O arquipélago dos Açores foi, desde sempre, o pilar da ponte que une as margens do Atlântico. A sua descoberta, ou ainda antes, na preparação dessa gesta, determinou a importância estratégica desse pilar, e, consequentemente, o seu impacto geoestratégico nas margens do Atlântico. O controlo dos Açores, ou o controlo de quem controlava os Açores, eram determinantes para o tráfego comercial e para a vigilância militar. Para o caminho da volta, na era da navegação à vela, o Arquipélago era crucial. A partir do século XV, a Europa iria depender, para a circulação de suas mercadorias, do apoio, ou de facilidades, por intenção, ou por omissão, de quem detinha os Açores. Portugal, presente nos Açores desde o século XV, e soberano deles, durante alguns anos, terá preponderância sobre o trânsito no Atlântico, desde cedo partilhado com Espanha. Assistiremos, ao longo deste século XXI, a novas releituras da história. A génese de Tordesilhas será umas dessas releituras. Que potência tinham estes dois estados para dominarem daquém e dalém mar? É a pergunta que está implícita quando Francisco I pergunta pelo Testamento de Adão. Para se dominar no mar há que ser potência marítima, como é o exemplo de Roma que pôde chamar, com toda a propriedade, Mare Nostrum ao Mediterrâneo.
Pode dizer-se que Portugal não exerceu o imperare, a não ser durante alguns anos, a partir de Goa, e na área de influência desta, pela acção indómita dos primeiros vice-reis, e dos que com eles estavam, e não por mérito da Coroa. De tal maneira que, ainda hoje, a fama faz jus à acção deles. Exercer o poder é, segundo a definição precisa de Marcello Caetano, a capacidade que uma parte tem de impor a sua vontade a outra. Portugal, em boa verdade, nunca teve essa capacidade, nunca se pôde afirmar como potência marítima, embora nos primeiros anos da expansão ultramarina tenha tido alguma preponderância. Mas tal deveu-se ao facto de não haver ainda, nesses anos, concorrência significativa para o espaço atlântico. A razão desta incapacidade decorre do drama português, que vem desde o início do país até aos nossos dias, que é o défice demográfico. Portugal sempre sofreu, e sofre, por não ter população assaz suficiente para a ocupação do território, o que em geopolítica é crucial, e foi preocupação dos gestores da coisa pública desde os primórdios. Esta é uma vertente crucial, como já referimos. O historiador brasileiro, professor Sérgio Buarque, destaca bem esta questão quando afirma que os portugueses espraiaram-se. É tudo uma questão de escala. Portugal não tinha gentes suficientes para a ocupação do território, nem para o próprio nem para onde se expandia. Até ao século XX, Portugal não tinha, verdadeiramente, passado muito além dos espaços banhados pelos oceanos. A debilidade da potência portuguesa foi sempre evidente para impor o seu domínio em terra e no mar. A importância geoestratégia do arquipélago dos Açores sempre foi interpretada, e apreciada, de acordo com esta debilidade.
Na esteia da expansão portuguesa, logo se seguiram outros países, ávidos da emergência de novos produtos e novos mercados. Que teriam forçosamente de passar no espaço marítimo de Portugal, que era imenso, e que teriam, também, de abordar os mesmos territórios onde Portugal já tinha estacionado pequenas feitorias, bem como utilizar os mesmos circuitos comerciais. Conter as ambições desses países fora dos limites dos interesses, já instalados, de Portugal, manifestou-se uma tarefa gigantesca, e não suportável, para os esquálidos ombros portugueses. Castela, então arvorada em Espanha, para além da rivalidade natural, suga a Portugal a sua vitalidade por via da união real, no século XVI, com todas as consequências do país ter sido arrastado para o seio das problemáticas de Espanha. A França, a Holanda e a Inglaterra, sensíveis à debilidade de Portugal, ao mesmo tempo que litigavam com a Espanha, forçam a penetração em todos os espaços do interesse de Portugal. Isso implicava o domínio sobre os Açores, ou por ocupação efectiva ou por domínio de influência sobre o detentor do arquipélago, ou ainda por omissão de poder desse mesmo detentor, que era Portugal. O domínio do arquipélago, significava o domínio do Atlântico. E quem pode, manda. E mandar na estrada atlântica era o cunho da potência marítima. A Inglaterra, no século XVI, desde cedo, tenta impor o seu domínio, exercendo o controlo estratégico dos Açores através da influência que podia exercer em Portugal. A posição marginal de Portugal na Europa, o seu antagonismo natural na Península Ibérica e a dimensão da sua expansão ultramarina, sempre encostaram o país à necessidade de alianças que lhe fortalecessem os flancos desguarnecidos, e garantissem alguma vitalidade em resposta de confrontos. Tradicionalmente, era a Inglaterra que consubstanciava essas alianças. Segundo os interesses estratégicos ingleses, como era óbvio. Nestas parcerias a Inglaterra era sempre o sócio maioritário. A manutenção do, muitas vezes, apelidado de Império Português, a isso sujeitava o país. Em várias ocasiões, temos lido, e ouvido, o Professor Adriano Moreira dizer que Portugal tende para ser um estado exógeno[1]. Entendemos que essa tendência vem de longe. Se nos lembrarmos da abertura dos portos do Brasil em 1808[2], ou ainda do Mapa-Cor-de-Rosa, veremos como a capacidade de Portugal impor os seus interesses era muito exígua. A Inglaterra irá impor o, já muito referenciado, Ultimatum a Portugal, em 1890[3], na sequência de muitos eventos de interesse da Inglaterra, de que se realça o conhecido Bill Palmerston[4], que Valentim Alexandre caracterizou como “um verdadeiro acto de guerra embora não declarado”[5]. Lord Palmerston escreveu, em 1855: «Aproxima-se o momento em que seremos obrigados a desferir outro golpe na China. Esses governos semi-civilizados como os da China, de Portugal e América Espanhola precisam todos de uma limpeza cada oito ou dez anos, para os manter em ordem. Os seus cérebros são demasiado ocos para conservarem uma impressão por um período mais longo e de nada serve avisá-los. Pouco se importam com palavras e não só precisam de ver o pau mas também de o sentir nas costas para obedecerem»[6]. Entendemos que ele tinha lastro para afirmar tal, embora não tivesse razão moral, nem ética, para o dizer. Esta questão do Ultimatum expõe, em Portugal, a nudez das fragilidades do país. O país fere-se no âmago dos seus orgulhos. Ainda em 1917, Fernando Pessoa, no seu desdobramento do eu em Álvaro Campos, escreve o texto ULTIMATUM, onde desabafa as suas razões sobre o mundo, os políticos e a hipocrisia. Neste episódio do Ultimatum ficou demonstrada a debilidade das forças armadas portuguesas, sobretudo da marinha, cuja capacidade não se adequava à extensão marítima das pretensões portuguesas. Que originou sucessivos planos de reestruturação da força naval portuguesa, em 1886, 1908 e 1911. Plano, não reestruturação, por nítida falta de cabedais. Mas era a Inglaterra que, como potência marítima, dominava o Atlântico. Os Açores eram um pilar fundamental para esse domínio. Quer a marinha militar quer a marinha mercante quer o corso, ancoravam a sua acção nesse pilar. E nunca se deve esquecer a pirataria, activa até ao século XIX, e com forte impacto na insegurança da população, no seu desconforto. A posição geográfica do arquipélago era, e é, determinante para a geopolítica, incontornável para a geoestratégia e fundamental para qualquer anseio de domínio no Atlântico. Do século XVII até ao início século XX, era a Grã-Bretanha a potência marítima que exercia a tal capacidade de impor a sua vontade a outrem, ou seja, detinha poder.
E Portugal, como desempenhou a sua soberania nesse território insular? Distante, sempre distante. O poder instalado em Lisboa está sempre distante, quer seja de Vinhais, de Mértola ou dos Açores. Aquela frase muito celebrizada que Portugal é Lisboa e o resto é paisagem, faz muito sentido quando encaramos as actuações governamentais. Que é um problema constante que levou a que o actual Presidente da República tenha afirmado que “não pode haver vários portugais, a várias velocidades, dentro de Portugal. Não é possível, porque se isso continuasse para o futuro, que não vai continuar, isso atrasava o país todo. É uma ilusão pensar que havia uma parte do país que podia avançar e o resto ficava para trás. Isso não existe. Estamos no mesmo barco”[7]. Por isso, Portugal esteve sempre muito ausente dos problemas, como ausente das questões de ocupação do espaço, do controlo do seu espaço. Nem os interesses do país, nem os das populações estavam defendidos, nem devidamente acautelados. Assim, coloca-se sempre uma questão, que é a da qualidade das gentes da governança. Portugal, desde a morte prematura do filho de D. João II, teve quase sempre a questão da qualidade das gentes na governança, com ressalva para algumas excepções, até aos dias de hoje. Se durante a monarquia, na última dinastia, não houve brilhantismo na governança, ressalvando as excepções, honrosas, a implantação da república em nada melhorou a governança, nem cuidou de criteriosa selecção de gentes para os altos desempenhos. Esta terceira república onde, ainda, estamos estacionados, tem demonstrado até à saciedade que as gentes da governança não são competentes, nem adequadas. Podemos considerar que Fernando Pessoa definiu a questão quando afirmou que “a crise central da nacionalidade portuguesa deriva da sua impotência para formar escóis, pois uma nação vale o que vale o seu escol”[8]. Há assim, sempre, uma frustração por não haver uma elite que tome a dianteira e empolgue a caminhada do povo português.
O realce da importância geoestratégica do arquipélago é dado pelo presidente dos Estados Unidas da América, aquando do seu discurso, em 1941, quando informa o Congresso, e anuncia urbi et orbi, que “a linha de divisão entre os hemisférios oriental e ocidental ficaria demarcada pelo meridiano 26º W que delimitaria a fronteira marítima dos Estados Unidos”[9]. Esta afirmação vincula toda a doutrina de defesa, posterior, dos EUA, e assume o país como potência marítima. Portugal reage de imediato, por via diplomática, porque “aquelas referências vêm envolvidas na exposição da tese de que aos Estados Unidos pertence definir e decidir de quando e onde estão ameaçados e como hão-de empregar a sua força para se defender ou defender outrem. E na exposição desta tese não se faz a mais ligeira alusão ao princípio fundamental do respeito pela soberania alheia exercida e mantida sem agravo para ninguém”[10]. A 10 de Junho desse ano, o Secretário de Estado dos Estados Unidos, Cordell Hull, dá uma resposta oficial onde afirma que estudou as observações do Governo Português e que tinha tomado nota da reafirmação de neutralidade, e da determinação da defesa dessa neutralidade, pelo Governo Português. E, consequentemente, esclarece as intenções das palavras do Presidente dos Estados Unidos da América: “ao referir-se ás Ilhas do Atlântico era a intenção do Presidente salientar os perigos que resultariam para este hemisfério se estas ilhas viessem a encontrar-se sob o «controle» ou ocupação de forças que seguem uma política de conquista e domínio do Mundo. A importância estratégica destas ilhas, em virtude da sua posição geográfica, foi salientada pelo Presidente, referindo-se apenas ao seu valor potencial sob o ponto de vista de ataque contra este hemisfério”[11]. Mas o facto é que Portugal tem, desde então, a fronteira marítima dos EUA a sobrepor-se no seu espaço soberano. António José Telo afirma que em Portugal “a importância das ilhas só é compreendida muito tarde”[12]. A verdade, nua e crua, era que o arquipélago não podia estar desalinhado, nem fora da órbita dos interesses dos EUA. Portugal tinha, e tem, uma circunstância constante na sua história, que é a sua posição geográfica, que Agustina Bessa-Luís, escritora de sensibilidades, refere como as “nações sujeitas à desdita da sua própria geografia”[13]. Portugal só tem duas fronteiras. Uma é com o imenso mar oceano, onde há um domínio potente, que não é o seu. A outra fronteira é com a Espanha que, no mínimo, sonha sempre em dominar Portugal. Ao mesmo tempo que o presidente dos EUA assumia definir a fronteira marítima, no lado oposto, El Cuñadissimo, senhor dos negócio externos de Espanha, dizia a Hitler que “apesar del disparate geográfico que supone la existencia de Portugal, (…) España declinaba adueñarse de él y de los siete millones de «portugueses llorones»”[14]. Era com este paternalismo que envolviam Portugal. Nessa data de 1941, os EUA ainda não tinham entrado na Segunda Guerra, mas já tinham os objectivos bem definidos. E já detinham esse conceito, de fronteira marítima a Leste, incorporado na sua doutrina de defesa. E uma fronteira é uma delimitação entre dois espaços. Só que esta fronteira está no meio do espaço português. A importância de Portugal é definida pelo seu espaço marítimo e pela sua posição geográfica. Assumir o controlo absoluto dessa importância é que é fragilidade de Portugal. Todas as potências na época, e as que aspiravam a ser potências, estavam bem cientes dessa importância, e das fragilidades portuguesas, onde se incluía a manutenção dos territórios ultramarinos. Na Primeira Guerra Mundial, os EUA tiveram uma base naval em Ponta Delgada. Com o anúncio da fronteira Leste, e a decorrência da Segunda Guerra, era inevitável que teriam de ter um ponto de apoio onde ancorassem a execução de medidas defensivas, ou ofensivas. Todos os outros contendedores também assim entendiam. Como é o exemplo da visita, em 1937, do Ministro da Guerra da Alemanha, e demais «Visitantes Ilustres»[15], com a duração de dois dias, a S. Miguel, chegando o Marechal von Blomberg a bordo do aviso «Grille», da Marinha de Guerra Alemã, e acompanhado de 11 altas personalidades do Ministério da Defesa Nacional[16]. Diríamos, com ironia, que não há melhor companhia para um cruzeiro de férias. Enfim, todos tinham interesse em exercer o controlo sobre o arquipélago dos Açores, e controlar, também, a influência sobre Portugal. António José Telo e Luís Andrade têm já vasta obra sobre o tema. Mas Portugal, espartilhado entre duas ambições, e tentando manter a integridade territorial no momento, e para o futuro, até que ponto exercia a soberania no arquipélago e no mar adjacente a ele? Com muitas cedências. A Neutralidade Colaborante[17], onde Portugal teve de assentar a sobrevivência, continha alguns espinhos para ambos os lados contendores. Daí, ambos os lados da contenda chegarem a planear a invasão e ocupação dos Açores. O que está devidamente referenciado pelos autores que nomeámos antes, e comentado por muitos mais. Mas queremos destacar a vertente interna do arquipélago. Portugal teve de ceder, e realçamos ceder, a utilização dos Açores aos aliados, pela mediação da Grã-Bretanha. Sempre ela, mesmo enquanto cedia a primazia de potência marítima aos EUA. O governo português permite facilidades militares no arquipélago, nomeadamente uma base aérea. Tudo arranjado em segredo, sobretudo para os Açores. O Almirante Américo Tomás dirá, mais tarde, nas suas memórias, que o acordo “não transpirou, apesar de serem numerosos os intervenientes nesse estudo, o que constitui um caso raro entre nós”[18]. As autoridades do Arquipélago ficaram arredadas deste conhecimento, quase até às vésperas da chegada das forças britânicas. O Relatório Acerca da Cedência de Bases nos Açores, elaborado pelo Governador Civil de Angra do Heroísmo, em Março de 1944, antes de ir, em serviço, a Lisboa, e de onde não retornará ao seu posto, é uma peça brilhante para se entender este período, sobretudo como foi vivido nos Açores[19]. Sabendo que a sua frontalidade, e a sua honestidade moral e cívica, de alguma forma seriam objecto de sanção, deixou a caracterização do momento inscrita no relatório que teria “ao menos o mérito de um dia, mais tarde, servir como elemento de história do meu distrito, feito por observador que podia e queria dizer a verdade”[20]. A Ilha Terceira, ficou, segundo ordens recebidas, isolada de comunicações dois meses antes da chegada das forças britânicas. O Governador só foi informado pouquíssimo tempo antes, e por deferência do brigadeiro Tamagnini Barbosa, recém-chegado ao arquipélago, e detentor de carta de missão, dos acontecimentos que iriam suceder no seu distrito, elucidando-o “que não vinha tomar atitudes nem dar execução a actos que não correspondessem a ordens recebidas do Governo e verbalmente do senhor Presidente do Conselho”[21]. É de frisar que Portugal, constitucionalmente, não tinha accionado nenhum dos artigos excepcionais. O brigadeiro Tamagnini Barbosa terá tido o cuidado de afirmar que a situação continuava na normalidade administrativa, e que a autoridade máxima era o Governador Civil. Havia a questão de sossegar a opinião pública. Todavia, o Governador relatará “que a posição do Governador deste Distrito só muito artificial e habilidosamente se conserva prestigiada, porquanto de facto quem manda, põe e dispõe, por vezes dá ordens e até troca correspondência directamente com as Câmaras Municipais deste Distrito, é o Comando Militar dos Açores”[22]. Os britânicos, finalmente, desembarcam na Ilha Terceira, a 8 de Outubro de 1943, e de imediato instalam a sua base aérea. Mas as forças americanas seguem-nos de imediato. A 8 de Janeiro de 1944, é o Governador informado, pelo Comando inglês, que, no dia seguinte, chegariam 557 técnicos americanos. Só que, nem o Governador nem o Comando Militar sabiam de nada sobre esta chegada. Chegará pela 01H00 da madrugada do dia 9, telegrama do Governo com as ordens. Percalços. Nos Açores vivem-se tempos complicados. Quem manda, efectivamente, é o Comando Militar. Mas o delegado marítimo britânico, e mais tarde o americano, também têm uma influência poderosa sobre o mando. As autoridades portuguesas têm de prestar contas ao delegado marítimo. Têm de o informar das quantidades armazenadas de alguns produtos, como era o caso do óleo de baleia. É ele quem autoriza a exportação de qualquer produto, nem que seja de quatro pneus usados para Lisboa[23]. É ele que passa os navicert, sem os quais não é permitido aos navios nacionais circularem entre o Arquipélago e o Continente. Portugal, país neutro na guerra, e com uma velha aliança com a Inglaterra, não podia navegar livremente entre portos seus sem autorização dos senhores do mar oceano. Para produtos e pessoas. É exemplo o caso do senhor Armando Borges de Ávila, que é impedido de embarcar, de regresso a Lisboa, onde o navicert seria recusado ao navio Lima se ele embarcasse[24]. Os navios portugueses eram frequentemente abordados em alto mar por navios da marinha militar britânica, e eram inspeccionados por um oficial e marinheiros que subiam a bordo[25]. Portugal não tinha poder para se opor às intromissões na sua soberania, sobretudo nos Açores e na sua envolvência. Era feudo da potência marítima[26].
Nos Açores, para além dos incómodos estrangeiros, também se tinha que lidar com alguma prepotência do poder militar, muito pouco sensível ao bem-estar das populações, ao ânimo dos habitantes das ilhas e às responsabilidades das funções das autoridades civis no arquipélago. As queixas são muitas, mas, para além das do governador civil de Angra do Heroísmo, gostaríamos de focar duas. Uma é, entre muitas, a da produção de fava. De que o comando militar requisita a totalidade da produção, apesar de ser o dobro das necessidades militares[27]. Para além dos prejuízos da perda do produto por deterioração ao longo do tempo, havia os prejuízos da requisição não implicar a compra da produção, e assim estarem impedidos, os produtores, de realizarem receita pela venda da fava, em exportação, para além do prejuízo de serem obrigados à guarda e conservação da mesma por sua conta. O comando militar tinha de saber de tudo, e autorizar tudo, pois tinha assumido o poder. Qualquer exportação, qualquer encomenda postal, como fosse o caso de uma embalagem de marmelada com um quilo de queijo[28], estava sujeita a autorização prévia, primeiro solicitada ao governador civil que, por sua vez, a solicitava ao comando militar. Isto é em Abril de 1943, e logo em Julho o tom altera-se, e o CMA ainda vinca mais o seu poder, impondo mais submissão ao Governador Civil: “Em Julho mudou o formulário. O secretário do Govêrno Civil deixa de comunicar que deu entrada um pedido de exportação, ficando implicitamente a aguardar a resposta com parecer favorável ou não. Agora passa a rogar obter do General informação sobre se são necessários às unidades militares aqui aquarteladas as quantidades dos géneros que pretendem exportar”[29]. Isto não é despiciendo, pois tem, ainda hoje, um grande impacto nas populações locais, conforme abordaremos mais adiante.
A Segunda Guerra marca, em definitivo, a mudança de hegemonia de potência marítima. A Grã-Bretanha arreia a bandeira e recolhe a quartéis. Os EUA hasteiam a bandeira, e fincam-se. Ficarão nos Açores, renegociando os acordos de utilização de bases militares no território insular português. Surgirá a base aérea nº4 da Força Aérea Portuguesa, onde seria acoplado o destacamento militar americano, continuando a ocupar os terrenos agrícolas, de grande importância para a ilha Terceira, requisitados aquando da implantação da base britânica, situação que levou décadas para resolver com os proprietários. Mas esta base aérea da FAP é, localmente, conhecida como a base americana, o que é muito relevante no sentir das populações. E Portugal desmobiliza as suas forças.
No pós-guerra, vão surgir novos moldes de economia, novas capacidades de mobilidade financeira, um novo capitalismo, que está longe dos piores pesadelos sonhados por Marx, novas indústrias e novas explorações mineiras das entranhas do planeta. A par com a criação de dois blocos hegemónicos, liderados, respectivamente, pela União Soviética e pelos EUA, que pretendem controlar, o mais possível, o mapa político do planeta, bem como as respectivas capacidades produtivas. O arquipélago dos Açores é cada vez mais fulcral para a geoestratégia, e para as estratégias, dos EUA, a fim de manterem o controlo do Atlântico, da conexão à Europa, da supervisão da América latina e de África, esse continente de estados falhados e de terras raras. Os EUA insuflam, então, a sua veia imperial. Todos os impérios, para se manterem no auge, têm de manter uma tensão expansiva. Sem essa tensão, qualquer império definha, e esboroando os seus interstícios, acabará decapitado, pois nenhum império cai nas suas fronteiras sem que, primeiro, o seu âmago se fragilize. As forças armadas americanas serão, doravante, detentoras de capacidade de deslocação rápida e expansiva. O que é essencial para os interesses, de várias especialidades, dos EUA, para outros interesses acomodados nos EUA, e para os aliados amigos dos EUA, ávidos da protecção destes, de que necessitam para se poderem opor a um outro lado. A NATO, então criada, tinha o objectivo de proporcionar tudo isto numa organização estruturada e, sobretudo, sob a supervisão, e comando, dos EUA. De salientar que os Açores, a área dos Açores, na divisão dos comandos sectoriais da organização, não fica sob o Comiberlant, como o restante território de Portugal, mas sim sob o comando NATO, na Virgínia. O que é muito sintomático sobre a sobreposição de fronteiras. Aliás, nas duas cimeiras havidas entre presidentes dos EUA e outros chefes de estado, ou primeiros-ministros, embora sempre o chefe do governo português fosse formalmente o anfitrião presente, o presidente dos EUA estava sempre em área de domínio do seu país. Portugal vai posicionar-se nesta polaridade de potências, na desdita da sua geografia, como refere Agustina Bessa-Luís, e tentando lutar contra o escorregar, quiçá inexorável, para a tendência de estado exógeno. O credível analista de questões de defesa nacional, comandante Virgílio de Carvalho, afirmou o seguinte: “a Portugal convirá ser militante da solidariedade atlântica, para tentar evitar ver-se um dia em situação de ter de optar entre o seu alinhamento histórico com a Potência Marítima e uma Europa situada entre os EUA e a URSS, uma vez que aquele lhe garante melhor a preservação da sua coesão e da sua integridade territorial e lhe promete ainda frutos de cooperação com países Africanos de expressão portuguesa, com simultânea protecção da identidade deles contra a ofensiva francófona em curso”[30].
Neste contexto tem de se entender, sempre, o arquipélago dos Açores, como um território de fronteira, como muito bem elucidou o presidente dos EUA, em 1941. E na sua especificidade de espaço de fronteira onde a potência marítima sobrepõe, como já afirmámos, a sua fronteira marítima de segurança a Leste. Portugal, até pela sua longevidade, tem um longo percurso a equilibrar a gestão da manutenção das suas fronteiras, com insucessos e sucessos, atropelando-se ao sabor das contingências internacionais. Entendemos que a primeira linha de defesa dos interesses nacionais é protagonizada pelas populações que lá estão. Descurar o conforto, e as necessidades, dessas populações enfraquece drasticamente a capacidade de um estado defender os seus interesses nas fronteiras. Esvaziar serviços do estado junto das populações fronteiriças é a demissão do exercício de soberania nas áreas ocupadas por essas populações. Jamais será suficiente dizer-se que se lhes podem prestar esses serviços, com eficiência e boa qualidade, na capital ou nas grandes áreas metropolitanas, ou ainda através da contratação, com o outro estado fronteiriço, de serviços que ao estado compete fornecer. É de realçar que o estado vizinho, nos seus territórios de fronteira, assegura os serviços do estado e, ainda, por contratação com Portugal, os assegura aos cidadãos portugueses da fronteira. A integridade da coesão nacional é, assim, posta em causa. Nos Açores não é um dado adquirido, mesmo sem movimentos independentistas, que a sua população esteja muito empenhada na coesão nacional. O Comandante Virgílio de Carvalho realçou muito bem esta questão: “tal independência (de Portugal[31]), contudo, só pode ser garantida no cenário internacional dos nossos dias se o Todo Nacional souber manter-se coeso. Daqui resulta a coesão nacional inter-territorial ser considerada como um Objectivo Nacional, implicando a sua consecução todos os sacrifícios em conformidade com a respectiva definição. É por tudo isto que são extremamente importantes as questões dos custos da insularidade e da participação de todos nas opções político-estratégicas fundamentais do país. Doutro modo corre-se o risco de o Território Nacional vir a ser dilacerado pela voracidade estrangeira, podendo o Continente tornar-se em mais um País Basco e as Ilhas em protectorados de potências estrangeiras”[32]. O exercício da soberania jamais pode ser coercivo. A soberania de um país tem de ser um empenho colectivo de todos os cidadãos, em comunhão com a administração do Estado. Se o exercício da soberania for coercivo, tem o seu limite programado. Pode ter um prazo mais longo, ou mais curto, mas seguramente tem um limite. Os organismos do estado, sediados na capital, geram imensos, e constantes, exemplos de discriminação face aos territórios de fronteira. As populações sentem-se abandonadas. Nos Açores, atitudes de discriminação são muito sentidas, quiçá empoladas, e provocam reacções, mas são os comportamentos na capital que dão azo a isso. O comportamento do Estado, durante a Segunda Guerra Mundial, para com os Açores, desconsiderando os Governos dos Distritos Autónomos e, consequentemente, as suas populações, deixou um rasto que, ainda hoje, vem muitas vezes à superfície, normalmente deturpado, mas ainda bem presente. É coloquial que, nas últimas décadas, se venham referindo ao abandono do interior, sem que haja consequentes acções para solucionar esse abandono e cuidar da defesa da fronteira, pois espaços abandonados por uns têm tendência a serem ocupados por outros. Não deveria haver necessidade de eleitos, nos territórios de fronteira, terem de relembrar, nas suas intervenções discursivas locais, “QUE AQUI TAMBÉM É PORTUGAL”, o que, amiudadas vezes, se tem ouvido em Vinhais, nos Açores, em Mértola ou em Barrancos. Esta é uma questão melindrosa, substancial, acutilante e premente para a sobrevivência do futuro nacional. E é-o de tal forma que impeliu o actual Presidente da República, Professor Marcelo Rebelo de Sousa, recentemente, a escrever um artigo de opinião no jornal PÚBLICO com a missão de alertar o todo nacional para a candência do problema, para a correcção sustentável das assimetrias, as quais podem fracturar ainda mais a coesão nacional, e ousa determinar um prazo: “Até ao fim da próxima legislatura se perceberá se somos ou não capazes de corrigir as assimetrias existentes, de ultrapassar as desigualdades que teimam em permanecer”[33]. Ele reconhece, publicamente, perante todo o país, que é preciso “olhar para aqueles portugáis desconhecidos, (…) que estão tão longe do pensamento daquilo que tem sido o Portugal dominante. Dominante na comunicação social, dominante na economia, dominante na sociedade, dominante na política”[34]. De notar o foco que faz à comunicação social, à cumplicidade dela com os restantes dominantes, obliterando os portugáis que o Presidente da República invoca. E que termina partilhando com o país a sua angústia, sentenciando: “Se formos capazes de fazer reviver até 2023 o que importa que reviva, Portugal será diferente. Se não formos capazes perdemos uma oportunidade histórica e condenamos alguns portugáis a serem muito ignorados, muito esquecidos, muito menosprezados e isso significa que falhámos como país”[35]. O Professor Marcelo Rebelo de Sousa está muito consciente da ameaça que paira sobre a viabilidade de Portugal, e teme, com muita pertinência, que o país claudique no seu desempenho. Porque a ameaça, sobre que o comandante Virgílio de Carvalho reflectiu, da dilaceração do território nacional[36], é uma constante se os nacionais titubearem na coesão e na solidariedade. Teorizar-se, em ciência política, é algo que tem, sempre, de ser feito com premissas bem fundadas nos alicerces, que são sempre as pessoas. Bem como a harmonia das pessoas com a natureza. Caso contrário, a teorização só servirá como mero exercício académico para treino, pois estará sempre oca de objectividade sobre a realidade.
Ainda nesta primeira linha de defesa temos a língua portuguesa, que é um factor de defesa perante o outro, e elemento aglutinador de coesão de um povo. Se mal cuidada, permite a desestruturação social. Pessoa afirmou que a minha pátria é a minha língua, pese embora o seu contexto sibilino no Livro do Desassossego. Não pode, por isso, ser deixada ao cuidado de agentes políticos sem sentido de estado.
Numa segunda linha de defesa da fronteira fica a gestão dos assuntos internacionais, que à fronteira dizem respeito. Portugal, e os Açores, têm sempre de ter muito em conta os ventos que os fustigam, as ameaças que pairam. O presidente Putin, no último aniversário do dia da Vitória, afirmou: “por trás das novas ameaças podem ser vistos horríveis padrões antigos, o egoísmo e a intolerância, o nacionalismo agressivo, as pretensões à exclusividade; entendemos a gravidade destas ameaças”[37]. Portugal tem de entender estas novas ameaças e, ainda melhor, o espaço onde está integrado. O país tenta alargar as suas fronteiras marítimas, estendendo, em sequência, o seu espaço económico pelo Projecto de Expansão da Plataforma Continental. Para isso, os Açores são pedra angular. O que expande a importância, e dá peso, a Portugal são os arquipélagos, da Madeira e dos Açores, com toda a área marítima que eles justificam. Sem os arquipélagos, que dão a visibilidade, e importância, face aos outros países, sobretudo na Europa, Portugal não passaria de algo arrumado nas traseiras de Espanha, conforme evidenciou o comandante Virgílio de Carvalho[38]. Também é de evidenciar que o “apetite” pelos espaços insulares, e marítimos correspondentes, de Portugal é uma constante. Quando o Projecto de Expansão da Plataforma Continental surgiu, logo caças da aviação militar espanhola começaram a sobrevoar ostensivamente parte do território da Região Autónoma da Madeira, que o Reino de Espanha reclama para si, e que aumentaria substancialmente o espaço marítimo do arquipélago das Canárias. O que levou a uma reacção imediata das autoridades portuguesas, sobretudo com a visita do Presidente da República Cavaco Silva, e do Presidente do Governo Regional da Madeira, altura em que os seus cargos institucionais pisaram pela primeira vez a
Deserta Pequena. Pese embora o carinho que sentiriam pelas aves autóctones, a visita foi, sobretudo, uma missão de soberania. Flutua lá uma Bandeira Portuguesa. É uma área enorme, cheia de potencialidade para novos rumos de exploração económica no espaço submerso, mas demasiado cobiçada, onde se sussurra pelo Testamento de Adão. Neste contexto o país tem de ter presente que as forças armadas devem ter por missão actuar na defesa das fronteiras em todas as linhas de defesa, e não só na terceira, a bélica. Pese embora o fim do serviço militar obrigatório, que cortou o entrosamento das populações com as forças armadas, a par do pouco cuidado com antigos combatentes, o que ainda reforça mais o alheamento das famílias portugueses para com as forças armadas. Nesta intenção portuguesa de expansão, ou mesmo antes dela, as forças armadas são necessárias para garantir a integridade do espaço português. Especificamente para o espaço atlântico português, entendemos que Portugal não tem submarinos para assegurar controlo, e vigilância, na área soberana. Há uma falha na explicação das necessidades de equipamentos militares ao país, e até as estruturas militares se deixaram ficar afastadas do empenho destas explicações. Infelizmente, falar-se, hoje, de submarinos equivale a falar-se de corrupção. A opinião pública não está sensibilizada para as grandes questões nacionais, pois está condicionada, e assoberbada, pelas hecatombes financeiras que a atormentam. Mas sem os submarinos o projecto de expansão da plataforma continental não é viável. Portugal já se vinculou, por si, ou pela União Europeia, como são exemplos a Declaração de Belém, ou a Declaração de Galway sobre cooperação em investigação científica, no Atlântico[39]. A exploração dos solos marinhos na área dos Açores já anda a ser negociada por Portugal, com pouca intervenção regional. Aliás, há uma contenda legislativa entre a Região Autónoma dos Açores e o Governo Central, com recursos para o Tribunal Constitucional, sobre as limitações à exploração de recursos submersos, onde o Governo Regional tenta limitar, opondo-se a essas limitações legais o Governo Central, com legislação redutora da capacidade legislativa regional. O projecto Blue Atlantis, para testar o acesso e exploração de recursos minerais a grandes profundidades no mar dos Açores, no âmbito de um consórcio que envolve 45 parceiros de 8 Países Europeus e o Canadá, entre empresas e entidades, sendo coordenado pela Associação Alemã de Tecnologia Marinha, onde não havia participação açoriana, e onde o único representante do Canadá é a empresa Nautilus Minerallis, quase única empresa especialista de mineração submersa a nível mundial, que, entretanto, já apresentou pedidos de prospecção[40]. Convém que o país esteja muito atento ao seu espaço soberano marítimo, e sobretudo aos Açores, ao seu sentir, que justificam a maioria desse espaço. O Presidente do Governo Regional dos Açores, no pretérito Dia Nacional, no Palácio da Presidência do Governo, dando as boas vindas ao Corpo Diplomático presente, e na presença das mais altas autoridades do país, disse: “há quase 600 anos que aqui estamos e, desde o início, a evidência foi que, aqui, Portugal é diferente. Nuns casos, por nós, noutros, por outros, aqui, Portugal é diferente”[41]. Numa excelente peça de oratória explicou o que são os Açores e as suas gentes. “E essa aguda consciência de nós próprios – talvez por estarmos sós na vastidão do Atlântico ou, talvez, simplesmente, por em tantas voltas da vida, termos estado simplesmente sós -, é, no fundo, quase como que a chama eterna, o fogo sagrado que anima o Povo Açoriano. (…) E neste “intenso orgulho na palavra Açor” está também o orgulho do que demos e do que damos pelo nosso País.” E reiterou, para que de vez ficasse limpidamente esclarecido: “E é por tudo isto, e por tanto mais, que não podem restar dúvidas que, aqui, Portugal é diferente. E não queremos que deixe de ser Portugal, mas também não queremos que deixe de ser diferente”[42]. Teorizar sobre as relações com a Europa, e o mundo, sem ter as coordenadas açoreanas introduzidas é como construir sem alicerces. A volatilidade das relações internacionais tornam demasiado instável o que se tomou por adquirido. As relações com a região Autónoma dos Açores são como um casamento, onde ambos os cônjuges têm de consolidar o relacionamento dia a dia, ano após ano, com carinho e respeito mútuo, para não haver divórcio.
As populações desta fronteira são mais atentas à sua realidade. E o seu horizonte é a Oeste, onde estão os seus familiares que puderam singrar melhor na vida do que os que ficaram alapados nas rochas. É de lá que vêm as coisas boas. De lá veio o manto protector da sobreposição da fronteira da potência marítima, o realce da importância do arquipélago. A propósito da visita aos EUA para celebrar o, também emigrante, Dia de Portugal, o primeiro-ministro disse que os Açores “têm de ser cada vez mais o próprio centro de um conjunto de actividades com impacto positivo para as populações do arquipélago e para a cooperação internacional”[43]. Só que as populações de fronteira olham com muita desconfiança para as palavras dos políticos, pois sabem bem que pagam impostos por tabela, mas que a redistribuição dos impostos não é equitativa entre o centro e as fronteiras. Os comportamentos dos governos, as hecatombes financeiras e a ausência de solidariedade entre nacionais, geram uma desconfiança na credibilidade do país. O desempenho de Portugal para com as suas regiões de fronteira, e no caso concreto dos Açores, não são de molde a que as populações se sintam seguras, nem achem grande viabilidade na prossecução dos seus objectivos. O que pode ser desânimo, que é recorrente em Portugal. Mas estamos crentes no futuro, nos moldes em que Pessoa o anteviu: “aqueles portugueses do futuro, para quem porventura estas páginas encerrem qualquer lição, ou contenham qualquer esclarecimento, não devem esquecer que elas foram escritas numa época da Pátria em que havia minguado a estatura nacional dos homens e falido a panaceia abstracta dos sistemas[44].
Relatório acerca da cedência de Bases nos Açôres (Terceira)
De: Governador Civil do Distrito Autónomo de Angra do Heroísmo
Para: Ministro do Interior
Confidencial – Reservado
Senhor Ministro do Interior, Excelencia
Por meio de telegramas relatórios tive o cuidado de informar V.Excia e o Governo da Nação do desenrolar dos acontecimentos ocorridos na Terceira, desde o dia do desembarque das forças inglesas que se iniciou na madrugada de 8 de Outubro de 1943; era este o unico meio que podia utilizar, porquanto, durante mais de dois meses esteve esta Ilha completamente isolada e sem outras comunicações, alem das do cabo submarino; as autoridades inglesas imediata e expontaneamente puzeram este seu serviço à minha disposição logo que o tiveram montado, ainda com a deferencia de darem preferencia na expedição aos telegramas que fossem dirigidos por mim a qualquer membro do Governo.
Julgo no entanto que estes telegramas relatorios, não foram suficientemente claros e circunstanciados e por isso, não dever prescindir de exposição mais detalhada, fornecendo dados a V.Excia. e ao Governo que os habilitem a corrigir qualquer actuação da minha parte que embora e sempre com a melhor das intenções, não corresponda aos objectivos que tenham em vista ou que ate mesmo, os contrarie.
Factos anteriores ao desembarque das Forças inglesas davam origem às mais fantásticas suspeitas, pois, era do conhecimento publico o abandono do Campo de Aviação das Lagens por parte da guarnição militar portuguesa e as ordens de prosseguimento e activação nesse mesmo campo; a retirada do Batalhão de Infantaria 10, das Fontinhas, lugar contiguo ao Capo das Legens; ordens de aceleração urgente dos trabalhos de reparação e alargamento da estrada Angra-Lagens com a cooperação da engenharia militar; envio de várias barcaças para descarga com capacidades e tonelagem muito superior à habitualmente usada neste porto e desnecessárias para trafego normal; chegada de dois guindastes a vapor, um de 5 e outro de 10 toneladas o que era indicio certo de que volumes pesados seriam desembarcados aqui; alteração no Comando Militar da Terceira que passaria de Coronel para Brigadeiro, etc.
À medida que o tempo ia decorrendo, estas suspeitas iam tendo a sua confirmação e o que ao principio parecia exagero de imaginação exaltada, tornava-se verdade e os boatos avolumavam-se mais e mais, com a garantia de certeza que lhes davam os anteriores e cuja realidade era um facto.
A população, ignoro qual a fonte de origem, suspeitava do que se iria passar, mas eu nada sabia oficialmente e apenas me limitava a tirar concclusões da sucessão dos factos ocorridos para pautar a minha atitude e saber o que lhe havia de dizer, de forma que se não apercebesse desta minha ignorancia e também, o meu exagerado silencio não fosse interpretado como segredo de Estado que possivelmente existiria guardado ciosamente o que fomentaria o avolumar da desconfiança da existencia dos factos que se iam desenvolvendo, aos mesmo tempo que não podesse discorrer por afirmações feitas por mim que aumentassem a intranquilidade e o nervosismo do momento e das circunstancias que depois haveria de ter justificação.
O meu Colega de Ponta Delgada, chegado havia poucos dias do Continente, telefonou-me comunicando que V.Excia. lhe dissera para me avisar que eu tinha de estar no meu Distrito a partir de 1 de Outubro e nele permanecer até pelo menos, fins de Novembro e que só depois desta data poderia vir ao Continente.
Em face desta informação, com os boatos que circulavam e se iam confirmando a par e passo que o tempo decorria e ainda porque tinha de tratar de outros assuntos relativos à administração do meu distrito com o Colega de Ponta Delgada, e que diziam respeito ao interêsse dos dois, fui a Ponta Delgada, também na esperança que ele me trouxesse outras instruções acerca do que presumia se iria passar.
Em boa hora o fiz, pois, foi em Ponta Delgada no Palacio do Governador, que o meu colega, inteligente e amavélmente, medindo bem o alcance deste seu acto, convidou para jantar na minha companhia o Exmº Brigadeiro Tamagnini Barbosa, sendo este o primeiro encontro que tive com este Oficial que mercê das referencias que o meu Colega fez às nossas respectivas pessoas, abriram e muito facilitaram as boas relações que sempre depois mantivemos.
Passados dias, certamente, depois de nos termos observado e estudado reciprocamente, o Exmº Brigadeiro Tamagnini procurou-me à noite na minha residência, fazendo-se acompanhar pelo Major Coelho da Mota que era notório mantinha comigo as melhores relações, para saber que instruções tinha do meu Governo, acerca dos acontecimentos que se iriam passar e foram causa da sua vinda para o Comando militar da Terceira. Lealmente lhe disse que apenas de V.Excia. Tinha recebido a comunicação que o meu Colega de Ponta-Delgada me transmitira.
Então, afirmando que desejava tratar com o Governador dêste Distrito como se tratasse com um irmão, pois, podia suceder-lhe qualquer inesperado percalço que o impossibilitasse de cumprir a missão de que vinha incumbido, missão de tal natureza grave e delicada que entia a necessidade de se fazer acreditar junto das pessoas de terra; que não vinha tomar atitudes nem dar execução a actos que não correspondessem a ordens recebidas do Governo e verbalmente do senhor Presidente do Conselho; que portanto ninguém mais indicado do que o Representante desse mesmo Governo para delas partilhar no seu conhecimento, embora o mais reservado e confidencial e assim me pôz ao corrente das ordens que verbalmente recebera e com uma lealdade inexcedivel mostrou e pôz à minha disposição a documentação que trazia, tendo-me informado do local onde a guardaria.
Não teve de arrepender-se por ter confiado em mim pois poderá afirmar que eu soube corresponder com discrição e acerto a essa prova de confiança e a essa necessidade que sentia de que mais alguem compartilhasse desse segredo; e irmanamos o nosso proceder e acção de forma que muito embora dois a mandarem, era como na verdade uma só vontade existisse como tive o prazer e a satisfação de por varias vezes lho ouvir dizer.
Certo publico sempre pronto em diminuir quem governa, ao desconfiar que o Governador nada sabia, nem das intenções do Govêrno nem do que se iria passar, deveria maldosamente interpretar êste desconhcimento e ignorância, uns como falta de confiânça no seu Representante; outros como se essa falta de confiânça fosse na população que sabem e sentem que injustamente tem fama de portuguesismo diminuido o que muito os ofende e melindra.
Interpretação errada quer por uns quer por outros e só poucos compreendiam que êste segrêdo e tanta reserva da parte do Govêrno, eram apenas consequência da gravidade e delicadesa do acontecimento. O Exmº Brigadeiro Tamagnini tendo-se apercebido dêste estado da opinião pública, aproveitou ensejos para o corrigir, afirmando a supremacia do poder civíl que só em casos excepcionais poderia passar para as mãos do Comando Militar o que se não tinha verificado; esperava não haver nunca necessidade de tal se dar e que portanto dentro da posição de neutralidade, posição sustentada pelo Govêrno, a normalidade era o estado em que viviamos e até para se desempenhar melhor da missão de que vinha incumbido quiz que todos, civís e militares o soubessem que ele Comandante Militar da Terceira aqui estava também para servir o Representante do Govêrno neste Distrito e com ele e todos os Oficiais e Soldados seus subordinados podia contar sempre e em todas as eventualidades.
Na madrugada de 8 de Outubro efectuou-se o desembarque e a população despertada pelos aviões, a principio a mêdo, depois com mais serenidade e sempre curiosa, tomou todos os pontos sobranceiros á baía de Angra e caladamente assistiu à chegada dos primeiros transportes comboiados por navios de guerra e todos pareciam despovoados, pois, apesar da muita próximidade de terra, nem um só tripulante ou marinheiro se via a bordo e assim permaneceram por largo tempo e só depois dos primeiros contactos com terra, é que o pessoal de carga e descarga, militarisado, em barcos de prôa móvel desembarcavam no cais de porto de Pipas onde logo teve início o atracamento de um grande transporte (Bacachero) que baixando a prôa deu saída ao primeiro veículo, um tractor onde no radiador e em grandes letras se lia “VIVA SALAZAR”. Feliz e tranquilisadora ideia que com êste pormenor conquistou a confiânça de todos ouvindo-se nêste momento palmas, não ao desembarque ou aos desembarcados, mas ao Distrito.
Uma vez os primeiros veículos em terra, fez-se o desembarque do grosso das forças inglesas, uns três mil homens aproximadamente e nos dias seguintes desembarque de montanhas de material, superior em pêso a vinte mil toneladas que ia sendo conduzido a arrumado em “dumps”, próximo do porto e nos terrenos marginais da estrada Angra-Lagens. Os correspondestes de jornais ingleses que para os diários fizeram a reportagem dêste desembarque apreciaram os contactos das forças britanicas com as populações locais fantasiando e dizendo exageradamente, talvez com intuitos de propaganda, que foram as forças britânicas recebidas festivamente com ramos de flôres tendo as crianças das escolas, com os professores a conduzi-las, aparecido a sauda-los; pura fantasia, porque correcção e serenidade foi o que na realidade apenas houve por toda aparte e sempre muito terei de elogiar a forma correcta e digna da sua conduta e muito me alegrou ver como foi mais tarde recebida com perfeita e e patriótica compreensão a nota oficiosa da Presidencia do Conselho que a Emissora Nacional transmitiu e que tão fundo calou e tanta satisfação deu ao nosso portuguesismo.
Para contentamento de nós todos, tudo tem corrido de forma que o nosso brio de portugueses e soberania de Portugal não tivessem sofrido a mais pequena afectação, pois, os Exmºs Brigadeiro Tamagnini, Comandante da Defesa Marítima Capitão de Fragata Oliveira Lima e eu conduzimos e resolvemos todos os assuntos dentro desta preocupação que era constante, embora sem ser impertinente. As relações entre as autoridades portuguesas e inglesas desde o início se caracterisaram por um tom de intimidade que com o decorrer do tempo, já é mútua estima, compreensão e amisade o que muito facilita a solução de tantos assuntos oficiais. Foi esta a orientação que me pareceu mais vantajosa dar a estas inevitáveis relações que ainda continuam, embora e sempre me arreceiando que seja esta a vontade do Govêrno.
Sempre e em todos os momentos, as forças inglesas primam pela correcção e trato, havendo e sentindo-se que havia instruções severas para que a sua conduta fosse irrepreensível e se esforçassem por todos os meios em captarem simpatias, pela delicadeza e cortezia exteriorisada, para o que cada soldado tinha um livro em inglez com um pequeno vocabulário com as frases mais usadas em português, por exemplo, bom dia, boa tarde, muito obrigado, etc. e aconselhava-os a sempre que se vissem embaraçados repetissem esta última frase, sucedendo que casualmente depois de um encontrão num passeio diziam amavélmente “muito obrigado”.
Nas autoridades inglesas era patente e evidente que vinham como hóspedes e hóspedes agradecidos e era com sinceridade, reconhecimento e admiração que falavam do desassombro da nossa atitude de portugueses que para honrarmos e cumprimento da palavra dada, não hesitamos nem nos arreceiamos das consequências que esta prova de honradez e coragem nos podia trazer.
O seu reconhecimento pelas ajudas e facilidades concedidas eram constantes (Docs. Nºs.1 e 2) e salientavam-no esforçando-se e preocupando-se em serem amáveis e obsequiosos com as autoridades portuguesas e deligenciando por merecerem a sua estima e amisade.
O Exmº Brigadeiro Tamagnini mandou-me cópia do ofício que recebera do Exmº Senior British Officer, Azores Doc. nº 1, que é do teor seguinte:
Doc. nº 1
Headquarters British Forces, Azores.
15 th November, 1943.
Your Excellency,
Now that the ships carrying the equipement and stores for the Force under my comand, and all jetties have been clearred, I Wish to thank your Excellency for all the facilities and help so readily given.
This wholehearted co-operation by yourself and those working under your diretion made it possible for this first task to be completed up to schedule and with surprisingly few difficulties and accidents.
I shall be grateful if you will convey the special appreciation and thanks of myself and Commodore Holt to:
a) Commander Luiz F. O. Lima
b) Major José Coelho da Mota
c) 2nd Lt. José Vieira de Sousa,
d) 1º Tenente J.C. Moura da Fonseca, and their staffs
for the personal part they have played in making the way easy for us during the unloading operation.
May I also thank your Excellence for allowing the portuguese Army vehicles with drivers, to be used for our purposes and without which the discharge and delivery to dumps of the petrol and oil would have been much delayed.
I would also like to expresse my thanks to Capitão Aviador Frederico Coelho de Melo for the part played by the local police in directing and controlling our traffic through the town, and those responsible for widening and maintaining the roads.
Further would you please convey to Senhor Armando Melo Breyner my apreciation of his help in placing his cranes, with their crews, and the stores space in the Customs House at our disposal.
Finally, and I would ask you to bring it to the notice of His Excellence Dr. Pestana da Silva, that one has been stuck by the friendliness, co-operation, and good humour of the people of Angra and district, who have had to suffer much inconvenience and disturbance to their normal lives trough the arrival of the British Forces and the discharge of much a great quality of material.
We are grateful for their cheerful attitud and my helpful actions Assering your Excelency of my hightest regard.
Air Vice Marshal
Senior British Officer, Azores;
His Excellency Brigadier João Tamagnini Barbosa
Military Commandar.
Terceira
Doc. nº 2
DELEGAÇÃO MARITIMA BRITÂNICA
Ponta Delgada, 30 de Novembro de 1943.
Exmº Senhor governador Civíl do distrito de Angra-do-Heroismo.
Exmº Senhor:
Seguindo instruções recebidas do meu Govêrno, tenho a honra de exprimir a V.Excia. os sentimentos de sincero agradecimento por parte do Govêrno de S.M.Britânica, pela ajuda prestada às nossas forças armadas na Ilha Terceira.
Permita-me ao mesmo tempo acrescentar os meus calorosos agradecimentos pela ajuda que V. Excia. e os seus dependentes se dignaram prestar.
Aproveito esta oportunidade para apresentar a V.Excia. renovação
a) Abington Coodden.
Delegado Maritimo Britânico nos Açôres.
Altas individualidades militares inglesas que aqui teem estado, os mesmos sentimentos teem exteriorisado e ao retirarem-se dão provas bem evidentes dêstes sentimentos.(Docs. ns. 3 e 4)
Sempre pedem a minha comparência para as suas festas e se me não tenho antecipado em convites tenho retribuido sempre, sem espaventos espectaculosos, esforçando-me porque as notas dominantes sejam as de alegria correcção e elegância em ambiente de intimidade onde a cerimónia e a amisade se casem, de forma a não haver ridiculos nem á vontades censuráveis e tenho tido a satisfação de poder afirmar que sempre teem decorrido bem, merecendo já a fama de que a casa do Governador é a casa da alegria e onde se entem bem e acarinhados.
Doc. n.3
HEADQUARTERS BRITISH FORCES, AZORES.
Ref. AQC
Date 25th December,1943.
Your Excellency,
I have just received the following message from the Air Officer Commanding-in-Chief Costal Command – Sir John Slessor – which I have the greatest pleasure in handing to you personally.
Please convey to Brigadier Barbosa and Dr. Francisco da Silva my best wishes for Christmas and the New Year. I am sure the ancient friendship and alliance tetween our two countries have nevar been more happily or effectively expressed than they are today in Terceira.
a) Geoffrey Bromet.
Senior British Officer, Azores.
Dr. António Francisco de S. G. Pestana da Silva,
Civil Governor of the Island of Terceira,
Angra-do-Heroismo.
Doc. n. 4
ADMIRALTY
Flag Officer Commanding Gibraltar and Mediterranean Approaches,
The Mount.
Gibraltar.
24th January,1944.
Your Excellency
In wishing you au revoir may I take the opportunity of thanking
you most sincerely for your kind present, which I apreciate more
than I can say.
I have enjoyed my visit to Terceira very much, and I leave with
the happy feeling that the ancient alliance between our peoples
is being further consolidated by splendid co-operation which
is taking place avery day in is Island.
With all good wishes and the hops that I shall have the pleasur
of meeting you again.
I am Your Excellency,
Yours very sincerely,
a) Baren Burrough
Dr. António Francisco de Sales de Guimarães Pestana da Silva
Angra
No entanto, horas dificeis aqui tenho passado e de angustiada incerteza, sem saber se estas atitudes por mim tomadas, forçado pelos acontecimentos, são as que deveria ter tomado e se são as que mais conveem ao pensamento do Govêrno e melhor o satisfazerem. Resta-me como compensação que teem sido tomadas depois de conscienciosa reflexão e da melhor boa vontade de bem-servir e acertar, e sempre com a disposição antecipadamente assente que se o meu Govêrno me não tem dado instruções concretas é porque entende que as não deve dar e se esta minha forma de proceder e tratar com os inglezes vier a merecer qualquer censura ou reparo, é com prazer que eu assumo as responsabilidades de tal, sem que o meu Govêrno de nada possa ser culpado e antes tenha os movimentos livres para me culpar a mim. Tenho patriotismo bastante para servir, aniquilando-me voluntariamente, se tanto fôr preciso, pois, tenho a certeza que o meu Govêrno se tiver de me castigar pelos actos que eu tenha praticado e dos quais discorde, me julgará pelas intenções que os animaram e êste prémio me basta. Deliberada e sinceramente ofereço ao meu govêrno tudo quanto sou, para se fôr preciso sacrificar ao bem do mesmo Govêrno que o mesmo é, ao bem da Pátria.
Permita-me V. Excia. que algumas reflexões faça para melhor servir.
Todo o ingles, mesmo em guerra, não deixa de considerar as autoridades civis, como as primeiras autoridadese por essa rasão teem-me dispensado todas as atenções e honras que pelo Estatuto são devidas aos Governadores dos Distritos Autónomos e que são bem suas conhecidas. A Carta de Comando de que V. Excia. me enviou cópia, nada diz acêrca da categoria do Comandante Militar da Terceira, mas tão sómente se refere á categoria do Comandante Militar dos Açôres, com séde em Ponta Delgada; apesar de assim ser, sugeri, e parece-me que cumpri com O meu dever, ao Comandante Militar da Terceira que a sua categoria fosse igual á minha e assim vivo esta situação creada de acôrdo, de combinação entre ambos e particularmente; também aceitaria a de ter de considerar o Comandante Militar da Terceira em posição superior, se o julgassemos necessário para maior prestigio da autoridade. Jamais tive de arrepender-me desta atitude, pois, o Exmº Brigadeiro Tamagnini foi sempre inexcedivel em lealdade e delicadesa no tracto e com o actual Comandante Militar, Exmº Brigadeiro Ferreira de Passos mantenho as mais amistosas e leais relações.
No entanto, julgo do meu dever notar – muito embora com constrangimento e pouco á vontade por dizer respeito a uma situação que pode parecer, interessar-me directamente, ou de orgulho, ou de ancia de mais honrarias – que a posição do Governador dêste Distrito só muito artificial e habilidosamente se conserva prestigiada, porquanto de facto quem manda, põe e dispõe, por vezes dá ordens e até troca correspondência directamente com as Câmaras Municipais dêste Distrito, é o Comando Militar dos Açôres e que para obviar a tal tive de neste sentido oficiar aos Presidentes das Câmaras (Doc. n. 5); noto até que o Exmº Comandante Militar dos Açôres quando tem necessidade de se corresponder com o Govêrno dêste Distrito, o faz, não directamente, mas por intermédio do seu Chefe de Estado Maior.
Doc. n. 5.
Angra-do-Heroismo, 15 de dezembro de 1943
Confidencial
Exmº Senhor Presidente da Câmara Municipal de. . . . .
Rogo a V. Excia. sempre que a Câmara Municipal da digna Presidencia de V. Excia. receba qualquer comunicação do Comando Militar dos Açôres dela me seja dado conhecimento ou telegráficamente ou por oficio conforme V. Excia. julgue da sua urgência.
Mais peço a V. Excia. que todas as comunicações com esta referida entidade sejam feitas por intermédio dêste Govêrno do Distrito, pois, nêste momento grave espero que V. Excia. me auxilie pondo-me ao corrente e dando-me informações que me habilitem a melhor desempenhar as funções que tenho a meu cargo.
Com os protestos da minha maior consideração por V. Excia.
O Govêrno dêste distrito só em algumas coisas é ouvido e se algumas vezes é consultado acêrca de problemas de administração é porque assim, as responsabilidades se dividem, ou o trabalho em resolve-los é menor, ou por atenção e deferência pessoal.
Também, o facto de o Governador ter um nível de vida apreciado pelo público como desafogado e elevado empresta prestigio á sua autoridade que é mantido pelos meus próprios recursos e pela despesa de Grande Representação dada pela Junta Geral, de que tenho a preocupação de utilizar sómente em casos especiais; assim, por exemplo, a residência é um corredor do Palácio adaptado a quartos de dormir e outras dependências, os meios de transporte são de aluguer, em carros de praça de aspecto mau e estado de conservação que não oferecem segurança nem garantia de terminarem a viagem, em contraste com os carros utilizados pelos estrangeiros e até por capitães do nosso exercito.
Êste prestígio, apesar do que atraz fica dito, tenho-o mantido, por estar convencido que é imprescindivel ás Autoridades para melhor se poderem desempenhar das funções do seu cargo mas julgo que para poder continuar a mante-lo necessário se torna, seja rodeado de certa encenação, pois, se o hábito não faz o monge, é facto que se o monge se apresenta nu, ninguem sabe nem acredita que o seja; o nosso pais não é rico mas ainda tem bastante para não querer que o Representante do seu Govêrno se apresente diante de estrangeiros, em condições que podem dar lugar a sentimento de inferioridade.
Uma outra deficiência tenho a notar a V. Excia. e é a do número reduzido de policias de que dispõe o Comando dêste Distrito que necessitava e hoje ainda mais, de ser aumentado e dotado de meios de transporte rápidos, de forma a tornar os seus inestimáveis serviços mais eficientes e ainda, não só no policiamento da cidade, Praia-da-Vitoria e Lagens, como nos serviços de sinalização de Angra e Praia, cujo movimento de circulação, de veiculos e peões é constante e como o de uma cidade importante, também os serviços de fiscalização aos estabelecimentos comerciais para evitar especulações e açambarcamentos imobilisam e ocupam grande parte da Policia que não tem número bastante para poder exercer as suas restantes funções que mercê dos acontecimentos, mais do que nunca se torna necessário cuidar; apraz-me comunicar a V. Excia. que apezar do seu reduzido número, os serviços que prestou e presta, são de molde a merecer os meus louvores, devido à competência, zêlo e melhor boa vontade de bem servir demonstrdo pelo Exmº Comandante Distrital, capitão aviador Frederico Coelho de Melo e todo o pessoal seu subordinado.
Momentos de grande preocupação aqui passaram numerosas familias, pelo facto de seus filhos, estudantes, terem corrido o risco de perderem um ano escolar, por falta de transportes e depois por falta de lugar nesses transportes todos ocupados por militares; também numerosos funcionários públicos se inquietavam e até junto de mim vinham para lhes acudir à sua situação, pois, aqui retidos, viam os seus lugares como perdidos, uns por abandono, outros por falta de posse; felizmente e graças à valiosa interferência de V.Excia. todos êstes casos foram resolvidos favorávelmente, sem prejuizo para quem quer que fosse, o que muito me alegrou, pois era mais uma prova do cuidado que Govêrno da Nação deu, pelos interêsses, até de particulares, da população desta Ilha.
Embora ordeiramente e com a maior correcção, até mim chegavam os pedidos para que providenciasse no sentido de virem para a Ilha, medicamentos que iam rareando e dos principais géneros de mercearia que quasi se esgotaram, tendo algumas pequenas mercearias, poucas, chegado a fecharem as portas, por não terem que vender o que também e devido à oportuna e cuidadosa intervenção de V. Excia. e de S.Exª o Ministro da Ecónomia se foi remediando, dentro das possibilidades.
Para acudir à situação aflitiva de cerca de 150 pessoas das Ilhas do Oeste, colhidas de surpreza e aqui retidas pelos acontecimentos (algumas pessoas com dinheiro que todo gastaram e devido à ausência de comunicações não podiam mandar vir mais), valeu-me “O Cofre de Caridade” instituição particular de caridade que me adiantou o dinheiro com que pude fazer face às despesas como seu alojamento e manutenção, no que dispendi Esc. 14.197$25 e para a restituição desta importância espero o auxilio de V. Excia.
Grave injustiça cometeria se não citasse a V.Excia. o nome do Secretário Geral dêste Govêrno do Distrito, Exmº Dr. Francisco Lourenço Valadão Júnior que em todos os momentos me acompanhou, servindo-me sempre, com a maior lealdade, amisade e dedicação e competência, não só nas funções que pelo seu cargo deve desempenhar, mas ainda como jornalista em artigos para os diários locais que primorosos da forma são de flagrante oportunidade doutrinária.
Vai para três anos que ocupo o lugar de Governador dêste Distrito e não me acusa a consciência de ter tido qualquer exigência e se agora aponto estas deficiências é porque até aqui tudo se passava como em família e não havia olhos estranhos a observar-nos nem a apreciar-nos.
Da relação dos factos que se seguem, guiar-me-ei pelo meu diário e a narração cronológica arquivada neste relatório terá ao menos o mérito de um dia, mais tarde, servir como elemento de historia do meu Distrito, feito por observador que podia e queria dizer a verdade.
1943
SETEMBRO
Dia 22 – Fui a S.Miguel no intuito de saber se o meu Coléga de Ponta Delgada, recentemente chegado de Lisboa, me trazia instruções do Govêrno mas nada me disse nem sabia, a não ser que S. Exº o Ministro do Interior me mandava permanecer no Distrito a partir de 1 de Outubro até fins de Novembro.
Dia 26 – Jantei no Palácio do Governador de Ponta Delgada com o Exmº Brigadeiro Tamagnini Barbosa que vinha para Comandante Militar da Terceira que me foi apresentado nessa ocasião e que me deixou as melhores impressões e com quem fiz viagem para Angra.
Dia 27 – Cheguei a Angra tendo viajado comigo o Exmº General Passos e Sousa e o novo Comandante da Defesa Maritima da Terceira o Exmº Capitão de Fragata Luiz de Oliveira Lima; à tarde fui-me despedir a bordo do Exmº General Passos de Sousa que seguiu para as Ilhas de Oeste e que me perguntou quais as instruções que tinha do meu Govêrno, tendo-lhe respondido que S. Exª o ministro do Interior me mandara avisar que não poderia estar ausênte do meu Distrito a partir de 1 de Outubro até pelo menos fins de Novembro.
OUTUBRO
Dia 3 – Exmº Brigadeiro Tamagnini acompanhado pelo Major J.M.Coelho da Mota veio à noite à minha residência e pôz-me ao corrente da sua missão.
Dia 5 – Exmº Brigadeiro Tamagnini acompanhado de todos os Oficiais da guarnição apresentou cumprimentos, afirmou que a autoridade civil era a primeira autoridade do Distrito e garantir-me públicamente a sua leal colaboração.
Dia 7 – Exmº Brigadeiro Tamagnini procurou-me para me confirmar que era na madrugada próxima que se efectuava o desembarque das forças inglesas, e me pedia para que a Policia discretamente vigiasse as casas dos subditos estrangeiros que haviam de embarcar a bordo dum destroyer português que para êsse efeito os viria buscar umas duas horas antes do inicio do desembarque.
Dia 8 – Chegou o comboio inglez à baía de Angra e pouco depois começavam os preparativos de desembarque de tropas e material tendo corrido tudo na melhor ordem, dando a população civíl a nota da maior correcção e serenidade.
Dia 9 – Acompanhados pelo Exmº Brigadeiro Tamagnini apresentaram-me cumprimentos no Palácio, o Air Vice Marshall Geoffrey Bromet e Vice Almirante Holt com os seus respectivos Ajudantes e Secretários e na presença de todos, depois das apresentações, o Exmº Brigadeiro Tamagnini afirmou que por força da posição da neutralidade portuguesa e portanto de normalidade, a autoridade civil como Representante do Govêrno da Nação era a primeira autoridade do Distrito e só em situação de anormalidade é que a autoridade Militar interviria na administração do Distrito. Agradeci ao Exmº Brigadeiro Tamagnini as referências altamente elogiosas que me fez e desejei boas vindas aos dois Oficiais ingleses presentes, exaltando o exemplo de constância dado por duas nações amigas e aliadas, mantendo viva uma aliança que era a mais antiga do mundo e ofereci a minha colaboração para facilitar as relações dos nossos hóspedes com a população civil e em tudo o mais que de mim pessoalmente dependesse para que no dia do regresso à mãe Pátria, daqui levassem saúdades; agradeceu o Air Vice Marshall que em seu nome e do seu Govêrno me desejava as maiores felecidades, agradecia e jamais esqueceria a forma como foram recebidos e as facilidades encontradas em todas as autoridades quer militares quer civís; prometeu zelar pelo melhor entendimento entre as forças sob o seu comando e a população desta Ilha, cujo bem estar e condições económicas não desejava afectar com a sua presença; ofereci depois vinho do Porto e bebi à saúde de S.M. Jorge VI e o Air Vice Marshall bebeu pela saúde de S. Exª o General Carmona e Exmº Dr. Oliveira Salazar.
Dia 10 – Tourada a que assistiram representante do Air Vice Marshall e Almirante que a meu convite foram para o meu camarote e que muito apreciaram por ser espectaculo inédito.
Dia 14 – Ficou constituida a Comissão de Abastecimentos para ser intermediária dos fornecimentos a fazer aos ingleses dentro do acôrdo; foi escolhido para Presidente, simultaneamente, meu representante e do C.M.T. o Cor. da Reserva, Exmº Feliciano António da Silva Leal e para delegados meus e do C.M.T. respectivamente Senhor Corvelo e Cap. Reis Rosa; esta Comissão estará em contacto com o Chefe dos Serviços de Abastecimento das Forças inglesas que entregará as requisições das suas necessidades alimenticias que esta Comissão entenda dever satisfazer evitando-se assim que comprem directamente nos mercados o que daria lugar a especulações e iria encarecer os produtos não só pelo seu maior poder de compra, mas ainda pela ignorância dos preços correntes.
Dia 15 – Fui retribuir cumprimentos ao Castelinho (Castelo de S. Sebastião) tendo sido recebido pelo Air Vice Marshal e pelo Vice Almirante e pelos Chefes de todos os Serviços das Forças Britânicas; acompanhava-me o Secretário Geral dêste Govêrno do Distrito, dr. Francisco Valadão e foram-me prestadas as honras de harmonia com o meu cargo, guarda de honra por uma companhia de Fusileiros da Royal Navy a que passei revista; em casa bebemos pelas felicidades das autoridades presentes e pouco depois retirei com as mesmas honras tendo sido filmadas todas estas cerimónias.
Dia 16 – Fui procurado por Wing Commander C. V. Carley e Squadron Leader J. Mathews para me dizerem que o Air Vice Marshal comunicava que o primeiro era substituido pelo segundo como chefe dos Serviços de Descarga nos Cais e que não queria fazer qualquer substituição nas sua autoridades sem me dar prévio conhecimento.
Dia 17 – Almoço em S. Carlos em casa do Dr. Henrique Flôres, ofereccido pelo Brigadeiro Tamagnini a que assistiram Air Vice Marshal, Vice Almirante e alguns Oficiais do Exercito e Marinha, portugueses e ingleses, Comandante da Defesa Marítima e familias de civís portugueses.
Dia 18 – Falei com o Brigadeiro Tamagnini que me disse que os ingleses pretendiam exibir no Teatro Angrense alguns films que trazem e dariam duas sessões, uma para o elemento oficial e outra para o público com entradas pagas esta última, revertendo o dinheiro para a assistência distrital.
Dia 19 – Almoçou comigo o ex-consul ingles em Ponta Delgada, já Delegado Maritimo Britanico na mesma localidade Mr. Goodden, Sub-Delegado Maritimo Britanico em Angra Mr. Pearce e o Chefe do Intelligence Service da R.A.F. em Almoço intimo; Mr. Goodden ofereceu-se-me para levar correspondência para Ponta Delgada mas não poderam seguir dois funcionários públicos o Arquitecto Martins Gaspar e o Engn. Burguete, que muito desejo tinha de os fazer seguir.
Dia 20 – Vieram procurar-me uma comissão que representavam cerca de 120 pessoas aqui retidas e que desejavam regressar as suas casas; e que aqui foram colhidas de surpreza pelos acontecimentos; falei no caso ao Brigadeiro Tamagnini que prometeu ajudar-me e dar-lhe solução.
Dia 22 – Veio o Squadron Leader Mathews falar-me acêrca da exibição dos films; disse-lhe que tinha vindo do C. M. uma nota para o Secretário Geral do Govêrno do Distrito de que enviei cópia para o C.M.T. na qual se proibia a exibição de films sem serem préviamente censurados pelo C.M.A. pelo que teve de ser adiada as exibições dos films ingleses, muito embora já tivessem sido corridos nos cinemas do Continente.
Dia 23 – Veio apresentar-me cumprimentos de despedida o Director dos Serviços de Censura Mr. Lovett e fazer a sua apresentação o novo censor Cor. Hopkin.
Dia 28 – Fui com minha molher assistir a um cock tail oferecido pelo Air Vice Marshall na sua casa da Silveira que decorreu animado e elegante.
Dia 31 – Almoçaram comigo Ten. Cor. Charles que é Secretário e interprete e Agent de Liaison, Flight Lt. Wearn e Dr. Francisco Valadão secretário Geral do Govêrno do Distrito; êste almoço foi de despedida ao Ten. Cor. Charles que partia brevemente para Londres e Lisboa.
NOVEMBRO
DIA 3 – O Squadron Leader Benedy, Chefe dos Serviços Secretos da R.A.F. veio ao meu Gabinete apresentar-se e cumprimentar-me.
Dia 4 – Mr. Pearce, Capelão da R.A.F. Rev. H.L.O.Rees e Major W.A. Bushall vieram falar comigo acêrca do cemitério dos soldados ingleses que aqui viessem a falecer; combinámos que a Câmara reservaria um espaço no Cemitério Municipal pagando por sepultura comum a taxa de 100$00 e querendo concessão permanente custaria cerca de 500$00; disse-lhes que no entanto deveriam falar com o Presidente da Câmara; eu já lhe havia comunicado que da mesma forma que se havia feito para os soldados portugueses falecidos na Ilha, lhes fosse também cedido terreno gratuitamente, derivando assim o favor e portanto as simpatias e gratidão pelo Presidente da Câmara. Terminou a descarga do comboio ingles, cujo tempo demorou menos de 18 dias que o previsto pelos tecnicos e êste encurtamento de tempo foi motivado principalmente pelos auxílios notáveis dados pelas autoridades portuguesas coadjuvadas pelos seus subordinados. Vieram procurar-me alguns farmaceuticos e o Presidente do Grémio do Comércio local que me vieram pedir providências para o abastecimento de produtos farmaceuticos que começavam a faltar e de géneros de mercearia que se haviam esgotado.
Dia 5 – Chá no Palácio oferecido aos Comandos Ingleses a que assistiram oficiais de terra, mar e ar, portugueses e ingleses e todos os chefes de Serviço das Câmaras Municipais e Junta Geral, cerca de 100 pessoas que decorreu em ambiente da maior intimidade e elegância que deixou as melhores recordações em todos os convidados.
Dia 8 – O Sub-Delegado Maritimo Britanico, Mr. Pearce veio pedir-me licença para no dia do Armisticio, 11 do corrente, os ingleses fazerem entre si uma festa da flôr cujo produto reverteria e favor da Cruz Vermelha inglesa o que autorizei.
Dia 16 – Estiveram no meu gabinete o Sub-Delegado Maritimo Britanico e Oficial de Ligação Mr. Walsh que em nome dos Comandos ingleses me vieram apresentar pêsames pelo falecimento do Exmº Ministro das Obras Públicas.
Dia 20 – Fui jantar com minha molher e a convite do Air Vice Marshal à sua casa da Silveira que decorreu na maior intimidade e amisade.
DEZEMBRO
DIA 4 – Mr. Walsh e Wing Commander Tuck, em nome do Air Marshal Sir John Slessor recentemente chegado em visita de inspecção, vieram-me convidar e ao Exmº Brigadeiro Tamagnini para no dia seguinte almoçarmos na companhia daqueles Exmºs Oficiais e que só devido à hora tardia a que tinha chegado é que êste convite não tinha sido feito pelo próprio; aceitamos e agradecemos.
Dia 15 – Inauguração oficial do Campo da Aviação das Lagens, a primeira inauguração solene que a R.A.F. fazia de um campo de aviação e com a benção de três padres, um catolico, outro protestante ingles e outro protestante do rito escossêz, fui com o Exmº Brigadeiro Tamagnini e foram-nos prestadas todas as honras devidas sendo todas as cerimónias altamente prestigiantes para a nossa soberania; seguidamente á inauguração do Campo de Aviação cuja fita foi cortado pelo Exmº Brigadeiro Tamagnini foi servido um chá na messe do Air Vice Marshal.
Dia 26 – Fui com minha molher passar a tarde do “Boxing Day” ás Lagens onde depois de um super lunch assistimos a um espectaculo desempenhado por ingleses.
1944
JANEIRO
Dia 8 – Em nome do Air Vice Marshal, veio ao meu gabinete o Ten. Cor. Charles, comunicar-me que com o consentimento de S. Exª O Senhor Presidente do Conselho na manhã do dia seguinte chegaria um comboio com 532 tecnicos americanos e respectivo material que vinham servir sob as ordens do comando ingles para a executarem trabalhos de terraplanagem e construção no Campo de Aviação das Lagens. Do facto nada sabia êste Govêrno do Distrito nem tampouco nada sabiam o C.M.T. e C.D.M. e êste desconhecimento trouxe inquietação e poderia ter tido graves consequências que se não verificaram mercê da prudência e bom senso das autoridades locais portuguesas; só á 1.00h do dia seguinte chegaram os telegramas que em termos concretos davam tal autorização.
Dia 9 – Desembarque dos tecnicos americanos que o fizeram no Cais do porto de Pipas apenas com o armamento individual que logo apoz pizarem terra portuguesa o entregaram e seguiram pouco depois para as Lagens completamente desarmados.
Dia 15 – Air Vice Marshal veio ao Palacio apresentar-me o Oficial americano mais graduado que estava sob as suas ordens o Captain William Gosnell Tomlinson da U.S. Navy a quem ofereci Porto e bebi pelas prosperidades pessoais fazendo votos pelo bom entendimento entre as duas nações amigas, Portugal e Estados Unidos da América.
Dia 23 – O Almirante Holt veio ao Palácio apresentar-me o Vice Almirante H. Burrough, Comandante das Forças Navais do Mediterrâneo que me vinha cumprimentar; depois dos cumprimentos do estilo e semelhantes aos havidos já anteriormente com outros personagens, em conversa disse-me que Angra tinha necessidade de um porto de abrigo, pois a Terceira em breves tempos ficaria uma das Ilhas mais importantes do Atlantico; concordei que essa falta era agora mais evidente mas que o meu Govêrno no momento devido chamaria a si o estudo e resolução desse problema. O Vice Almirante Holt convidou-me para jantar com o Vice Almirante H. Burrough na tarde desse dia o que agradeci e aceitei.
Dia 24 – Como não tive ocasião de retribuir cumprimentos ao Vice Almirante H. Burrought foi despedir-me dele ao cais quando do seu embarque.
FEVEREIRO
Dia 5 – O Air Vice Marshal recebeu na sua messe as principais e mais categorisadas pessoas da Ilha tendo-lhes oferecido um cock tail que decorreu animadissimo e ao qual assistiu por ai se encontrar em viagem de conforto moral aos “seus filhos” Lord Trencher o “Pai da R.A.F.”
Dia 18 – Acompanhado do Sub Delegado Maritimo Britanico veio ao meu Gabinete apresentar cumprimentos Robert Jans que se disse nomeado Delegado Maritimo Americano em Angra; agradeci os cumprimentos e como nada sabia que me habilitasse a ajuizar da categoria da pessoa que me vinha apresentar cumprimentos, limitei-me a desejar-lhe boas vindas e as maiores felicidades pessoais.
MARÇO
Dia 18 – Veio ao Palacio apresentar cumprimentos de despedida o Vice Almirante Holt e apresentar-me o seu substituto Captain F King Herman.
Dia 29 – Mr. Robert Jans que se diz Delegado Maritimo americano em Angra veio ao meu gabinete para me dizer que o Ministro dos Estados Unidos da América do Norte em Lisboa lhe enviára umas mobilias e que o Director da Alfândega só fazia o seu despacho depois de serem pagas as taxas e direitos devidos, pois, não tinha informação alguma que o habilita-se a proceder de forma diferente e que na qualidade de Delegado Marítimo Americano, estava, como os consules, isento dessas formalidades. Disse-lhe que nada podia fazer junto da Alfândega, porquanto não estava habilitado a reconhece-lo como Delegado Maritimo Americano em Angra, visto até à data nada ter recebido que o acreditasse como tal, mas que esperasse mais um dia ou dois que possivelmente a sua situação viria defenida em qualquer documento a chegar no próximo correio.
Eis o resumo das minhas relações e actuações com os estrangeiros desde alguns dias antes da sua chegada até às vesperas do meu embarque para Lisboa e que teem ao menos o mérito de serem filhas da melhor intenção de bem servir.
Fazendo votos pela saúde de V.Excia. apresento os protestos da minha maior admiração por V.Exª.
A bem da Nação
Angra-do-Heroísmo, 31 de Março de 1944
O Governador do Distrito Autónomo
António Francisco de Sales de Guimarães Pestana da Silva
[1] http://expresso.sapo.pt/politica/adriano-moreira-situacao-na-europa-e-alarmante=f914511#gs.XgAj6zg.
[2] http://en.braudel.org.br/research/archive/downloads/o-problema-de-abertura-dos-portos.pdf.
[3] http://analisesocial.ics.ul.pt/documentos/1223027734K4zTZ2wh1Lu94TC4.pdf.
[4] http://www.africanos.eu/ceaup/uploads/AS07_137.pdf.
[5] http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/transversos/article/viewFile/18540/13544.
[6] Edward Behr, O Último Imperador, Circulo de Leitores, 1988.
[7] https://eco.pt/2018/06/02/marcelo-rebelo-de-sousa-nao-pode-haver-varios-portugais-a-varias-velocidades/.
[8] Fernando Pessoa, Portugal, Sebastianismo e Quinto Império, Lisboa, Europa-América, 1986, pg. 55.
[9] Luís Manuel Vieira de Andrade, A IMPORTÂNCIA GEOESTRATÉGICA DOS AÇORES NA POLÍTICA EXTERNA PORTUGUESA DURANTE A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 1988, pp. 13,14.
[10] Portugal, Madeira e Açores, n.º 2220 de 25.6.1941.
[11] Ibidem.
[12] António José Telo, OS AÇORES E O CONTROLO DO ATLÂNTICO, 1ª edição, Porto, Edições ASA, 1993.
[13] Agustina Bessa-Luís, A Quinta Essência, 4ª edição, Lisboa, Guimarães Editores, 1999, pg. 131.
[14] Paul Preston, Franco “Caudillo de España”, Barcelona, Mondadori, 1999.
[15] Almanaque-Anuário Micaelense, 1938, XIII ano.
[16] Correio dos Açores, nº 5043, de 7.10.1937.
[17] Luís Vieira de Andrade, NEUTRALIDADE COLABORANTE, O Caso de Portugal na Segunda Guerra Mundial, Ponta Delgada, 1993.
[18] Américo Thomaz, ÚLTIMAS DÉCADAS DE PORTUGAL, VOLUME II, Lisboa, Edições Fernando Pereira, 1982.
[19] José Augusto Grave, OS AÇORES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, A VISÃO INTERNA, Anexo II, Dissertação de Mestrado, policopiada, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2000 (Em anexo, também, a este artigo).
[20] Idem.
[21] Idem.
[22] Idem
[23] José Augusto Grave, OS AÇORES NA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL, A VISÃO INTERNA, Dissertação de Mestrado, policopiada, Ponta Delgada, Universidade dos Açores, 2000.
[24] Idem.
[25] Prática antiga da Grã-Bretanha, se nos reportarmos ao Adicional de 1817 ao Tratado de 1815 negociado na Convenção de Viena.
[26] Idem nota 24.
[27] B.P.A.P.D., A.G.C.P.D., Copiador de Correspondência Expedida, ofício de 19.6.1943, do Secretário do Governo Civil do Distrito Autónomo de Ponta Delgada para C.E.M. do CMA. “(…) que mandou transmitir aos interessados as informações constantes do mesmo ofício acerca da fava de produção local, a considerar requisitada na sua totalidade para satisfação das necessidades militares. Sua Ex.ª o Governador do distrito encarrega-me também de rogar a V.Ex.ª se digne informar sua Ex.ª o General Comandante Militar dos Açôres, para os devidos efeitos, de que, conforme informações das repartições competentes, a produção de fava desta ilha é de cêrca do dôbro das necessidades do consumo, incluindo o das unidades militares, sendo por isso de recear que venha a perder-se grande parte das actuais existências daquele cereal, conforme já sucedeu em ano anterior”.
[28] B.P.A.P.D., A.G.C.P.D., Copiador de Correspondência Expedida, ofício de 8.4.1943, do Governador do Distrito Autónomo de Ponta Delgada para o C.E.M. do CMA. “(…) encarrega-me sua excelência o Governador Substituto do Distrito de comunicar a V. Exa. que deu entrada neste Govêrno Civil um requerimento (…) pedindo autorização para enviar para a cidade do Porto, a um seu filho estudante, uma latinha de Vitacola, oito pequenos pacotinhos de marmelada de batata dôce de fabrico local, um quilo e duzentas gramas (aproximadamente) de queijo tipo Kraft (de luxo) e 250 gramas de amêndoas. Cumpre-me informar V. Exa. que o Delegado Substituto da I.G.I.C.A. já deu a sua informação no sentido de não ver inconveniente no deferimento dêste pedido, por tratar-se de quantidades muito pequenas”.
[29] B.P.A.P.D., A.G.C.P.D., Copiador de Correspondência Expedida, ofício de 4.8.1943, do Secretário do Governo Civil do Distrito Autónomo de Ponta Delgada para o C.E.M. do CMA.
[30] Virgílio de Carvalho, «O MUNDO, A EUROPA E PORTUGAL, Colectânea de Artigos de Opinião (1983-1992), I volume, Edição da Sociedade Histórica da Independência Nacional, 1995.
[31] Idem: (…) importa primeiro que tudo ter sempre bem presente o facto de que, desde há séculos, tem sido política nacional procurar no Atlântico o reforço de potencial estratégico suficiente para garantir a sobrevivência e a independência do país. Por isso, é que entre outras medidas, alguns dos nossos melhores se decidiram um dia a ir povoar os Açores e a Madeira.
[32] Idem.
[33] https://www.publico.pt/2018/06/16/politica/opiniao/se-nao-formos-capazes-falhamos-como-pais-1834505.
[34] Idem.
[35] Idem.
[36] Cf nota 32.
[37] https://br.sputniknews.com/russia/2018050911175269-discurso-sobre-dia-da-vitoria-salvaram-mundo/.
[38] Cf nota 32.
[39] http://oceanolivre.org/pt/o-caso-dos-acores.
[40] http://oceanolivre.org/pt/o-caso-dos-acores.
http://www.azores.gov.pt/Portal/pt/temas/cidadao/Ambiente/Esclarecimento+da+Secretaria+Regional+do+Ambiente+e+do+Mar.htm?mode=category.
http://www.nautilusminerals.com/IRM/content/default.aspx.
http://ccipd.pt/wp-content/uploads/2012/09/crc/Carta_%20Regional_Competitividade_RAAcores.pdf.
http://radiolumena.com/governo-regional-e-passivo-e-negligente-na-gestao-e-exploracao-do-mar-dos-acores-critica-cds-pp/.
[41] http://www.azores.gov.pt/NR/rdonlyres/0982B3D4-DBC5-44D0-8CD0-5FCD2D3BFE5B/1099238/20180609ReceoaoCorpoDiplomticonombitodasComemoraes.pdf.
[42] Idem.
[43] https://www.publico.pt/2018/05/29/politica/noticia/primeiroministro-de-costa-a-costa-nos-para-renovar-parceria-estrategica-1832575.
[44] Fernando Pessoa, Páginas de Pensamento Político-1, Mem-Martins, Europa-América, 1986, pg. 32.
Supervisor de Emissão TV (RTP Açores). Mestre em História Insular e Atlântica (sécs. XV a XX), pela Universidade dos Açores, com a dissertação «Os Açores na Segunda Guerra Mundial – A Visão Interna», 2000.