Nº 2457 - Outubro de 2006
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
CRÓNICAS I - Nota Cronológica
Major-general PilAv
José Duarte krus Abecasis
 
Vistas do Meu Observatório - Um acidente em potência
 
Pedras Rubras “Airport” - 15 de Julho, 2006. Cerca das 14 horas locais. Chamada para a Torre de Comando: “AIR PLUS “mike delta” 87… na final com trem em baixo e bloqueado. Pista “36”.
 
Resposta da agência de Tráfico Aéreo (Torre de Comando de Pedras Rubras ou Controlador Final da aproximação radar à pista em uso, se disponível e operacional no momento):
“One hundred feet below glyde path. LEVEL OFF.
You are too low for a safe approach. Recover immediately and go around”.1
 
Episódio singular e único?
 
Recordemos situações idênticas em que a tripulação e passageiros esti­veram na eminência de acidentes fatais e que me foi dado testemunhar como “ mirone” indefeso, piloto milionário em horas de voo, entregue à imperícia e incompetência de comandantes de avião…eufóricos porque tudo correu bem!...
 
Vale a pena? Falemos “claro e nítido” para melhor consciencialização de milhões de passageiros e para afastar lucubrações espúrias sobre a insegu­rança de aeroportos e “urbes” por eles servidas (Portela e seus detractores).
 
1ª ocorrência reveladora de situações agressivas da segurança aérea … e terrestre.
 
Meados de 1948. Aeroporto da Portela de Sacavém. “B-17G” da Aviação Militar - aproximação visual na final para a pista 36. Intempestiva discussão entre 1º e 2º pilotos é o factor que provoca a condição de risco vivida no “cockpit”.
Na iminência da perda de velocidade, sou obrigado a lançar mão das “manettes” para evitar o pior. “ Capitão! Motores que esta m…. cai!”.
 
2ª ocorrência grotesca e reveladora.
 
Julho de 1969. Aeroporto de Santa Maria, Açores. Aproximação final para a pista 05. Avião Boeing 727 da TAP. O ângulo da descida (“ladeira”) atinge os 0º.
Tentativa do comandante de tirar todo o proveito das “performances” próprias deste tipo de avião para aterragens curtas, optando pela pista mais curta.
Tratava-se do voo de regresso a Lisboa depois de inauguradas oficialmente benfeitorias no Aeroporto de Ponta Delgada. Como Comandante da 1ª Região Aérea fui um dos convidados VIP neste voo.
 
3ª ocorrência grotesca e reveladora.
 
Setembro de 1989. Aeroporto de Moscovo. Avião Tupolev da AEROFLOT na final visual para a pista de serviço. Nevoeiro. Visibilidade 0,5 milhas. Tripulação em sobressalto. Passageiros em pânico. Voo rasante para forçar o “contacto”.
 
Todas estas e mais inumeráveis situações anómalas, através de ocorrências semelhantes e geralmente ignoradas, nas abordagens às pistas de serviço.
 
Situações atentatórias das mais elementares leis de aerodinâmica.
 
Aviões em configuração de aterragem, trem em baixo e bloqueado, travões de picada abertos, “flaps” das asas descidos para posição de hiper-sustentação e travagem. Tudo accionado por decisão de pilotos comandantes (ou com o seu consentimento).
 
Criada a maior resistência ao avanço, eliminada a componente gravítica inerente à descida na “ladeira”, é na potência tractora dos motores que se procura a resposta vital para manter a “velocidade verdadeira” acima dos 10% da “velocidade de perda” num trajecto de voo horizontal, a isso está reduzida a sobrevivência que se entrega totalmente à tracção dos motores - sujeitos ao máximo esforço das turbinas, em potência de descolagem ou “meto-power”, igual ou superior ao que lhes é exigido para a descolagem. Consequência aerodinâmica: volume de ar no máximo de sucção para as tubeiras de alimentação dos motores, gases de escape atingindo os valores limite de tempe­raturas (+ ou - 900º C) e velocidade dos gases queimados de ejecção excedendo os valores de segurança, regime turbilhonar incontrolado. É um rasto de destruição que se cria na esteira do avião e a ele não resistem infra-estruturas de qualquer natureza que se lhe deparem no trajecto da atmosfera perturbada. A protecção e o isolamento exigidos nos “bancos de ensaio” de manutenção de turbinas falam por si.
 
Tal foi a condição que se verificou cerca das 13H50m de 15 de Julho de 2006 no Aeroporto de Pedras Rubras junto à cabeceira da pista 36. Tudo obedeceu às inexoráveis leis da física termodinâmica.
 
Concluindo: será concebível que a distância entre a origem de tal atmosfera turbilhonar (escapes dos motores) e as infra-estruturas por ela destruídas se verificasse em aproximação de aviões a qualquer das duas pistas “pseudo-vulneráveis” do Aeroporto da Portela de Sacavém (35 e 03), que se pretendem estultamente assimilar à ocorrência de Pedras Rubras?
 
Tal como já referimos do antecedente, estas duas pistas - dada a proximidade das suas bermas S e SW à urbanização da cidade - exigem a efectiva e breve deslocação para montante das bermas actuais numa extensão de 300 a 400 metros. Não confundamos nem generalizemos: a razão imperativa para esta obra é a poluição sonora resultante dos trajectos dos aviões - obedecendo obviamente à descida na “ladeira” - e não a aproximações rasantes atentatórias das mais elementares regras de SEGURANÇA AÉREA.
 
José Krus Abecasis
Major-General Piloto-Aviador
Comandante Sénior de Ponte Aérea para o Ultramar Português
Sócio Efectivo da Revista Militar
 
 
 1 “Cem pés abaixo da ladeira. Pare a descida. Você está demasiado baixo para uma aproximação segura. Suba imediatamente e entre em circuito”.
 
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2006-11-20
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by CMG Armando Dias Correia