Nesta apresentação procurei, fundamentalmente, dois objetivos: perceber ou explicar os motivos dos recentes desenvolvimentos em matéria de segurança e defesa na União Europeia e o atraso que existiu e se perspetiva venha a ser o desenvolvimento de maior impacto, ou seja, a Cooperação Estruturada Permanente, daqui adiante PESCO. Depois, procurar elaborar, diferenciar PESCO e outras iniciativas que visam aprofundar igualmente a cooperação europeia em matéria de Segurança e Defesa. Em terceiro lugar, procurar identificar outros caminhos que nos parecem ter de serem trilhados também em sede de PESCO e que não estão na agenda ou, pelo menos, não estão no topo da agenda.
No primeiro ponto, os Estados-membros da União Europeia alegam recorrentemente a necessidade de uma maior colaboração em matérias de Segurança e Defesa. Na senda desse raciocínio, o aumento da cooperação entre as suas forças armadas aumentará significativamente a capacidade militar da União. Convém nunca nos esquecermos dos problemas de retórica e perguntar porquê aprofundar essa cooperação quando ela pode ser feita no quadro normal. A pergunta é naturalmente pertinente e legítima, a resposta seria longa e justificaria eventualmente algumas teses de doutoramento e muitos papers académicos, por isso vou procurar estreitar a banda da resposta. Têm sido fornecidas várias respostas oficiais com a conjugação de riscos e ameaças causadas pelo abandono da defesa europeia pela presente administração americana, a ameaça de leste causada pela política agressiva da Rússia, entre outros argumentos, que, a meu ver, são de utilidade questionável. Tomaremos como ponto de partida para esta reflexão a estratégia global da União Europeia a qual não iremos contestar, apesar da nossa posição crítica sobre a sua validade e alcance. Construiremos, portanto, o nosso raciocínio a partir disto.
Convém deixar clara a nossa convicção de que esse aprofundamento resulta apenas ou fundamentalmente de um motivo, a saída do Reino Unido da União Europeia e as consequências geoestratégicas introduzidas por essa saída. Ou seja, a saída do Reino Unido transformou o quadro do equilíbrio de poder no seio da União, os recentes desenvolvimentos no quadro da Cooperação Estruturada Permanente resultam do novo equilíbrio de poder na Europa e da necessidade da União Europeia ter de repensar o seu papel.
O Reino Unido funcionava como um obstáculo ao aprofundamento da cooperação, agora, com a sua saída, deixou de ser um obstáculo e, por isto, só após o anúncio da saída foi possível a aceleração do processo e os desenvolvimentos entretanto registados a que temos vindo a assistir; daremos particular ênfase a um desses desenvolvimentos, a Cooperação Estruturada Permanente, dado o seu potencial impacto no aprofundamento da cooperação em matéria de Segurança e Defesa. Dizemos potencial, porque o seu sucesso não está garantido, como veremos, existem várias “lombas na estrada que têm ainda de ser ultrapassadas”.
A União Europeia já tentou e não conseguiu ativar a PESCO 2010, após a entrada em vigor do Tratado de Lisboa, como uma tentativa lançada formalmente em novembro de 2017, portanto, isto só vem reforçar o meu argumento do papel que o Reino Unido desempenhou neste processo. Quando falamos em PESCO, falamos genericamente da capacitação da União Europeia em dois domínios diferentes; falamos no desenvolvimento numa base tecnológica e industrial de defesa europeia e, por outro lado, a constituição de unidades militares para projetar forças expedicionárias, já que a cooperação de segurança europeia é algo que atuará fora do seu território, embora o Tratado de Lisboa venha introduzir aqui uma nova componente – que podemos discutir mais à frente – que se prende com a proteção do território e isto permite também que a cooperação e segurança europeia possa alargar os seus tentáculos ou o seu domínio de intervenção para outras áreas, mas, para já, não vou por esse caminho.
Há outra questão que me parece importante salientar, é que o primeiro domínio – porque isto tem, digamos, patrocínios, tem mentores – é a base tecnológica e industrial europeia de Defesa; estamos a falar fundamentalmente de uma iniciativa com empenho particular da Alemanha, que tem neste processo uma ação mais inclusiva, procurando trazer mais estados, quantos mais melhor, como, aliás, iremos ver e, por outro lado, temos o papel da França, também um dos mentores deste processo, mas mais preocupada com a criação destas forças expedicionárias e, provavelmente, até visualizando, ao contrário da Alemanha, “uma Europa a duas velocidades”. Portanto, quando pensamos em PESCO, temos que pensar nestas duas dinâmicas que não são necessariamente contraditórias, mas, que, eventualmente, se podem complementar, digo eventualmente e já iremos ver porquê.
O Conselho da União Europeia decidiu estabelecer a PESCO, em dezembro de 2017, como sabemos, envolvendo vinte e cinco Estados-membros. A consequência mais tangível desse envolvimento é a obrigação dos Estados-membros participarem em projetos de capacitação, que os estados participantes concordem ser estrategicamente relevantes – e esta questão de serem estrategicamente relevantes é também uma matéria que deve ser objeto da nossa particular preocupação. Falamos de um compromisso em ajudar a resolver, através de projetos colaborativos, as lacunas em capacidades identificadas pela União Europeia e procurar bolsas de colaboração, mesmo antes de serem preenchidas as lacunas nacionais. Os projetos vão contribuir para tornar a indústria de defesa europeia mais competitiva e evitarem-se sobreposições desnecessárias, apoiando assim a intensificação do desenvolvimento desta base tecnológica e industrial europeia de defesa. Por outro lado, os Estados-membros comprometem-se também a disponibilizar unidades militares para destacar, para além dos battlegroups, a fim de atingir o nível de ambição militar da União Europeia e a prestar o apoio substancial sempre que a União Europeia lance uma operação. Ao abordarem-se estes temas, podem levantar-se, permanentemente, várias interrogações. A primeira, por exemplo, é procurar o porquê do nível da ambição militar da União Europeia – e vamos ver se tem sucesso –, porque esta questão da “missão militar” implica uma série de premissas que, nesta altura, não existem nem estão satisfeitas.
Quanto ao segundo tema, o que torna a PESCO diferente das iniciativas anteriores? Em primeiro lugar, o facto das decisões do Conselho serem juridicamente vinculativas. A PESCO, ao contrário das outras iniciativas, não vai desaparecer, veio para ficar; as iniciativas anteriores fracassaram, passados um ou dois anos, quando ficou claro que os estados não iam atuar, mas, sobretudo, porque não existia uma liderança e porque o Reino Unido se encarregava de impossibilitar qualquer desenvolvimento significativo e tangível. Os estados, agora, são obrigados a produzir anualmente um plano nacional de implementação, tal como acontece com o processo do planeamento de defesa da OTAN, ou seja, nesta perspetiva, os passos que vão ser dados, do ponto de vista conceptual, são uma aproximação de procedimento e metodologias da União Europeia, até porque se faz na OTAN; é evidente que faltam entretanto as premissas comerciais, nomeadamente a definição de micro-incorporação. O Conselho de Ministros avaliará anualmente se os Estados-membros cumprem os seus compromissos com base no Relatório do Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança, é o chamado Coordinated Annual Review on Defence (CARD).
O CARD está numa fase de teste, que começou em outubro de 2017, de modo a permitir aos Estados-membros testar, adaptar e validar esta abordagem, pensando numa primeira implementação completa, no outono de 2019. Portanto, estamos numa fase de testar os mecanismos que foram aprovados, procurar identificar as suas vulnerabilidades, corrigi-las para que, quando a implementação for a sério, estas lacunas possam estar já resolvidas. Isto não garante que os estados cumpram todas as suas metas, mas significa que terão que explicar os incumprimentos aos restantes Estados-membros, assim como aos seus públicos e parlamentos. Além disso, o compromisso de entrar em projetos de capacidade cooperativa significará compromissos coletivos, não sendo impossível é mais difícil de sair e nós, os portugueses, temos sido especialistas nesta prática, como é do conhecimento geral.
Por outro lado, a Comissão Europeia – estou a falar nesta prática relativamente a outros projetos cooperativos e não a estes que ainda não estão em cima da mesa – propôs um Fundo Europeu de Defesa que incluirá no próximo ciclo orçamental (2021-2027) uma janela de desenvolvimento que pode ir até cinco mil milhões de euros por ano, dos quais 20% podem ser financiados a partir do orçamento da União Europeia para projetos multinacionais que abordem as chamadas shortfalls – as lacunas comuns. Para projetos abrangidos no quadro da PESCO está previsto um bónus adicional de 10%, o que significa que, em comparação com os cerca de trinta e cinco mil milhões de euros que os estados da PESCO gastam no aumento dos investimentos, temos de admitir não se tratar de uma quantia insignificante e, por isso mesmo, parece-me importante que os dirigentes nacionais estejam permanentemente atentos ao desenvolvimento desta questão, porque a questão não se coloca em sair ou participar ou não participar, a questão coloca-se é como é que nós vamos beneficiar o mais possível deste instrumento e destas ferramentas, identificando áreas de prevenção, identificando aliados e pensando também naturalmente na indústria de defesa nacional (se é que existe) e, obviamente, na subordinação estratégica nacional ou grande estratégia nacional, mas o que se sugere é que estas questões têm de ser, do meu ponto de vista, reunidas de uma forma coerente.
A Comissão da União Europeia tornou-se assim um dos principais motores do debate sobre a defesa na União Europeia e isto é novo. A iniciativa de lançar a PESCO – e também é uma questão importante de salientar e de certa forma vem reafirmar aquilo que eu disse no início sobre os protagonistas deste processo – não vem de Bruxelas nem dos Estados-membros sem serem pressionados, ou pelos Estados Unidos ou pela NATO, o que significa que resulta da nova correlação de forças emergente do novo quadro geopolítico na Europa, provocado pela saída do Reino Unido. A França e a Alemanha adotaram a iniciativa numa cimeira bilateral, em 13 de julho de 2017, apresentando uma proposta detalhada, subscrita, depois, mais tarde, pela Itália e pela Alemanha. O que se ganhou aqui, e merece ser salientado quando pensamos na perenidade deste instrumento, é que nesta receita há uma liderança forte que é algo que também é novo, mas também esta liderança poderá ter os seus problemas como iremos ver mais à frente, sobretudo, na parte da Alemanha com a chamada EiSchu, porque, no fundo, é um sistema que vem concorrer com os projetos que “já estão na estrada”, lançados pela União Europeia.
A liderança franco-alemã fez com que as propostas dos países fossem adotadas em tempo record e menos de meio ano se passou entre a Cimeira franco-alemã e a decisão do Conselho; eu acho que isto é extremamente significativo, mas será necessário manter uma liderança forte para que a PESCO possa cumprir o seu potencial. Na sua forma atual incorpora um compromisso entre a França e a Alemanha e o número de estados que aderiram a ela, contudo, eu gostaria de sublinhar as duas formas de ver a PESCO, a francesa e a alemã, e como é que nós depois nos vamos movimentar no meio disto tudo, porque somos um pequeno Estado e pensando sempre no interesse nacional e como nos temos de colocar nesta competição geoestratégica pela liderança do processo entre estes dois atores. A França queria formar um grupo core com cerca de uma dúzia de membros que incluiria ou não os outros, o projeto de Paris enfatizava critérios ambiciosos, considerando a PESCO como uma plataforma para gerar forças para operações da União Europeia – e agora eu diria, provavelmente – nas suas zonas de interesse. A Alemanha, por outro lado, tem uma visão mais abrangente; ambas as visões devem moldar o resultado final, sendo claro que a PESCO não foi projetada para ter tantos membros, as autoridades nacionais têm de estar atentas aos desenvolvimentos desta correlação de forças e no posicionamento destes atores principais neste processo sem esquecer, naturalmente, a Itália e a Alemanha.
Na primeira lista com dezassete projetos PESCO – gostaria também de sublinhar isto –, excetuando o QG Médico, a maioria dos outros dezasseis projetos, embora úteis para os estados que os propuseram, não atende a nenhuma das lacunas europeias coletivas; na lista desses projetos há dois para os quais eu gostaria de chamar a atenção: um deles prende-se com a mobilidade militar (relacionada com a discussão sobre o Shengen militar, que foi lançado pelo general Hodges e que tem mais que ser visto numa lógica da PESCO e no seu relacionamento com os projetos Totten e não propriamente com a PESCO em si mesma), porque tem a ver com operações no território europeu e, como é sabido, a PESCO pensa fundamentalmente fora da Europa – fora do território europeu – e não está concebida para ações do Art.º 5º.; depois, há um outro processo para o qual se deve dedicar muita atenção, o chamado CROC. É neste processo que os franceses depositaram mais esperanças e depois vamos procurar saber porque é que a iniciativa paralela que eles lançaram, que de certa forma compete com esta iniciativa, com este projeto, e até que ponto ele pode desenvolver-se.
Portugal participa em seis projetos e é observador em três, penso que este tema já deve ter sido devidamente debatido aqui hoje de manhã, não me vou alongar sobre eles, o que eu gostaria de solicitar a vossa atenção é que será que esta questão foi devidamente pensada em termos da nossa indústria de defesa nacional? A minha opinião é positiva, eu penso que Portugal tem determinadas empresas que podem “alinhar neste comboio”, eventualmente, poderia participar num ou noutro projeto, mas a decisão, de uma forma geral, foi bem tomada, nomeadamente a questão das ameaças cibernéticas, tendo em conta que até vamos ter a Escola da NATO em Portugal e a Escola de Comunicações, portanto, tenho uma opinião muito favorável e positiva sobre estas decisões. Estes são alguns dos projetos em que Portugal vai funcionar como observador; também não tenho nenhuma crítica de base para estas opções, parecem-me ser decisões nas quais eu me poderia rever se fosse decisor.
Esta questão – como é que se caminha até estes dezassete projetos – poderia ser objeto de um debate, podemos deixar isso para uma fase mais avançada, mas perceber como é que a Alemanha e a França se comportaram neste processo e como é que depois “tiveram de ir a jogo” quando se aperceberam que havia muitos países, muitos projetos, que ultrapassavam largamente a necessidade deles e eu devo “tirar o chapéu”, tanto à Alemanha como à França, que, neste projeto, tiveram uma postura conciliatória e acabaram por fazer algumas cedências para incorporar projetos promovidos por outros países, eu acho que foi uma iniciativa saudável e algo que me satisfaz.
O que está aqui em causa é nós percebermos como é que se identificam estes projetos e como se podem preencher as lacunas estratégicas, identificando-as. Essas lacunas têm de ter um princípio de raciocínio e esse princípio de raciocínio é o nível de ambição da União Europeia, e perceber como isso são “coletes de força”, não são princípios para o desenvolvimento de uma solução, mas, para já, deveriam seguir três passos; o primeiro, tendo por base cenários ilustrativos de possíveis missões – já identificados. O que não está identificado é qual é a missão a cumprir, qual é o quantitativo de forças e os meios necessários, nomeadamente o enabler estratégico; este é o primeiro pitfall, ou seja, o primeiro problema da identificação das necessidades, daquilo que nós efetivamente precisamos, mas, sendo condescendentes, vamos pensar que estes cenários nos permitem fazer uma identificação total dos capability requirements. Entretanto, vamos ver quais são as forças que proporcionámos ou que disponibilizámos, pelo menos, no papel, teoricamente, para as forças da União Europeia, chamamos-lhe Force Catalog e, depois, a seguir, faz-se o rateio, vê-se o que é preciso, vêem-se as existências e identificam-se as lacunas. O que está aqui em causa é que a PESCO tem de ser dimensionada para estas lacunas, fundamentalmente as lacunas que têm a ver com os enablers estratégicos, isto é importantíssimo. Esta lista de projetos resultou de um imperativo político, não resultou desta lógica que eu apresentei, esperamos que esta falta de focagem venha a ser corrigida na próxima ronda de propostas que vai ocorrer no final de 2018, que vai identificar as prioridades – shortfalls –, no curto e no médio prazo; ora, é muito importante que os decisores portugueses tenham isto em conta, porque isto tem implicações de natureza estratégica.
Para que a PESCO produza efeitos reais deve concentrar-se em projetos que requerem a participação de um número elevado de estados e abordem lacunas comuns europeias e não nacionais, projetos estrategicamente relevantes, como o transporte aéreo e marítimo de longo alcance, o ISTAR; de drones e satélites; do reabastecimento aéreo; etc.. Estes são os facilitadores estratégicos que os europeus precisam para projetar forças militares para além das suas fronteiras. Alguns membros da União Europeia podem vir a ter capacidade nacional limitada em algumas destas áreas, mas, certamente, não o suficiente para permitir que realizem operações significativas sem depender dos Estados Unidos. O primeiro deste tipo de projetos estratégicos da PESCO não distingue entre projetos estrategicamente relevantes e outros, e este é o “nó górdio” da questão. Igualmente, a PESCO só considera o financiamento da Comissão para projetos estratégicos, dada a discussão dentro da União Europeia.
O sistema para avaliar o desempenho dos Estados-membros, em termos dos seus compromissos PESCO, já está em vigor e o Conselho de Estado, programado para antes do verão de 2018, para especificar objetivos mais precisos e sequenciar o seu cumprimento em duas partes, uma, até 2020, e outra, de 2021 a 2025. A única sanção prevista para o não cumprimento é a suspensão da PESCO, uma opção que provavelmente nunca será utilizada. Esperemos que os autores originais das propostas da PESCO, nomeadamente, a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha, liderem pelo exemplo, respeitem o espírito da PESCO e coloquem o interesse coletivo da União em primeiro lugar, senão entramos no domínio do não tangível, cabendo-lhes propor projetos genuinamente estratégicos que os estados menores, eu diria, que os estados mais pequenos, não tenham escala para iniciar. Se Paris e Berlim, juntamente com Roma e Madrid, se unirem e harmonizarem os requisitos em todas as principais áreas de capacitação sob os auspícios da PESCO, os europeus poderão finalmente estar em posição de projetar, construir e obter um único sistema em cada domínio. É claramente necessária uma mudança cultural que só a França, a Alemanha, a Itália e a Espanha podem iniciar, portanto, este projeto mais geral da Segurança e Defesa europeia depende fundamentalmente destes quatro países.
Gostaria de sublinhar um aspeto que para mim relevante, e que a atual configuração da PESCO não considera, mas que me parece como crucial, e com isto vou entrar no meu terceiro ponto. Uma vez que o projeto tenha sido completado, só faz sentido que a capacidade resultante seja pertença desses estados como parte unificada em todos os estados que ajudaram a desenvolvê-la, em vez de estar dividida em partes; eu sei que isto pode não ser bem recebido por algumas pessoas, mas este assunto tem de ser debatido, aliás, porque nada disto que eu estou a dizer é novo, se pensarmos, por exemplo, no sistema AGS da NATO, é exatamente isto que eu estou a dizer e este raciocínio não se aplica naturalmente a batalhões de infantaria, mas aplica-se aos enablers estratégicos, como as aeronaves de transporte de longo alcance, os drones, e estou a falar de long range AWOC, navios e satélites, cujo desenvolvimento requer uma grande massa crítica dos estados para se iniciar, mas também, depois, a sua sustentação e se a sustentação for feita de uma forma coletiva, fará mais sentido. Com isto, pretende dizer-se que as aeronaves, os navios e aeronaves individuais podem ou podiam ser propriedade dos estados e até mesmo ser operados por pessoal nacional, mas poderiam ser incorporados numa estrutura única com pessoal multinacional, para comando, logística, manutenção e treino, e sujeitos a procedimentos padronizados, assim como programas de atualização e isto também já não é novidade nenhuma para a União Europeia, se nos recordarmos da experiência no comando europeu em Eindhoven, no fundo, ao operar as frotas de transporte da França, da Alemanha, da Itália e da Espanha e dos países do Benelux que participam nesta joint venture, mostram como é possível obter importantes ganhos de eficiência se atuarmos de uma forma coordenada – atenção, coordenada, não integrada.
As unidades de combate poderiam de ser operadas de maneira igualmente mais económica, pensando fundamentalmente nos estados de menor dimensão e recursos que poderiam manter uma capacidade de combate significativa, se em vez de precisarem de “arcar” com todas as unidades de apoio de combate e de apoio de serviços fossem fornecidos por meio de uma determinação de uma golden share do trabalho entre os vários estados, sem pôr em causa a posse, o comando e controle desses meios. E, mais uma vez, também temos assuntos desta natureza, nomeadamente entre a Holanda e a Bélgica, não significando que sejam um caso de expoentes máximos e que tenhamos que adotá-los de uma “forma cega”.
Este trabalho seguinte, esta dimensão da PESCO, não recebeu uma atenção significativa nesta nova reformulação em 2017, embora a decisão do Conselho afirme que este compromisso não abrange as forças de prontidão tática, as forças permanentes e as forças de reserva, é difícil ver como os estados podem cumprir os seus compromissos operacionais ou construir unidades destacáveis sem, até certo ponto, criar pacotes integrados de forças permanentes quando se fala de facilitadores estratégicos, portanto, sem prontidão, uma força que não demonstra capacidade, logo, temos de pensar inicialmente e prioritariamente nisto. Se este compromisso se referir apenas às práticas existentes na União Europeia, de declarar a disponibilidade teórica de forças nacionais não identificadas, como tem sido feito até agora, então não tem sentido. Vamos ser claros sobre esta matéria, sem prontidão não há capacidade militar, portanto, do meu ponto de vista, este processo operativo deveria estar ligado à PESCO desde o início, infelizmente não está.
A última questão, que se prende com um dos projetos que eu já vos falei aqui, um dos dezassete projetos que foi o chamado CROC, para facilitar a geração de forças expedicionárias. Para alcançar este objetivo, mais uma vez, os alemães e os ingleses propuseram um plano de contingência genérico e um pacote de forças associado – uma divisão, em duas brigadas, para além dos capacitadores estratégicos. Estes pacotes de forças e esta reserva de gestão acaba por concorrer com outras iniciativas e este é o busílis da questão, aqui é que vamos poder encontrar problemas que venham a subverter a PESCO, vindos, por exemplo, da França, com o Presidente Macron, na sua intervention initiative, anunciada no célebre discurso na Universidade da Sorbonne. Eu, por acaso, falei com alguns franceses sobre isto e parece que o Quai d’Orsay não foi consultado, portanto, houve ali uma falha de comunicação entre o Eliseu e o Quai d’Orsay e nem os próprios franceses percebem muito bem o que é que se está a passar, ou seja, algum “zunzum” em assumir inicialmente que Macron, quando lança esta iniciativa, se estava a referir ao CROC, mas, a partir de uma certa altura, começou a perceber-se que era um esquema separado, fora do quadro da PESCO e até mesmo da União Europeia, portanto, Macron, aparentemente, prevê que, até ao início da próxima década, os estados participantes terão que lançar uma força de intervenção comum, um orçamento de defesa comum e uma doutrina comum para a ação. Mas, numa linguagem de contingência, parece estar centrada numa doutrina de planeamento, na cultura estratégica e não nos pacotes de forças.
Precisamos ainda que a França venha esclarecer o seu pensamento relativamente a esta iniciativa, mas temos que ter presente que esta iniciativa, assim como da Framework Nation no quadro da NATO, desenvolvida pela Alemanha, levanta-nos a sensação que começam a surgir muitas iniciativas paralelas, correndo o risco de se prejudicarem mutuamente.
Termino, com uma pergunta para a qual eu não tenho resposta. Dada a importância da liderança francesa e alemã para o sucesso da PESCO, serão estes países capazes de assumir a liderança desta European Intervation Iniciative e do Framework Nation Concept ao mesmo tempo? Outra pergunta, quem irá assumir a liderança no CROC?
Deixo estas perguntas para reflexão, agora, há quem diga que esta “fuga para a frente” da França com este European Intervation Iniciative resulta da deceção francesa com a PESCO, que afinal é uma “criança diferente daquela que inicialmente pensavam, que lhe fugiu ao controlo e a qual ela não comanda”, portanto, isto é extremamente relevante, porque, se por um lado, a França começa com ações divergentes, centrífugas e a subverter esse espírito de liderança forte, então a PESCO pode não chegar àquilo que nós ambicionamos. Ou seja, sem uma visão de longo prazo será difícil manter qualquer espécie de “coerência nos bastidores”, entre as sucessivas rondas de propostas, de projetos prioritários.
Portanto, deixo-vos esta questão de reflexão: se, de facto, não existe um nível de ambição, se, de facto, é muito difícil estabelecer um capability requirement coerente, como é que nós podemos pensar num volte face, são tudo interrogações. Eu não me considero fatalista, adepto de que estas questões são insolúveis, mas penso que só as respostas a estas questões que eu levantei poderão levar a PESCO ao bom caminho.
Major-general do Exército Português, na situação de reserva.
Presentemente, é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.