Têm sido levadas a efeito diversas tentativas para conferir ao significado da palavra crise, nas relações internacionais, a maior precisão possível. Embora os vários autores se esquivem a apresentar uma definição da crise internacional, a sua maioria destaca o grau elevado de tensão e o perigo de guerra, sem que a guerra chegue a deflagrar, como elementos que distinguem a situação de crise da situação de paz e da situação de guerra. Com estes aspectos caracterizadores, se bem que um tanto vagos, o termo crise internacional assume um significado relativamente preciso.
Também com respeito à vida interna de um país é frequente a utilização do termo crise para descrever períodos de menor ou maior dificuldade. A extensão do uso da palavra crise é semelhante, ou até mais vasta, à amplitude do emprego da palavra estratégia. Tal como, a propósito dos mais diversos tipos de atitude nos mais variados domínios, se fala de estratégias de actuação, também se fala de crise nas mais diversificadas situações – crise de emprego, crise de habitação, crise conjugal, crise nacional, etc., etc.
Será que é possível, por analogia com as relações internacionais, conferir ao termo crise uma relativa precisão a respeito da política interna? O que é uma crise política? Todos os problemas, dificuldades e questões a que vulgarmente chamamos crise merecem de facto ser assim apelidados? Ou o simples facto de aplicar a palavra crise, com um sentido intencionalmente ambíguo, a grande parte de problemas e situações características do relacionamento interpessoas e intergrupos nas sociedades democráticas, pode fazer, por si só, parte de uma estratégia (consciente ou inconsciente) de denegrir a democracia, acusando-a de ser o «reino» das dificuldades, das contradições, numa palavra o «reino» das crises, o tipo de organização social em que a crise é permanente?
Se o sentido da palavra crise fosse desligado da acepção que lhe é dada nas relações internacionais e assumisse o significado do uso dos direitos e garantias dos cidadãos na defesa dos seus pontos de vista, na relacionação entre pessoas e grupos, de acordo com regras democraticamente estabelecidas para a superação das contradições e dos conflitos existentes em qualquer sociedade pelo debate político, excluindo o uso da força, então o emprego repetido da palavra crise perderia a capacidade de ser utilizado como arma por aqueles que visam, de facto, o derrube da democracia.
Mas como o termo crise está indissoluvelmente ligado ao seu significado quando aplicado à cena internacional, é extremamente conveniente tentar discriminar o mais exactamente possível o que se pretende dizer quando é usado a propósito da política interna ou seja qual o real significado de crise política interna.
Só assim será possível desmontar os ataques à democracia centrados no eixo democracia-crise, reconhecendo que, de facto, aquilo que é frequente em democracia e que, intencionalmente ou não, é denominado de crises não passa da melhor maneira, talvez mesmo a única, de evitar as verdadeiras crises internas, processo que, em conjugação com as guerras internas, constitui a forma privilegiada de substituição do poder nos regimes autocráticos.
Servindo-nos da teoria existente sobre crises internacionais e observando aspectos da política interna à sua luz, tentaremos contribuir para uma caracterização das crises internas, procurando definir os seus elementos fundamentais, graficar o seu desenvolvimento, relacionar os actores que nela poderão participar, levantar os meios colocados em acção no seu decurso, e referir certos elementos sobre a gestão e a preparação da gestão de crises internas, assim como sobre a sua conduta.
a. Quando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional com alta probabilidade do emprego da força, encontramo-nos perante uma crise internacional. Também na vida interna de um país se pode verificar fenómeno semelhante-rotura no devir previsível dos acontecimentos, acompanhada da possibilidade de emprego da força com elevada probabilidade de concretização; neste caso deparamo-nos com uma crise política interna.
Assim, são comuns ao fenómeno crise, interna ou internacional, os dois elementos fundamentais que o caracterizam, embora se reportem, normalmente, a diferentes actores e para diferentes finalidades. O advérbio «normalmente» tem lugar, na medida em que, frequentemente, actores da cena internacional se digladiam no interior de um Estado através da provocação de crises internas que, afinal, não passam de episódios de uma crise internacional, ou então, por razões de natureza interna (problemas que o poder estabelecido necessita de dissimular ou ultrapassar recorrendo à mobilização face ao exterior) é provocada uma crise internacional.
Além dos elementos caracterizadores que designamos por fundamentais, podem detectar-se outros que, de modo semelhante, estão presentes no fenómeno crise, quer na sua modalidade interna quer na sua modalidade internacional.
Entre eles contam-se:
– A forma como a crise pode surgir – depois de um lento amadurecimento de uma situação de tensão, ou agudização de uma contradição, culminando com o deflagrar da crise; ou bruscamente, a partir de um acto concreto de um dos intervenientes que pode, aparentemente, não se encontrar relacionado com a contradição entretanto solapada.
– A existência de uma acção concreta-verbal ou material – que provoca a crise (como sequência de paradas e respostas).
– A presença de um conflito de interesses a que mais do que um dos actores dão importância suficiente para assumirem grandes riscos.
– A incerteza, durante todo o processo de crise, sobre os previsíveis comportamentos dos adversários: ou pelo desconhecimento das suas verdadeiras intenções, ou pela camuflagem de tais intenções através do bluff, ou por deficiências de comunicações e erros nas decisões.
– Os perigos que podem conduzir à guerra (internacional ou interna, de acordo com o tipo de crise) resultantes do próprio processo de confronto gerador de uma dinâmica de escalada, intrínsecos à natureza dos interesses em jogo, e os que decorrem de possíveis deficiências no processo de informação e na tomada de decisões dos intervenientes.
– A importância do factor tempo no decorrer de uma crise, já que o facto das respostas serem rápidas ou dilatadas produz efeitos diferentes nos adversários e nos meios próprios, quer directamente quer indirectamente por intermédio das opiniões públicas.
b. Há contudo certos aspectos que, embora comuns às crises internas e internacionais, adquirem contornos próprios de acordo com a localização do fenómeno, e outros ainda cuja presença se verifica apenas ou na crise internacional ou na crise interna.
Enquanto na crise internacional o fluir dos acontecimentos nos quais se verifica a rotura se refere às relações entre os actores do sistema internacional, na crise interna os acontecimentos que interessam são os relativos à disputa e assunção do poder político numa unidade política.
Num determinado país existirá uma rotura no fluir normal dos acontecimentos – caracterizadora de uma crise – sempre que exista uma tentativa de tomada do poder (ou de alteração das dimensões[1] do poder) por métodos diferentes das regras de jogo formalmente instituídas (com base na lei constitucional).
Essa tentativa pode ser deliberadamente provocada, ou pode surgir por razões de oportunidade, quando o quadro global de referência se altera por motivos de vária ordem (política, económica ou social), o que implica reflexos no grau de consolidação do poder político legalmente estabelecido.
Tal tentativa está portanto relacionada (sendo mais ou menos estimulada) com o grau de desenvolvimento dos factores propiciadores de crise, uns de natureza interna, outros de natureza externa. Estes factores, que são susceptíveis de ser intencionalmente manipulados no sentido de retirar base social de apoio a quem exerce o poder e/ou às regras estabelecidas para disputar o poder político, situam-se nos domínios psicológico, económico, político e militar e reflectem-se todos profundamente na percepção das opiniões públicas sobre a situação (sentimento de maior ou menor confiança, contentamento e esperança).
Assim, situações de instabilidade política, grandes tensões sociais, dificuldades económicas, situações de endividamento externo ou outras tidas como desprestigiantes em termos nacionais, consituem ambientes geradores de descontentamento, de falta de confiança e de desesperança, que facilitam a conquista do poder político por meios não legais e/ou a alteração não legal das regras em que se fundamenta o seu exercício.
Na cena internacional, as crises tendem a vulgarizar-se como «forma de alcançar objectivos políticos importantes» (como parece ser a posição de Kissinger), ou mesmo substituindo a «guerra», na fórmula de Clausewitz «... a crise é a continuação da política por outros meios» (como parece ser a posição de Nixon em «A verdadeira Guerra»). Esta proliferação do fenómeno crise nas relações internacionais, a que não é alheio o facto nuclear, leva mesmo o General Lucien Poirier a considerar que «na presente situação da comunidade sociopolítica, o estado de crise é o seu estado natural». De qualquer modo, parece legítimo aceitar-se hoje em dia, nas interacções internacionais, em vez das duas tradicionais situações de paz e guerra, três tipos de relações: paz; paz-guerra ou ausência de paz e ausência de guerra ou, simplesmente, crise; guerra.
Fenómeno semelhante se verifica no interior dos Estados por causas que, directa ou indirectamente, têm algo a ver com os motivos que estão na base da vulgarização das crises internacionais. A situação de crise política interna – disputa do poder político à margem das regras instituídas, durante a qual (disputa) é iminente o uso da força – tende a vulgarizar-se dado o permanente recurso à estratégia indirecta por parte das grandes potências, o que as leva a actuar no interior dos estados, e pelos interesses globais dessas potências, o que origina (através de raciocínios de soma-zero e de dilema do prisioneiro) o aproveitamento, e até agudização, de tensões internas a seu favor com receio de que, na sua ausência, seja favorecida a grande potência adversária.
Esta vulgarização acentua-se nos países onde os factores propiciadores de crise atingem elevado grau, como sejam os países menos desenvolvidos e os países com pouca tradição quanto ao regime que neles vigora (caso daqueles que emergiram recentemente de situações autocráticas prolongadas, provenientes elas próprias de experiências democráticas descontroladas, por não adequadas à situação real do país e às motivações dos respectivos cidadãos).
c. A ameaça do uso da força caracterizadora da situação de crise política interna, que pode até comportar o emprego limitado de alguns meios militares por quem luta pelo poder, refere-se à utilização das Forças Armadas.
Se as Forças Armadas chegarem a ser utilizadas por quem não tem legitimidade para o fazer ou, tendo-o, delas fizer utilização ilegal ou num âmbito que ultrapasse certos limites, não nos encontraremos já perante uma crise, mas sim perante uma guerra interna numa das formas em que pode desenvolver-se (guerra subversiva, insurreição, golpe de estado, revolta militar ou guerra civil).
Há grande dificuldade em definir exactamente quais os «certos limites» acima dos quais a utilização das Forças Armadas passa a ser considerada acto de guerra interna. Normalmente o poder estabelecido tenderá a alargar ao máximo tais limites e procurará convencer as opiniões públicas nacionais e internacionais bem como os centros de decisão externos de que as Forças Armadas estão a desenvolver meras operações policiais em apoio das autoridades civis; quem pretende conquistar o poder clamará que o poder estabelecido está a usar a força armada em grande escala, pois que perdeu toda a base social de apoio que o legitimava, somente se conseguindo manter na «ponta das baionetas».
Mesmo a consideração da declaração de estado de sítio como indicador do limite separador crise-guerra interna não parece uma solução que sempre satisfaça, já que por um lado o poder estabelecido poderá procurar dilatar a sua formalização (por razões psicológicas) e, antes dela, empregar o máximo de meios militares, por outro lado o acto de declarar o estado de sítio, por si mesmo, poderá ser uma acção levada a efeito no conjunto da manobra da crise, para a vencer.
d. Mais do que na crise internacional – onde por vezes é difícil distinguir métodos definidores de crise de métodos correntes na situação de paz – na crise política interna, uma das grandes questões que se coloca na sua caracterização é saber exactamente onde termina a luta política pelo poder dentro das regras legais e começa o assalto ao poder.
É difícil saber até que ponto uma manifestação, uma greve, ou o uso de um meio de comunicação de massas deixa de ser uma atitude inserida nas regras do jogo e passa a ser uma acção de «combate» que visa o derrube do poder estabelecido por processos ilegais. Assim como é difícil discernir em que medida a elaboração de um decreto-lei, a tomada de certas medidas administrativas de nomeação, a definição de uma dada orientação económica ultrapassa ou não o limite de actuação legalmente permitido ao poder estabelecido, visa ou não a transformação ilegítima das regras que justificam a sua manutenção como poder e permitem que nele se perpetue.
É nesta área que se coloca o problema central das Forças Armadas em democracia (seu posicionamento, utilização e manipulação) – subordinação (não domesticação) ao poder político legítimo, evitando que o poder político legítimo utilize as Forças Armadas para se perpetuar ilegitimamente no poder[2].
Nos regimes democráticos, onde faz parte das «regras do jogo» lutar pelo poder «em público», usando os mais variados meios previstos na Constituição (manifestações de massas, meios de comunicação social, etc.), é muito mais fácil camuflar o «assalto ao poder» perante a permanente possibilidade de controlo que o exercício das regras democráticas permite. Nos regimes autocráticos, pelo contrário, é muito mais fácil o uso do poder para a manutenção do poder e mais difícil camuflar qualquer tentativa de «assalto ao poder» já que, na prática, esta é a única maneira de o conseguir.
Quando a tentativa de derrube do grupo que detém o poder envolve o objectivo de alterar as regras do «jogo» político, ou seja em última instância as bases de legitimidade do poder político, haverá uma «crise de regime». Quando a tentativa de derrube do grupo que detém o poder não põe em causa as regras básicas que legitimam o uso do poder, mas apenas o grupo que o detém à luz de tais regras, verifica-se uma «crise de governo». Enquanto a crise de governo, em tese, não pode ser provocada por quem está no poder, a crise de regime pode ser do interesse tanto de estranhos como do próprio poder estabelecido.
e. A despeito do facto de serem idênticos os dois elementos fundamentais caracterizadores das crises internas e internacionais, e das muitas semelhanças já apontadas, há uma característica das crises políticas internas que as distingue (além dos actores envolvidos, evidentemente) das crises internacionais. Enquanto nestas qualquer dos actores da crise pode vencê-la e até há quem admita que o melhor resultado será o compromisso[3] na crise interna terá que haver um vencedor e este somente poderá ser o poder estabelecido caso a crise não evolua para uma guerra interna.
Se na cena internacional a situação real é o equilíbrio mais ou menos assimétrico entre os poderes soberanos – principais actores do sistema internacional – no interior de uma unidade política apenas deverá existir um poder político soberano e, neste caso (nos regimes democráticos), o «equilíbrio de poderes» não é mais do que entre «áreas especializadas» do poder soberano e não significa a existência de dois ou mais poderes soberanos com maior ou menor autoridade.
Por outro lado, nem sempre o poder deve ser confundido com dirigentes que participem no seu exercício. A queda de um ou de outro dirigente (a crise polaca em curso é disso exemplo) não significa a derrota do poder estabelecido. Este só perderá quando for substituído por outro (do qual poderão até fazer parte dirigentes do anterior).
A vitória do poder estabelecido poderá ser mais ou menos matizada, ou seja, no final da crise, o seu potencial encontrar-se-á mais ou menos desgastado. Frequentemente as crises são utilizadas como processos de usura do poder, como parte de uma estratégia de assalto envolvendo ou não uma guerra subversiva. Isto é, no desenvolvimento de uma guerra subversiva, em especial na sua fase pré-insurreccional, a manobra geral pode integrar nas suas acções, com a finalidade de desgastar o poder estabelecido, a eclosão de crises. Quando é o grupo desafiador do poder estabelecido quem vence, então verificou-se um golpe de estado. Poderá afirmar-se que, da perspectiva que estamos a considerar, o golpe de estado não violento é, frequentemente, uma crise política interna perdida pelo poder estabelecido. Digo frequentemente porque, assim como o golpe de estado pode surgir em resultado de uma crise, também a vitória do golpe se poderá verificar à partida sem que qualquer crise ocorra. Assim, os desafiadores não preparam crises (a não ser quando estão a desenvolver uma guerra interna, em especial uma guerra subversiva); preparam golpes de estado. Depois da eclosão da tentativa de golpe pelo desafiador (eclosão da crise para o poder estabelecido), duas saídas se podem verificar: ou quem desafia alcança o seu objectivo e toma o poder – golpe de estado; ou a tentativa aborta e desenvolve-se a crise. Neste caso ainda haverá duas alternativas: ou o poder estabelecido vence a crise, ou os dois actores envolvem-se numa guerra interna.
A crise, na sua configuração apenas de crise, poderá ser provocada pelo poder estabelecido com o fim de se consolidar. Também se pode verificar na tentativa de golpe de estado por parte do poder estabelecido (visando manter-se no poder com regras diferentes das que vigoravam), falhar o golpe, degenerando numa crise que terá, então, uma de três saídas: ou o poder estabelecido vence a crise que provocou, ou perde-a e quem lhe resistir assume o poder com base num golpe de estado, ou os adversários envolvem-se noutro tipo de guerra interna.
A solução da crise interna através de compromisso não passa de uma fase intermédia do seu desenvolvimento, que representa de facto uma situação de cedência de um dos contendores, por ele considerada transitória, visando modificar a relação de forças de modo a, quando oportuno, conseguir a vitória definitiva (também, neste caso, o exemplo da Polónia é sugestivo).
a. A partir de uma situação de tensão, mais ou menos agudizada (intencionalmente ou não), poderá ou não surgir a percepção do desafio-tentativa de um actor coagir outro pela ameaça, explícita ou implícita, da força. Se a crise é provocada pelo poder estabelecido, a explicitação do desafio será evitada, a não ser que faça parte da manobra encarada e tenha portanto objectivos específicos. Pelo contrário se a crise for provocada por um actor que vise derrubar o governo, o desafio aparecerá, normalmente, de forma clara e com uma carga suficientemente forte para tentar desequilibrar significativamente logo de início a situação a seu favor.
O desafio pode ou não ser estimulado por um catalizador de natureza externa ou de natureza interna.
O catalizador de natureza externa é a percepção, por parte do governo ou de quem o pretende derrubar, de que se desenvolveu uma situação exterior susceptível, não só de ser aproveitada mas de quase exigência de uma atitude no âmbito interno, no mínimo a quase certeza de que haverá um forte apoio do exterior à sua atitude.
O catalizador de natureza interna consta da evolução de uma situação que se reflecte positivamente no desenvolvimento dos factores propiciadores de crise, modificando nitidamente a relação de forças no que respeita às bases sociais de apoio.
Frequentemente há uma íntima relacionação entre elementos de catalização exteriores e interiores.
Estamos a referir-nos àquilo que vulgarmente se designa por catalisador geral, a contradição que provoca a crise. Por vezes também tem lugar um catalisador específico, o pretexto factual imediato para o desafio. Como exemplo de catalisador geral, e relativamente à crise dos últimos tempos de governo de Marcelo Caetano, poderemos apresentar a guerra em África, o catalisador específico poderá ter sido o decreto sobre os capitães e o desafio a tentativa de golpe de 16 de Março.
b. Se o desafio é da iniciativa de quem não detém o poder, e se não houver resistência, estamos em presença de um golpe de estado, a que corresponde o derrube do poder estabelecido. Se o desafio é de quem domina o poder e se não se verificar resistência, não existirá crise, mas acentuar-se-a certamente o «grau de ilegalidade» do governo relativamente às regras do jogo que permitem a sua manutenção do poder (golpe de estado de governo).
Caso haja resistência, o processo de radicalização acentua-se, utrapassar-sa-á o estado de emergência (que corresponde ao limiar da crise), independentemente do acto formal da declaração do estado de emergência, e efectuar-se-á o confronto, entrando-se no âmago da crise.
O conceito de estado de emergência corresponde ao limite a partir do qual é possível, legalmente, o emprego de forças militares em apoio das autoridades civis. A expressão formal deste limite pode ser manipulada por quem detém o poder com objectivos parecidos aos que indicámos atrás no que respeita à declaração de estado de sítio. Tal manipulação terá como consequência situar a formalização do estado de emergência acima ou abaixo (conforme seja conveniente) do limiar da crise, entendido este como o tecto a partir do qual se passam a desenvolver interacções que caracterizam o ambiente como de crise (rotura no fluir normal dos acontecimentos na iminência do uso da força).
A conduta da crise poderá conduzir: ou à vitória do poder estabelecido, retomando-se uma situação de tensão normalmente de nível superior à que vigorava antes da crise; ou ao eclodir de uma guerra interna mais ou menos rápida – golpe de estado, insurreição, guerra subversiva, revolta militar ou guerra civil.
Dois aspectos devem ser vincados:
O primeiro refere-se ao golpe de estado levado a cabo pelo próprio poder estabelecido. No gráfico da crise, e sempre que aparece representado o golpe de estado, isso pode significar a vitória do poder estabelecido, desde que passe a colocar-se face às regras vigentes numa situação de ilegalidade. Esta situação pode ser deliberadamente provocada ou pode resultar da oportunidade que lhe for oferecida por um desafiador.
O segundo diz respeito à técnica do contragolpe. Esta técnica assenta numa manobra de provocação para fazer revelar um desafiante que ainda se encontra numa situação desfavorável. O papel de provocação pode caber ao catalisador específico ou ao próprio desafio. A técnica do contragolpe é normalmente utilizada pelo poder estabelecido mas, em certas condições e em tese, é susceptível de ser usado por um seu desafiador poderoso.
Os possíveis actores de uma crise política interna são: por um lado, o grupo que detém o poder; por outro lado, qualquer dos grupos existentes na unidade política que contém poder em potencial.
Dentre tais grupos citam-se: partidos políticos, organizações de classe (sindicatos, associações patronais, etc.), grupos étnicos, grupos religiosos, grupos regionais não integrados na hierarquia institucional (governos regionais, governos locais, etc., que se arvoram em sede do querer nacional), grupos militares (com o apoio de todas ou parte das Forças Armadas), outros grupos sociais, outros grupos de opinião, outros grupos funcionais.
Além destes, que podemos considerar os possíveis actores internos, uma crise interna pode envolver actores externos que, conforme já vimos atrás, actuam através de agentes internos (Estados – nação ou outras organizações internacionais e, especialmente, transnacionais).
Quando um actor interno se lança numa crise visando o poder autocrático (numa democracia ou mesmo num regime que já é autocrático), raramente dispensará um forte apoio externo susceptível de, a prazo, se transformar numa dependência, já que, caso vença a crise, poderá ter que se impor – mais cedo ou mais tarde – contra a vontade da maioria da população. Isto aplica-se especialmente aos pequenos países para os quais parece lícito afirmar-se que democracia é sinónimo de maior independência nacional, entendida esta como a menor dependência num mundo interdependente.
Há três importantes aspectos relacionados com os possíveis actores de uma crise interna que interessa destacar:
O primeiro é a extraordinária importância das Forças Armadas nas crises políticas internas, o que, aliás, já atrás destacámos, a outro propósito. Todo o actor que disputa o poder político numa crise interna está convencido de que tem o apoio da totalidade das Forças Armadas, ou de uma sua parte capaz de intervir a seu favor com vantagem. Ou, no mínimo, está convencido de que as FA se manterão neutras durante toda a contenda ou então apenas numa primeira fase, mas serão desequilibradas a seu favor posteriormente.
O segundo é a necessidade de uma direcção política. Todo o grupo não partido político potencial gerador de poder participa numa crise através de uma cúpula política que segrega. Esta cúpula é de facto um órgão político dirigente que tende a constituir, mais cedo ou mais tarde, um aparelho político do tipo partidário.
O terceiro é a importância das organizações de classe no desenrolar de uma crise interna. Todo o grupo que se lança numa crise (seja ou não partido politico) procura apoiar-se em maior ou menor extensão numa organização de classe, se não lhe corresponde.
a. Em teoria, para a solução de uma crise, o poder estabelecido terá à sua disposição todos os meios do Estado, enquanto quem o desafia de poucos meios poderia dispor.
De facto, em termos de meios, o que se passa, caracterizando de certo modo uma situação de crise, é a existência da convicção, por parte de quem desafia o governo, de que muitos dos meios não obedecerão a ordens governamentais e, pelo contrário, apoiarão o desafiador. Dentro desses meios destacam-se elementos das Forças Armadas.
Conforme já vimos, a crise é lançada para provocar um golpe de estado ou para, numa dada situação de relação de forças, impedir que tal relação se deteriore e/ou modificá-la a seu favor permitindo, a prazo, lançar um golpe de estado vitorioso ou resistir a uma tentativa de golpe do adversário.
Se não existe tal convicção (acerca da existência de uma certa «repartição» de meios), um desafiador que pretenda conquistar o poder recorrerá a outro tipo de guerra interna (previsivelmente a guerra subversiva) e não ao golpe de estado.
Quando se verifica ser errada a convicção que esteve na base da tentativa de golpe, e este falha deflagrando a crise, esta evolui, conforme já vimos, para outro tipo de guerra interna que, normalmente, será a revolta militar ou a guerra civil.
b. Os meios utilizados pelos actores de uma crise política interna abrangem todas as áreas da estratégia, pelo que a acção a desenvolver se inscreve no âmbito da estratégia total (lato sensu).
Dos meios psicológicos destacam-se as declarações públicas, os comunicados de apoio, esclarecimento, argumentação, aviso e ameaça, e a utilização indirecta dos mass-média.
Dos meios sociais têm relevo as manifestações de rua, os comícios e as greves.
A utilização dos meios militares será mais ou menos aberta, mas a sua presença e movimentação encontram-se por detrás das acções mais decisivas da conduta da crise. Se o poder estabelecido lança mão dos canais formais para manobrar os meios militares, movimentando forças, rebatendo informações de quem o desafia acerca de posições de militares, mobilizando tropas, declarando estados de prevenção, de alerta e de emergência, quem não é poder estabelecido dá notícia de pronunciamentos, de declarações de entidades militares com prestígio, da incapacidade do governo para movimentar forças.
O emprego de meios militares pelos actores da crise visa dois objectivos que se reforçam mutuamente, embora o primeiro seja normalmente decisivo: Por um lado permitir, em privado, que os actores conheçam os meios militares de que cada um dispõe, determinar o potencial relativo de combate, convencendo o outro de que está em inferioridade e que perderá se for para a guerra; é o «contar de espingardas», a utilização dos canais informais de ligação às unidades militares, as manobras de bastidores. Por outro lado, declarar publicamente os apoios com que cada um conta, militares e outros (ampliando e minimizando a sua importância conforme o caso) e os que o adversário vai perdendo, afim de desequilibrar a balança a seu favor, influenciando os dirigentes e as opiniões públicas.
Um dos meios de grande importância no desenvolvimento de uma crise política interna é o recurso aos mecanismos legais limitadores de direitos que o desafiador do poder estabelecido pode usar como «arma» (greves, manifestações, reuniões, trânsito, etc.): estes mecanismos devem ser accionados com grande prudência, porquanto o seu emprego fora de tempo, ou em condições não apropriadas, é susceptível de se voltar contra o governo, quer pelas reacções de descontentamento que provoca na população (em conjunto ou em alguns estratos), quer pela possibilidade de ser desobedecido, o que retira prestígio e força ao poder estabelecido.
c. A importância das Forças Armadas no decorrer de uma crise implica, naturalmente, a tentativa, por parte dos actores da crise, da sua manipulação no sentido de cada um «as mobilizar» a seu favor.
A maneira como se articula legalmente a subordinação das Forças Armadas ao poder político constitui uma base de partida de grande significado, tendo em vista o seu previsível comportamento no decorrer de uma crise, quanto ao actor que mais possibilidades tem de as utilizar. Naquela articulação é muito conveniente que o órgão de soberania com o qual as FA tenham o vínculo legal predominante coincida com a garantia de maior probabilidade de legitimidade mais alargada. Tal estruturação concorrerá para a coesão funcional[5] das FA e para a sua obediência a quem disponha de maior representatividade nacional, embora devam ser previstos mecanismos limitadores de tendências autocráticas.
Não é fácil concretizar a forma óptima de subordinação numa determinada sociedade real. Ela deverá considerar a vivência histórica dessa sociedade, em especial a utilização que o poder político «costuma» fazer das FA. Poderá contudo ser um referencial a ter em consideração os métodos adoptados pelas democracias ocidentais[6] onde a formulação da política de defesa nacional e a gestão política (aprontamento) das Forças Armadas é sempre da responsabilidade do Governo; o emprego das FA na actividade que justifica a sua existência como tal (em acções militares externas e internas) é da responsabilidade do órgão de soberania relativamente ao qual existe o consenso de dispor de maior legitimidade – Chefe do Estado no caso de ser eleito por sufrágio directo, governo quando tal se não verifica. A capacidade de emprego das FA relaciona-se com a declaração de guerra, estado de sítio e estado de emergência, e com o comando superior das FA[7] nestas situações o que implica a nomeação (incluindo a iniciativa de nomeação) dos principais chefes militares. Esta autoridade do Chefes de Estado eleito por sufrágio directo é traduzida, normalmente, na sua inserção na estrutura do Estado por forma a deter poderes reais (ou como chefe do governo nos regimes presidencialistas; ou a possibilidade de presidir ao conselho de ministros sempre que o deseje ou quando estão em causa questões de defesa nacional como acontece em regimes semipresidencialistas).
É tão importante toda esta questão relativa à maneira como as FA se subordinam ao poder político que há quem considere as disputas à sua volta como possíveis indicadores de tentativa de «alinhamentos de forças» tendo em vista hipóteses de crise política interna.
A preparação da gestão das crises políticas internas confunde-se, por parte do poder estabelecido, com o estabelecimento dos mecanismos que permitam responder com êxito a uma tentativa de assalto ao poder pelo golpe de estado e, por parte de um grupo que pretenda conquistar o poder à margem da lei, com a montagem de estruturas de direcção e comunicação e a obtenção de apoios (meios).
Quem detém o poder procurará, antes de mais, prevenir qualquer crise, portanto tentará evitar que se materializem as condições propiciadoras do desencadeamento de um golpe de estado. Isto será levado a efeito no âmbito da política geral do Estado, quer através da política de desenvolvimento tendo em vista o bem-estar dos cidadãos, quer com a política de defesa visando a segurança. Para esta última acção é importante a existência de uma estrutura de informações, relativamente à qual deverão ser previstos esquemas eficazes de controlo, a fim de que não se transforme, ela própria, num actor de uma crise ou num apoiante significativo de quem quiser levar a efeito um golpe de estado.
Conforme já atrás apontámos, nem sempre o poder estabelecido desenvolve uma estratégia de prevenção de crises. Por vezes, para acentuar a consolidação do poder de que desfruta ou até para se perpetuar em posição de domínio alterando as regras, o poder estabelecido aplica uma manobra de provocação de crises.
De qualquer modo o poder estabelecido deve prever a possibilidade de eclosão de crises internas, surjam elas ou não contra a sua vontade, e preparar-se para as vencer. Esta preparação abrange basicamente quatro aspectos: a colocação em vigor de legislação adequada que permita o emprego de meios e a restrição de direitos em certas situações; o estabelecimento de estruturas organizativas que permitam manobrar os meios durante a crise para a vencer; o levantamento dos meios existentes e desejáveis, bem como as vulnerabilidades a combater; a formulação de planos de contingência de acordo com hipóteses de crise.
Quanto à legislação, é de destacar aquela que se refere à utilização de meios militares quer na manutenção de serviços essenciais quer em apoio das autoridades civis para a manutenção da ordem pública.
Quanto às estruturas, aquelas que se estabelecem para fazer face a eventuais crises internacionais satisfazem as necessidades desde que, nos regimes democráticos, seja tida em consideração a indispensabilidade de autocontrolo para manter a democracia. É de destacar a importância da estrutura de decisão – do âmbito da estratégia total – se situar ao mais alto nível estratégico (no órgão superior da defesa nacional), ser constituída pelos responsáveis de todas as estratégias gerais incluindo a estratégia militar, ter uma dimensão que permita o seu funcionamento operacional, e ser presidida pela máxima autoridade política – aquele que tiver maior legitimidade nacional; corresponde ao Conselho Superior de Defesa Nacional desempenhando as funções de Gabinete de Crise.
Ainda no que respeita ao estabelecimento de estruturas, devem ser previstos gabinetes de apoio ao Gabinete de Crise nas áreas consideradas adequadas, nomeadamente para a informação pública.
Quem pretende assaltar o poder preocupar-se-á, na preparação, em criar ou adaptar estruturas e canais de comunicação e informação que lhe permitam manobrar os meios; isso será obtido recorrendo, normalmente, a estruturas legais existentes (partidárias, sindicais, religiosas, da própria Administração, etc.). reforçadas por «contactos » tipo rede clandestina. Estes contactos visarão fundamentalmente aliciar meios, calcular os apoios e garantir o seu compromisso.
A gestão de crises numa crise política interna envolve, por parte de cada um dos actores, a direcção de todas as actividades com a finalidade de obter a vitória.
A gestão das crises («Crisis Management» na terminologia anglo-saxónica ou «Controle des crises» para os Franceses) desenvolve-se de acordo com duas possíveis atitudes gerais: prevenir (antes da crise) ou amortecer (durante a crise); provocar (antes da crise) ou agudizar (durante a crise). A adopção de uma dessas atitudes gerais por um dos actores reflecte o conceito de manobra que orientará os seus actos concretos. Estes actos exigem medidas de intervenção e de controlo não concretizadas separadamente mas sempre sob a forma dilemática.
Há conveniência em salientar alguns aspectos a ter em atenção durante a gestão das crises:
Em primeiro lugar, a duração da crise é, normalmente, reduzida (referimo-nos ao período de confrontação, também designado por auge ou coração da crise), dado que quem tenta o golpe de estado procurará acções rápidas e brutais (embora não necessariamente violentas).
No entanto, quando o desafiador tem poucas hipóteses de obter grandes apoios directamente nas Forças Armadas, a duração da crise pode ser extensa, enquanto as Forças Armadas se mantiverem sem ser utilizadas, pois os meios a que se recorre são de um lado os meios sociais (reivindicações, greves, manifestações, etc.), do outro os mecanismos de constrangimento legal.
Em segundo lugar, há que destacar a importância dos meios de comunicação de massa. O seu uso e adequado controlo pode ser factor decisivo no decorrer da crise, já que desencadeia reacções populares de acção e/ou inibição susceptíveis de interferir nas Forças Armadas e nas percepções que ambos os sectores têm da situação, influenciando a sua vontade para resistir ou desistir; a utilização dos meios de comunicação intervém ainda directamente nas Forças Armadas, a todos os níveis, influenciando o seu posicionamento assim como a natureza das respostas (voluntarista, renitente ou resistente) às ordens por elas recebidas.
Em terceiro lugar, salienta-se de novo a necessidade das estruturas de gestão de crises disporem de mecanismos de autocontrolo, o que é essencial nos regimes democráticos, para evitar que uma crise seja a oportunidade para o poder democrático se transformar em poder não democrático. Isso pode ser conseguido através da presença da oposição no Gabinete de Crise.
Em quarto lugar, é de notar que, enquanto na crise internacional pode prevalecer uma atitude (durante toda a crise ou numa das suas fases) coerciva ou acomodativa, no decurso da crise interna o dilema fundamental a resolver pelos actores é vencer versus evitar uma guerra interna.
Isto traduz o que já atrás dissemos quanto ao facto de, na crise interna, serem menos frequentes, principalmente por causa dos interesses do poder estabelecido, as atitudes de acomodação, e portanto o dilema acordo versus evitar perdas. Isto não significa que, por vezes, este dilema não prevaleça durante algum tempo como situação transitória: para quem desafia o poder, fazendo parte de uma manobra geral de usura do adversário a fim de criar condições para um posterior e definitivo impulso; para o poder estabelecido, por não ter força suficiente para obter a decisão a seu favor, pelo que se vê obrigado a aceitar, até altura oportuna, a existência (pelo menos reconhecida informalmente) de algo que lhe disputa a autoridade.
De qualquer modo o prevalecer de um período de acordo ou acomodação numa crise política interna é ainda um tempo da própria crise, pois o poder soberano está dividido entre dois centros que se observam para se combaterem e, mutuamente, se eliminarem.
Finalmente, impõe-se, no decorrer de uma crise política interna, o estrito controlo das Forças Armadas pelo poder político seja da actuação das suas unidades seja do comportamento dos seus elementos em especial os de posto mais elevado ou de maior prestígio. Um comandante de uma companhia que se desloca à frente de uma coluna de um ponto para outro do país está, normalmente, em más condições para se aperceber do impacto global que um movimento dessa natureza exerce sobre o desenrolar de uma crise. Este é um exemplo que mostra a necessidade de rigoroso cumprimento das ordens emanadas do escalão político para o instrumento militar.
Outra perspectiva que demonstra a importância do apertado e permanente controlo das Forças Armadas pelo gabinete de crise, é a necessidade de evitar que elementos militares aproveitem a oportunidade e passem a actuar politicamente por sua própria iniciativa, transformando-se num actor que também disputa o poder.
A forma como estiverem articuladas as relações das Forças Armadas com o poder político terá influência marcante no grau de controlo que é possível exercer pelo poder político sobre os militares em momentos cruciais como são os períodos de crise política interna, durante os quais é conveniente que não haja quaisquer dúvidas sobre a natureza da legitimidade de quem decide sobre o emprego das Forças Armadas.
Se aquilo que desenvolvemos nos números anteriores logra ou não atingir os objectivos que nos propunhamos, por nós indicados na abertura deste trabalho, não me compete a mim julgar.
No entanto, parece não ser forçado terminar com duas conclusões principais.
A primeira diz respeito à possibilidade de caracterizar a crise política interna, delimitar com alguma precisão os seus objectivos, âmbito, actores e meios que utiliza. A crise política interna surge, não como uma situação rotineira num regime democrático como alguns pretendem fazer crer, mas como evento anormal em democracias estabilizadas, hipótese encarada com frequência em democracias ainda não consolidadas, e método corrente, em combinação com o golpe de estado, de alternância do poder nos regimes não democráticos.
A segunda relaciona-se com a conveniência de passar a utilizar o termo crise apenas quando pareça configurar-se o ambiente que a caracteriza, e não se emprega a palavra – com objectivos por vezes, pouco claros – a propósito da luta política própria das regras do jogo intrínsecas à democracia.
Dezembro de 1981.
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* Revista Militar, Volume 134, n.º 1, janeiro de 1982, pp 11-36 (primeiro artigo publicado; Prémio “Almirante Augusto Osório” 1982).
[1] Segundo Karl Deutsh, in «The Analysis of International Relatíons», as dimensões do poder são o peso, o domínio, a amplitude e a extensão.
[2] Ver «Aspectos a considerar nas relações das Forças Armadas com o Poder Político» e «Sobre a Coesão das Forças Armadas».
[3] Décimo mandamento da crise, segundo o Tenente-Coronel A. Barrento.
[4] Ver Quadro I.
[5] Ver “Sobre a Coesão das Forças Armadas», in Baluarte.
[6] A Espanha é um caso especial onde a figura do Rei assume um significado próprio.
[7] Comando das FA exercido a partir do nível da Estratégia Total.
Natural de Vilela do Douro, freguesia de Paços, concelho de Sabrosa, distrito de Vila Real, assentou praça na Escola do Exército em 1953, e passou à reserva em 1993. Oficial de Artilharia, habilitado com o Curso de Estado-Maior e o Curso de Comando e Estado-Maior do Exército Brasileiro (doutoramento em Ciências Militares).
Cumpriu duas comissões de serviço em África. Como oficial general, desempenhou várias funções, entre as quais, Diretor do IAEM, Comandante-Chefe das Forças Armadas na Madeira, Vice-Chefe do Estado-Maior General das Forças Armadas (Tenente-coronel graduado em General de quatro estrelas) e Chefe do Estado-Maior do Exército.
Foi ainda: Encarregado do Governo e Comandante-Chefe de Cabo Verde, Secretário Permanente do Conselho da Revolução, membro do Conselho da Revolução (por inerência, nas funções de Vice-CEMGFA), Ministro da Defesa Nacional (nos IV e V Governos Constituciona