Como nos diz o Coronel Gaspar do Couto Ribeiro Villas, em Os Portugueses na Colonização: seu papel ao lado dos restantes povos no movimento colonizador: o Império Colonial Português “em extensão [...] é menor que o da Bélgica e um pouco superior ao da Holanda, dando assim o terceiro lugar a Portugal na escala das potências coloniais. Não é formado agora, a partir do Século XIX, como fez a França em um destes arrancos de energia gaulez. Representa restos de um império imenso, que Portugal, mais feliz que a Espanha, pode conservar. Também não é unido como o da Bélgica, facilitando, tornando mais barata a administração. Espalha-se de Ocidente a Oriente, cobrindo com a bandeira das Quinas povos os mais diferentes, em contacto com várias nações e interesses, reclamando uma grande maleabilidade na direcção política, quer da Metrópole quer das Colónias, e também uma articulação do sistema administrativo, que o torna dispendioso. [...]
O Ministro das Colónias dirige toda a política colonial portugueza, tendo sob a sua acção as diferentes colónias, sem excepção. [...] Fica aqui exposto o notável e até brilhante papel dos Portugueses em o alevantado Movimento, que interessou e agrupou todos os restantes Povos civilizados para, conforme a frase do Rei Leopoldo II, implantarem definitivamente o estandarte da Civi-lização entre povos atrasados, tomando assim, em realidade, o maior e mais grandioso empreendimento de todos os tempos – a COLONIZAÇÃO”[1].
Está aqui resumido o culto da Colonização Portuguesa que se vivia em 1929. Em 1994, António José Telo[2] escrevia: “Portugal tem a peculiar característica de ter sido a primeira e a última potência europeia com um império africano, na época moderna. O império africano português nasce em 1415 e termina em 1975, um longo intervalo de 560 anos”.
Este pequeno país, presentemente, com pouco mais de 90 mil quilómetros quadrados e mais de um milhão de km2 de mar, tem-se excedido a si próprio no decurso da sua longa História. O projecto dos Descobrimentos foi, talvez, a maior empresa em que se sublimou a Língua Portuguesa, uma das línguas mais faladas do Mundo. Este aspecto é revelador da capacidade dos Portugueses, mas cujo somatório é, na nossa modesta opinião, grandioso. Este pensamento já nos inspirou bastante, como patenteado neste testemunho:
“A Língua Portuguesa
Viva
Etérea
Capaz
Com ventos de rara beleza
Navega em Oceanos de paz!”
Pedro Soares Martinez descreve de forma majestática o nosso ponto de vista: “a desproporção entre os meios disponíveis e os objectivos alcançados pelos Portugueses, através dos séculos, rapidamente coloca o observador crítico na necessidade de admitir que as vitórias militares, só por si, não fossem bastantes para explicar os sucessos. Aquelas vitórias mostram-se, de uma maneira geral, cautelosamente preparadas e inteligentemente aproveitadas. Sendo até curioso notar que, não obstante o nosso gosto individual pela improvisação, quase se não encontram improvisos nas grandes decisões válidas da história portuguesa. Daqui será fácil concluir o extraordinário relevo da visão política global e da acção diplomática em todo o processo da criação, da sobrevivência e da expansão da comunidade portuguesa”[3].
António Oliveira Salazar sabia quão crucial eram os apoios internacionais para manter a política ultramarina. Enquanto as restantes potências ocidentais consentiam na autodeterminação às suas colónias, Portugal tentava outros apoios internacionais, nomeadamente a RFA e a França, uma vez que os aliados tradicionais, com destaque para a Inglaterra e EUA, já não apoiavam a política imperial portuguesa.
Adivinhava-se aquela que seria a última crise do império. Na opinião de António José Telo “as várias crises importantes do império – e muitas houve – surgem justamente quando Portugal se adapta tarde ou mal – e, por vezes, tarde e mal – às mudanças no sistema internacional. [...] Portugal, como um pequeno poder, não tem os meios, para alterar ou condicionar significativamente a evolução do sistema internacional. Quando a mudança no sistema é significativa, um estado fraco como Portugal tem de se adaptar a ela, voluntariamente ou não, e quanto mais demorar pior será. [...]
Neste aspecto, a última das crises do império é diferente de todas as outras, pelo simples motivo que é a única onde não são feitas as adaptações necessárias a tempo. Ela começa a desenhar-se logo a seguir à segunda guerra, quando a primeira fase do movimento das autonomias se faz sentir com força no continente asiático. [...] No começo dos anos cinquenta, está terminada a primeira grande fase do movimento das autonomias moderno, com a independência de quase todas as antigas colónias da Ásia. Segue-se a segunda, que se faz sentir na zona árabe do continente africano. [...] A terceira e última fase do movimento das autonomias começa no fim dos anos cinquenta, abarcando agora a África sub-saariana. [...] Em fins de 1960, a maior parte da África sub-saariana é independente, em condições que permitem no essencial às potências europeias manter muito da sua influência cultural, política e económica. Portugal é a excepção”[4]. No campo político internacional, em 1961, Salazar tentava transmitir a percepção de que Angola e Moçambique não se podiam comparar a outros territórios coloniais em África e argumentava com a sua ideia de “Guerra Fria[5] da luta de Portugal nas colónias, na qual Portugal figurava na vanguarda da luta do Ocidente contra o comunismo internacional”[6].
Esta decisão vai levar Portugal à denominada “Guerra do Ultramar”, que se prolongou durante 13 anos, e à alteração dos apoios internacionais, como referido anteriormente. Tentaremos espelhar no nosso trabalho a importância do apoio da França para alimentar a última guerra do Império. Ou seja, como escreveu Daniel da Silva Costa Marcos: “Numa época em que Portugal se debatia com uma guerra a milhares de quilómetros da Metrópole, que decorria em três frentes separadas, e com as principais potências atlânticas, EUA e Inglaterra, a oporem-se, em termos políticos e morais, ao esforço colonial português, o regime salazarista encontrou na França o aliado preferencial do qual recebeu, sobretudo, apoio político e militar”[7]. A RFA também apoiou Portugal, no entanto, não abordaremos este assunto no presente trabalho.
A Conferência de Bandung, em 1955, de inspiração anti-colonialista, realiza-se entre países africanos e asiáticos e numa outra que se lhe seguiu, dois anos mais tarde, e que teve lugar no Cairo. Esta última contou com representantes de países árabes. Os participantes destas iniciativas revelaram ao Mundo o seu pensamento: “O direito de todos os povos à soberania, a igualdade de todas as nações, a recusa do neo-colonialismo, a recusa da ingerência estrangeira nos seus problemas e conflitos internos e o banimento de todo o tipo de discriminação social”.
Como refere o Tenente-general Lopes Alves: “Os resultados que advieram desse período de ambiente subversivo e revolucionário do século passado, desde logo merecedores da aprovação ou indiferença da maioria dos membros da ONU e duas super-potências antagonistas da Guerra Fria, que vigorava, foram imensos e volumosos, ainda que na sua maioria instáveis, e deram à estrutura do mundo das nações uma nova imagem. Destacam-se entre os mais importantes: a Guerra da Indochina (1948-1954), a subversão na Malásia (1950), a revolta da tribo dos Mau-Maus, no Quénia (1952-1954), a subversão e revolução no então Zaire ou Congo, hoje República Democrática do Kongo (1957-1959), as subversões no Chipre (1955-1960), Síria, Palestina, Argélia, Marrocos e, sucessivamente, nos nossos próprios territórios africanos de Angola (1961), Guiné (1963) e Moçambique (1964), que se estenderam até 1974.
O ambiente internacional foi-se tomando assim mais denso e mais hostil para os países europeus com domínios coloniais, quer no âmbito externo, quer, à medida que as lutas prosseguiam, também no âmbito interno. E, cansados de lutas e não encontrando ambiente populacional e possibilidades de as continuarem, todos os governos europeus, com excepção do nosso, procurando, no entanto, garantir a sua futura influência e os seus interesses nos novos países em embrião, cederam. Foram os casos da França que, sob pressão do General De Gaulle, concedeu a independência a todos os seus domínios ultramarinos em 1958 (a Argélia só em 1962), da Bélgica em 1959, da Inglaterra em 1963 e da Espanha (Marrocos e Saára Ocidental), em 1975. O último país africano a ter acesso à independência seria a Namíbia, antigo território alemão administrado pela República da África do Sul sob mandato das Nações Unidas, em 1990”.
Na sequência desta turbulência geopolítica que se segue à Segunda Guerra Mundial (II GM), a Nação Portuguesa viu perigar o seu Império com mais de meio milénio de História. Os acontecimentos acima descritos acabaram por marcar indelevelmente Portugal, do ponto de vista político e estratégico, com reflexos em todas as actividades, nomeadamente nas Forças Armadas. Eis alguns dos acontecimentos de relevo que se seguiram à II GM:
– Entrada de Portugal na Aliança Atlântica, em 1949;
– Eclosão de instabilidade no Estado Português da Índia, nomeadamente em Goa, em 1954, estendida depois por toda a década de 1950;
– Eclosão da subversão em Angola, em Fevereiro de 1961;
– Invasão e ocupação do Estado da Índia pelas forças armadas da União Indiana, em Dezembro de 1961;
– Eclosão da subversão na Guiné, em 1963;
– Eclosão da subversão em Moçambique, em 1964;
– Revolução de 25 de Abril de 1974.
Segundo António José Telo, “já em fins de 1958, Marcello Mathias, o novo MNE[8] português, defendia as teses ‘francesas’ junto dos interlocutores americanos, com uma mal disfarçada admiração por De Gaulle. Portugal pensa que a África é ‘uma extensão da Europa sem a qual esta não pode viver’, razão pela qual o comunismo tenta o cerco indirecto do continente europeu e, logo, a NATO deve estender a sua zona para sul. Ao mesmo tempo, salienta-se junto dos EUA que eles não podem manter duas políticas para os aliados da NATO: uma para a Europa e outra para África”[9].
Na opinião do mesmo autor, “o Governo reconhece que não se pode contar com os apoios tradicionais, mas a sua resposta é arranjar alternativas, afastando-se do mundo anglo-saxónico e aproximando-se de outras fontes de tecnologias militares e apoio diplomático. Tudo se passa de forma muito pragmática, sem discussão de fundo na política externa portuguesa, quase como se ela não tivesse importância. O movimento é tão bem sucedido que ainda hoje não há uma consciência clara da verdadeira “inversão de alianças” que se produz em 1959-1961”[10]. Na nossa opinião, foi tudo feito com muita subtileza e elevação, em tempo, para preparar a guerra que se adivinhava. A França é uma das nações aliadas que muito contribuiu para o sucesso da política portuguesa em África, como tentaremos demonstrar em alguns exemplos adiante.
As relações entre os países espelham-se amiúde nas relações entre os seus governantes, como podemos confirmar no seguinte texto: “embora Salazar tenha preservado o seu círculo de fãs entre a extrema-direita francesa, não só pelos seus fundamentos ideológicos, mas também pela sua política africana, as relações excelentes que o regime mantinha com o general De Gaulle não lhe permitiam manifestar o reconhecimento público desse apoio. Contudo existia. Em Dezembro de 1960, Salazar recebeu uma carta do general Raoul Salan que comparava a política portuguesa à francesa, em detrimento desta”[11].
O bom relacionamento entre os dois países merecia a atenção dos media coevos, nomeadamente da imprensa periódica escrita. Eis alguns episódios que justificam as nossas palavras: em 12 de Abril de 1960, Salazar concede audiência a um jornalista-fotógrafo da revista Jour de France, acompanhado por J. Ploncard d’Assac, para ilustrar um artigo de Henri Massis[12]. Igualmente, a 7 de Abril de 1961, recebeu o MNE francês, Couve de Mourville, acompanhado pelo seu homólogo, Marcello Mathias. Recebe cumprimentos do general De Gaulle e abordam assuntos vários sobre política africana[13].
3.1 Apoios necessários e tarefas prioritárias
Podemos considerar que existia, no início da década de 1960, uma relação privilegiada entre os militares dos dois países, um dos grandes vectores “que provou o apoio francês à política externa salazarista”[14] no início da Guerra Colonial. O material de guerra de origem francesa teve relevante importância para a condução das operações e contribuiu significativamente para que a França reforçasse a sua posição económica no mercado português.
“Já em 1958 Portugal e França tinham importantes e proveitosas relações militares. Ora, a partir daí, a cooperação entre estes dois países continuou a aumentar, mesmo nos períodos de maiores dificuldades para Portugal, como por exemplo em 1961, ano em que os EUA criaram fortes dificuldades à cedência de armamento”[15].
Com o incremento das relações entre os Ministros da Defesa (MD) de ambos os países, os quais retribuem visitas para a aquisição de material de guerra que correspondesse aos propósitos da política em marcha. Num dos encontros entre o MD português, Botelho Moniz, e o seu homólogo francês, Pierre Messmer, este referiu que a França não tinha “segredos para com Portugal, esse país amigo que ela estima desde sempre”[16]. Palavras que traduzem o bom relacionamento recíproco. É de referir que estas visitas protocolares serviam, também, para fazer passar a ideia de que Portugal possuía aliados na Europa que o apoiavam no reequipamento das suas Forças Armadas, “atitude necessária para prevenir um possível ataque do «inimigo» comunista às Províncias Ultramarinas Portuguesas”[17].
As atenções voltavam-se agora para a África. Segundo António José Telo, “para aplicar a nova política, os responsáveis militares sabem que têm quatro tarefas prioritárias, que passam à frente de tudo o resto e são vitais. A primeira é criar unidades móveis e treinadas nas técnicas recentemente desenvolvidas da contra-guerrilha; a segunda é aperfeiçoar os meios de transporte, especialmente desenvolver uma aviação de transporte táctica, que não existe; a terceira é aumentar a capacidade de ligação aérea Portugal-África, única forma de enviar reforços a tempo numa emergência e manter o apoio indispensável a uma força expedicionária; a quarta é modernizar o armamento português, especialmente o armamento da infantaria que, em larga medida, ainda era o adquirido em 1939-45, mal adaptado a uma moderna guerra de guerrilhas, para além de ser antiquado”[18]. Vamos tentar demonstrar como a França apoiou Portugal nesta demanda, sem sermos, contudo, amplamente exaustivos.
Primeira tarefa: criar unidades móveis e treinadas nas técnicas recentemente desenvolvidas da contra-guerrilha.
Com as palavras do Tenente-general Lopes Alves, justificamos, em parte, a primeira tarefa: “É de destacar neste bom relacionamento militar o verificado com a França na guerra de independência que então travava contra os patriotas argelinos, o qual constituiria o nosso primeiro contacto real com o fenómeno subversivo que estava a instalar-se no Globo. Esse relacionamento, entre outros, foi aí realizado através de visitas e estágios de oficiais e sargentos e da participação em algumas das suas operações”.
Segunda tarefa: aperfeiçoar os meios de transporte, especialmente uma aviação de transporte táctica, que não existia.
Em virtude de não se conseguirem adquirir aos EUA os aviões C130 e os helicópteros UH1, Portugal vira-se para o mercado europeu, e da “França vieram ainda antes do começo da luta armada os primeiros 6 Noratlas[19] de transporte táctico, comprados a uma companhia aérea civil, 4 avionetas Broussard e umas dezenas de antiquados aviões de treino T-6, de fabrico americano, que eram usados na Argélia para apoio táctico ligeiro e teriam o mesmo uso em Angola. [...] Os helicópteros, elemento essencial para a aplicação das tácticas anti-guerrilha, só foram usados em África de forma significativa a partir de 1963, com a chegada dos primeiros lotes de Alouette III franceses”[20].
Terceira tarefa: aumentar a capacidade de ligação aérea Portugal-África, única forma de enviar reforços a tempo numa emergência e manter o apoio indispensável a uma força expedicionária.
Para obter a capacidade de ligação com África, Portugal tenta adquirir aviões C-118 aos EUA, tal como já tinha acontecido com os C-130 e os UH-1, cujas tentativas foram goradas. Portugal comprou outras aeronaves para o mesmo propósito, tal como os DC-6 e C-118, mas com a desculpa que seriam para a TAP. Na realidade, foi formada uma unidade de transporte especial localizada no Montijo[21], a qual mantinha a ligação mínima com Angola, quando a guerra teve o seu início[22]. Este negócio não teve qualquer facilidade de pagamento e os aviões já eram usados.
Quarta tarefa: modernizar o armamento português, especialmente o armamento da infantaria que, em larga medida, ainda era o adquirido em 1939-45, mal-adaptado a uma moderna guerra de guerrilhas, para além de ser antiquado.
Antes do início da guerra, Portugal efectuou significativas encomendas à indústria militar francesa. Destacamos os veículos Panhard, cuja aquisição se realizou em 1958. Adquiriram-se também munições e roquetes (60mm).
(Foto FAP)
Figura – Helicóptero Alouette III (ALIII), alcunha “O Mosca”.
Na renovação do armamento ligeiro da infantaria, o auxílio principal veio da RFA. A espingarda automática G3, que ainda hoje equipa o Exército Português, foi a “jóia da coroa”, não só da Infantaria, mas de todos os combatentes.
Mas se a Força Aérea mereceu inicialmente o apoio privilegiado que Portugal necessitava, a partir de 1963, Salazar empenhou-se pessoalmente na aquisição de navios de guerra à França, como atestam as notas da sua agenda[23].
3.2 Outros apoios
Grande parte do material adquirido à França destinava-se à Força Aérea Portuguesa. Privilegiavam-se os “aviões de médio transporte, aviões de pequeno transporte, reconhecimento e comando; aviões de ataque ao solo; aviões para a formação de pára-quedistas; helicópteros; técnicas e material de transmissões; [...] técnicas de fogo apoiando as tropas de terra”[24]. Havia um interesse mútuo neste negócio: Portugal precisava do material para os seus propósitos bélicos e a França tinha interesse em encaixar capital para desenvolver a sua política de armas nucleares.
Devido aos pedidos insistentes do Embaixador de França em Lisboa, Menthon, foi nomeado um Adido Militar adjunto em Portugal. O Coronel André Wattier assumiu essas funções a 15 de Agosto de 1961 e terminou funções em Agosto de 1965.
A saída da França de África não impediu que continuasse a apoiar militarmente Portugal, “traduzindo-se, mesmo, em apoio ao controlo fronteiriço entre o Congo Brazzaville e Cabinda.
Mas se a Força Aérea mereceu inicialmente o apoio privilegiado que Portugal necessitava, a partir de 1963, Salazar empenhou-se pessoalmente na aquisição de navios de guerra à França como atestam as cartas dirigidas a Marcello Mathias, embaixador em Paris, uma datada de 27 de Novembro de 1963, cujo teor fundamental revelava a encomenda de “barcos”[25] franceses para a nossa Marinha e o acordo de certas facilidades a conceder à França nos Açores. No dia 30 do mesmo mês, envia outra carta ao embaixador em Paris, quase só referente aos navios de guerra a serem encomendados à França. Já em 8 de Agosto de 1964, Salazar insiste com o Ministro das Finanças, em nota manuscrita, para se proceder à assinatura dos contratos de aquisição dos navios de guerra adquiridos à França. Consta da agenda de António de Oliveira Salazar que, em 25 de Setembro do mesmo ano, a França anuncia a entrega de 8 (oito) navios de guerra como contrapartida pela cedência da base das Flores, nos Açores, para fins metereológicos.
Em conversa com o Sr. Comandante Armando Correia, que comandou o navio logístico “Bérrio”, concluimos que foram adquiridas 4 (quatro) fragatas da classe João Belo (João Belo, Hermenegildo Capelo, Roberto Ivens e Sacadura Cabral) e que tiveram um papel activo na Guerra do Ultramar. A Roberto Ivens foi retirada do activo em 1998 e a Hermegildo Capelo em 2004; as restantes permaneceram ao serviço da Marinha Portuguesa até mais tarde e foram vendidas ao Uruguai em 2008.
Quanto aos submarinos, também foram adquiridos 4 (quatro), um deles foi vendido ao Paquistão, e Portugal ficou com os restantes três pertencentes à classe Albacora (Albacora, Barracuda e Delfim).
É de registar que, em 14 de Janeiro de 1964, o Chefe de Estado inaugura uma fábrica da Metalurgia Duarte Ferreira, no Tramagal, que terá a capacidade para montar 600 camiões por ano. Daqui sairiam as famosas Berliet, de tecnologia francesa.
A perda de apoio político e militar por parte dos nossos velhos aliados foi compensada pelo apoio inequívoco da França, que foi uma aliada fundamental para “o sucesso da política externa e da política de defesa portuguesa, concluindo que essa aliança se reforçou ainda antes dos grandes ataques contra a política colonial portuguesa na ONU e o início da guerra colonial”[26]. Salazar reconheceu este apoio valioso numa entrevista concedida ao Le Figaro, em 1961: “a França sabe ser cavalheiresca e fiel. Os seus governantes souberam compreender a nossa tragédia”[27].
Apesar do apoio incondicional da França, tanto a nível militar como político, este, por si só, juntamente com mais alguns em que se coloca a RFA, não foi suficiente para que Portugal sustentasse o seu império. António José Telo descreve este paradigma, deixando-nos uma reflexão sobre a capacidade dos portugueses, nomeadamente ao nível militar e diplomático, que permanecerá na nossa memória: “o passado do 3.º império mostrou que a manutenção das colónias só é possível com fortes apoios internacionais e a aceitação dos princípios consagrados pela comunidade internacional, sujeitos a permanente revisão. [...]
Na conjuntura desfavorável dos anos sessenta, o que impressiona é que as Forças Armadas Portuguesas tenham conseguido aguentar uma guerra de 13 anos em três frentes. [...] O que impressiona, é a maleabilidade táctica dos diplomatas portugueses, que numa situação ‘impossível’ e partindo de um isolamento quase total, conseguiram garantir durante 13 anos os apoios mínimos para manter uma guerra ordenada pela comunidade internacional”[28].
Nós acrescentamos que parte do segredo para tão longa guerra e tantos sucessos militares e diplomáticos se deveu à determinação e à vontade férrea, a fazer jus ao provérbio “mais vale quebrar que torcer”, do homem que na maior parte daqueles anos conduzia os destinos de Portugal, António de Oliveira Salazar, para o bem e para o mal. Cumpriu-se a profecia que transmitiu a Franco Nogueira em 18 de Fevereiro de 1963: ‘Os americanos ou conseguem matar-me ou eu morro. Caso contrário, terão de lutar anos para conseguirem deitar-me a baixo’”[29].
Diz o povo que o mais cego é aquele que não quer ver. De facto, falou mais alto a teimosia do “orgulhosamente sós” do que a visão estratégica. Terminamos este nosso breve trabalho com as palavras de António José Telo: “Foi uma luta normalmente bem sucedida a todos os níveis e onde se registam notáveis vitórias tácticas. Mas foi uma luta travada com as mãos amarradas. Baseava-se no essencial em duas ilusões, que toda a anterior história do 3.º império provava serem falsas: a ilusão que o essencial para manter o império eram vitórias militares; a ilusão que uma pequena força pode alterar as regras básicas do sistema internacional, em vez de se adaptar à sua evolução.
Era uma excelente táctica ao serviço de uma má estratégia”[30].
António José Telo, As Guerras de África e a Mudança nos Apoios Internacionais de Portugal, in Revista de História das Ideias, Vol. 16 (1994).
Daniel da Silva Costa Marcos, Salazar e de Gaulle: a França e a Questão Colonial Portuguesa (1958-1968), Lisboa, Instituto Diplomático, 2007.
Fernando de Castro Brandão, António de Oliveira Salazar: Uma Cronologia, Lisboa, Prefácio, 2011.
Filipe Ribeiro de Meneses, Salazar, 3.ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2010.
Gaspar do Couto Ribeiro Villas, Os Portugueses na Colonização: seu papel ao lado dos restantes povos no movimento colonizador, Lisboa, Escola Superior Colonial, 1929.
Marcello Caetano, Minhas Memórias de Salazar, 4.ª Ed., [s. l.], Verbo, 2000.
Oliveira Salazar, Entrevistas (1960-1966), Coimbra, Coimbra Editores Lda., 1967.
Pedro Soares Martinez, História Diplomática de Portugal, 2.ª ed. [s. l.], Verbo, 1992.
[1] Os Portugueses na Colonização: seu papel ao lado dos restantes povos no movimento colonizador, Lisboa, Escola Superior Colonial, 1929, pp. 175-176.
[2] António José Telo, As Guerras de África e a Mudança nos Apoios Internacionais de Portugal, in Revista de História das Ideias, Vol. 16 (1994), pp. 347-369.
[3] Pedro Soares Martinez, História Diplomática de Portugal, 2.ª ed. [s.l.], Verbo, 1992, p. 545.
[4] António José Telo, Ob. cit., pp. 348-350.
[5] Nas palavras do Tenente-general Lopes Alves: “Após o termo da Segunda Guerra Mundial, foi marcado por insidiosa Guerra Fria, e dos que, deles decorrentes, caracterizaram depois as décadas de sessenta e setenta do mesmo período. Alimentada pelas duas super-potências que sobressaíram daquela guerra, os Estados Unidos da América e a Rússia soviética, a Guerra Fria alongar-se-ia, como nos recordamos, até 1986/1988, data em que o presidente russo Michael Gorbachev decidiu pôr fim ao comunismo no seu país, arrastando na sua queda sistemas análogos dos países do Pacto de Varsóvia, que controlava, e pondo em sobressalto o marxismo-leninismo-maoismo global”.
[6] Filipe Ribeiro de Meneses, Salazar, 3.ª ed., Alfragide, D. Quixote, 2010, p. 541.
[7] Daniel da Silva Costa Marcos, Salazar e de Gaulle: a França e a Questão Colonial Portuguesa (1958-1968), Lisboa, Instituto Diplomático, 2007, p. 236.
[8] Ministro dos Negócios Estrangeiros.
[9] António José Telo, Ob. cit., pp. 361-362.
[10] Idem, p.362.
[11] Filipe Ribeiro de Meneses, Ob.cit., p. 540.
[12] Fernando de Castro Brandão, António de Oliveira Salazar: Uma Cronologia, Lisboa, Prefácio, 2011, p. 448.
[13] Idem, p. 463.
[14] Daniel da Silva Costa Marcos, Ob.cit., p. 104.
[15] Idem, p. 106.
[16] Ibidem.
[17] Idem, p. 107.
[18] António José Telo, Ob. cit., p. 364.
[19] Ou Nord-Atlas que foram adquiridos à Nord-Aviation. Em 1961, havia contrato assinado para o fornecimento de mais seis Nord-Atlas.
[20] Idem, p. 366.
[21] BA6.
[22] Segundo António José Telo, esta estratégia de compra foi sugerida, numa conversa particular e confidencial pelo adido naval americano em Lisboa. Os DC-6 são a versão civil dos C-118.
[23] Vd. Fernando de Castro Brandão, Ob. Cit..
[24] AHFA – caixa 22 (XXII) 1960-Memorandos: Memorando, 17 de Junho de 1960. Apud. Daniel da Silva Costa Marcos, Ob.cit., p. 109.
[25] Navios de Guerra.
[26] Daniel da Silva Costa Marcos, Ob.cit., p. 116.
[27] Oliveira Salazar, Entrevistas (1960-1966), Coimbra, Coimbra Editores Lda., 1967. Apud Daniel da Silva Costa Marcos, Ob.cit., p. 116.
[28] António José Telo, Ob. cit., pp. 368-369.
[29] Fernando de Castro Brandão, Ob. cit., p. 494.
[30] António José Telo, Ob. cit., p. 369.