ser tema, restando algumas iniciativas soltas e residuais por parte do Instituto da Defesa Nacional (IDN) e dos próprios ramos das FFAA que, não estando inteiramente vocacionados, nem preparados para o efeito, acabam por lhes dar um cariz demasiado corporativo, não raras vezes, disputando entre si, um efémero imediatismo mediático, sem impacto significativo junto da opinião pública.

 

–  A prontidão para o combate de uma qualquer unidade militar (terrestre, naval ou aérea) constitui o princípio basilar que, em desiderato, a enforma e, de acordo com a teoria, os fins da estratégia devem dar origem ao processo da obtenção dos recursos, tendo em conta a assunção dos riscos; quando, à partida, existem dúvidas sobre “o que se deve defender”, para além do “como defender”, é difícil enunciar qualquer linha de ação estratégica, pela complexidade das correlações que se levantam, suscetíveis de serem, elas mesmas, aproveitadas, por exemplo, no âmbito da «guerra da informação», pela presença, em qualquer sociedade, de alguns dos seus setores, a atacar e denegrir o instrumento militar e pretendendo fazer passar a ideia, demasiado simplista mas de si “malévola”, de que “os militares só combatem em condições ideais e sem riscos”.

 

–  E isto acontece num tempo em que o assunto FFAA é tantas vezes tratado na praça pública com superficialidade e ausência de rigor, de forma manifestamente linear e maniqueísta, e, quase sempre, com calor e emoção, podendo observar-se que, na sociedade portuguesa, há setores que se pronunciam “a favor”, enquanto outros a-contrario são “contra”; uns e outros dizem em substância muito pouco e o que dizem é sempre em poucas palavras, reduzindo as perceções a estados binários simplistas, que colocam, em contraponto, duas visões demasiado extremadas e redutoras.

 

–  A visão favorável sublinha a importância da soberania dos Estados, da sua autonomia e integridade e considera que o regime deverá pautar e orientar a sua atuação em função do interesse nacional, privilegiando a diplomacia reservada, entendendo a guerra como suscetível de ser gerida, mas impossível de ser eliminada; a outra, defende a diplomacia pública, como garante de uma maior transparência nas relações interestaduais, advoga a eficácia das instituições internacionais e sobrevaloriza os efeitos da globalização com as correspondentes dependências ou desvalorizações dos Estados, afirmando ainda que estes existem para a defesa dos interesses dos indivíduos e, desse ponto de vista, assumem que a guerra, como “invenção humana”, pode ser sempre prevenida por recurso à negociação, especulando, inclusivamente, sobre a “inutilidade da força”.

 

–  A propósito, será oportuno referir que, em teoria, os Estados podem ser, hoje, classificados em três categorias: pré-modernos (permanentemente mergulhados no caos, tendo dificuldade no exercício dos seus atributos de soberania), modernos (afirmando com determinação a sua identidade nacional, numa visão de fronteiras bem demarcadas) e pós-modernos (o caso da maioria dos Estados ocidentais, que se afastam do conceito de soberania pura e, em vista de um “interesse comum”, procuram nos «grandes espaços de cooperação», a sua realização, aceitando entre si as partilhas, as interferências, as obrigações e as negociações, sempre, a troco de benefícios mútuos).

 

–  Em contexto geopolítico, importa estudar os fenómenos emergentes em torno do «Estado-nação», constatando-se que esta entidade, submetida a diferentes processos históricos, passou a evidenciar disparidades significativas, no que ao Estado de desenvolvimento respeita, tornando complexa a sua interação num mundo global; num contexto de desterritorialização da defesa que, cada vez mais está presente, aceita-se que a defesa da Nação se pode fazer, de forma mediata ou imediata, direta ou indireta, fora do território nacional e é, neste quadro, na resposta às ameaças à soberania nacional, por um lado, e na participação com forças aliadas, por outro, que os grandes “desafios da estratégia militar” não podem deixar, também aí, de se colocar, tendo em conta a questão fundamental da defesa militar do País.

 

–  Nos regimes democráticos, de uma forma geral, os governos (e os partidos políticos) atendem, naturalmente, às necessidades dos seus eleitorados e, naturalmente, perspetivam, discutem e consolidam as ações que, no seu entendimento, permitem a melhoria das condições económicas e sociais do País, entre as quais, de forma transversal, se encontram as preocupações de segurança e defesa, tais como o terrorismo ou, particularmente para nós, os recentes fogos florestais, mas as populações e a opinião pública só se mobilizam para aquelas questões quando “a insegurança lhes bate à porta”.

 

–  Por outro lado, a possibilidade da guerra (ou da ausência da paz) levanta a questão da “estratégia dissuasora permanente” que, num quadro de legitimidade de poder e não havendo alternativa, pode justificar uma «teoria da coerção» para conter os conflitos (potenciais e reais) em níveis de violência suscetíveis de gestão ou de regulação, uma afirmação que, embora pareça elementar e óbvia, por vezes, parece esquecida, em especial em longos períodos de paz e estabilidade.

 

–  É entendimento generalizado que as decisões governamentais são essencialmente influenciadas pela globalização e pelos mercados, com um esbatimento nítido da “questão nacional” e orientadas para os cidadãos, esquecendo, por vezes, as instituições enquanto sedes de valores e agregadoras de vontades; quando o assunto a tratar, por hipótese, tem a ver com “recursos”, de imediato, se posicionam, de um lado, os defensores da “segurança” e, de outro, os arautos do “desenvolvimento”, esquecendo ambos que não se almejará um dos Estados sem a prossecução do outro, uma vez que “não há desenvolvimento sem segurança ou segurança sem desenvolvimento”.

 

–  Não se pode falar de FFAA, e de alguns dos seus problemas, sem se considerar a sua relação com o Estado e com a Nação e, também, não se pode discutir as FFAA sem o fazer com nexo de causalidade e propósito, com rigor e racionalidade, com método e serenidade; atentando a este conjunto de circunstâncias, ao tratar-se dos “desafios da estratégia militar nacional” e dos seus meios militares, haverá que adotar uma prática que garanta que não deixarão de ser devidamente identificadas e tratadas todas as vertentes pertinentes da temática, quanto mais não seja nas suas linhas matriciais mais relevantes.

 

–  Na realidade, as FFAA inserem-se num ambiente demasiado complexo para poderem ser encaradas de forma simplista e redutora, como já referido; afirmar o contrário, fazendo uma análise superficial do problema e olhando a Defesa Nacional de forma ligeira, será sempre “demagogia pura”, situação particularmente grave, quando os autores de tais afirmações são cidadãos nacionais, com grau de instrução acima da média, por vezes, com alta cultura e assinaladas responsabilidades e ocupando posições de relevo na sociedade portuguesa.

 

–  Há, pois, que considerar as FFAA na sua globalidade e entendê-las como um sistema, um único e complexo, no qual se observam domínios de conteúdo próprio e especificidade diferenciada; só assim será possível conduzir e desenvolver uma análise que não pode deixar de ser, inclusivamente, abrangente e integrada e ter como primeiro tópico referencial a «finalidade e as missões» das FFAA, numa tentativa de formalmente melhor percecionar “o que são” e “o que fazem”.

 

–  O ambiente geral circundante e o ambiente estratégico em que as FFAA se inserem influenciam o domínio da sua “estrutura organizativa” onde a questão do Sistema de Forças (SF) e a referência incontornável do investimento e da organização das FFAA será tema de importância capital a considerar; por isso, a sua «organização» implica com os “recursos”; no caso do “pessoal”, o recurso mais valioso das FFAA, este tem de ser considerado, tanto nos aspetos quantitativos como nos qualitativos.

 

–  E ao falar-se de pessoal, será que se pode ignorar o ser humano, o indivíduo ou até a própria sociedade de onde emanam? Não se exigirá considerar também a gestão complexa dos respetivos inventários de “necessidades”, “interesses” e “objetivos” sem esquecer uma avaliação criteriosa e ponderada do atual Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) e da “revolução” que ele produziu e veiculou em matéria de quadros e carreiras e seus fatores de regulação.

 

–  Quanto ao “recursos materiais e ao reequipamento” à disposição das FFAA, outro dos domínios a atender, estarão em causa questões tão diversas quanto o planeamento militar e as suas diferentes vertentes, o planeamento de defesa, o planeamento estratégico, o planeamento de forças e a programação militar, e, bem assim, a documentação estruturante que, a montante e nas grandes linhas, ilumina e orienta todo o processo.

 

–  Por fim, há que atender ao domínio dos “recursos financeiros”, numa cuidadosa análise dos orçamentos disponíveis, identificar as necessidades e observá-las sob ângulos e perspetivas distintas, procurando resolver ou minimizar as discrepâncias, numa tentativa de racionalizar critérios e procurar formas de alocação.

 

–  Num breve recurso à História, não é despiciente recordar o ano de 1648 como um marco temporal muito importante para a Europa e para a Civilização Ocidental, com a realidade dos Acordos de Vestefália a assinalarem o início de uma ordem internacional, fundada sobre os princípios da não ingerência, da igualdade de princípio, do respeito pelas fronteiras e da reciprocidade entre os Estados, consubstanciando assim os principais elementos de um sistema internacional então definido, cujas durabilidade e estabilidade viriam a ser confirmadas pelo tempo.

 

–  No séc. XVIII, Napoleão quebrou as regras da guerra que se tinham transformado num conjunto de dogmas e Clausewitz destacou-se pelo seu espírito aberto e muito crítico do pensamento militar tradicional, acolhendo as novas ideias e definindo a guerra como uma «natureza trinitária»: a violência original, o jogo das probabilidades e do acaso e, finalmente, o conceito de instrumento da política; esta última característica evidenciou o carácter “interestatal” do modelo vestefaliano, em que a guerra possui a sua “própria gramática”, mas não a sua “própria lógica”, uma visão que influenciou decisivamente o pensamento militar ocidental, com o aparecimento da “escola germano-prussiana”, que muito contribuiu para a unificação alemã, no final do séc. XIX, e que depois se revelou nas duas Guerras Mundiais do séc. XX.

 

–  A guerra adaptou-se a este modelo centrado no «Estado-nação», vindo a ser definida em função do mesmo, justificando em larga medida que o Estado, como ator principal no “palco internacional”, se apoderasse do uso legítimo da força, com a constituição de exércitos nacionais, os quais, durante os 300 anos seguintes, garantiriam os alicerces da segurança na defesa dos seus territórios, populações e recursos; esta era uma visão racional da guerra, cujo precursor, logo a partir do século XVI, foi Maquiavel que preconizou a institucionalização da guerra através do levantamento de exércitos de base profissional, característicos do período “pós-vestefaliano”.

 

–  Durante a Guerra Fria, assistiu-se ao início da “desinstitucionalização progressiva da guerra”, mas sendo, contudo, de referir que mesmo as entidades não estatais que após Yalta, frequentemente utilizando processos assimétricos de guerra, ganharam expressão no sistema político internacional, tinham como cenário de fundo para a sua atuação o rígido quadro estatal definido pelo monopólio estabelecido pelos dois blocos em confronto, sendo um lugar-comum considerar que todos os confrontos se reduziam ao seu antagonismo, mesmo nos ditos confrontos “por procuração” que fomos conhecendo ao longo deste período.

 

–  O fator assimetria, em termos de desenvolvimento, de oportunidades e de relação estratégica, incluindo eventuais manifestações de “estratégias do forte contra o fraco”, pode ser eleito como determinante na realidade estratégica vigente, podendo eleger-se, entre outros, um conjunto de desafios globais ou perturbadores que, numa visão integrada interdependente, produzem um quadro difuso, que tem como pano de fundo uma condição de uni-multipolaridade, o desenvolvimento económico e a defesa do meio ambiente, o destaque da superpotência, os grandes flagelos sociais, o terrorismo e proliferação de armas de destruição em massa (ADM), o nuclear e os equilíbrios regionais, a defesa dos direitos humanos, a escassez de recursos e a sua delapidação, bem como o desenvolvimento e a demografia.

 

–  As demografias da Europa, da África e da Ásia, com os correspondentes indicadores previsíveis, as migrações, os efeitos das alterações climáticas, o extremismo religioso, o terrorismo, a proliferação nuclear e as dificuldades do seu controlo, as lutas interétnicas versus o ajustamento das Nações com os Estados, as lutas pelo controlo territorial, e os jogos de poder entre as grandes potências continuam e continuarão na ordem do dia.

 

–  O ambiente estratégico contempla as condições de atuação, as relações internas e externas do Estado, as tendências, os pontos fortes e as fraquezas, as oportunidades e as ameaças, as capacidades, as interações e os efeitos, sendo inquestionável que toda e qualquer estratégia deve ser permanentemente monitorizada e escrutinada quanto à sua adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade.

 

–  O ambiente estratégico internacional é incerto e complexo, devido à proliferação do “adversário” que, na maior parte das vezes, é desconhecido e desalinhado de atores convencionais, com capacidade para aplicar critérios de globalidade das ameaças, podendo ainda ser caracterizado pela existência de sistemas de armas, ditos inteligentes, com forte componente tecnológica; e isso, no nosso País, constitui um verdadeiro desafio, pela falta de investimento que se vem verificando nas FFAA e pela ausência de indústria de Defesa Nacional, tanto mais que o espetro do conflito é alargado e que o vetor militar deve possuir capacidades para intervir em áreas urbanas e no seio das populações.

 

–  Com a queda do muro de Berlim, em 1989, acentuou-se profundamente a tendência para a “desinstitucionalização” da Guerra Fria, podendo, até com algum exagero, dizer-se que, em determinadas regiões, a guerra passou de novo a possuir características semelhantes às do período “pré-vestefaliano”, num contexto de “multiplicação de entidades caóticas ingovernáveis”; o enquadramento do ambiente e os desafios estratégicos focam-se na geopolítica mundial e regional, na segurança e defesa dos cidadãos, na intensificação do terrorismo, no escrutínio por parte da comunidade internacional, na responsabilidade de proteger, na salvaguarda, manutenção e restabelecimento da Paz, bem como no desenvolvimento da humanidade balizado por valores universais.

 

–  Após o desmembramento da União Soviética, os EUA reorientaram a sua política de segurança e defesa e foram diminuindo o seu investimento nas FFAA, o que se refletiu acentuadamente na dimensão da sua Marinha, cujo número de navios tem vindo a reduzir-se continuamente nos últimos 30 anos; dos 600 navios que a US Navy possuía, em 1987, já só tinha 529, em 1991, 316, em 2001 (ano do ataque ao World Trade Center), 282, em 2008 (quando teve início a crise financeira), e, presentemente, tem apenas 275 navios, menos de metade do número que detinha em 1987.

 

–  A reorientação estratégica dos EUA traduzida no “célebre” pivot para a Ásia e para o Pacífico, da primeira administração Obama, teve naturais consequências na política naval americana, com uma concentração de meios no Pacífico, provocando uma nítida retração da presença naval norte-americana no Atlântico, onde os EUA esperam, agora, que os seus aliados europeus ocupem o espaço deixado vazio; a própria estratégia de segurança marítima americana intitula-se Cooperative Strategy, pois é uma estratégia assente no princípio de que, com menos meios, a US Navy necessita de parceiros e amigos que a ajudem a concretizar as missões que há para executar no mar.

 

–  A China, por seu turno, também tem evidenciado uma postura traduzida numa cada vez maior presença marítima em espaços e áreas em que não era habitual, o que, para efeitos de sustentação da esquadra, determinará a necessidade de dispor de bases ou pontos de apoio navais espalhados um pouco por todo o Mundo, enquadrando-se neste âmbito o interesse, em tempo, manifestado pelo Arquipélago dos Açores (consubstanciado em sucessivas visitas de comitivas chinesas, nomeadamente, em 2012, 2014 e 2016) e pelo Arquipélago de São Tomé e Príncipe (com a assinatura, em 2015, de um acordo para a construção, pela empresa China Harbour
Engineering Company,
de um porto de águas profundas, que se prevê venha a estar concluído em 2019).

 

–  Em 2014, nomeadamente, a anexação da Crimeia, a ocupação de parte da Ucrânia oriental e a situação criada após a queda do avião da Malaysia Airlines (voo MH17), perto de Grabove (Donetsk), no leste da Ucrânia, a 40 km da fronteira com a Rússia, mostrou as possibilidades desta Federação, uma superpotência nuclear, poder marcar presença em conflitos, de forma inovadora, com a utilização de uma “estratégia híbrida” de cariz total, numa combinação perfeita e bem sincronizada de meios convencionais e não convencionais; o conflito da Ucrânia permitiu à Rússia a aplicação “pura e dura” dos atributos da estratégia total do Estado, estando o Ocidente e particularmente a OTAN refém de limitações de natureza estratégica, o que, para alguns, colocou em causa a sua própria coesão.

 

–  Em causa está o recurso a atividades cobertas e encobertas, com agentes militares, paramilitares, irregulares e civis, coação económica e psicológica e operações de informação, inclusivamente, com recurso às redes sociais e aos ciberataques; tem como características, designadamente, a criação de ambiguidades quanto à atribuição da origem das ações, permitindo aos presumíveis autores negarem, de modo plausível, a autoria das mesmas, em todo o caso, cuidando de que tais ações não ultrapassem o limiar da agressão que, mesmo na dúvida, tende a suscitar respostas automáticas.

 

–  A postura crescentemente assertiva da Rússia manifestada, entre outros aspetos, de forma bem evidente em relação à Crimeia e à Ucrânia, também se tem exteriorizado no aumento da sua atividade naval, nomeadamente, no Atlântico e no Mediterrâneo, onde se notam, cada vez mais e em maior número, navios e submarinos russos em operação, o que está a levar a OTAN a considerar o restabelecimento de um Comando Naval para o Atlântico, naquilo que representaria o primeiro alargamento da Estrutura de Comandos da Aliança, desde há uns anos a esta parte; recorde-se que, até 2004, sedeado em Oeiras e com essas atribuições, a OTAN já deteve o Commander-in-Chief Southern Atlantic (CINCSOUTHLANT).

 

–  Adicionalmente, considera-se importante destacar determinadas circunstâncias da atualidade, designadamente, a expectativa nas relações transatlânticas, considerando a atual administração norte americana, e as consequentes interrogações relativamente às reformulações estratégicas no seio da OTAN, bem como as tendências no seio da Europa em ligação com o já referido, os acontecimentos a leste como consequência da crise na Ucrânia e ainda os desenvolvimentos em torno do BREXIT, sendo igualmente incontornável, neste contexto, pensar a emergência de movimentos separatistas, sendo oportuno, por exemplo, identificar a questão da Catalunha.

 

–  A situação geoestratégica mundial, nos seus parâmetros básicos, caracteriza-se por uma recorrência de situações, constantes ao longo do tempo, sendo razoável estimar-se que assim se mantenham no futuro próximo, o que significa que as questões fundamentais não estão resolvidas e que a instabilidade e a incerteza continuarão a predominar, devendo os conflitos atuais, pelo menos os de maior significado, manterem-se ativos nas tradicionais zonas de tensão ou clivagem, por exemplo, na fronteira leste da Europa, no Médio Oriente, na região da Ásia-Pacífico e na África (que continua a ser um continente sacrificado e onde a violência anárquica prolifera); as conjunturas que, entretanto, se desenvolvam, criando novos focos de crise, não alterarão em nada esta característica básica de “continuidade instável”.

 

–  A natureza das ameaças é sempre muito diversificada (catástrofes naturais, crises locais, conflitos regionais, criminalidade organizada, ciberameaças, violação dos direitos humanos, atentados ao ecossistema, insegurança nas pessoas, movimentação de pessoas e bens, migrações, pirataria, movimentos nacionalistas ou separatistas, corrida aos armamentos, terrorismo …), onde a ação das FFAA e da Guarda Nacional Republicana (GNR) terá certamente um contributo assinalável, o que exige respostas muito rápidas e vigilância total das áreas de interesse e responsabilidade, em tempo quase real; dada a extensão destas áreas, só um adequado controlo territorial, em conjugação com a cobertura de uma “constelação de satélites”, combinada com veículos aéreos não tripulados, navios e aeronaves poderá dar resposta global, com fusão e injeção de dados num sistema de comando e controlo integrado.

 

–  A migração irregular por via marítima é outro problema sério que afeta, sobretudo, os países da Europa meridional, por serem o destino almejado por milhares de pessoas, cabendo referir que, de 2016 para 2017, se verificou um aumento de 80% na migração irregular no Mediterrâneo ocidental, às portas de Portugal, com a intensificação de uma rota no Atlântico, com destino à costa espanhola, a qual poderá, no futuro, afetar a costa portuguesa.

 

–  Os riscos e as ameaças à segurança marítima nos espaços de soberania e jurisdição nacionais, como a depredação dos recursos marinhos (vivos e inertes), põe em perigo não só a sustentabilidade dos oceanos e a biodiversidade como também a viabilidade económica das populações ribeirinhas; por outro lado, a poluição do mar, um problema particularmente importante, dada a vulnerabilidade dos ecossistemas marinhos, não cessa de crescer, sendo por isso pertinente registar que, anualmente, se verificam cerca de 30 acidentes e incidentes causadores de poluição em espaços marítimos nacionais.

 

–  Os tráficos, nomeadamente de drogas, constituem uma ameaça ao tecido económico-social e, consequentemente, ao próprio Estado, cada vez mais, utilizando as rotas marítimas como forma de colocar os estupefacientes nos mercados de destino pelo que, naturalmente, a localização geográfica de Portugal coloca o País numa posição central na luta contra o narcotráfico, especialmente daquele que, sendo originário da América do Sul, utiliza, com frequência, países africanos como placa giratória e tem como destino final a Europa.

 

–  As ameaças globais, nomeadamente, o terrorismo e a pirataria marítima, que afetam os navios mercantes portugueses um pouco por todo o mundo, em regiões como o Golfo da Guiné, o estreito de Áden, a costa da Somália, o estreito de Malaca ou o estreito de Singapura, suscitam uma preocupação acrescida da Marinha, estando em preparação a operacionalização de uma célula de acompanhamento e aconselhamento da navegação mercante (Naval Cooperation and Guidance for Shipping) para, em articulação com a Autoridade Nacional de Controlo de Tráfego Marítimo e a Autoridade Marítima Nacional, apoiar aqueles navios, em caso de necessidade.

 

–  A propósito, refere-se que são cerca de quinhentos os navios mercantes que arvoram a bandeira portuguesa pelos mares de todo o mundo e que, naturalmente, têm que ser acompanhados e protegidos, um facto que não é muito conhecido e que resulta, sobretudo, do impacto que o registo de navios na Madeira vem tendo; por outro lado, não pode deixar de continuar a merecer atenção e acompanhamento o facto de existirem, em quase todos os continentes, Estados que apresentam características de «Estado falhado», com problemas graves de governação e de natureza económica, constituindo-se como possíveis focos de violência que poderão expandir-se de forma não controlada.

 

–  O ambiente estratégico internacional, para a defesa dos interesses vitais nacionais, reflete-se em diversos quadrantes da governação do Estado, incluindo a estratégia militar nacional, o que implica decisões ao nível do poder executivo, tais como o estabelecimento de uma “estratégia pró-ativa, contingencial e adaptativa”, a análise do ciclo de definição de objetivos e missões nacionais, uma efetiva ação militar de segurança e controlo do território nacional, com capacidade conjunta de vigilância e intervenção no espaço nacional, desafios nos domínios da «cibersegurança» e da «ciberdefesa», recolha, fusão e disponibilização de informações de níveis estratégico, operacional e tático.

 

–  O aproveitamento das várias formas de energia poderá criar também novos problemas de âmbito geoestratégico, os quais são suscetíveis de originar conflito, tendo a montante o problema económico mundial, traduzido em desafios como a produção não agressiva ao meio ambiente, a produtividade e a distribuição justa de rendimentos e, evidentemente, as relações de poder entre os principais poderes mundiais.

 

–  A atual conflitologia internacional, que não perde de vista o modelo clássico, inclui o terrorismo e o emprego de meios nucleares, biológicos, químicos e radiológicos (NBQR), com repercussões estratégicas que conduzem a uma difícil, se não a uma impossível, destrinça entre o “global e o regional” ou o “externo e o interno”, incutindo particular preocupação nas condições de defesa das populações, serviços essenciais, recursos críticos e bens em geral; a estas ameaças acrescem as que já aparecem com algum significado no domínio “ciber”, que tem relevância em todas as vertentes de uma sociedade assente em sistemas de informação, os quais, transmitindo segurança e conforto, se constituem numa dependência que se pode tornar fatal, no confronto de políticas com diferentes estratégias.

 

–  Em face da evolução do conceito de «guerra» e aprofundando o contraste com os designados «caracterizadores ou perturbadores globais», que determinam um ambiente estratégico instável, pode afirmar-se que as ameaças e riscos coabitam numa realidade complexa, pelo que exigem a integração de capacidades de vigilância e intervenção permanentes para segurança e defesa dos territórios e espaços de soberania; é bom não esquecer que as principais variáveis que afetam o estado do sistema internacional continuam a ser as disputas de poder e a existência de “Estados provocadores ou falhados”.

 

–  O monopólio da gestão organizada da violência, embora constitua tabu, ao nível do discurso político, continua a ser aplicado na realidade, uma vez que “a consciência desta situação” é sempre uma questão de segurança nacional; não serão necessários grandes desenvolvimentos argumentativos para se compreender o efeito que esta constatação tem na defesa militar da Nação, e em particular na enunciação de uma estratégia militar; em qualquer caso, o militar não pode ter a mínima dúvida de que existe uma vontade nacional de “defesa da Pátria” já que, por inerência constitucional, a dedicação total a uma tão nobre causa faz parte do seu estatuto e é de seu dever lutar por ela, mesmo “com o sacrifício da própria vida.”

 

–  Uma questão igualmente relevante e atual diz respeito à situação política na Europa e aos reflexos que dela diretamente resultem ou dela sejam consequência indireta; qualquer que seja a evolução, assunto que tem estado na ordem do dia, se não estiverem já esquecidas as cinco vias propostas pela Comissão Europeia, o seu impacto nas Nações será sempre significativo e abrangente, atingindo vários domínios, incluindo o da Defesa Nacional e o das próprias capacidades militares.

 

–  Nenhum país, designadamente nos regimes democráticos, se pode considerar imune à insegurança e à conflitualidade internacional e, neste ponto de vista, deixar de atender às atuais teorias ou visões políticas mundiais, as quais, não são convergentes, tanto a nível académico como no âmbito dos sistemas de poder; na Europa, por exemplo, ainda prevalece uma visão algo idealista neste domínio, em contraste com uma atitude realista, sobrepondo-se a primeira à segunda, pelo menos aparentemente no debate público, o que agrava o problema do idealismo exacerbado que, ao nível do discurso, ignora ou desvaloriza a eficácia da coação.

 

–  A visão idealista da “segurança europeia” pode constituir um risco, se se considerar o peso significativo que acarreta o correspondente processo de decisão política e, bem assim, o facto de que, no Mundo Ocidental, em especial, este nível de decisão tende a manifestar, com alguma gravidade, “quebras de racionalidade”, na medida em que a contestação, a «manifestação na rua» e a «comunicação social» transmitem emoções contagiantes e “mensagens simplistas” que, normalmente, não equacionam os problemas na sua abrangência e complexidade, muito menos os resultados, os efeitos e as suas repercussões, mas influenciam, de sobremaneira, a governação.

 

–  A moldura conceptual, a doutrina e a taxonomia operacional são intensamente tratadas nos domínios militares, a par de muitas matérias cotadas de normativos constitucionais, legais e tratadísticos; se, a nível estratégico e tático, existe consonância com o que está definido na OTAN e na UE numa previsão de cenários possíveis, com planos enunciados, em que as missões estão referenciadas, nomeadamente, em domínios como os da soberania, da participação internacional, do apoio à diáspora, da cooperação técnico-militar e com as forças de segurança ou em atividades de apoio à proteção civil, parece ser possível deduzir do que se afirma que a estratégia militar nacional está próxima do ideal, no entanto, a realidade da situação é bem diferente.

 

–  Esse é o ponto de situação, havendo várias opções de revisão em cima da mesa; o que publicamente já se vai sabendo é que está previsto um robustecimento a todos os níveis das capacidades de ciberdefesa, uma vez que os Chefes de Estado e de Governo dos Estados-membros da OTAN decidiram, em Varsóvia (2016), reconhecer o ciberespaço como mais um domínio das operações militares, a par dos já tradicionais domínios do mar, terra, ar e espaço, sem esquecer a problemática do targeting, ou seja, entre outros aspetos, todo o processo (incluindo o político) que leva ao estabelecimento das listas de alvos e aos próprios procedimentos para os abater ou proteger, à aquisição e produção de efeitos sobre os mesmos, à avaliação dos resultados e à decisão, quando está em causa a produção de efeitos colaterais.

 

–  Uma boa modalidade para, num curto espaço de tempo, se contribuir para um debate sobre os “desafios da estratégia militar” é avaliar o que tem sido a evolução da OTAN como aliança militar desde que, em 2010, em Lisboa, os aliados aprovaram o Conceito Estratégico em vigor.

 

–  Na Cimeira de Gales (2014), para simplificar, a OTAN “reconheceu” a existência de uma ameaça a leste, diferente da ameaça dos tempos da Guerra Fria, pelo que aprovou um plano (RAPReadiness Action Plan), com duas componentes: medidas de tranquilização (Assurance Measures) e medidas de adaptação (Adaptation Measures); estas últimas, levando à reorganização dos escalões e ao reforço da prontidão da Força de Resposta da OTAN (eNRF – enhanced NATO Response Force), o que incluiu o estabelecimento de uma “ponta de lança” da NRF, a força conjunta e combinada de muito alta prontidão (VJTF – Very High Readiness Joint Task Force) de par com a atribuição de novas responsabilidades ao MNC-NE – Multinational Corps Northeast, um dos nove quartéis-generais de Corpo de Exército da estrutura de forças da OTAN.

 

–  No seguimento daquela Cimeira, foi concebida também uma nova subcategoria de planeamento, para facilitar uma resposta graduada às ações típicas de uma «estratégia híbrida» no flanco leste da Aliança: à medida que os novos planos foram sendo concebidos e testados, foi-se constatando a necessidade de outro tipo de estruturas e instrumentos, por exemplo, para facilitar a receção, estacionamento temporário e movimento para os locais de emprego das forças, bem como a integração e o treino conjunto destas com outras forças de diversos tipos e origens – as designadas operações RSOMReception, Staging and Onwards Movement e FITForce Integration and Training); assim, foram criadas em diversos países aliados do leste da Europa as designadas NFIUNATO Force Integration Units, cada uma delas composta por algumas dezenas de militares e civis.

 

–  Apesar da ação das NFIU e das prontidões muito elevadas da VJTF e da eNRF, verificou-se ser demasiado o tempo necessário para que, principalmente o primeiro escalão a projetar, estivesse em condições de ser realmente eficaz numa ótica de dissuasão, ou mesmo numa eventual defesa dos países bálticos e da Polónia, pelo que se chegou à conclusão que, neste contexto geral de resposta graduada, para que a dissuasão fosse credível e eficaz, era preciso pré-posicionar alguma força, daqui surgindo o conceito de presença avançada reforçada (eFP – enhanced Forward Presence) naqueles países, que se traduz, na prática, na presença de um battlegroup multinacional de escalão Batalhão (e alguns enablers) em cada um destes quatro países; a criação de novas estruturas de comando e controlo, a conceção de uma tFPtailored Forward Presence para a Roménia, ou de uma tAMTtailored Assurance Measures, para a Turquia, entre outras medidas, foi uma consequência do novo clima político e estratégico da OTAN.

 

–  Esta “arquitetura” de planos e medidas estava orientada para o leste europeu, mas, no fundo, é sobretudo no sul que subsistem várias situações que geram problemas políticos muito complexos na Europa, como os fluxos de refugiados, ou que favorecem fenómenos como o terrorismo “jihadista”, que mata nas cidades europeias e norte americanas; alguns países da Aliança têm chamado a atenção para esta espécie de paradoxo, embora todos, quer os mais preocupados com a ameaça a leste quer os que pugnam para que não se ignore o sul, reconheçam que têm de ser diferenciados os instrumentos para lidar com cada uma destas direções estratégicas, pelo que, neste contexto, foi decidido estabelecer, em 2017 e co-localizado com o Comando Conjunto de Nápoles (Joint Command Naples), um hub for the South, de que irá resultar seguramente um melhor conhecimento situacional a todos os níveis na OTAN dos problemas que radicam e desenvolvem, segundo aquela direção estratégica.

 

–  A par do progressivo estabelecimento desta panóplia de novos instrumentos, ia-se tornando evidente a relativa insuficiência de recursos da própria Estrutura de Comandos da Aliança para exercer com a adequada eficácia o comando e controlo que dela se espera; daí que, na cimeira de Varsóvia, em 2016, os Chefes de Estado e de Governo tivessem mandatado as autoridades militares da Aliança para, num primeiro momento, avaliarem e, posteriormente, proporem, se fosse caso disso, uma revisão da Estrutura de Comandos.

 

–  Também parece existir a vontade de robustecer as estruturas de comando e controlo das operações logísticas, a par do estabelecimento de um terceiro Comando Conjunto, mais orientado para o Atlântico, uma vez que o de Brunssum está mais orientado para leste e o de Nápoles para sul; no entanto, existe um extremo cuidado em sublinhar sempre que esta focalização regional de cada comando não corresponde, de forma alguma, a uma regionalização de uma Aliança em que todos devem estar preparados para operar em full spectrum.

 

–  Um aspeto igualmente importante da citada cimeira de Gales foi a aprovação de um compromisso, o DIPDefence Investment Pledge com o objetivo de, progressivamente, em dez anos, até 2024, os Estados-membros poderem vir a investir anualmente um mínimo de 2% do respetivo PIB em defesa, sendo que, desse montante, pelo menos 20% deveria ser alocado ao “equipamento”.

 

–  Há muitos aspetos da revisão da Estrutura de Comandos da OTAN que ainda terão de ser aprofundados e debatidos ao longo dos próximos meses; como é normal e sempre acontece, alguns deles tornar-se-ão públicos e outros não, mas é curioso notar que, se em 2010 se decidiu reduzir a Estrutura de comandos em cerca de 35%, é bastante natural e provável que, depois desta revisão, ainda que com uma outra organização e arranjo diferente, seja necessário regressar aos números do passado.

 

–  A complexidade do ambiente estratégico atual e a interação desejavelmente próxima entre ONU/OTAN/UE obriga a uma constante monitorização da realidade que nos rodeia e isso impõe como importante desiderato uma maior sincronização e alinhamento dos objetivos da estratégia militar e do nível de ambição com os objetivos fixados por aquelas organizações internacionais, sejam de âmbito global ou circunscritas a uma geografia regional, preocupadas que estão, por natureza, com o desenvolvimento e a segurança do mundo em geral e dos países que delas são parte, em particular.

 

–  Por outro lado, num âmbito mais alargado do que o nacional, Portugal faz parte de alianças e pode ser solicitado ou tomar a iniciativa de participar com forças em regiões ou locais muito afastados do território nacional, em missões de estabilização ou de confronto declarado; estas missões, embora possam preencher os objetivos dos aliados no seu conjunto, servem para reforço da credibilidade das Nações e, nesta medida, devem constituir objetivo nacional.

 

–  Apesar destas reduções, a OTAN manteve o seu nível de ambição militar, que se pode traduzir na capacidade de comandar uma operação conjunta de enorme envergadura (MJO+ – operation larger than a major joint operation) ou, alternativamente, até duas operações conjuntas de grande dimensão (major joint operations) e seis operações conjuntas de relativamente mais pequena dimensão (smaller joint operations) em simultâneo; para que tal fosse possível, ou seja, para manter o nível de ambição, ao mesmo tempo que se reduzia a Estrutura de Comandos, preconizava-se um maior recurso à Estrutura de Forças da OTAN, nomeadamente, o Quartel-general da STRIKFORNATO – Naval Striking and Support Forces NATO e os Quartéis-generais terrestres certificados ou a certificar como forças de elevada prontidão (HRF – High Readiness Forces).

 

–  Em 2012, na cimeira de Chicago, este panorama não sofreu alterações significativas, tendo sido constatadas as dificuldades da generalidade dos países aliados para financiarem os seus orçamentos de defesa, fruto da crise económica e financeira que subsistia, desde 2008; aliás, duas iniciativas emblemáticas da época, a CFI – Connected Forces Initiative e a SD – Smart Defence, no fundo, visavam a criação de sinergias para gerar eficiência, aumentar a interoperabilidade e gastar melhor, mas não para gastar mais.

 

–  As autoridades europeias enfatizam que as capacidades a desenvolver, principalmente, por parte dos países que simultaneamente pertencem à OTAN, também tornarão esta Aliança “mais forte”, na medida em que as forças dos Estados-membros “são as que são” (single set of forces), podendo ser empregues sob diferentes comandos; algumas iniciativas para melhorar o planeamento de defesa militar da UE, tais como uma revisão anual coordenada (CARD – Coordinated Annual Review on Defence), não só se inspiram no processo de planeamento de defesa da OTAN (NDPP – NATO Defence Planning Process) como visam a sincronização, possível, dos dois planeamentos; de notar que, no seio da UE, ainda não existe um ciclo de planeamento de defesa militar bem definido ou, pelo menos, este não obedece aos tempos de sincronização do planeamento da OTAN, nem há correspondência entre as respetivas fases.

 

–  É razoável admitir que a Europa do futuro, seja a “das nações” seja a “federal”, vai pensar mais profundamente na sua própria defesa, para criar evidentemente a sua autonomia e poder afirmar-se no Mundo, como indicia a “pressão para o aumento das capacidades de defesa”, já colocada por parte de alguns Estados, apesar das resistências de outros.

 

–  À semelhança do “Eurogrupo”, os Estados-membros que cumprirem determinados critérios e satisfizerem os requisitos que forem estabelecidos poderão fazer parte do “clube”, tudo indicando que esses Países se obrigam a participar em programas de investigação multinacional e no desenvolvimento de capacidades militares, estando previsto que tais atividades serão financiadas, inicialmente, pela Comissão Europeia; numa fase subsequente, porém, o desenvolvimento desses programas terá cariz multinacional, com a Comissão a financiar apenas uma parte dos mesmos; embora a aquisição dessas capacidades e dos meios ou sistemas de armas seja responsabilidade dos Estados-membros, a faceta multinacional dos projetos prende-se com a intenção de baixar o valor das aquisições.

 

–  Ao mesmo tempo que se assiste a uma maior “iteração de transformação na OTAN”, foi aprovada a Estratégia Global da UE, ironicamente, no mesmo mês (junho de 2016) em que os britânicos votaram pelo saída do Reino Unido da UE (BREXIT), o que, inevitavelmente, diminui as capacidades totais da União e, em consequência, originou um novo fôlego no processo de aprofundamento da Defesa Europeia, que é muito mais do que uma discussão sobre o robustecimento das estruturas de comando e controlo das missões militares ou a agilização dos mecanismos de financiamento das operações.

 

–  Na sequência de uma iniciativa da Alemanha e da França, no verão de 2017, a que imediatamente se juntaram a Espanha e a Itália, e posteriormente muitos outros países, mais de vinte Estados-membros assinaram uma notificação com vista à aprovação pelo Conselho Europeu, em dezembro de 2017, do estabelecimento da Cooperação Estruturada Permanente (CEP ou PESCO – Permanent Structured Cooperation), a qual está prevista no Tratado de Lisboa de 2007.

 

–  A CEP é um mecanismo de flexibilidade criado especificamente para a Política Comum de Segurança e Defesa, que abre caminho a que núcleos de Estados-membros estabeleçam compromissos mais fortes no domínio da segurança e defesa, passando a permitir, aos vários países, políticas diferenciadas nesta matéria; nessa linha, existe agora na UE uma grande vontade em avançar com esta forma de cooperação no domínio da defesa, sendo que a possibilidade de Portugal se juntar ao grupo da frente e incrementar a sua aposta nesta matéria tem que ser vista, também, como uma oportunidade.

 

–  Por sua vez, a Comissão Europeia decidiu estabelecer o Fundo Europeu de Defesa, o qual, a par da CEP, deve favorecer o lançamento de projetos cooperativos que, ao mesmo tempo, permitirão criar sinergias para gastar melhor, melhorar a interoperabilidade, desenvolver as capacidades que permitam cobrir lacunas (nomeadamente, entre os inventários existentes e os requisitos necessários face ao nível de ambição estabelecido) e, bem assim, fortalecer a base tecnológica e industrial de defesa europeia, para o que se prepara um plano próprio envolvendo, nomeadamente, a Agência Europeia de Defesa.

 

–  Tudo indica que é intenção do Governo Português aderir à CEP, numa visão estratégica de participação dinâmica em relação à UE, pois Portugal já participa ativamente numa série significativa de projetos da OTAN e também em projetos multinacionais no âmbito da UE, através da sua Agência Europeia de Defesa; a aproximação da Comissão, com um envolvimento deliberado nos programas de Defesa, pode originar e imprimir uma nova dinâmica no desenvolvimento das capacidades militares dos Estados-membros.

 

–  O acompanhamento desta vaga de mudanças na OTAN e na UE determinará concomitantemente uma miríade de solicitações diversas neste âmbito, entre as quais, perceber as implicações das mesmas para o planeamento de defesa militar nacional, manter o empenhamento operacional no exterior do território nacional, assegurar o dispositivo no espaço estratégico de interesse nacional permanente e, em linha com o rescaldo das tragédias deste ano, uma previsível e mais alargada colaboração das FFAA no Sistema Nacional de Proteção Civil (SNPC); a concretização destas linhas de ação envolverá, por certo, alguns dos “desafios da estratégia militar nacional” nos próximos anos.

 

–  As sucessivas reorganizações militares, com as consequentes retrações dos dispositivos, contribuíram igualmente para intensificar a perda de ligação entre as populações e a Instituição Militar, por falta de “visibilidade” das próprias FFAA o que, no quadro dos desígnios da Defesa Nacional, acabou por comprometer a reflexão sobre a estratégia militar nacional; na perspetiva de um contributo para essa reflexão, uma das abordagens passa pela sistematização de algumas preocupações no âmbito das componentes estratégicas genética, estrutural e operacional.

 

–  A título ilustrativo, refere-se que, do ponto de vista da componente genética, o Exército Português, por exemplo, tem novas exigências estruturantes, algumas das quais têm em vista o cumprimento dos compromissos internacionais; desde logo, uma, particularmente relevante, que tem a ver com uma alteração dos targets terrestres atribuídos a Portugal pela OTAN, aumenta as necessidades quantitativas, de três para quatro unidades de manobra de escalão Batalhão, em cada Brigada, e qualitativas, quanto à natureza dos equipamentos, nomeadamente às viaturas que, independentemente de serem médias ou pesadas, devem comportar meios de apoio de combate e de serviços, a requerer modernização; este assunto crucial, que tem a ver com a Lei de Programação Militar (LPM), tem de merecer atenção cuidada, acompanhamento permanente e monitorização próxima, caso contrário, as consequências podem ser extremamente nefastas para o interesse nacional, dado que a OTAN está, como sempre, muito atenta a estes desenvolvimentos.

 

–  Ainda, relativamente à componente genética, deve observar-se a capacidade de geração de recursos (humanos, materiais ou financeiros) e a identificação de capacidades críticas, tendo como pano de fundo um ambiente volátil, em que a revisão constante dos documentos que constituem o edifício estratégico da Defesa Nacional e os orçamentos disponíveis introduzem alguma instabilidade neste processo; neste contexto, é importante sublinhar que qualquer investimento em defesa terá maior aceitação através de uma opinião pública informada e competente em termos de Segurança e Defesa, funcionando a formação neste âmbito como um qualificador assinalável.

 

–  A necessidade de recursos humanos deve ser analisada, sem perder de vista as discussões necessárias sobre o período máximo que deverá ser preconizado para o serviço militar e os mecanismos de reintegração no mercado de trabalho que deverão ser desenvolvidos, num estudo que abranja dois domínios: o efetivo de voluntários que a tutela autoriza recrutar, cujos tetos desejados para um funcionamento “sem sobressaltos” nem sempre têm sido conseguidos e, constituindo um tema mais profundo, a questão das motivações/incentivos (ou falta deles) para que existam voluntários para a prestação do serviço militar, incentivos naturalmente adaptados aos desígnios dos jovens de hoje.

 

–  A identificação e geração de capacidades críticas constitui também uma preocupação fundamental, pois os grandes programas de financiamento, pelo seu horizonte temporal, exigem orientações de médio/longo prazo que não se compadecem com alterações bruscas de rumo; as capacidades críticas devem constituir um denominador comum entre as necessidades nacionais e as necessidades em contexto de alianças, destacando-se, entre outros, os de contexto OTAN.

 

–  No domínio estrutural, entende-se que as decisões devem estar adaptadas às novas visões orientadoras para a aplicação das capacidades militares, sendo imperioso entender a sua evolução na transição de “fixas para flexíveis”, associadas a estruturas modulares ajustáveis em função da missão; será desta flexibilidade que resultam sinergias importantes num ambiente de geração de recursos cada vez mais condicionado, em que a perspetiva conjunta deve ser intensificada, desde os contextos formativos até ao emprego operacional.

 

–  A salvaguarda de infraestruturas críticas é também cada vez mais uma equação sensível que apela a visões integradas com soluções mitigadas entre a centralização desejável, o ordenamento territorial e a presença junto da sociedade; um olhar atento sobre as não menos importantes Missões de Apoio ao Desenvolvimento e Bem-Estar (MADBE) das populações que ampliam o empenhamento das FFAA ao serviço de Portugal, mas em que a necessidade de não descaracterizar a sua missão principal exige um olhar atento no nível de permanência com que estas missões são materializadas e um estabelecimento de conceitos que indique e concretize os níveis de empenhamento de rotina e de emergência.

 

–  Em termos de estratégia operacional, a afirmação crescente das lessons learned, seja em contexto internacional, onde se destaca a OTAN, seja no contexto nacional, em que as FFAA já possuem órgãos próprios para o tratamento de dados, assume relevância a capacidade de adaptar as doutrinas e procedimentos às necessidades de emprego de forças; fala-se, cada vez mais, na guerra centrada em efeitos, em que a tecnologia e o ciber se assumem, por exemplo, como determinantes.

 

–  O aparecimento de conceitos como o de “guerra híbrida” e de uma panóplia de riscos e ameaças para os quais as sociedades estão cada vez mais expostas, mesmo em tempo de paz, determina atuações coordenadas e integradas que exigem a evolução da legislação sobre a atuação das FFAA, cujos meios devem estar preparados para atuar fora do que é, por excelência, o seu ambiente operacional; a título de exemplo, a capacidade de Defesa Área do Exército, para além da proteção a uma área sensível ou determinada força, deve ter capacidade de resposta para colaborar na proteção de um Evento de Alta Visibilidade (exemplo cimeira, encontro desportivo, visita do Papa…) que decorra em tempo de paz.

 

–  A diversidade de possíveis ataques à soberania nacional e a repercussão dos seus efeitos na satisfação dos interesses do País, a começar pela segurança e confiança, ao nível do Estado, com danos imediatos para as empresas ou para os cidadãos, impõe como particularmente importante refletir sobre o modo e forma como as FFAA são utilizadas, por exemplo, no combate ao terrorismo e na defesa ativa do ciberespaço ou, até, mesmo em outras circunstâncias graves de segurança nacional; a questão é relevante na medida em que, tanto numa como noutra das perspetivas, podem germinar situações de conflito indesejáveis, algumas relacionadas com atribuições e competências, quando de início possam ter sido outras as forças civis ou militares que, no seu âmbito de responsabilidade, hajam sido, e bem, empenhadas.

 

–  O conhecimento permanente, atualizado e consistente dos interesses vitais do País é condição necessária para alicerçar estratégias contingenciais, compatíveis com a urgência e a incerteza dominantes dos ambientes estratégicos envolventes; os órgãos de soberania, com destaque para os decisores na área da Defesa Nacional, devem refletir sobre a estratégia militar nacional a adotar, incluindo a participação em missões de peacekeeping, entendidas como instrumento de política externa, com complexas e diferentes dinâmicas no aprontamento e empenhamento da força militar que, habitualmente, é chamada a operar em ambientes, tantas vezes, de cariz assimétrico e ou subversivo.

 

–  A documentação estruturante da Defesa Nacional inclui, para além da Lei de Defesa Nacional (LDN), a Lei Orgânica de Bases da Organização das FFAA (LOBOFA), o Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) e, muito em especial, as Diretivas de Defesa – a Diretiva Ministerial de Defesa Militar que tem por objeto, especificamente, a componente militar da Defesa Nacional e a Diretiva Governamental de Defesa Nacional (que entre nós nunca foi elaborada, contrariamente ao que acontece em outros países) e que englobaria no seu âmbito as demais componentes não militares da Defesa Nacional – uma e outra, a montante, orientam, enformam e estabelecem, entre outros aspetos, os objetivos atuais da Defesa Nacional e, no caso das FFAA, discriminam com maior detalhe e precisão os influenciadores determinantes da sua estrutura organizativa, das suas missões (MIFA), do próprio SF, o instrumento, por excelência, do cumprimento dessas missões, bem como do dispositivo.

 

–  É patente a necessidade de proceder a uma análise para revisão dos desajustamentos e desequilíbrios estruturais e orgânicos acumulados nas FFAA e resultantes das reformas de que as mesmas têm sido alvo, designadamente nos últimos 30 anos, em ordem a reforçar a evidência desta constatação e a necessidade imperiosa de se proceder a correções e ajustamentos, para que, entre outros propósitos, os militares se sintam adequadamente preparados e motivados para, no limite, e em contextos operacionais difíceis, inclusivamente, melhor servirem Portugal.

 

–  E é na estrita observação desta imperiosidade que se tem por indispensável incutir no pensamento e na ação política a inevitável repercussão estratégica de tudo isto, importando refletir numa questão mais específica, jurídico-constitucional, e relacionada com a vantagem que se tira de uma, talvez, maior flexibilização que melhor se ajuste, ela mesma, à alteração da tipologia das ameaças, do emprego das FFAA em tempo de paz, atenta uma segurança reforçada que se pretende das populações e de infraestruturas críticas e ainda o apoio e colaboração em ações de emergência e proteção civil; de notar que sem estes três requisitos ultrapassados muito pouco se poderá adiantar em termos de estratégia militar.

 

–  É necessário, por exemplo, pensar num “modelo” para a intervenção das FFA no apoio à Autoridade Nacional de Proteção Civil (ANPC), porque aquelas não devem atuar como “mão-de-obra barata e não especializada”, sendo muitas as áreas funcionais em que os militares dos três ramos podem ter uma intervenção tecnicamente válida e diferenciada, como sejam o caso da arma de Engenharia, com equipas para abertura de aceiros e de fornecimento de água, do serviço de Administração Militar, do serviço de Saúde, dos Fuzileiros Navais, com equipas de alimentação e de apoio e suporte de vida, e outras unidades militares com equipas de busca e resgate; no entanto, tais atividades a que as FFAA podem ser chamadas a realizar implicam o competente aprontamento, evidentemente, depois de receberem treino específico, com meios e equipamentos adequados.

 

–  A especialização em termos de apoio militar de emergência é uma tendência também dos nossos aliados, devendo este passo ser dado de uma forma consciente e ponderada; nesta conformidade, o Exército pugnou por estabelecer objetivos de preparação e equipamento junto da ANPC, que se traduziram na formação dada por aquela entidade a sessenta pelotões (1320 militares).

 

–  Relativamente ao compromisso assumido pela ANPC para o fornecimento dos equipamentos de proteção individual (EPI), ainda não foi efetivado na integra por razões de procedimento, no âmbito do respetivo concurso de aquisição, alheias ao Exército, refletindo-se numa vulnerabilidade assinalável e que obrigou os militares a utilizarem nesta missão o seu próprio fardamento, estando por isso menos protegidos e sujeitos à sua degradação prematura; será ainda de referir que numa eventual nova reconfiguração deste apoio, com maior preponderância para as FFAA, será claramente potenciada a responsabilidade, caso algo corra menos bem.

 

–  A Instituição Militar orienta-se por valores e princípios éticos fundamentais próprios para um exercício no limite das condições, nos extremos e onde a própria vida poderá estar em jogo, e esta atitude tem um carácter de permanência e continuidade, desde a situação dita normal de tempo de paz até situações de crise ou mesmo de guerra; este facto exige compreensão por parte de quem seja observador externo e não significa colisão com os princípios básicos da democracia; para além deste argumento, que implica um tratamento diferenciado, ao nível dos comportamentos, deve ainda sublinhar-se que a estratégia militar nacional se baseia em critérios de racionalidade e pragmatismo e onde a ambiguidade ou, até mesmo, a irracionalidade não têm lugar.

 

–  A estratégia militar exige liderança, motivação, resiliência, flexibilidade e assessoria de comunicação (interna e externa), mas, também, regularidade e permanência no que concerne às estruturas orgânicas das FFAA; a liderança deve ser consolidada por intermédio de vários meios, acima de tudo pelas competências do próprio líder, pelo seu conhecimento e saber, pelo modo como estrutura, organiza e faz fluir a comunicação no seio da Instituição Militar e ainda pelo reconhecimento que a sociedade em geral possa sentir e fazer expressar.

 

–  Relativamente à estratégia militar, pode interrogar-se se ela existe, de facto, dado que, para além de ideias e de alguns conceitos e formulações, não se conhecem, em concreto – dir-se-ia com forte sentido prático – não os objetivos nacionais permanentes, pois esses têm respaldo constitucional, mas antes os objetivos nacionais atuais, cuja definição pressupõe uma avaliação de conformidade e consistência, no sentido de se verificar o critério estratégico da sua adequação, exequibilidade e aceitação geral; o recurso ao método dedutivo e às listas subsidiárias deste triplo critério estratégico poderá contribuir para uma “perceção” verdadeiramente utilitária dos objetivos nacionais atuais de que decorrerá, em parte, a estratégia militar e, então, poder-se-ão “descortinar” quais os desafios que ela própria encerrará.

 

–  O planeamento estratégico militar não pode ser formalizado sem que tenha ocorrido o que se designa por strategy making, ou seja, o pensamento estratégico de identificação, isolamento, dissecação e análise dos fatores, dos efeitos e, antes de mais, das limitações ou desadequações dos meios ao dispor e a empenhar, face aos objetivos definidos pela estratégia nacional; a estratégia militar, como qualquer outra, tem de ser adequada, exequível e aceitável e a verificação da resposta a este critério, que foi e será sempre o seu grande desafio, encontra-se na atualidade em fase de premência acentuada no que respeita à sua satisfação, face a escrutínios de ordem diversa que vêm ocorrendo de forma algo descoordenada, ao nível das instituições supranacionais, financeiras e governamentais, da comunicação social e, obviamente, da opinião pública e da comunidade nacional como um todo.

 

–  De facto, assim, é e, como já referido, não há estratégia militar sem o prévio estabelecimento das linhas programáticas da Defesa Nacional e, no quadro dos interesses nacionais afirmados, sem a definição, em concreto, dos objetivos atuais a prosseguir e realizar, pelo que também importa sublinhar que não se pode falar de estratégia militar sem FFAA e sem os respetivos meios; a estratégia militar deve constituir um verdadeiro guião para o empenhamento das forças de terra, mar e ar, e uma ferramenta de trabalho imprescindível para os planeadores que, aos vários níveis, nos Estados-maiores das FFAA, se preocupam com a defesa e a segurança do País.

 

–  No quadro dos objetivos da estratégia militar, a salvaguarda dos interesses nacionais deve ser assegurada pela realização eficaz das missões atribuídas às FFAA, pelo que aquela estratégia deve ter como especial referência os princípios e as orientações que por Lei e a montante a enformam, em particular, as linhas de ação estratégica estabelecidas no Conceito Estratégico Militar (CEM) que, por sua vez, têm de ser respeitadas, em conformidade com o nível de ambição militar definido; tal não obriga, porém, a parar no tempo, desde logo, porque o próprio ambiente estratégico é incerto, podendo haver necessidades de reavaliação do quadro de partida e de afinação e ajustamento conforme dos planos entretanto desenvolvidos e, se se verificarem desconformidades neste exercício, se se abrirem, ou aprofundarem eventuais vulnerabilidades, então, há que saber identificar os riscos que se correm e, se for caso disso, assumi-los na plenitude das inerentes implicações.

 

–  A análise do ambiente estratégico conduz, inevitavelmente, à necessidade de um eficiente vetor militar da defesa, flexível e interoperável, com capacidade para se adaptar a imprevisíveis manifestações de violência, à participação em missões internacionais e a crescentes exigências em ações complementares internas; as FFAA profissionais, para além do custo elevado, que só encontra justificação em países poderosos, com avultados recursos financeiros, afetáveis ao pessoal, ao funcionamento e ao treino operacional intensivo que garanta prontidão para frequentes ações de projeção, não dão resposta, nas pequenas e médias potências, não são compatíveis com a escassez de recursos financeiros nem dão resposta à totalidade das preocupações que o atual ambiente estratégico levanta, pelo que, de certo modo, como acontece com o “desenvolvimento”, a necessidade dos países leva-os, nem sempre nas melhores condições, a procurarem nos “grandes “espaços” e, neste caso, no da “segurança” (como a OTAN ou UE) o imprescindível complemento de apoio.

 

–  A estratégia militar nacional não pode deixar de ser transparente e ter em conta, entre outros aspetos, aquilo a que os anglo-saxónicos denominam de pooling and sharing, comprehensive approach e de accountability; os cidadãos têm que perceber, de modo claro, quais as principais questões que se colocam no domínio militar, no fundo, saber quais as preocupações que se levantam às próprias FFAA, para que, então, se possam considerar verdadeiramente “alinhados” com elas e em completa sintonia com essa expressão do poder nacional; só assim poderão percecionar e entender, como elemento relevante da sua utilização e emprego, a questão da “credibilidade” da Instituição e até do próprio SF, enquanto instrumento imprescindível, como vimos, da sua missão.

 

–  A estratégia militar nacional, uma entre outras das estratégias-gerais, integrantes da própria estratégia nacional, exige recursos críticos de qualidade (humanos, materiais e financeiros) que têm de ser equacionados ao nível da decisão política; o aconselhamento militar ao decisor político tem, nesta perspetiva, de fazer incluir, e de forma transversal, o levantamento das preocupações que, porventura, assistam, ou tenham inclusivamente impacto na geração de poder terrestre, naval e aéreo, com unidades orgânicas ágeis, flexíveis e inovadoras, capazes de respostas eficazes e que garantam, em concomitância, a sua própria segurança, entendida ela como fator crítico da realização das missões.

 

–  A estratégia militar terá tanto maior sucesso quanto mais adequados forem os meios ao seu dispor e melhor for a qualidade do sistema de informações militares, o que constitui um desafio da maior importância que deve ser entendido segundo uma lógica instrumental apropriada, quanto ao seu objeto (circunscrito a objetivos militares específicos) e aos instrumentos a utilizar, desde os recursos humanos aos dispositivos de informação eletrónica mais avançados; num ambiente altamente confuso, por maioria de razão, o sucesso das operações depende (como sempre acontece) da qualidade e pormenor das informações.

 

–  Os “desafios da estratégia militar nacional”, nos termos da Constituição e da Lei, colocam algumas questões com destaque para as missões das FFAA que se consubstanciam na participação, de forma integrada, na defesa militar da República, estando fundamentalmente vocacionadas para a geração, preparação e sustentação de forças e meios da componente operacional do SF, assumindo como pilares matriciais desta atribuição o compromisso perante a missão e o equilíbrio entre a gestão da sua prossecução e o desenvolvimento das capacidades a empregar.

 

–  Quando se pretende deduzir os “desafios da estratégia militar”, deve atender-se não só a estratégia militar em si, o seu propósito, objetivos e linhas de ação para os atingir, mas também os meios e a inerente prontidão militar, isto é, associar a valoração dos elevados desígnios estratégicos às capacidades que, sendo compatíveis, se impõem dever existir; por isso, não faz sentido falar desses desafios quando as possibilidades da sua concretização, em consciência e em termos de recursos, forem potencialmente inexistentes, tendo em conta o valor daquilo que se elenca como necessário defender.

 

–  Um dos desafios mais importantes da estratégia militar diz respeito à sustentação do exercício de soberania, incluindo os espaços marítimo e aéreo de interesse nacional, o que se traduz na presença, vigilância e intervenção, uma «missão estratégica», na medida em que o mar, enquanto fonte de recursos e poder, foi e é considerado desígnio nacional, não interessando apenas o simples trânsito ou passagem nesses espaços, antes interessando assegurar também o controlo das atividades de prospeção e de exploração de recursos por parte de quem não esteja autorizado para o fazer; neste sentido, as tarefas inerentes ao cumprimento de um tal propósito passam substancialmente pela deteção dos ilícitos ou dos eventuais intrusos, aéreos e, ou marítimos, com posterior identificação e ação, sejam o seguimento ou a visita, o salvamento ou outro tipo de cooperação e, em última instância, enveredar pelo ataque deliberado, tendo em conta as regras de empenhamento em vigor e o seu estrito cumprimento.

 

–  A moldura conceptual da estratégia militar nacional, ao nível de “missão” para as FFAA, encontra-se dispersa por vários documentos, o que não facilita ao cidadão comum, não conhecedor, muitas vezes, do jargão militar próprio, a objetividade e o entendimento dos conceitos operacionais, designadamente quanto às possibilidades das FFAA gerarem capacidades militares, no âmbito das próprias missões e, em particular, das tarefas que ao seu propósito se associam, as quais, terão que ser, sempre, de fácil e oportuna dedução.

 

–  A missão das FFAA, a razão de ser das mesmas, é estabelecida na própria Lei fundamental, a Constituição da Republica Portuguesa” (CRP), em título separado (Título X), o que atesta bem da relevância estruturante que assumem para o Estado Português a Defesa Nacional e as FFAA; nestes termos, questionar, como por vezes acontece, a missão das FFAA – “o que são” e “o que fazem” – é questionar a própria Constituição e o papel que a Nação, de quem emanam, e o Estado democrático de que são instrumento, atribuem:

    •   A defesa militar da República;

    •   A satisfação dos compromissos internacionais do Estado português no âmbito militar, assim como a incumbência de participar em missões humanitárias e de paz assumidas pelas organizações internacionais de que Portugal faça parte;

    •   A incumbência de colaborar em missões de proteção civil, em tarefas relacionadas com a satisfação das necessidades básicas e a melhoria da qualidade de vida das populações e, ainda, em ações de cooperação técnico-militar no âmbito da política nacional de cooperação.

 

–  Decorre deste quadro legal e de orientação estratégica claramente estatuído, poder sistematizar-se a missão das FFAA em torno de três funções mais relevantes; a militar – a sua função primária –, a de apoio à política externa do Estado, e a de interesse público, tratando-se de uma caracterização meramente funcional, naturalmente concordante com o enunciado das incumbências cometidas às FFAA e com observância do seu propósito.

 

–  Sublinha-se, no entanto, em linha com é que uso realçar que, “no plano militar, e em particular, incumbe às FFAA contribuir para a concretização dos objetivos atuais da Defesa Nacional, fixados por influência de fatores de situação transiente, sem desvio, porém, da imperativa consecução dos seus objetivos permanentes”.

 

–  É na concretização destes preceitos constitucionais que a LDN preceitua que as FFAA são responsáveis por assegurar a execução da componente militar da Defesa Nacional, sendo que a sua atuação se desenvolve em vista da concretização da própria política de Defesa Nacional definida e do CEDN aprovado.

 

–  A razão de ser das FFAA não se cinge, no plano militar, à eventualidade de eminência de uma agressão externa, ou à existência de ameaças credíveis que se perfilem, pelo que a Defesa Nacional de que elas se constituem em instrumento fundamental, concebe-se em obediência a uma política que tem carácter permanente, que se exerce em todo o tempo e em qualquer lugar; é na implícita assunção deste propósito que os Governos estabelecem nos seus Programas que as FFAA são o instrumento garante “da defesa militar do país” e, nesse sentido, confirmam como sua missão principal assegurar essa mesma defesa, a defesa de um país que querem continue soberano, livre e independente e que não alienará, por nunca, a sua segurança e defesa, muito menos o fará, prescindindo das suas FFAA.

 

–  No entanto, as FFAA, paradoxalmente, são forçadas a operar e desenvolver as suas missões limitadas por constrangimentos e contingências diversas, designadamente restrições de ordem financeira, vincadas lacunas em recursos humanos, inerentes a carências de recrutamento e a dificuldades em assegurar níveis de retenção de pessoal; impactos da crise da dívida externa (por via das cativações orçamentais), dependência de capacidades contratadas às indústrias de defesa externas, processos de manutenção e suporte, requerendo a participação de terceiros, por vezes ao nível dos escalões mais baixos, e o requisito imperioso de assegurar a transmissão do conhecimento.

 

–  Ainda assim, as FFAA Portuguesas têm vindo a participar em diversas missões internacionais, em coligação com forças de Países amigos e aliados, disponibilidade que se considera dever continuar; porém, note-se que estas contribuições, que correspondem a «capacidades militares específicas», são levantadas para responder a necessidades exteriores pontuais, com aplicação em cenários limitados e previamente definidos, pelo que, em termos de prontidão militar nacional, existem aqui alguns riscos, na medida em que as unidades organizadas são modulares e, face à constante exiguidade de recursos, pode conduzir a que a especificidade requerida pelos objetivos nacionais permanentes não seja a considerada como primeira prioridade, contrariando o princípio de que as “capacidades específicas devem ser extraídas das capacidades gerais”.

 

–  O conceito de capacidade militar, plasmado na doutrina terrestre, naval ou aérea, tem, por isso, de ser respeitado no delinear da estratégia militar geral, como no das estratégias particulares, ipsis verbis, o que vai muito para além da “simples” aquisição de material, como é conhecido, devendo ser potenciados os requisitos de interoperabilidade entre ramos e com as FFAA dos Países aliados; a “intervenção militar”, que obriga a uma prévia e clara diferenciação entre «ações de empenhamento» e «ações de apoio», configura sempre uma situação delicada onde não podem deixar de prevalecer normas e requisitos básicos de comando e controlo, de disciplina militar e de aptidão técnica compatível.

 

–  A prontidão operacional das FFAA inclui também a preparação e treino (específico, conjunto e combinado), numa conjuntura de reconhecida exponenciação no apoio à proteção civil e em outras atividades de interesse público, bem como para emprego em forças nacionais destacadas e em outras operações de apoio à política externa, que exigem um grande esforço do pessoal militar e dos recursos e meios utilizados em operação contínua e que constituem um elevado rácio, com regimes complexos e extraordinários de administração, sustentação e manutenção, normalmente com rigorosos requisitos de operação, eficácia e adequadas capacidades de emprego flexível e isso não pode ser esquecido, muito menos escamoteado.

 

–  O “desinvestimento” orgânico nas FFAA Portuguesas diminui a autonomia dos seus comandos, nas respetivas capacidades de comando e controlo, e potencia eventuais situações que podem condicionar o cumprimento das missões militares, estipuladas no quadro das responsabilidades constitucionais e legais, no que concerne à exclusividade da defesa militar da República e às necessidades de treino operacional, tendo em vista a atuação das FFAA para fazer face a qualquer tipo de agressão ou ameaça externa.

 

–  O enquadramento legal da Instituição Militar, desde a Lei de Defesa Nacional e das FFAA (LDNFA) de 1982, como então era conhecida, veio, no fundamental e de forma genericamente adequada, balizar a inserção das FFAA na estrutura do Estado, clarificando a sua subordinação aos órgãos de soberania e a sua completa integração no Ministério da Defesa Nacional, colocando os Chefes de Estado-Maior, os CEM, na dependência ministerial; o circunstancialismo que rodeou a aprovação da própria Lei levou a que, num mesmo diploma e num mesmo plano, fossem tratados demasiados assuntos, o que, a bem da clareza dos conceitos, deveriam ter sido tratados separadamente e em diploma próprio, realidade que só veio a ser alterada, em 1991, com a publicação, quase dez anos depois, da primeira LOBOFA.

 

–  Na realidade, só depois de extinto o Conselho da Revolução e, mesmo assim, só depois de 1987, é que os Governos, de um modo mais consistente, começaram a exercer plenamente as suas competências (políticas, legislativas e administrativas) sobre as FFAA, em particular no que respeita à sua direção e controlo; esta tendência tem tido continuidade, como o denota a ação dos sucessivos Governos com a assunção de mais e novas competências “administrativo-logísticas” por parte do Ministro da Defesa Nacional (MDN) e do seu Ministério, para que as chefias militares possam dedicar-se, sobretudo, à sua função primordial de comando de forças e unidades militares.

 

–  Este o sentido concreto do conjunto de medidas legislativas que, desde então, foram sendo adotadas em relação às FFAA; a LOBOFA é o primeiro indicador dessa mesma tendência e orientação, ao surgir na sequência da orientação de política geral estabelecida pelo Governo, relativamente às FFAA, conhecida como a “política dos 3 R (reestruturação, redimensionamento e reequipamento”, justificada como seu propósito último pela necessidade das mesmas se regerem por princípios de eficácia e racionalização.

 

–  E foi assim que a “organização” das FFAA não mais deixou de ser objeto de reformas, dir-se-ia, mesmo, de um elevado número de significativas reformas, em diferentes áreas da sua estrutura – em média, de 3 em 3 anos –, não lhes concedendo estabilidade sequer para poderem testar convenientemente a eficiência e a eficácia das mudanças organizacionais anteriormente produzidas; até 1982, como já aflorado, pouco se passou, foi basicamente o período pós-revolucionário em que não existiam condições para modificar o status quo existente e os anos que se seguiram foram de consolidação de processos em especial dos relacionados com a Documentação Estruturante da Defesa Nacional – CEDN, MIFA, CEM, SF, Dispositivo – e demais Leis Orgânicas, Decretos Regulamentares, Livros de Lotação, Quadros Orgânicos (QO) e, ainda, as leis Quadro da Programação Militar e as próprias LPM, suas revisões e respetivos referenciais-guia.

 

–  O 12º Governo Constitucional (1992-1995), num contexto enunciado de “menos forças melhores forças”, apesar de se ter verificado, em contraponto, alguma melhoria pontual no reequipamento das FFAA, promoveu:

    •   A revisão de alguns documentos estruturantes da Defesa Nacional, designadamente o CEDN e o CEM;

    •   O ajustamento do EMFAR;

    •   A definição e fixação de novos QO (numa lógica pretendida de compromisso entre o desejável e o possível), mas, cujos efeitos práticos se traduziram, basicamente, numa redução significativa dos efetivos e em novas estruturas orgânicas de cariz operacional ou de apoio de serviços, nem sempre devidamente calibradas quanto ao seu enquadramento legal ou estatutário.

 

–  O 13º Governo Constitucional (1995-1999) prosseguiu as reformas, desta feita, mais direcionadas para a documentação estruturante e a necessária coerência utilitária do seu todo e, em especial, para o SF e a necessidade de se proceder também, a esse nível, a novas reduções do número de meios alocados à componente operacional e de efetivos; neste desígnio, a opção foi clara:

    •   Racionalizou a força em torno de uma base financeira de alguma credibilidade, compatibilizando melhor as missões, o SF e os efetivos de pessoal com as necessidades estratégicas e os recursos do País;

    •   Propugnou «a constituição de uma força militar mais reduzida, mas credível, com alto grau de eficiência e flexibilidade, capaz de desencorajar a agressão, de permitir o restabelecimento da paz em caso de conflito e a satisfação dos nossos compromissos internacionais”;

    •   Desconstitucionalizou o Serviço Militar Obrigatório (SMO) e procedeu aos estudos com vista à instituição do novel regime de voluntariado e contrato (RV/RC), uma mudança significativa e estruturante;

    •   Operacionalizou uma efetiva revisão do sistema de justiça militar.

 

–  O 14º Governo Constitucional (1999-2002) criou e promoveu a dinâmica legislativa atinente a nova revisão da documentação concetual da Instituição Militar, compatível com a concretização da alteração do SMO, aproveitando a ocasião para reiterar o aprofundamento e a redução dos efetivos militares.

 

–  O 15º Governo Constitucional (2002-2004) deu continuidade à revisão da documentação estruturante das FFAA, aprovou um SF de menor dimensão, reduzindo o quantitativo de alguns dos seus meios, e gizou uma outra reorganização da estrutura superior das FFAA, incluindo a implantação, ao nível do MDN, do Estado-Maior General das Forças Armadas (EMGFA) e dos ramos, de um Sistema Integrado de Gestão e, com isso, levar à prática e mais longe a anunciada racionalização, desta feita, numa outra vertente, menos falada, nos domínios da gestão e do funcionamento.

 

–  O 16º Governo Constitucional (2004-2005) manteve aquelas reformas, concretizando o fim do SMO, em 2004, e, assumindo o acentuado declínio na afetação de recursos às FFAA, prometeu inverter esta tendência, sempre com o anunciado desígnio de reforçar as verbas afetas à rubrica do “pessoal”, promessas que, de uma forma geral, não foram cabalmente cumpridas, com reflexos negativos, a estenderem-se de igual modo às rubricas orçamentais-chave de “operação e manutenção” e “investimento e capital”.

 

–  O 17º Governo Constitucional (2005-2010) destacou de forma enfática a importância das missões das FFAA e estipulou que, nesse âmbito, estas deveriam assumir parte nas missões de luta contra o terrorismo transnacional, em quadro legal próprio e em coordenação com outras Forças e Serviços de Segurança, e procedeu a uma nova revisão da documentação estruturante, promoveu novas reformas militares nas áreas da saúde e do ensino e procedeu à atualização e ajustamento do EMFAR.

 

–  O 18º Governo Constitucional (2010-2011) procurou implementar estas reformas e criou o Hospital das FFAA (HFAR), dando início à extinção dos hospitais militares dos ramos, de par com mexidas nos sistemas de apoio e proteção social, decisões que ainda hoje evidenciam anomalias e desajustamentos e que importa assumir e resolver.

 

–  O 19º Governo Constitucional (2011-2015), com a designada “Reforma 2020”, sob a égide da qual ainda, no presente, se encontra a Instituição Militar, estabeleceu como orientações:

    •   Proceder a uma nova revisão estruturante, sem avaliação dos resultados das reformas antecedentes, ainda não completamente implementadas, tendo-se verificado, então, novo propósito reducionista traduzido na aprovação de um novo CEDN, mais restritivo do que os anteriores em matéria de ambição e tetos de pessoal a autorizar; em linha com esta orientação, o EMFAR sofreu grandes modificações, assumindo aí os «deveres» maior protagonismo do que os «direitos», esquecendo a Lei de Bases da Condição Militar e o seu articulado;

    •   Reforçar os poderes hierárquicos e as amplitudes operacional e administrativa do Chefe do Estado-Maior-General das FFAA (CEMGFA), em concomitância com uma outra lógica de transferência de competências dos CEM para o MDN;

    •   Alterar o apoio médico e medicamentoso e na proteção social dos militares (IASFA), de que resultou a perda de qualidade nestas áreas, tal como a assistência hospitalar, proporcionada pelo novel HFAR, que não superou as dificuldades;

    •   Reduzir, de novo, os efetivos e os recursos financeiros dos ramos, decisão com impactos visíveis na manutenção e operação dos meios próprios de cada ramo, enquanto, ao nível do MDN e do EMGFA, se verificava algum reforço de verbas, naturalmente necessário e, por certo, imprescindível.

 

–  Está neste momento em curso o ciclo de planeamento de defesa militar nacional, cujo processo decorre de uma Diretiva Ministerial de 2011, a qual estabelece os passos que devem ser observados neste âmbito; pela primeira vez e de certa forma, o processo nacional está adaptado ao método em uso na OTAN, o que permite a articulação com o processo de Planeamento de Forças da Aliança.

 

–  Em qualquer tipo de conflito, potencial ou real, é sempre necessário atuar por forma a garantir a superioridade da informação, o que implica uma disponibilidade permanente dos instrumentos que a alimentam; a doutrina nesta área existe e tem atualidade, especialmente para casos de tensão, crise ou guerra, assumindo-se que as lacunas que existem na transposição para o real, designadamente quanto aos meios tecnológicos a empregar, de forma permanente, podem constituir desafio estratégico importante no domínio tecnológico, permitindo igualmente explorar, manter e sustentar os sistemas de armas adquiridos fora do País ou originários da indústria nacional.

 

–  Para uma potência europeia, sem margem para dispersar recursos, a interiorização da consciência coletiva sobre o que, para os portugueses, é vital constitui premissa inalienável para a orientação otimizada do poder nacional, de modo a fortalecer a capacidade de afirmação do interesse nacional, através de uma compatível complementaridade com os fins das alianças e organizações internacionais onde procuremos alcançar sinergias; a complementaridade das capacidades das FFAA, com competências policiais, através da Guarda Nacional Republicana (GNR), na execução de missões internacionais é um dos exemplos a considerar, à semelhança do que já acontece em Espanha, França, Itália, Holanda, entre outros, tendo aqui a informação pública um papel fundamental.

 

–  A Instituição Militar, ao inserir-se numa comunidade que não pode perder de vista os fundamentos da sua existência e que tem de se interrogar, sem desânimo, mesmo nas situações adversas, sobre os seus fundamentos e o seu destino, tem de estar motivada e preparada para comunicar com os cidadãos, no quadro da estratégia de comunicação da Defesa Nacional e das FFAA que haja sido aprovada e estabelecida; os cidadãos têm o direito de perguntar sobre as FFAA: “para quê, por quê, qual o seu papel na sociedade?”; sem hesitação, pode ser dada a resposta “para garantir a defesa do território” ou, de um modo porventura mais atual, responder “para defender o interesse nacional” e, neste sentido, a “integridade do território” surge como sendo apenas uma das suas componentes.

 

–  A quebra de laços de cidadania na relação entre a Nação e as suas FFAA é uma situação resultante de uma desinformação institucional sistemática e da falta de motivação pública da maioria dos responsáveis políticos sobre os “vetores não militares e militar da Defesa Nacional”, a que se aliaram, desde 2004, a prestação, em tempo de paz, do serviço militar baseado no “voluntariado”, apesar da Lei do Serviço Militar (LSM) manter “as obrigações dos cidadãos portugueses inerentes ao recrutamento militar e ao serviço efetivo decorrente de convocação ou de mobilização” e prever que “os cidadãos que se encontrem na situação de reserva de recrutamento podem ser convocados para prestação de serviço (…), nos casos em que a satisfação das necessidades fundamentais das FFAA seja afetada ou prejudicada a prossecução dos objetivos permanentes da política de Defesa Nacional”.

 

–  A informação pública é uma atividade permanente da estratégia comunicacional das organizações e, no caso das FFAA, também é através do plano de comunicação que se divulga a imagem dos ramos, podendo o mesmo ser um poderoso instrumento, inclusive para o recrutamento; no entanto, há factos recentes que evidenciaram a necessidade de um trabalho mais sólido e consistente no domínio do plano de comunicação na Instituição Militar, o que tem de ser repensado nos diversos escalões de comando, para que as atividades de informação pública, que são parte integrada em qualquer plano de operações militares, sejam executadas de forma sistémica, muito em especial em momentos ou situações de crise que obrigam a esforços de comunicação mais intensos.

 

–  Porém, o que se constata, e como já anteriormente referido, é a inexistência em paralelo de uma “cultura nacional” de informação pública e de educação para a cidadania sobre a Defesa Nacional e os assuntos militares, donde resulta, por parte da sociedade, um acentuado desconhecimento e notória indiferença sobre as FFAA, o seu quadro de missões e de capacidades, bem como a sua ação junto das populações e no território, para o qual tem contribuído, decisivamente, a assunção de uma adequada pedagogia quanto à necessidade de esclarecimento e de informação pública por parte dos sucessivos Governos da República.

 

–  Não havendo para a opinião pública riscos ou ameaças percetíveis ou iminentes e embora diversos estudos de opinião tenham revelado apreço e confiança na Instituição Militar, subsiste a sensação de um grande alheamento da população em geral e da opinião pública em particular, relativamente às questões da Defesa Nacional.

 

–  Entre os cidadãos portugueses com uma ligação à vida militar, para além dos militares de carreira e dos que prestaram ou prestam serviço em regimes de voluntariado e de contrato, mesmo dos que cumpriram o SMO, na generalidade, só os que combateram no ex-Ultramar e alguns que integraram forças especiais é que, hoje, se identificam com a Instituição Militar; para os demais, sem opinião ou com opinião não orientada positivamente, as FFAA podem parecer-lhes indiferentes, dispensáveis, perniciosas, anacrónicas ou mesmo antidemocráticas.

 

–  As missões das FFAA exigem boa capacidade de informação pública, a qual pode contribuir para a uma efetiva empatia por parte da a população, nos aspetos relacionados com a Defesa Nacional; para o efeito, tem de ser identificado e definido previamente o público-alvo que se quer atingir: os militares, que, por certo, já são conhecedores desta problemática, ou, num espaço muito mais amplo, os cidadãos em geral, a quem é necessário fazer chegar esse conhecimento, por serem menos elucidados sobre estas matérias e que, até por isso, têm mais direito a serem esclarecidos.

 

–  Para além dos planos de comunicação, as estruturas de informação pública das FFAA devem ser dotadas de técnicos especializados em comunicação de assuntos militares, com cursos, por exemplo, à semelhança dos que são ministrados no Supreme Headquarters Allied Powers Europe (SHAPE), em Mons (Bélgica), e que incluem preparação e treino sobre comunicação, organização de conferências de imprensa e de centros de informação, formação de porta-vozes, preparação e organização de entrevistas para OCS (imprensa, rádio, televisão e redes sociais na internet).

 

–  A educação para a cidadania, por seu turno, deve sublinhar, no âmbito da estratégia nacional, que as FFAA Portuguesas, motivadas e empenhadas no cumprimento das suas missões e assentando o seu desempenho numa cultura de serviço que tem por base o valor das pessoas que nelas servem, merecem pública credibilidade e têm relevância como contributo para o prestígio de Portugal; a exigência de uma competente informação pública sobre o indispensável contributo do vetor militar para, no atual ambiente estratégico, colaborar na política externa do Estado e, no plano interno, na segurança do País, é condição indispensável ao desenvolvimento.

 

–  As FFAA, centrando a atenção nos efeitos do ambiente operacional, estão integradas nos Estados com os outros instrumentos de poder, designadamente o social, económico, diplomático e cultural; por outro lado, as decisões governamentais estão cada vez mais presentes em todos os níveis da guerra, dado o facto de os decisores, a todos os níveis, poderem observar as ações em direto e intervir em tempo real, e porque as ações de um único soldado num checkpoint ou numa outra modalidade tática poderem ter repercussões imediatas no nível estratégico.

 

–  Por tudo isto, e como princípio básico válido em qualquer cenário, a continuidade da Instituição Militar, enquanto pilar fundamental do Estado, para além dos elementos sociológicos inerentes, impõe uma reflexão sobre a melhor forma das FFAA desempenharem este papel e que tal seja compreendido pelos cidadãos, pois o problema fundamental é o da legitimidade da autoridade fora dos «Estados de exceção» e os riscos, daí resultantes, principalmente em termos de credibilidade ou confiança, nomeadamente quando, em emergência, se atribuem missões para as quais as FFAA não estão suficientemente preparadas, aspetos que são mais críticos nas situações de catástrofe, de grande instabilidade social ou política, ou em situação grave de falta de segurança.

 

–  Em momentos críticos o País volta-se para as FFAA, pelo que o conceito de «reserva nacional» aplicado às FFAA tem de ser objeto da “credibilidade nacional” e ser aplicado em conformidade como um conceito estratégico, sendo importante sublinhar que a intervenção militar, nesta condição, só se justifica em situações de elevada gravidade, em que as medidas para a sua resolução são de natureza militar e ultrapassam o carácter das medidas próprias das situações normais; quando se trate de «ações de apoio à proteção civil», não pode deixar de salvaguardado o “carácter militar da intervenção” das FFAA; exemplo deste paradigma são as recentes decisões governamentais para cometer responsabilidades específicas no âmbito da prevenção, combate e rescaldo do flagelo dos incêndios às FFAA e GNR.

 

–  No quadro da Defesa Nacional, o cumprimento da missão das FFAA exige a disponibilidade, a todo o tempo, de meios adequados, integrando capacidades de toda a ordem; o SF constitui-se, como já referido, em instrumento privilegiado de concretização da política de Defesa Nacional, tornando-se necessário que o mesmo seja sólido, coerente e robusto, em que cada ramo, nos domínios da respetiva especificidade, possa cooperar, de forma integrada, na defesa militar da República e dar satisfação aos compromissos internacionais assumidos, desideratos que, sem dúvida, comportam desafios de peso e âmbito em termos de estratégia militar e que, por isso, importam considerar.

 

–  A permanente necessidade de avaliação e diagnóstico da acuidade das possibilidades nacionais, na enunciação de uma estratégia militar, na qual o SF é, de facto, peça basilar, tornam premente a introdução de melhorias no respetivo processo e ciclo de planeamento de defesa militar e de forças, com o propósito de caracterizar, em todas as suas vertentes, e, em especial, quantitativa e qualitativamente, as capacidades que o integram, no sentido de ultrapassar dificuldades na análise transversal dessas mesmas capacidades e dos meios a afetar-lhes, incluindo a modernização dos sistemas de armas, para que as prioridades não resultem, como tem, de algum modo, acontecido, pontual e exclusivamente como reflexo, apenas, de possibilidades financeiras.

 

–  O SF não nasce “por geração espontânea”, resultando, isso sim, de um exercício complexo de planeamento (de Defesa Nacional, estratégico e de forças) que, desde 1993 e com maior rigor e precisão desde 1996, vem sendo regulado por uma Diretiva Ministerial de Planeamento Militar e em que intervêm numerosos responsáveis, sejam entidades ocupando cargos unipessoais e a título individual, sejam com assento em outros órgãos, coletivos, de conselho e apoio à decisão, como o Conselho de Chefes do Estado-Maior (CCEM), o Conselho Superior Militar e o Conselho Superior de Defesa Nacional (CSDN) que, em última instância, é responsável e responde pela sua competente aprovação.

 

–  Constitui vulnerabilidade das FFAA, com riscos a assumir, a situação que resulte da discrepância ou desconformidades entre os meios previstos no SF em vigor e os meios efetivamente existentes, agravada pelas restrições orçamentais com que se vem deparando a Instituição Militar, as quais têm um impacto acrescido e alargado, pelo facto da maior parte do orçamento ser consumida em despesas com “pessoal”, comprometendo, ainda mais, as disponibilidades orçamentais para “investimento e capital” e, mesmo, para “operação e manutenção”.

 

–  Em relação a meios e recursos das FFAA, está, pois, sempre em causa o SF e uma sua cabal edificação, pelo que, nestas circunstâncias, há que estar atento às suas eventuais disfunções, quer as que se possam verificar no SF existente (por obsolescência de meios e falta de pessoal) quer aquelas que resultem da inviabilização de um outro, eventualmente, novo SF que haja, entretanto, sido superiormente aprovado e considerado, em critério estratégico de adequabilidade, exequibilidade e aceitabilidade, como mais conforme com o momento estratégico presente e sua expectável evolução.

 

–  Na definição do SF é muito importante considerar o histórico, os factos e o seu enquadramento, o que exige um judicioso uso da aproximação sistémica, da interação entre recursos, objetivos, normas e organização, considerando os sucessivos “ambientes estratégicos” de referência, o que levanta uma multiplicidade de questões, para além das relacionadas com a conceção, a genética e a estrutura do próprio sistema, aquelas outras que tem a ver com aspetos tão diversos quanto são: o “planeamento de defesa”, o “planeamento estratégico”, o “planeamento de forças” e todo aquele normativo que regula o processo em si e que, obviamente, não pode deixar de ser coerente e rigoroso nos termos de referência que define e nos critérios que estabelece.

 

–  Será aconselhável ponderar as grandes variáveis e as grandes questões, não tanto no estudo e conceptualização dos problemas fundamentais mas sim na concretização das afirmações e dos propósitos enunciados; para tal, nada mais esclarecedor do que uma tentativa de avaliação da estratégia genética que, de facto, lhes dá corpo, isto é, apreciar a evolução dos recursos humanos, materiais e financeiros atribuídos, e abordar a questão estrutural, logo da organização, para tentar detetar o fio condutor do que tem acontecido.

 

–  A função Recursos Humanos (RH) em qualquer organização encerra e desempenha sempre um papel importante e difícil ao intermediar e servir de ponte entre a organização em si e as pessoas; desenvolver a questão dos RH sobre uma ótica moderna de investimento (e não de custo, como no passado) requer um conhecimento apurado e preciso do contexto organizacional em que tem lugar a sua gestão; daí, a necessidade de haver que atender ao ambiente onde as pessoas desenvolvem a sua atividade, caracterizado, hoje, pela mudança e adaptação constante e acelerada; mas, não só, outros aspetos mais são fundamentais considerar, a eficiência do desempenho e o comportamento e atitude das pessoas, pois são elas que, no fundo, permitem às organizações prosseguir e desenvolver com a necessária eficácia as suas atribuições e finalidades.

 

–  Atualmente, os cidadãos, incluindo os militares, são mais exigentes e expectantes do que eram no passado, pretendem justificadamente “mais e melhor” e, seguramente, uma “carreira” motivadora e desenvolvimentista que, sendo também ela espaço e plataforma do exercício de competências e fator de motivação, tem a ver com as “necessidades organizacionais” e com o preenchimento dos cargos e, também, com as “necessidades do indivíduo” e a satisfação das suas próprias expectativas, com os “quadros” de pessoal, sua estrutura e gestão, e ainda com as questões da “formação” e proficiência e da “motivação” e desempenho.

 

–  A escassez de RH e a desadequação ou desvio dos existentes para missões que não a principal missão constitucional das FFAA, criam situações de algum desconforto aos comandos militares, que têm de ser avaliadas responsável e criteriosamente em sede própria, não como resposta inopinada a situações de crise ou de emergência, mas no âmbito da previsão da contingência e da resolução de possíveis situações emergentes.

 

–  Se a questão das “existências” é importante, outras questões, porém, afins e correlativas, igualmente se colocam e que serão tão ou mais relevantes, porque têm a ver com o grau de satisfação das pessoas, de cada um individualmente; tem a ver com a própria “atratividade da carreira militar”, com a “fidelização” dos militares mais novos e a “retenção” dos mais velhos; se estas premissas não se conseguirem, na prática, concretizar, convenhamos que a situação que daí resulta em nada poderá ser despicienda.

 

–  O grau de satisfação individual poderá variar de ramo para ramo, variar com o tipo de regime de prestação de serviço ou, até, mesmo com a categoria, mas uma coisa é certa, a profissionalização das FFAA, substituindo a conscrição dos cidadãos pelo voluntariado, modificou, por completo, a matriz da própria relação indivíduo-Instituição, já que esta passou a ser uma matriz de relação contratualizante e de interesse e não mais uma relação de dever e cidadania, aspetos, sem dúvida, primordiais e que sistematicamente parecem ser esquecidos.

 

–  O modelo de recrutamento militar criado em 1999, em resposta ao regime de RV/RC, foi profundamente afetado, a partir de 2012, devido ao encerramento de centros de recrutamento e à extinção de gabinetes de esclarecimento e atendimento público, ao mesmo tempo que se passou a verificar uma indesejável aleatoriedade e irregularidade das incorporações, tanto no tempo como nas localizações geográficas, decisões que “neutralizaram” ainda a efetiva proximidade das FFAA às populações, designadamente, junto dos Centros de Emprego, das Juntas de Freguesia e das Escolas.

 

–  Considerando os números consultados em sede do MDN, no período compreendido entre setembro de 2012 e agosto de 2017, verificou-se uma diminuição global dos efetivos, que passaram de 34183 para 27964 unidades, representando um decréscimo de 18%; atenta a particular gravidade que no Exército estes valores atingiram, será de sublinhar a sua variação e a forma como ela se expressou: um decréscimo global da ordem dos 23%, com os números relativos ao pessoal em RV/RC, por sua vez, a diminuírem cerca de 38%, de 12120 para 7572 elementos, e no que respeita ao contingente de Praças a fixarem-se os dados no exíguo quantitativo de 6769.

 

–  O recurso ao Dia da Defesa Nacional (DDN) e a uma inscrição através da internet, como forma de voluntariado para o recrutamento militar constitui uma prática que não atinge, sequer, os objetivos que, neste domínio, vêm sendo, superiormente, determinados, como a evidência tem vindo a demonstrar; no caso do Exército, verifica-se que, no âmbito do RV/RC, no final do período citado, as existências se situavam em cerca de 62%, relativamente aos QO em vigor, nas respetivas componentes, fixa e operacional, não chegando, inclusive, a atingir os tetos de efetivos autorizados, fixando-se em 75% daqueles valores.

 

–  O recrutamento não pode estar dissociado, como já referido, da retenção dos efetivos; sendo a média de permanência nas fileiras, por exemplo, no Exército, de cerca de 4,3 anos, para os militares em RV/RC, urge, nestas circunstâncias, a tomada de medidas, tais como o aumento da duração do serviço militar às especialidades.

 

–  A realidade atual dos efetivos das FFAA leva a questionar o atual modelo de prestação de serviço militar, decorrente da extinção do SMO, um facto que foi imposto pelas juventudes partidárias, no final do século passado, que, mais do que uma medida legislativa suportada no quadro da governação política da época, se traduziu no cercear de um forte vínculo de ligação ao Povo português; ao aniquilar-se um vetor estruturante de cidadania, foram postos em causa, como se provaria, mais tarde, os fundamentos para a consecução de uma política de Defesa Nacional coerente e credível, em particular para um País com uma matriz social e económica como Portugal.

 

–  Após a extinção do SMO, a ligação dos jovens aos assuntos da Defesa Nacional e das FFAA foi perspetivada poder manter-se com a realização do DDN, o qual, desde cedo, revelou fragilidades em relação aos objetivos a que se propunha, sendo maioritariamente entendido pelo universo a que se dirigia, como uma «tentativa de captação» de voluntários para o serviço militar; nesse sentido, se alinham as respostas aos inquéritos feitos, após cada DDN, em que, de uma forma geral, 60% dos inquiridos considerava a experiência vivida, simplesmente, como “um dia perdido”; de assinalar ainda que estes valores eram inclusivamente superados, sempre que as respostas tinham origem em cidadãos oriundos de universos mais escolarizados e de meios economicamente mais favorecidos, o que também evidencia o fracasso do “interclassismo social” que a experiência, supostamente, deveria procurar em desiderato atingir.

 

–  Desde que foi instaurado o regime democrático, em Portugal, têm vindo a verificar-se sucessivas reduções dos efetivos das FFAA: se existiam cerca de 80000 militares, em 1993-1995, os menos de 25000, de hoje, materializando uma taxa de diminuição de mais de 60%, em duas décadas, são a prova de que os RH disponibilizados não preenchem cabalmente as “necessidades organizacionais” do SF aprovado e das suas duas componentes, o que não deixa de se constituir numa vulnerabilidade estratégica.

 

–  Considerando a evolução dos efetivos das FFAA, desde 2010, verifica-se uma diminuição global dos seus números que, em menos de sete anos, passaram de 35223 militares para 24966 militares, uma diminuição global de cerca de 29,1% (Marinha – 22,5%, Exército – 33,4% e Força Aérea – 27,3%).

ANO

MARINHA

EXÉRCITO

FORÇA AÉREA

GUARDA NACIONAL REPUBLICANA

Oficiais

Sargentos

Praças

TOTAL

Oficiais

Sargentos

Praças

TOTAL

Oficiais

Sargentos

Praças

TOTAL

Oficiais

Sargentos

Guardas

TOTAL

2010

1560

2572

5616

9748

3013

4905

10432

18350

2016

2405

2704

7125

729

2550

19930

23209

2011

1693

2571

5296

9560

2904

4615

10071

17590

1922

2489

2111

6522

732

2389

19697

22818

2012

1617

2583

4786

8986

2857

4324

9531

16712

1782

2328

2014

6124

743

2531

19008

22282

2013

1601

2513

4684

8798

2820

4278

10539

17637

1764

2350

2035

6149

767

2566

18229

21562

2014

1541

2529

4359

8429

2518

3665

8888

15071

1641

2328

1756

5725

792

2630

18927

22349

2015

1543

2477

3882

7902

2476

3541

7987

14004

1649

2303

1822

5774

815

2608

19253

22676

2016

1536

2362

3821

7719

2481

3611

7259

13351

1621

2344

1595

5560

819

2635

19154

22608

2017

1515

2336

3707

7558

2509

3537

6184

12230

1543

2266

1369

5178

839

2547

19037

22423

 

 

–  Como consequência direta, a componente operacional do Exército, materializada nas suas capacidades (mecanizada, de intervenção e aerotransportada) apresentava, em relação a elas, limitações de preenchimento de necessidades da ordem dos 40%, 50% e 55%, respetivamente; ora, esta realidade reflete bem os impactos das crescentes dificuldades na obtenção e retenção dos RH para a prestação de serviço militar, a par de um progressivo afastamento dos cidadãos das FFAA do seu País, acentuado pela contração do respetivo dispositivo territorial.

 

–  A administração dos RH na Instituição Militar não pode e, cada vez mais, não deve, ignorar o ser humano, o indivíduo ou até a sociedade de onde o militar, emana e, nesse sentido, compete-lhe propugnar pela promoção do polo social sem esquecer de continuar a acautelar, como acontecia, no passado, apenas, e só, os custos e o polo económico; isso pressupõe uma gestão compromissória dos respetivos inventários de necessidades, interesses e objetivos, de um lado, os da organização e, de outro, os do indivíduo, no quadro, sempre, de uma avaliação constante, criteriosa e ponderada do normativo regulador em geral e, em particular, do EMFAR, sem esquecer a Lei de Bases da Condição Militar (LBCM) que a montante o enquadra e determina; assumidamente, uma questão difícil e complexa, que suscita a necessidade imperiosa de haver que garantir uma reavaliação da bondade e mérito das suas muitas disposições e, em especial, daquelas que têm a ver diretamente com os “quadros” e as “carreiras” dos militares e seus fatores de regulação.

 

–  Os RH são, como transparece do que vem sendo evidenciado, o pilar fundamental que enforma as organizações, pelo que a finalidade de uma estratégia de investimento em pessoal qualificado e competente tem que ter por grande propósito, no caso das FFAA, a sua permanente adequação ao cumprimento eficaz das missões atribuídas; e se é este o desiderato, os efetivos militares que os «quadros de pessoal» disponibilizam, por graus hierárquicos, classes, armas ou especialidades funcionais, têm de ser minuciosamente observados e monitorizados também, numa outra perspetiva mais lata da organização que os determina, onde se inclui a conceção e estrutura do próprio quadro, o seu agregado e respetiva gestão e tudo no respeito pelas regras da correlação que se estabelece entre níveis de comando e responsabilidade e entre os quadros de pessoal e as suas carreiras.

 

–  De notar que os QO dos ramos das FFAA, tal como os efetivos dos quadros permanentes (QP), obedecem a contornos de uma certa especificidade: a sua estrutura vertical, distribuídos por patamares e níveis hierárquicos, onde existe uma relação entre a base e o topo, e a consecução de dois importantes objetivos de articulação, aliás ingrata, em que se conjugam a satisfação das “necessidades organizacionais” que impendem sobre os ramos e a satisfação das necessidades e expetativas de promoção e desenvolvimento de carreira do pessoal agregado.

 

–  É por isso que, neste contexto de abrangência com que se devem olhar os RH, há que atender também aos possíveis graus de satisfação do pessoal, ao seu moral e motivação, que em conjunto com a formação e valorização do capital humano são elementos decisivos do desempenho organizacional, daí serem áreas com as quais o comando militar sempre se preocupou; sendo usual dizer-se que “o moral do pessoal está para o material na proporção de três para um” – de nada servirá o material e o equipamento se aos militares que os operam e mantêm faltar competência e motivação.

 

–  Perante esta realidade e sendo verdade que a competência pode ser devidamente ajustada, aperfeiçoada dentro de certos limites e, até, melhorada por recurso a adequadas ações de formação e treino, a motivação de um indivíduo terá sempre um carácter aleatório, circunstancial e subjetivo, uma vez que depende em grande medida de aspetos intangíveis e dos objetivos e expectativas de cada um, dependendo, acima de tudo, da perceção individual e da utilidade relativa do desempenho próprio, face aqueles mesmos objetivos.

 

–  Cientes de todo este circunstancialismo e da forma emotiva e, por vezes, descontextualizada, como estas questões são tratadas, as FFAA têm vindo a preocupar-se, como não podia deixar de ser, com a situação e, ao seu nível, vêm tentando minimizar o impacto negativo de alguns dos fatores a elas subjacentes e, concomitantemente, as possíveis causas que no seu entendimento se constituem, também elas, como indubitáveis “fatores negativos de motivação”.

 

–  O certo é que grande parte das potenciais razões de desmotivação, e elas são conhecidas, podem ser imputadas a causas e motivos, exógenos, e, por isso mesmo, de difícil controlo por parte da Estrutura de Comando das Forças Armadas; no entanto, os reflexos não deixarão nunca de se fazer sentir no seu seio e quantas vezes são enormes, podendo no limite determinar até, e de forma negativa, a capacidade dos ramos em fidelizar e reter o seu próprio pessoal.

 

–  Para cumprimento das respetivas missões e no âmbito das especificidades próprias, os ramos das FFAA detêm equipamentos e sistemas de armas complexos, com requisitos de interoperabilidade a vários níveis, comunicações verticais e horizontais de natureza diversa, requisitos de garantia de cibersegurança e de information assurance, dependência do emprego de capacidades atuais, baseadas em tecnologia de ponta, requisitos de preparação técnica e científica, replicação dos sistemas ao nível das plataformas de treino, e cumprimento de standards e regulamentação técnico-funcional exigentes; a interoperabilidade das FFAA com a GNR, pela sua natureza institucional e estatuto dos seus militares, constitui uma potencialidade nacional para a prossecução do interesse público.

 

–  É de salientar a necessidade de um reforço significativo de meios terrestres para incorporar na Força de Reação Imediata, tal como relativamente aos outros meios, e a um reforço mais substantivo das capacidades de manobra, de comunicações, de informações, de engenharia, de apoio militar de emergência, de apoio sanitário, de apoio de serviços, de apoio aeroterrestre e de apoio de Polícia do Exército.

 

–  Os meios, o reequipamento e os recursos materiais à disposição das FFAA, justificam um planeamento criterioso e aturado, pois, em qualquer circunstância, está sempre em causa um leque de questões que envolvem tanto a teoria como a prática no âmbito do planeamento estratégico da Defesa Nacional, do planeamento de forças e da programação militar.

 

–  No cumprimento da sua missão, a Força Aérea integra o Comando e Controlo, a Defesa Aérea, a Vigilância e Reconhecimento, a Busca e Salvamento e o Patrulhamento Marítimo, em operações diárias, 24 horas × 7 dias por semana, com 650 a 700 militares em permanentemente situação de alerta e operações, efetivo que não inclui as Forças Nacionais Destacadas (FND) e outras operações em apoio à política externa; este esforço representa quase 12% do pessoal militar em operação contínua, constituindo um rácio deveras elevado, um regime extraordinário de manutenção complexa, para mais, constituindo requisito operar em permanência e com eficácia, e com capacidade de emprego flexível.

 

–  Por inerência de missão e pela definição e pressupostos do poder aéreo, a Força Aérea carateriza-se por utilizar equipamentos e sistemas de armas complexos, requisitos de interoperabilidade a vários níveis, comunicações verticais e horizontais de natureza diversa, requisitos de garantia de ciber segurança e de information assurance, dependência do emprego de capacidades atuais, baseadas em tecnologia de ponta, requisitos de preparação técnica e científica, replicação dos sistemas ao nível das plataformas de treino, e cumprimento de standards e regulamentação técnico-funcional exigente.

 

–  A Força Aérea tem-se afirmado como instrumento privilegiado do processo de política externa nacional, que inclui operações no âmbito do air policing, controlo do espaço aéreo, peacekeeping, mentoring & liaison, observação e representação, controlo e monitorização de fluxos migratórios e apoio no combate ao crime organizado transnacional e tráficos ilícitos, sendo notórias, igualmente, a participação em exercícios orgânicos, conjuntos combinados, tal como o apoio à proteção civil e em outras atividades de interesse público, além da colaboração na investigação e na capacidade industrial-militar, nomeadamente no desenvolvimento de sistemas aéreos não tripulados, no mid life upgrade de sistemas de armas tecnologicamente evoluídos, e, como é pública e internacionalmente reconhecido, também na alienação sustentada e de sistemas de armas complexos, em parceria estreita com os atores que detêm da propriedade intelectual.

 

–  Se o desenho e estruturação do SF se constitui num processo relevante, pela importância que assume como principal instrumento para o cumprimento da missão das FFAA, pelas mesmas razões, também, o é a sua edificação, a consumar através das LPM, uma vez que são elas que, ao carrearem para os diversos programas de reequipamento das FFAA os respetivos meios de financiamento, lhes poderão dar corpo e vida.

 

–  O envolvimento da Assembleia da República na aprovação da LPM, enquanto plano de investimento público no reequipamento das FFAA e nas infraestruturas de Defesa Nacional, tal como acontece com outras matérias relacionadas com a organização e funcionamento da Instituição Militar, tem a ver não só com a sua importância como também com os seus efeitos e significados; sendo a sua execução uma questão relevante, o que se constata é que a média de concretização das LPM e dos Objetivos de Força definidos e contemplados, ao longo dos anos, tem sido diminuta, aproximadamente da ordem dos 40%, entre 1993 e 2013, e, nos últimos três anos, têm-se agravado de ano para ano, com taxas de execução da LPM aquém do programado e, nalguns casos, com valores muito comprometedores da sua eficácia, o que significa que o tal reequipamento que urgia fazer ficou bem aquém do necessário.

 

–  As razões para que assim aconteça são de diversa ordem e todas elas conhecidas; no entanto, três ordens de fatores assumem, nesta matéria, especial importância:

    •   Os elevados valores das reduções iniciais e das cativações impostas aos orçamentos aprovados por Lei, apresentando valores médios da ordem dos 40% na última década, não permitindo, deste modo, inscrever na Lei as aquisições programadas, e comprometendo, assim, o planeamento e a execução de projetos de equipamento, de forma continuada;

    •   A aplicação às dotações da Lei do regime duodecimal, impossibilitando os ramos de dispor, variadas vezes, das dotações necessárias à programação financeira dos contratos, que têm a responsabilidade de gerir;

    •   A existência continuada de saldos transitados para anos seguintes, associados à morosidade processual da respetiva disponibilização, comprometendo, assim, a edificação de capacidades fundamentais ao SF.

 

–  A não execução de programas nucleares, como sejam os relativos à arma ligeira, aos helicópteros médios e ligeiros, à artilharia de campanha, à modernização e substituição da aeronave C-130 e à aquisição do navio polivalente logístico, entre outros, pode ser lesiva do interesse nacional.

 

–  De uma maneira geral, as limitações vêm conduzindo, entretanto, a processos falhos de recuperação de materiais e de equipamentos, já de si inadequados à sua operacionalidade, mas também à caducidade e obsolescência de outros e à inexistência da constituição de reservas de guerra; o ciclo de vida dos materiais dos sistemas de armas inteligentes, por exemplo, tendencialmente, diminui com celeridade e isso exige um maior esforço orçamental do País.

 

–  No caso das FFAA e em concreto no que respeita aos recursos financeiros, importa analisar os números, escalpelizar as suas discrepâncias, observá-los sob ângulos e perspetivas distintas, descodificar a linguagem utilizada, tudo em ordem a melhor percecionar critérios e a racionalidade da sua alocação; Portugal, no decurso destas três últimas décadas, pese embora tenha vindo a reduzir significativamente a dimensão das suas FFAA, no que concerne a quaisquer outros indicadores, aparece quase sempre na cauda da lista dos encargos, apresentando invariavelmente valores mais baixos do que outros países e bem aquém do teto de 2% do PIB que a OTAN, de alguns anos a esta parte, vem considerando como mínimo necessário.

 

–  Os recursos financeiros das FFAA devem ser sempre analisados num quadro de «aproximação sistémica» e de «densidade financeira do investimento» na aquisição dos meios e nos custos de operação e de manutenção próprios de cada ramo, no fundo, os custos do seu funcionamento; os números incluídos e constantes da publicação “A defesa de Portugal 2015” traduzem uma evidente diminuição dos recursos financeiros disponibilizados (e a preços constantes), verificando-se, além disso, desproporções entre as rubricas de “investimento”, de “operação e manutenção” e de “pessoal” e os valores que lhe vêm sendo alocados.

 

–  Refira-se que, em média, no benchmarking internacional, a relação ótima a obter se situará em valores da ordem dos 25% para “investimento”, 25% para “operação e manutenção” e 50% para “pessoal” e o valor de 1,1% do PIB a considerar, segundo a Diretiva Ministerial “Reforma 2020”, como o compromisso nacional assumido para a área da Defesa Nacional, não permitirá a necessária recuperação, longe disso.

 

–  A Lei de Programação de Infraestruturas Militares (LPIM), aprovada em 2008, procurou gerir e coordenar os resultados financeiros das alienações de património e colocá-los ao serviço de projetos de investimento das FFAA; contudo, da execução da Lei, entre 2009 e 2013, do valor de 478 milhões de Euros obtido, apenas se concretizaram 89 milhões de Euros (afetados ao Fundo de Pensões, o qual veio a ser extinto, em 2011), e 3,6 milhões de Euros (canalizados para os ramos, com destino a investimento em infraestruturas), evidenciando bem estes números o “grau de eficácia” dos resultados das alienações efetuadas.

 

–  É, pois, amplamente reconhecida a contração sistemática dos orçamentos atribuídos às FFAA, desde os anos de 1980; no início deste período, ainda se assistiu a um relativo esforço na manutenção de valores que, em percentagem do PIB, variaram entre 3,0% e 2,5%, refletindo um exercício equilibrado na afetação dos recursos financeiros para os diferentes sectores do Estado; no entanto, a partir da segunda metade da década de 1990, iniciou-se a degradação dos valores orçamentais atribuídos às funções militares de soberania, com variações num intervalo entre 1,0% e 1,5%.

 

–  Como acima referido, a Diretiva «Reforma 2020» fixou em 1,1% do PIB o compromisso orçamental para com a Defesa Nacional e, fincou-se neste número em completo contraciclo com as orientações emanadas da própria Aliança Atlântica, de que Portugal é membro fundador, o que, a manter-se, contribuirá para dar continuidade, inclusivamente, à progressiva irrelevância das FFAA; este continuado desinvestimento na Defesa Nacional e nas FFAA tem outras repercussões que não só apenas no campo do reequipamento e modernização já que distorce, como referido, igual e profundamente os orçamentos de funcionamento dos ramos e respetivos agrupamentos de despesa, e ainda a execução dos próprios programas plurianuais, como sejam os casos das LPM e do Programa de Investimento e Despesas de Desenvolvimento da Administração Central (PIDDAC).

 

–  Perante esta realidade, na prática, o que acontece é que não se conhece a existência de um planeamento financeiro apropriado, o que se sabe é que o financiamento da Defesa Nacional e das FFAA tem vindo a resultar, sobretudo, de decisões casuísticas e de critérios de oportunidade política, muitos deles de grande variabilidade e incoerência, nunca assentes em racionais de continuidade e muito menos em linhas de evolução conhecidas e consistentemente sustentadas e assumidas.

 

–  Nos últimos anos, o estado das finanças públicas vem sendo muito marcado pelos Pactos de Estabilidade e Crescimento (PEC) e, desde 2008, em razão direta da crise financeira que nos vem afetando, e isso é uma realidade que não é possível escamotear; razões económicas são normalmente apontadas como as grandes responsáveis pela situação difícil em que o País se encontra e que, de alguma maneira, dizem, vem explicando o fraco investimento que, na prática, tem recaído sobre as FFAA.

 

–  E se a redução dos recursos financeiros neste período específico se poderá, nestas circunstâncias, de algum modo, compreender, mesmo na assimetria com outros setores do Estado, a dualidade de critérios é patente; as modificações estruturais, estatutárias, na saúde e na assistência e proteção social dos militares refletem, de certa maneira, uma visão interpretativa completamente desadequada da realidade circunstancial das FFAA, das suas expectativas e índices de motivação, das suas dificuldades e problemas, e que urge, de todo, modificar; a título ilustrativo, apenas alguns e sintomáticos indicadores relativos a efetivos e remunerações que bem ilustram que, no período 2011-2016, a situação dos militares, relativamente a outros corpos de Servidores do Estado (cf. estatísticas publicadas pela Direção-Geral da Administração e Emprego Público, atualizadas a 15 de abril de 2017): os efetivos foram reduzidos em cerca de 20%, em contraponto com as Forças de Segurança que estabilizaram, e a remuneração média mensal (2016) dos militares da GNR e dos agentes da Polícia de Segurança Pública é cerca de 23% superior à dos militares das FFAA que, por sua vez, se situam 24% abaixo da média dos servidores do Estado.

 

–  Pese embora estas e outras discrepâncias, e fazendo fé nas projeções que os técnicos vão disponibilizando, pode pensar-se que será possível, a curto-prazo, ver ultrapassada a situação a que se chegou, caso haja vontade política, sublinhe-se, de, entretanto, ir começando a aproximar gradualmente, como em capacidade parece ser viável, a percentagem de PIB a alocar ao financiamento de Defesa Nacional e das FFAA, tendo em conta a meta dos 2% do PIB assumidos pela OTAN.

 

–  Importa recordar que Portugal já se havia comprometido, na Cimeira de Gales, em 2011, e também, na de Varsóvia, em 2016, em subir a percentagem do PIB afeta à defesa para 2% e a fazê-lo, no período de uma década, facto que não pode deixar de ser considerado como uma e grande oportunidade de renovação de meios e de capacidades das FFAA e, em concomitância, de desenvolvimento das indústrias de Defesa Nacional como, por exemplo, a Empresa de Investigação e Desenvolvimento de Eletrónica, S.A. (EID), que soube desenvolver os Sistemas Integrados de Controlo de Comunicações (SICC), que são um caso paradigmático de sucesso, no campo da tecnologia de ponta concebida em Portugal e exportada para muitas marinhas de todo o mundo.

 

–  E se estas são oportunidades a não perder, o País apresenta potencialidades que igualmente não podem deixar de ser valorizadas e de alguma maneira aproveitadas, pelo que a estratégia militar não deve cingir-se à aplicação do poder militar, mas também deve prevenir a aquisição de meios para satisfazer as capacidades da FFAA, de modo oportuno, tanto em termos de reservas de substituição ou em modo de inovação, antecipando as correspondentes necessidades logísticas. Neste contexto, releva-se:

    •   A dimensão das áreas marítimas sob soberania, jurisdição ou responsabilidade nacional: sendo a área de responsabilidade de busca e salvamento marítimo de cerca de 5,8 milhões de km2 (cerca de 62 vezes o território nacional), Portugal possui uma Zona Económica Exclusiva de 1,7 milhões de km2, cerca de 19 vezes o território terrestre, e existe também uma plataforma continental que – caso seja bem-sucedido o processo de extensão em curso – corresponderá a 3,8 milhões de km2, cerca de 42 vezes o território terrestre);

    •   As relações culturais privilegiadas com os países de língua portuguesa, que nos conferem uma influência importante no quadro internacional; naturalmente que este relacionamento privilegiado tem uma tradução direta, ao nível dos três ramos das FFAA e da GNR; a posição geoestratégica de Portugal, muito importante no cruzamento das principais rotas, com o Continente, os Açores e a Madeira a formarem um triângulo de valor estratégico incomensurável que não pode deixar, como sempre, de se constituir numa mais-valia funcional do, e para o País, onde o território continental emerge como “base do poder”.

 

–  Um dos grandes desafios da estratégia militar é que em tempo de bonança é imperioso manter a preparação e a prontidão, assegurar o execução das Leis de Programação Militar, renovar os sistemas de armas, renovar os recursos humanos e o conhecimento, manter pessoal com adequados níveis de treino e formação, especialmente nas vertentes de execução e apoio à Missão, assegurar a gestão da obsolescência e do ciclo de vida dos sistemas.

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2018-07-06
135-184
495
84
REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia