Nº 2596 - Maio de 2018
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

No final do mês de maio, teve lugar na Assembleia da República uma Conferência subordinada ao Tema “As Forças Armadas e as Missões de Interesse Público”.

A esta Conferência não são estranhos os dramáticos acontecimentos do Verão do ano passado, assim como o alarme social, desenvolvido pela comunicação social, e pela opinião pública, a par das declarações políticas produzidas na altura, incluindo uma procura de soluções em que as Forças Armadas (FFAA) foram incluídas, referindo explicitamente qual poderia ser a vocação, neste domínio, para cada um dos Ramos.

Em primeiro lugar, gostaria de salientar a hierarquia das missões das FFAA, expressa no art.º 275 da Constituição da República e constante também da Lei da Defesa Nacional e que passo a enumerar: a Defesa Militar da Pátria; a satisfação dos Compromissos Internacionais assumidos e o Apoio à Política Externa; o Apoio e a Assistência a Cidadãos Nacionais no estrangeiro em Situações Internacionais de Crise; e, por fim, as Outras Missões de Interesse Público no apoio às populações ao seu desenvolvimento, protecção e socorro.

Parece assim poder extrair-se desta enumeração que as Missões de Interesse Público devem ser garantidas e desempenhadas, tirando partido das capacidades instaladas, com carácter “dual”, utilizadas em apoio das populações, quer no quadro do seu desenvolvimento (infra-estruturas) quer em situações de calamidade ou catástrofe. Uma outra vertente, neste domínio, tem a ver com a eventual utilização das FFAA no ambiente interno da segurança e protecção das populações.

A participação das FFAA na Segurança Interna faz-se, atualmente, segundo um quadro legal expresso pela Lei do Estado de Sítio e do Estado de Emergência. As dúvidas, resistências e incompreensões e diferentes interpretações legais, resultam da eventualidade do seu emprego, sem recorrer àquele quadro legal descrito, fruto de uma situação de crise de segurança, designadamente atos de terrorismo.

Recentemente, assistimos a um diálogo político-militar que não parece ter ajudado a clarificar a situação e a garantir a eficácia e a eficiência do emprego das FFAA, nesse ambiente interno. Contudo, parece ser aceite que a utilização das FFAA no âmbito da segurança interna deve ser feita segundo duas grandes modalidades de ação: fornecendo meios ou capacidades adicionais às polícias e forças de protecção e socorro, quando os próprios são insuficientes ou inexistentes (não duplicar capacidades), ou assumindo a responsabilidade da operação e da sua condução, quando a ameaça ou a dimensão da ocorrência excede a capacidade global de resposta das forças já referidas.

Sobre esta matéria, permitam-me um raciocínio, algo cartesiano, mas com o propósito de clarificar uma situação que pode ocorrer e para a qual se tem de estar efetivamente preparado. Se perante uma situação interna de grande exigência, do ponto de vista da violência, um ato de terrorismo, por exemplo, o poder político decide utilizar as FFAA no ambiente interno e toma essa opção certamente, porque: pretende uma capacidade de resposta diferente e mais robusta daquela que as polícias podem dar; pretende com a evidência da utilização dessa capacidade materializar um novo fator de contenção e de dissuasão; por último, se com esse objetivo emprega forças militares, o comando tem de ser militar, assim como a gestão do controlo e da coordenação tem de lhe pertencer. O estabelecimento de Regras de Empenhamento claras para as forças a empregar, a definição da cadeia de comando e os níveis de responsabilidade serão instrumentos simples para evitar conflitos de competências.

As FFAA não devem nem podem ser vistas como mais um instrumento idêntico às polícias e às forças de protecção e socorro (protecção civil e bombeiros) e empregues em alternativa, porque a sua vocação operacional não é essa e constitui um emprego de meios mais dispendioso, a par de poder contribuir para o reconhecimento da incapacidade das polícias e demais forças de protecção e socorro, inclusive a Autoridade Nacional de Proteção Civil, para cumprirem as suas missões. Inverter a prioridade constitucional das missões das FFAA e privilegiar a sua utilização nas ações de protecção e socorro, mesmo só tirando partido da sua capacidade “dual”, é uma opção que pode provocar constrangimentos nas suas capacidades específicas, para cumprir a sua missão principal.

As FFAA têm uma especificidade própria consubstanciada na Condição Militar, que fazem delas uma Instituição sem paralelo ao nível do Estado. É a única a que se exige o cumprimento da sua missão, mesmo com o risco do sacrifício máximo, conforme consta da fórmula do seu Juramento de Bandeira e compromisso solene; é a Condição Militar que permite que se empregue a Instituição Militar, na guerra e também na paz, em situações limite, de elevado risco, com permanente disponibilidade para esse desempenho, de forma auto sustentada e por tempo indeterminado.

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2018-09-19
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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia