No final do mês de maio, teve lugar na Assembleia da República uma Conferência subordinada ao Tema “As Forças Armadas e as Missões de Interesse Público”.
A esta Conferência não são estranhos os dramáticos acontecimentos do Verão do ano passado, assim como o alarme social, desenvolvido pela comunicação social, e pela opinião pública, a par das declarações políticas produzidas na altura, incluindo uma procura de soluções em que as Forças Armadas (FFAA) foram incluídas, referindo explicitamente qual poderia ser a vocação, neste domínio, para cada um dos Ramos.
Em primeiro lugar, gostaria de salientar a hierarquia das missões das FFAA, expressa no art.º 275 da Constituição da República e constante também da Lei da Defesa Nacional e que passo a enumerar: a Defesa Militar da Pátria; a satisfação dos Compromissos Internacionais assumidos e o Apoio à Política Externa; o Apoio e a Assistência a Cidadãos Nacionais no estrangeiro em Situações Internacionais de Crise; e, por fim, as Outras Missões de Interesse Público no apoio às populações ao seu desenvolvimento, protecção e socorro.
Parece assim poder extrair-se desta enumeração que as Missões de Interesse Público devem ser garantidas e desempenhadas, tirando partido das capacidades instaladas, com carácter “dual”, utilizadas em apoio das populações, quer no quadro do seu desenvolvimento (infra-estruturas) quer em situações de calamidade ou catástrofe. Uma outra vertente, neste domínio, tem a ver com a eventual utilização das FFAA no ambiente interno da segurança e protecção das populações.
A participação das FFAA na Segurança Interna faz-se, atualmente, segundo um quadro legal expresso pela Lei do Estado de Sítio e do Estado de Emergência. As dúvidas, resistências e incompreensões e diferentes interpretações legais, resultam da eventualidade do seu emprego, sem recorrer àquele quadro legal descrito, fruto de uma situação de crise de segurança, designadamente atos de terrorismo.
Recentemente, assistimos a um diálogo político-militar que não parece ter ajudado a clarificar a situação e a garantir a eficácia e a eficiência do emprego das FFAA, nesse ambiente interno. Contudo, parece ser aceite que a utilização das FFAA no âmbito da segurança interna deve ser feita segundo duas grandes modalidades de ação: fornecendo meios ou capacidades adicionais às polícias e forças de protecção e socorro, quando os próprios são insuficientes ou inexistentes (não duplicar capacidades), ou assumindo a responsabilidade da operação e da sua condução, quando a ameaça ou a dimensão da ocorrência excede a capacidade global de resposta das forças já referidas.
Sobre esta matéria, permitam-me um raciocínio, algo cartesiano, mas com o propósito de clarificar uma situação que pode ocorrer e para a qual se tem de estar efetivamente preparado. Se perante uma situação interna de grande exigência, do ponto de vista da violência, um ato de terrorismo, por exemplo, o poder político decide utilizar as FFAA no ambiente interno e toma essa opção certamente, porque: pretende uma capacidade de resposta diferente e mais robusta daquela que as polícias podem dar; pretende com a evidência da utilização dessa capacidade materializar um novo fator de contenção e de dissuasão; por último, se com esse objetivo emprega forças militares, o comando tem de ser militar, assim como a gestão do controlo e da coordenação tem de lhe pertencer. O estabelecimento de Regras de Empenhamento claras para as forças a empregar, a definição da cadeia de comando e os níveis de responsabilidade serão instrumentos simples para evitar conflitos de competências.
As FFAA não devem nem podem ser vistas como mais um instrumento idêntico às polícias e às forças de protecção e socorro (protecção civil e bombeiros) e empregues em alternativa, porque a sua vocação operacional não é essa e constitui um emprego de meios mais dispendioso, a par de poder contribuir para o reconhecimento da incapacidade das polícias e demais forças de protecção e socorro, inclusive a Autoridade Nacional de Proteção Civil, para cumprirem as suas missões. Inverter a prioridade constitucional das missões das FFAA e privilegiar a sua utilização nas ações de protecção e socorro, mesmo só tirando partido da sua capacidade “dual”, é uma opção que pode provocar constrangimentos nas suas capacidades específicas, para cumprir a sua missão principal.
As FFAA têm uma especificidade própria consubstanciada na Condição Militar, que fazem delas uma Instituição sem paralelo ao nível do Estado. É a única a que se exige o cumprimento da sua missão, mesmo com o risco do sacrifício máximo, conforme consta da fórmula do seu Juramento de Bandeira e compromisso solene; é a Condição Militar que permite que se empregue a Instituição Militar, na guerra e também na paz, em situações limite, de elevado risco, com permanente disponibilidade para esse desempenho, de forma auto sustentada e por tempo indeterminado.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.