Nº 2604 - Janeiro de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas

A Nossa Infantaria na Grande Guerra (1914-1918)

Pedro Marquês de Sousa*

 

Os quatro anos que se contabilizam entre o centenário do início da Grande Guerra e as comemorações do centenário do Armistício testemunham o esforço desenvolvido pela comunidade académica para trazer à estampa um considerável número de livros e artigos que descrevem e analisam participação de Portugal. A maioria deles foca-se nas questões políticas e estratégico-militares, essencialmente relacionadas com a frente europeia. Em 1914, Portugal estava mergulhado numa grave crise política e financeira, herdadas da Monarquia e do processo de mudança do regime. Apesar de a participação na guerra pretender ser um fator de afirmação política interna e externa para o jovem regime, que radicais do Partido Democrático pretendiam a todo o custo, a Grande Guerra teve um efeito desestabilizador. A guerra abalou a frágil estrutura política erigida pela República, cuja consequência de longo prazo foi a chegada ao poder de uma ditadura militar que daria origem ao regime liderado por Salazar e que só seria derrubado pela revolta militar de 25 de Abril de 1974.

Quase unanimemente sublinhada pelos republicanos, a participação de Portugal na Grande Guerra era justificada pela defesa das colónias contra as ambições territoriais da Alemanha apoiadas pela passividade da Grã-Bretanha, que não hesitava em sacrificar a Aliança Luso-Britânica para acalmar a ambição germânica na Europa. Todavia, a defesa das colónias não era motivo suficiente para que Portugal fosse admitido como beligerante no centro da Europa, uma vez que a Grã-Bretanha se opunha por saber que a tropas portuguesas não trariam qualquer vantagem militar e que teria de suportar o seu esforço logístico e financeiro. Por essa razão, os governos dominados pelos radicais do Partido Democrático forçaram um conjunto de expedientes para forçar a Grã-Bretanha a aceitar o envolvimento na Europa e a convencer a população que Portugal se envolvia na guerra a pedido de Londres.

Sendo a defesa das colónias um objetivo unanimemente aceite pela população e pelo Exército, logo em setembro de 1914 foi decidido pelo Governo Português o envio de duas expedições a Angola e a Moçambique. A presença do Exército em África dava um claro sinal da determinação na defesa do ultramar, da capacidade do em mobilizar forças, unia a população em torno do Governo e, acima de tudo, disponibilizava forças que podiam ser utilizadas em apoio ao esforço de guerra britânico, podendo ajudar a convencer os ingleses quanto à vantagem da entrada de Portugal na guerra. Por essas razões, a necessidade de ser beligerante de jure cresceu no seio do Governo Português mesmo sabendo que as manifestações em apoio dos aliados realizadas em Lisboa poderiam não corresponder à verdadeira vontade popular.

Em Dezembro de 1914, o desastre militar de Naulila (Angola) contra os alemães do Sudoeste Africano, obrigou à retração do dispositivo militar, incentivou os povos nativos a revoltarem-se contra a autoridade portuguesa e obrigou à preparação e envio de uma nova expedição. A probabilidade de um confronto militar direto com os alemães, que teria motivado o envio da primeira expedição, não foi suficiente para que se reconhecesse a impreparação das tropas portuguesas para um confronto na Europa. Em Moçambique, o empenhamento militar inicial acabou por ser essencialmente dedicado ao reforço dos postos de controlo fronteiriço e combate contra nativos macondes, tendo sido as doenças a principal causa das baixas portuguesas. As outras expedições, já com o país como beligerante, demonstraram, salvo raras exceções, a incapacidade e a falta de preparação para lidar com as forças alemãs. Podia sacrificar-se o Exército por questões de política interna.

Mas era na Europa que os radicais do Governo pretendiam ver as forças portuguesas, o que exigiu um enorme esforço político e militar até que à Grã-Bretanha nada mais restasse do que aceitar a beligerância portuguesa. Todos, “intervencionistas” e não intervencionistas”, sabiam que o Exército não estava preparado para combater os alemães, mas era importante estar ao lado dos aliados no campo de batalha, especialmente da Grã-Bretanha. Na Flandres, os problemas evidenciados nas expedições a Angola e Moçambique assumem uma nova dimensão, que irão redundar num desastre militar em La Lys, nome pela qual ficou conhecida a batalha combatida pelos portugueses em França, mas que não teve grande significado nas operações de grande envergadura dos aliados. A importância de La Lys será essencialmente política, cujos efeitos se manifestariam durante a década seguinte em Portugal.

A dimensão política da participação portuguesa na Grande Guerra está sobejamente analisada e espelhada na historiografia recentemente publicada. A dimensão militar tem sido também alvo de vários trabalhos de investigação, muito ligados às relações civis-militares, à diplomacia militar, aos combates em Angola, Moçambique e em França. Faltava uma obra que fizesse a descrição e análise do esforço militar, especialmente a catalogação das unidades mobilizadas para os três teatros de operações, que o relacionasse com os aspetos de política interna e que englobasse todos os teatros de operações. É este o propósito que o Tenente-coronel Pedro Marquês de Sousa consegue alcançar neste livro focado na Infantaria, que, sendo a arma típica do combate próximo, espelha bem a aventura portuguesa na Grande Guerra.

O livro aborda a forma como a Infantaria do Exército Português participou nos teatros de operações africanos (1914-1918) e na frente ocidental, em França (1917-1918), bem como a participação dos Batalhões de Infantaria da Marinha e das unidades de Infantaria Indígena (nativos) em Angola e Moçambique. A Infantaria mobilizou cerca de 51.000 homens que guarneceram as diversas unidades enviadas para África e para França. Para Angola e Moçambique foram mobilizados cerca de 16.000 militares de Infantaria, enquanto que para França seguiram 35.631 infantes integrados no Corpo Expedicionário Português. O livro aborda também o processo de mobilização das unidades de infantaria, o seu empenhamento em combate em Angola, em Moçambique e em França. Ao longo do texto é feita uma caracterização da atividade operacional em cada momento mais importante nas diversas expedições ou operações, com a apresentação de dados muito detalhados sobre o efetivo mobilizado e as baixas sofridas pelas unidades de Infantaria. Uma parte importante do livro é também dedicada à identificação do armamento e dos equipamentos usados pela Infantaria portuguesa, o que nos dá uma ideia muito completa do que foi o esforço empreendido pelo país para participar ao lado das potências vencedoras. No último capítulo apresentam-se as condecorações atribuídas às unidades de infantaria evocando os símbolos (Estandartes das unidades e Monumentos, por exemplo) que perpetuam a memória dos infantes portugueses que combateram durante a grande guerra.

Por estas razões, este livro é de extrema importância para o estudo da História Militar de Portugal, ao servir de catálogo das unidades mobilizadas, da sua ação em combate nos teatros de operações, do seu armamento, a sua organização e a sua estrutura de comando. É um esforço de pesquisa único, digno de referência, o que o Pedro Marquês de Sousa efetuou. O aspeto mais inovador da obra é o detalhe, a precisão e a completude dos dados que apresenta, os quais são enquadrados com a situação política ou militar específicas do momento e do local a que dizem respeito, o que nos ajuda a interpretá-los de forma mais completa. Para este manancial de informação contribuiu a pesquisa que fez em arquivos nacionais – Arquivo Histórico Militar (Lisboa), Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa), Arquivo Histórico da Biblioteca Central de Marinha (Lisboa), Arquivo Geral do Exército (Lisboa), no Arquivo das OGFE (Lisboa), na Hemeroteca (Lisboa) – e em arquivos estrangeiros de referência como o National Archives (Londres) e o Service Historique de la Defense (Paris). A quantidade de fontes consultadas e analisadas resultou na excelente qualidade de informação que o livro apresenta detalhadamente, sendo também um instrumento para se compreenderem muitos outros trabalhos efetuados até agora e que se referem, embora de forma mais ou menos atomizada, ao esforço militar empreendido por Portugal entre 1914 e 1918.

Tentar compreender o que se passou numa batalha em relação ao desempenho militar de comandantes e comandados é muito mais fácil se compreendermos o que foi o processo de mobilização, a instrução, o treino, o equipamento e o armamento, as táticas utilizadas, que sistema logístico, a proveniência dos comandantes, ou até mesmo a sua orientação política e ideológica. É esta informação que o livro disponibiliza, que tem ainda o mérito de apresentar os dados referentes aos três teatros de operações, aos batalhões de Infantaria da Marinha e o papel que as companhias de pacificação das guarnições das colónias, essencialmente constituídas com tropas nativas, desempenharam no esforço de guerra.

A descrição e análise efetuada às diversas batalhas realizadas nos três teatros de operações, em conjunto com o esforço de detalhe já referido anteriormente, empresta um valioso contributo à História Militar, devendo ser uma referência bibliográfica obrigatória nas escolas militares, especialmente as que têm a nobre função de preparar os sargentos e oficiais dos quadros permanentes.

 

Tenente-coronel Luís Fernando Machado Barroso

Sócio efetivo da Revista Militar

 

 

Nota: A Revista Militar felicita o autor e agradece o exemplar que foi oferecido para o seu acervo.

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* Vogal do Conselho Fiscal da Revista Militar.

 

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Luís Fernando Machado Barroso
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Luís Fernando Machado Barroso

Comandante do Regimento de Apoio Militar de Emergência. Sócio efetivo da Revista Militar.

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