No passado dia 18 de junho, numa declaração produzida no National Space Council, o Presidente dos EUA, Donald Trump, anunciou a intenção de criar o sexto Ramo das Forças Armadas Americanas – o US Space Force. Aquele Ramo absorveria as missões atualmente atribuídas ao Space Command da US Air Force, cuja missão estratégica abrangeria a monitorização dos satélites e do lixo espacial a baixa altitude, e seria idêntico na sua dimensão. Em agosto, o Vice-Presidente, MiKe Pence, apontou o ano de 2020 para concretização e disponibilidade operacional deste novo Ramo (os outros são o Exército, a Marinha, a Força Aérea, os Marines e a Guarda Costeira).
O actual ambiente estratégico reconhece a importância, quer do Cyberespaço quer da utilização continuada do espaço sideral em múltiplos domínios, associada ao impacto da “informação” e da necessidade do acesso permanente a “dados” de natureza diversa. Esta realidade transformou ambos num novo ambiente de aplicação da estratégia e, por consequência, um instrumento de poder, podendo dizer-se que estamos uma vez mais perante a velha fórmula de que “ a bandeira (leia-se a força militar) deve seguir o comércio”; face à utilização crescente daqueles “espaços” torna-se necessário garantir a sua utilização e evitar que alguém a ponha em causa.
A necessidade de vigiar e garantir as grandes auto-estradas da informação e de criar a capacidade defensiva e ofensiva para gerir em segurança o Cyberespaço determinou o conjunto de medidas que são conhecidas neste domínio; perante uma crescente utilização comercial do Espaço e também daquilo que o mesmo representa para a condução das operações militares, a problemática da sua segurança iria surgir naturalmente. Importa ter presente a importância militar dos satélites de “intelligence”, de comunicações seguras, de previsão do tempo, o GPS, o fornecimento de dados para o Comando e Controlo, para além das expetativas que o adormecido projeto da “guerra das estrelas” colocava na utilização do Espaço.
Desta declaração americana é legítimo interrogarmo-nos quanto a duas ordens de implicações: por um lado, como conciliar esta intenção com o Tratado de Utilização do Espaço, assinado em 27 de Janeiro de 1967, pelos EUA e mais 104 países, proibindo a militarização do Espaço, designadamente a colocação de armas nucleares e outras armas de destruição maciça em órbita, assim como a utilização da Lua para plataforma militar; por outro lado, as implicações de uma nova corrida armamentista, de consequências sempre imprevisíveis, por parte de outras potências, em particular a China, a Rússia e, eventualmente, a Índia. Este projeto americano constituirá certamente um desafio para aqueles que, embora tenham de conviver, na cena internacional, com uma perceção de superioridade militar dos EUA, considerem inaceitável um estatuto assumido de “supremacia militar no contexto internacional”.
O lançamento do projeto da “guerra das estrelas” teve as implicações estratégicas que se conhecem, ajudando a alterar a geopolítica mundial, com as consequências para a Rússia, à data União Soviética, e para o estatuto das principais potências da altura.
Se no domínio da utilização e aplicação da estratégia no Cyberespaço temos assistido a reais capacidades ofensivas por parte de diversos atores, o passo seguinte da utilização do espaço, como ambiente estratégico para aplicação do poder nacional para atingir um determinado objetivo, não parece ser fácil e estar ao alcance de qualquer um, mesmo daqueles que hoje são referidos como grandes potências.
Estamos perante uma conjuntura estratégica internacional atual que nos demonstra que uma nova ordem internacional está em processo de consolidação, desafiante e não estabilizada, cujos aspetos seguros são o reconhecimento de que a anterior já não é válida e os novos paradigmas são instáveis, nalguns casos associados a personalidades e, noutros, a radicalismos ideológicos, incluindo a religião e à procura da disponibilidade de capacidades militares não convencionais.
A recente decisão americana, a que se junta também a intenção de revigorar a NASA e de voltar à Lua e desenvolver a capacidade de alcançar Marte, não resultou certamente de um impulso oratório do Presidente Trump, semelhante a outros que tem produzido, em particular no “twitter”, pelo contrário, deve ser enquadrada nas afirmações de America First; na atenção dada às Forças Armadas e aos orçamentos atribuídos; na disponibilidade para uma política agressiva no domínio económico; na nomeação inequívoca dos seus inimigos; na execução de uma atitude unilateral de denúncia de acordos internacionais anteriormente firmados e na crítica aberta aos aliados, quando as posições destes são distintas das americanas. Neste contexto há ainda uma realidade que é incontornável: quando um ator cria mais um instrumento no domínio da estratégia militar, a sua finalidade última será sempre gerir a coação militar em seu favor.
Por último, referir que esta declaração, em termos internos americanos, gerou algum debate sobre o Tema, mas não será a reação, algo corporativa da US Air Force (através dos seus representantes, junto da opinião pública e fora das estruturas hierárquicas), chamando a atenção para o facto de que a criação da Space Force constituía um esvaziamento de capacidades instaladas naquele Ramo, que colocará o projeto em causa, tendo em conta o claro apoio que o mesmo imediatamente recebeu, por parte dos defensores e impulsionadores do papel da NASA e da conquista do Espaço, como a “last frontier” que os americanos devem alcançar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.