Nº 2602 - Novembro de 2018
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Portugal na Europa, no horizonte 2030 – Em que mundo e com que Europa?
Prof. Doutor
José Félix Ribeiro

1. O Sistema Europeu, a sua transformação pós 1989-1991 e as suas crises recentes

1.1 O Sistema Europeu e o impacto da reunificação da Alemanha

O Sistema Europeu foi-se estruturando nos pós II Guerra Mundial em torno de um triângulo de potências da região – Reino Unido, França e Alemanha – e de uma potência global – os EUA – envolvida diretamente na segurança e defesa europeias.

Essas três potências da região criaram uma relação de forças entre elas – e contando com o apoio dos EUA – que tornou possível ampliar o processo de integração europeia – alargando-o geograficamente, quer para a Europa do Sul quer para a Europa de Leste e, em simultâneo, ampliando os campos de ação dessa mesma integração.

O Sistema Europeu inclui ainda uma outra potência – a Rússia – cujas aspirações de intervenção na dinâmica europeia são permanentes, embora o faça em intensa competição com as anteriores.

Figura 1

 

A dinâmica do sistema europeu foi e é influenciada pela relação entre os EUA e a URSS e, após o colapso desta, com a Rússia, sabendo-se que a NATO foi criada para “travar” a URSS e que a NATO se expandiu para Leste após o colapso soviético.

A retirada da URSS da Europa de Leste, a reunificação da Alemanha e o colapso da URSS, determinaram uma nova dinâmica de integração europeia de que destacaríamos três facetas que envolveram diferentes Estados em cada uma, como ilustramos na figura 2:

– O processo de criação da União Económica e Monetária (UEM) abrangeu, no seu início, um conjunto de Estados da Europa em torno do eixo França-Alemanha – em que destacaríamos quatro Estados da Europa do Sul – Portugal, Espanha, Itália e Grécia – e vários Estados da Europa do Norte, entre os quais a Alemanha, a Holanda, a Bélgica, o Luxemburgo, a Áustria e a Finlândia. A Irlanda – Estado geograficamente do Norte, mas fazendo parte da Europa da Coesão, integrou igualmente a UEM desde o seu início;

– O processo de alargamento a Leste realizou-se sempre na sequência de uma adesão primeira dos Estados à NATO e só depois à União Europeia e abrangeu um vastíssimo território situado a leste, nordeste e sudeste da Alemanha, no qual destacaríamos os Estados que sucederam ao Império Austro-Hungaro – Hungria, Eslovénia, Republica Checa, Eslováquia – bem como a Polónia, Lituânia, Letónia e Estónia, no Báltico, e Roménia e Bulgária, nos Balcãs (Mar Negro);

– O processo de consolidação do Espaço Schengen, como espaço de livre circulação no seio da União Europeia.

Figura 2

 

O Reino Unido manteve-se fora da Zona Euro e do Acordo de Schengen, tendo apoiado o processo de alargamento a leste da União Europeia.

 

1.2 As crises no processo de integração europeia pós 1991

A União Europeia experimentou, nos últimos anos, três crises, uma em cada um dos três processos que acabámos de referir.

–   A primeira, foi a crise das dívidas soberanas na zona euro – que revelou um fratura entre:

     – um bloco a norte – Alemanha, Holanda e Finlândia – que se destacou pela sua exigência de aplicação de políticas de austeridade para assegurar a consolidação orçamental e o controlo das dividas públicas, de acordo com os critérios definidos para a pertença à UEM;

     – um bloco a sul – Portugal, Grécia e Espanha – com maiores dificuldades no cumprimento desses critérios, após a crise financeira de 2008.

Com a França, movendo-se entre a sua “solidariedade meridional” e a exigência absoluta de convergência com a Alemanha, se quisesse manter o seu grande projeto europeu pós reunificação alemã – ou seja, a criação da zona euro – e o fim do marco alemão como a moeda nacional europeia com maior importância internacional.

–   A segunda crise foi a que ocorreu quando a União Europeia, ao abrigo da sua Parceria Oriental, avançou com o projeto de negociação de um acordo económico com a Ucrânia – no mesmo momento em que a Rússia contava com a Ucrânia para a criação e consolidação da União Euroasiática como estrutura para manter a sua influência no Cáucaso e Ásia Central (ex-URSS). A crise que se seguiu dividiu politicamente a Ucrânia, desencadeando combates entre grupos armados das regiões ucranianas russófonas e as autoridades de Kiev, e originou uma grave crise entre o Ocidente e a Rússia em torno da sua invasão da Crimeia e do envolvimento russo nos combates intra ucranianos;

–   A terceira crise resultou do crescimento de vagas de refugiados vindos de guerras civis no Médio Oriente ou de profundas crises internas de Estados com regimes autoritários ou de Estados falhados, vagas que vieram adicionar-se aos fluxos de emigrantes em busca de emprego na União Europeia. O resultado foi o crescimento de movimentos políticos anti-emigração que se multiplicaram pela Europa e levaram vários governos a criar obstáculos físicos à livre movimentação de pessoas na UE. Esta crise gerou uma fratura leste/oeste, com governos de vários Estados da Europa de Leste a defenderem posições anti-imigração.

 

1.3 As dificuldades na resolução definitiva destas crises e no relançamento da integração europeia

Têm vindo a ser avançadas propostas de aprofundamento da integração europeia em várias áreas – orçamento comum para zona euro, maior flexibilidade dos orçamentos nacionais, papel mais central da cooperação tecnológica, gestão futura das vagas de emigrantes e refugiados, avanço na cooperação em Defesa e Segurança, etc. As propostas atuais têm vindo a basear-se na viabilidade de um Eixo França-Alemanha voltar a funcionar como um “motor” da integração, que esses projetos procuram fazer avançar.

No entanto, a margem de manobra que a Alemanha pode vir ter nesta negociação franco-alemã será limitada por coligações de atores externos com capacidade de influenciar a política interna da Alemanha. Assim:

Fonte: Elaboração Própria

Figura 3 – Tensões crescentes na União Europeia – vistas a partir da Alemanha.

 

• A “coligação hanseática”, renitente a projetos de reforma estrutural no funcionamento da zona euro (coligação que inclui Holanda, Dinamarca, Suécia, Finlândia, Estónia, Letónia, Lituânia e Irlanda) pode tornar mais difícil chegar a um acordo “Carolíngio” (França-Alemanha) em torno do Euro;

• A “coligação austríaca” (inclui vários Estados ou regiões de Estados que estiveram integrados no Império Austro-Húngaro ou que por ele formam profundamente influenciados – Áustria, Hungria, República Checa e Eslovénia, enquanto Estados nacionais, e Lombardia e Veneto, na Itália, e Baviera, na Alemanha), muito renitente à europeização da gestão das vagas de emigrantes e refugiados. Coligação que pode impedir a própria sobrevivência a prazo da coligação CDU-CSU/SDP na Alemanha, se se verificasse o abandono da CSU (da Baviera).

Ora, as sucessivas crises europeias, às quais se veio acrescentar mais recentemente o BREXIT, ocorrem num período em que se podem antecipar mudanças significativas na estrutura de poder no Sistema Internacional, a partir das dinâmicas de rivalidade e competição existentes entre potências.

 

2. Horizonte 2030 – a deslocação do mapa mundial de rivalidades e competições

Antes de referir Rivalidades e Competições entre potências que pensamos irem estruturar a transformação do Sistema Internacional no horizonte 2030, começaríamos por referir que considerámos que os EUA têm vindo a intervir no Sistema Internacional rodeados por um conjunto de cinco outros Estados com quais têm revelado maior densidade de convergências económicas, geopolíticas e estratégicas – três Estados que integram o “mundo anglófono”, tal como os EUA – Reino Unido, Canadá e Austrália – e outros dois – o Japão, na Ásia Pacífico, e Israel, no Médio Oriente. Quando seguidamente referirmos os EUA, estamos sempre a considerar estes cinco Estados, a propósito da movimentação global dos EUA.

 

2.1 As rivalidades principais

A figura 4 representa o que consideramos serem as três “grandes rivalidades” que irão marcar a primeira metade do século XXI e definir as questões de segurança a nível global.

1.  A competição que envolve hoje os EUA e a China, em termos estratégicos, geopolíticos e geoeconómicos, antes de mais no Oceano Pacífico, mas também no Índico e mesmo no Golfo Pérsico, no contexto de uma competição pelo controlo do ciberespaço e pela militarização do espaço exterior, podendo vir a tornar-se numa rivalidade estratégica estruturante do Sistema Internacional, durante a década de 20 do presente milénio;

2.  A rivalidade que envolve a China e a Índia em torno do Tibete, do Paquistão, do Afeganistão e do acesso à Ásia Central, e, cada vez mais, em torno do Índico, por onde passam as linhas de comunicação marítimas da China com o Golfo Pérsico e o Atlântico Sul, regiões que interessam igualmente à Índia;

3.  A dinâmica que envolve o Mundo Islâmico consigo próprio – traduzido na rivalidade xiitas/persas e sunitas/árabes – e na rivalidade de ambos com Israel, rivalidades centradas no Mediterrâneo, no Mar Vermelho e no Golfo Pérsico, mas com uma dinâmica em que o controlo estratégico do Oceano Índico será decisivo.

Fonte: Elaborado pelo autor, 2013

Figura 4 – Três grandes competições entre potências no horizonte 2030.

 

2.2. As Potências secundárias

A figura 5 chama atenção para três potências secundárias no campo das competições e rivalidades que acabámos de referir, mas que, se se aliarem com potências asiáticas emergentes e desenvolverem aproximações entre si, podem alterar o campo de forças internacional. São elas, a Rússia, a Turquia e a Alemanha – todas elas interessadas no “corredor” que une a Europa à China, passando pela Ásia Central.

Figura 5 – Integrando três potências secundárias.

 

Se estruturamos estas rivalidades e competições – e convergências – sob a forma de triangulações, chegamos à figura 6, em que identificámos:

a) Um Primeiro Triângulo que integra:

– os EUA – a potência ainda hoje dominante a nível mundial – combinando uma presença nos Oceanos Pacífico e Índico e no Golfo Pérsico/Mediterrâneo e contando com um conjunto de parcerias com Estados fundamentais para o exercício da sua influência nesses mesmos espaços marítimos – Reino Unido, Japão e Israel, Canadá, e Austrália;

– As duas potências asiáticas em competição pela reorganização futura da Ásia – a China e a Índia;

– Neste Primeiro Triângulo insere-se ainda a Rússia – mantendo-se hoje a incerteza se ela vai continuar a ser um perturbador da atuação dos EUA ou se vai acabar por encontrar um relacionamento convergente – se bem que autónomo – com os EUA.

b) Um Segundo Triângulo que integra as potências regionais – Irão, Arábia Saudita e Israel – mais relevante na dinâmica que atravessa o Médio Oriente/Golfo Pérsico – a macrorregião que funciona como a base energética fundamental das duas potências asiáticas – Índia e China (para além do Japão);

c)  Um Terceiro Triângulo que reúne a Rússia, a Alemanha e a Turquia:

– A Rússia, herdeira da URSS, está a aplicar uma estratégia de reforço do seu poder no Sistema Internacional, após a desqualificação que experimentou com o colapso da URSS;

– A Alemanha e Turquia – que foram Estados da “linha da frente” da Aliança Atlântica face à URSS – pretendem hoje reduzir a dependência para com os EUA e ganhar mais autonomia nos seus espaços regionais – tendo a Alemanha uma questão adicional por resolver: como pode a sua integração na União Europeia contribuir para essa dinâmica de autonomização, face ao mundo
anglófono, agora que o Reino Unido decidiu sair da União Europeia e os EUA, o Reino Unido e a Holanda – mais tarde ou mais cedo – podem vir a retirar as suas tropas de combate ainda estacionadas na Alemanha, integradas na estrutura militar integrada da NATO.

 

Figura 6

 

A breve análise que realizamos aponta para que a mudança profunda no Mundo – cada vez mais distante da configuração de poder da “guerra fria”, a que nos habituámos durante décadas – vai acelerar a mudança na União Europeia. Mas não sabemos se esta mudança será concluída com êxito e, se o for, que efeitos virá a ter na condição periférica de Portugal e no equilíbrio de forças na Península Ibérica – questões sempre presentes quando se reflete sobre o posicionamento internacional de Portugal.

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2019-02-12
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Prof. Doutor

José Félix Ribeiro

Colaborador regular do IDN – Instituto da Defesa Nacional (desde 1986) e do IUM – Instituto Universitário Militar. Tem publicado numerosos estudos e artigos, nas áreas de economia internacional e geopolítica, prospetiva e estratégias de desenvolvimento.

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