Tenente-general José Lopes Alves
(7 de julho de 1924 – 30 de maio de 2018)
Em 30 de Maio de 2018, faleceu, em Lisboa, o Tenente-general José Lopes Alves, Sócio Honorário da Revista Militar. É com profundo respeito pela sua memória de militar, de cidadão e de homem bom que escrevo estas palavras para a nossa Revista Militar.
O Tenente-general Lopes Alves nasceu em Lagoas, freguesia de Valpaços. Seu pai, Francisco António Alves, e sua mãe, Eugénia Cândida Lopes, eram proprietários rurais em Trás-os-Montes. Casou com D. Nair Claro Delgado Lopes Alves, licenciada em Matemática. Tiveram 5 filhos.
Frequentou o liceu em Chaves e no Porto. Tendo decidido seguir a carreira militar, fez os preparatórios militares na universidade de Coimbra e, em 1945, entrou na Escola do Exército, para o curso de Infantaria.
Terminado o curso, em Setembro de 1948, apresentou-se na Escola Prática de Infantaria, em Mafra. Esta unidade foi a sua “casa” durante seis anos; ali, ascendeu aos postos de Alferes, Tenente e Capitão. Como instrutor e, depois, como comandante de companhia, teve a oportunidade de contactar com os oficiais dos cursos de infantaria que se lhe seguiram e, sobretudo, com os milhares de jovens, universitários ou já licenciados, que ali frequentaram os Cursos de Oficiais Milicianos.
Após esta primeira fase da sua carreira, foi nomeado para o Curso de Estado-Maior. Fez o estágio de dois anos inerente ao curso, no Quartel-General das Forças Territoriais do Estado da Índia. Foi um período muito enriquecedor da sua vida em que se abriram novos horizontes num mundo cultural e socialmente diferente daquele em que até ali vivera.
Aos 35 anos, o ingresso no Corpo do Estado-Maior significou uma nova fase da sua carreira militar.
Colocado no Estado-Maior do Exército, desempenhou, em acumulação, as funções de professor no Instituto de Altos Estudos Militares. Aqui, em circunstâncias que nem sempre eram fáceis, soube, pela sua competência, dedicação e fácil relacionamento humano, merecer o respeito e a estima de quantos com ele privaram.
Cumpriu a sua segunda comissão de serviço no Quartel-General da Região Militar de Moçambique, em Nampula. Ali, chefiou a 3ª Repartição, num período de intensa atividade naquele Teatro de Operações.
Regressado de Moçambique, foi nomeado Secretário Permanente do recém-criado Instituto de Altos Estudos da Defesa Nacional (IAEDN), então em fase de instalação na Calçada das Necessidades. Esta missão, com uma forte componente conceptual, constituiu um novo desafio, que lhe proporcionou uma participação relevante na sua fase inicial.
Após a promoção a Coronel, foi nomeado para Angola, onde desempenhou as funções de Subchefe do Estado-Maior do Comando Chefe da Forças Armadas em Angola. Ali, viveu os acontecimentos decorrentes de 25 de Abril de 1974. Destes, há que salientar o gravíssimo incidente vivido em Cabinda, em 2 de Novembro de 1974, que viria a ter implicações diretas na sua vida. Neste dia, um grupo de militantes do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), com a colaboração de alguns militares do Batalhão de Infantaria sediado no Belize, veio do Maiombe para a cidade de Cabinda, onde prendeu o Comandante do Setor e Governador do Distrito e alguns oficiais do seu Estado-Maior. Estes acontecimentos tiveram um impacto enorme nas Forças Armadas, particularmente em Angola. Foi neste contexto que o Coronel Lopes Alves foi nomeado para as funções de Comandante do Setor de Cabinda e Delegado da Junta Governativa de Angola. Aceitou a missão, “apenas com carácter temporário”, e veio, efetivamente, a ser rendido em 21 de Dezembro de 1974. Foi numa missão de extrema sensibilidade, numa fase muito difícil, em que a ação de comando muito ponderada do Coronel Lopes Alves foi um fator decisivo na gestão da crise então vivida.
Em Abril de 1975, regressou a Portugal, sendo designado para a Comissão Administrativa da TAP. Foi uma época de verdadeira emergência, em que teve lugar, nomeadamente, a ponte aérea de 1975/76 de Angola e Moçambique para Portugal. Esta missão terminou em Março de 1976, quando requereu o comando de uma unidade para satisfazer as condições de promoção. Foi então nomeado Comandante do Regimento de Infantaria de Coimbra.
Em Agosto de 1976, ainda Coronel, assumiu as funções de 2º Comandante da Região Militar do Sul.
Promovido a Brigadeiro (Dezembro de 1977), ascendeu a Comandante da Região, função que desempenhou até Setembro de 1978. Este período, em que no Exército se consolidava a normalização iniciada em 25 de Novembro de 1975, coincidiu com uma intensa movimentação social relacionada com a Reforma Agrária no Alentejo, a área sob o seu comando.
Promovido a Tenente-general (Janeiro de 1979) foi, pouco tempo depois, nomeado Comandante-Geral da Polícia de Segurança Pública. Esta missão viria a terminar com um incidente que ilustra bem as dificuldades que por vezes ocorrem no relacionamento entre os militares e o poder político, que o Tenente-general Lopes Alves superou com grande dignidade. No verão de 1980, ocorreu na Polícia Metropolitana de Lisboa um incidente que deu origem a uma forte pressão política para que o Comandante fosse demitido. O Comandante-Geral ordenou um inquérito às circunstâncias em que se verificou o incidente e concluiu que não se justificava a demissão e, por isso, não o demitiu. O poder político decidiu então alterar a legislação e exonerou o Comandante da Polícia Metropolitana. Perante estes factos, o Tenente-general Lopes Alves, fiel aos seus princípios, pediu ele próprio a sua exoneração.
Em Fevereiro de 1981, ao assumir as funções de Vice-Chefe do Estado-Maior do Exército, iniciou a última fase da sua carreira na efetividade de serviço. Exerceu-as durante dois anos e meio. Foi um tempo de grandes alterações na estrutura das Forças Armadas, sobretudo depois de aprovada a primeira Revisão Constitucional. Após completar 59 anos, por imperativo estatutário, passou à situação de Reserva.
Ao longo da sua destacada carreira, viu reconhecido o seu mérito, tendo averbados 24 louvores das mais altas entidades e diversas condecorações nacionais e estrangeiras. Destas, saliento:
– Grã-Cruz da Ordem Militar de Avis;
– Grande Oficial da Ordem Militar de Santiago de Espada;
– 4 Medalhas de Serviços Distintos (2 de prata com palma);
– Grã-Cruz da Ordem de Mérito (Alemanha).
Mas tendo cessado funções no serviço ativo, não deixou de participar, com igual empenho, e ao longo de mais de 35 anos, em atividades ligadas às Forças Armadas. E, neste período, a principal beneficiária foi a Revista Militar. Sócio Efetivo desde 1967, teve, ao longo de mais de 50 anos, uma notável e frutuosa intervenção que pode ser avaliada nas cerca de quatro dezenas de artigos publicados. Foi Presidente da Direção durante 10 anos. Em cada Editorial que escreveu trouxe-nos, com rigor e saber, o pulsar das grandes preocupações em Portugal e no mundo. No exercício da sua presidência, em que tive o privilégio de participar, pude testemunhar as suas excecionais qualidades militares e humanas. Aliando a sua vasta cultura a um trato afável e distinto, era, ao mesmo tempo, uma pessoa de grande simplicidade e modéstia.
Nas diversas iniciativas levadas a efeito sob a sua direção, foi possível manter incólume o prestígio que a Revista Militar granjeou, nomeadamente nas Comemorações levadas a cabo por ocasião do 150º Aniversário deste órgão de comunicação social militar.
Ao mesmo tempo que desenvolvia esta atividade, utilizando as mais diversas formas de divulgação (publicações, conferências, seminários), apresentou centenas de trabalhos na área da Defesa Nacional, da Estratégia e da História Militar, os quais constituem, hoje, um importante acervo.
Publicou igualmente diversas obras de ficção, das quais saliento três:
– O Abafador (2011);
– Ocaso em tempo que nasce (2013);
– A Bombarda de Banastarim (2016).
A razão deste destaque é simples: estes trabalhos, sendo formalmente ficção, apoiam-se com frequência em factos reais vividos pelo autor. Na primeira, em Trás-os-Montes, evocando uma reminiscência da sua infância. É interessante notar que esta obra, com a referência histórica à tragédia que foi a Grande Guerra, constitui um excelente complemento do conto de Miguel Torga O Alma-Grande. Na segunda, traz-nos o ambiente de Angola, em 1974-75, e, na terceira, proporciona-nos um retrato pormenorizado da Índia Portuguesa, em 1955-57.
Por fim, importa referir ainda que, na linha do associativismo tão frequente na tradição cultural transmontana, para além da já citada participação na Revista Militar, sua verdadeira “alma mater” de mais de meio século, foi igualmente associado de outras instituições:
– Sociedade de Geografia de Lisboa;
– Academia Portuguesa de História;
– Sociedade Histórica da Independência de Portugal;
– Academia de Letras de Trás-os-Montes;
– Centro de Investigação Veríssimo Serrão.
O Tenente-general José Lopes Alves já não está entre nós. Contudo, o seu legado continua. Um legado que se centra nas Forças Armadas Portuguesas, mas que se estende à Índia, a Moçambique e a Angola. Um legado de grande valia, que muito honra a Instituição Militar que abraçou e dignificou ao longo de setenta anos.
Sócio Efetivo da Revista Militar