“It is a fundamental truth that America cannot confront
the challenges of this century alone, but Europe
cannot confront them without America”
(Presidente Obama, Abril de 2009, na Cimeira de
Comemoração dos 60 anos da NATO, em Estrasburgo-Kehl).
A matéria relativa ao tema é muito vasta, pelo que me irei concentrar na importância da North Atlantic Treaty Organization (NATO) para Portugal, o que encontra reverso na importância que o nosso País tem para com esta Organização Internacional. Para tal ficar perceptível, farei um breve resumo do enquadramento geopolítico e geoestratégico em que surgiu a NATO bem como da sua história e estrutura, cenários de actuação e meios disponíveis.
Cabe ainda definir nesta introdução que a NATO é uma aliança político-militar, de países soberanos, que garante a defesa militar colectiva perante uma agressão de uma qualquer entidade externa à Organização.
A NATO (ou OTAN – Organização do Tratado do Atlântico Norte, na sigla portuguesa) é também conhecida simplesmente por “Aliança Atlântica”. Os doze países fundadores (Bélgica, Canadá, Dinamarca, Estados Unidos da América, França, Islândia, Itália, Luxemburgo, Noruega, Países Baixos, Portugal, Reino Unido) formalizaram a sua intenção através da assinatura do Tratado do Atlântico Norte, a 4 de Abril de 1949, em Washington.
No fim da II Guerra Mundial, Portugal era um país mais coeso e próspero do que no início da mesma e não perdera nada de seu. Apenas Timor tinha sido invadido e ocupado, primeiro por holandeses e australianos e, depois, por japoneses. Virtuosismo diplomático e firme determinação do governo português, de então, fizeram retornar o território à soberania portuguesa, em 29 de Setembro de 1945, quando uma força militar, ida de Moçambique, ali desembarcou.
Terminado o conflito mundial, era necessário reorganizar o mundo. Nesse sentido, em Julho de 1945, foi assinada a Carta que criou a Organização das Nações Unidas, durante a Conferência de S. Francisco. Surgiu, então, a rivalidade entre as duas superpotências, os Estados Unidos da América (EUA) e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS).
Com a Europa em ruínas e os exércitos desmobilizados a Oeste, veio o mundo ocidental a ser confrontado com a ameaça da URSS e dos seus satélites. De facto, a União Soviética, que tinha feito uma aliança contra-natura, primeiro com a Alemanha Nazi e, depois, com as democracias ocidentais, manteve os seus exércitos, recusando-se a sair de todos os territórios que tinha ocupado na sua ofensiva sobre Berlim, ao mesmo tempo que “manobrava” para implantar regimes comunistas em todos os países de Leste.
A guerra civil na Grécia (1946-1949) foi desfavorável ao Partido Comunista Grego e os Aliados negociaram com os soviéticos um acordo, ainda hoje algo obscuro, que levou a que todos abandonassem a Áustria em troca da sua neutralidade futura. Também se fez notar pressão russa para controlo dos estreitos turcos do Mar Negro, em 1946, seguido de uma tentativa de tomada de poder comunista no Irão, em que foram derrotados.
Em 1948, deu-se início à aplicação do Plano Marshall, que durou quatro anos, para ajudar a recompor a vida económica e social na Europa que estava fora da influência soviética e, entretanto, em 1949, foi criada a NATO, para fazer face à “nova ameaça”. Considerado como uma resposta soviética ao Plano Marshall americano, constituiu-se o Conselho para Assistência Económica Mútua (COMECON) que visava a integração económica dos Países do Leste Europeu.
Do outro lado da “Cortina de Ferro”, em 1955, foi desenvolvido o Pacto de Varsóvia, uma aliança militar que integrava, além da União Soviética, a Polónia, a República Democrática Alemã, a Checoslováquia, a Hungria, a Romênia, a Bulgária e a Albânia (que se retirou em 1968).
Figura 1 – A “Cortina de Ferro” (linha preta da figura).
A situação político-militar entrou num impasse, com os diferentes exércitos alinhados frente a frente, pois, entretanto, tinha surgido a arma atómica, cujo efeito destruidor era de tal forma poderoso que, à partida, garantia a destruição mútua dos contentores. Entrou-se, deste modo, numa espécie de equilíbrio estratégico. Para obviar este impasse desenvolveram-se diferentes estratégias indirectas de fazer a guerra, a mais importante das quais foi a capacidade de influenciar países terceiros.
Para tal, tornava-se necessário obrigar à retirada política dos países europeus, ditos colonialistas, de todos os territórios que tutelavam fora da Europa. Tal desiderato foi facilitado por três grandes ordens de razões:
– as derrotas ocidentais no Oriente tinham quebrado o mito da invencibilidade do homem branco;
– quase todas as potências ocidentais fizeram promessas aos povos indígenas de autonomia progressiva, se estes os ajudassem contra as potências do Eixo;
– finalmente e mais importante, porque a saída dos europeus de África e da Ásia interessava, por razões diferentes mas confluentes no propósito, à URSS e aos EUA.
Na América Central e do Sul, o conflito entre as duas superpotências prolongou-se através da política da canhoneira e protecção a ditaduras que defendiam os interesses capitalistas dos EUA, e à criação de movimentos subversivos por parte da URSS. Cuba é, ainda hoje, o expoente vivo deste confronto.
Estas posições vieram a confluir no movimento anticolonialista e terceiro-mundista que teve o seu ponto alto na Conferência de Bandung (Indonésia), em 1955, onde pontificaram três líderes mundiais da causa: Nasser, Tito e Sukarno.
Começaram, assim, a surgir, um pouco por todo o lado, movimentos emancipalistas, normalmente liderados por naturais dos diferentes territórios, formados nas respectivas metrópoles, a maioria deles de inspiração marxista, estalinista, trotskista ou maoísta. Progressivamente, as lutas no terreno passaram para a ONU.
O primeiro Secretário-Geral da NATO foi o General inglês Lord Hastings Ismay, que, com fina ironia, resumiu os objectivos da Aliança: “To keep the Americans in; the Russians out and the Germans down.” Veio a verificar-se que não seria apenas isso.
Pode-se dividir a história da NATO em três fases:
– a primeira, decorre desde a sua fundação, em 4 de Abril de 1949, até à queda do Muro de Berlim e seus efeitos, em novembro de 1991;
– a segunda, desde essa data até 11 de Setembro de 2001;
– a terceira, desde então até aos dias de hoje.
Os primeiros quarenta anos foram marcados pela Guerra-Fria que opunha a NATO à URSS e seus satélites, reunidos no Pacto de Varsóvia, de 14 de Maio de 1955, quando a República Federal Alemã, entrou para a NATO.
Figura 2 – 1973.
Ao COMECON, além dos países de Leste que vieram a fazer parte do Pacto de Varsóvia, aderiram alguns países comunistas, como Cuba, Mongólia e Vietname. Até á sua dissolução, em 26 de dezembro de 1991, juntaram-se-lhe doze países com o estatuto de “observadores” (Afeganistão, Angola, China, Coreia do Norte, Etiópia, Finlândia, Iraque, Laos, México, Moçambique, Nicarágua e República Democrática do Iémen).
Durante este período, a NATO viveu com um Conceito Estratégico simples e claro: “dissuadir a URSS de atacar e defender-se caso a dissuasão falhasse”. A implementação militar desse conceito estava traduzido no Documento MC (Military Committee) 14/3, que definia ser a defesa “avançada” e a dissuasão “escalonada” numa resposta flexível, baseada na tríade constituída pelas armas nucleares estratégicas, nas armas nucleares tácticas e nas armas convencionais.
Nos anos de 1950 e 1960, havia o conceito de “retaliação maciça” que evoluiu para “resposta flexível”. Em 1967, o “Relatório Harmel” trouxe uma novidade ao associar à defesa também o diálogo, que passaram a ser os dois pilares que balizaram a abordagem da NATO às questões da segurança. Durante este período, a Aliança Atlântica recebeu no seu seio, além da RFA, já referida, a Turquia e a Grécia, em 1952, e a Espanha, em 1982.
A sede da NATO começou por ser em Paris, mas mudou para Bruxelas, em 1967, após a França ter decidido abandonar a estrutura militar da Aliança, em 1966, retornando trinta anos depois.
A compatibilidade da NATO com a ONU era garantida através do Artigo 51.º da Carta que consagra o direito de defesa colectiva, “o direito inerente de legítima defesa individual ou colectiva, no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas”.
Os principais artigos do Tratado que instituiu a NATO são:
– o Artigo 5.º, no qual se declara que “um ataque armado contra um ou mais países membros será considerado uma agressão contra todos”; é bom lembrar que o Tratado não requere que os membros respondam com uma acção militar contra um agressor, mantendo, todavia, a obrigação de retaliar de alguma forma, deixando liberdade para que cada Estado escolha a forma de o fazer; e
– o Artigo 6.º, que limita a área de actuação ao território dos países membros (e aos agressores) e os mares e oceanos, tudo a norte do Trópico de Câncer, abrindo-se uma excepção para a França que conseguiu englobar a Argélia e alguns dos seus departamentos ultramarinos.
Neste período, a NATO não participou em qualquer operação militar, adoptando apenas a dissuasão.
No segundo período, a NATO viu-se confrontada com o “problema” de ter desaparecido a ameaça soviética que tinha sido o fundamento para a sua criação.
Fonte “Operacional”
Figura 3 – Paraquedista português em Serajevo.
Com a desintegração da Jugoslávia e a subsequente conflitualidade nos Balcãs, a NATO veio a intervir militarmente, pela primeira vez na sua história, na Bósnia e Herzegovina, em 1995, apesar de haver preparativos militares e pequenas intervenções, desde 1991. Portugal participou naquela operação, a partir de 1996, com o efectivo de um batalhão. Outras intervenções se seguiram, até 2001.
Em 1999, entraram três novos membros da Europa de Leste, três ex-inimigos: a República Checa, a Hungria e a Polónia. Estas transformações obrigaram à reformulação do “conceito estratégico” que, pela primeira vez, se tornou público, e que privilegiava “uma atitude de cooperação com os antigos adversários em vez de uma postura de confronto”.
As operações nos Balcãs, porém, vieram mudar muita coisa, nomeadamente por se tratar de operações “out of area”, o que acabou por ficar incluído no seu artigo 6.º, redefinido após a Conferência de Washington, em 1999. Nesta cimeira, um novo conceito estratégico foi aprovado. Porém, o estatuto da NATO como “exportador de segurança” ou como actor global não ficou definido, levantando muitas questões, desde então.
O período a partir de 2001 começou por ser dominado pelo ataque às torres gémeas em Nova Iorque, em 11 de Setembro desse ano, facto que fez com que, também pela primeira vez, um país – os EUA – invocasse o Artigo 5.º do Tratado NATO.
O aparecimento em força do terrorismo internacional, a multiplicação de crises e de guerras no Médio Oriente, Afeganistão, as “Primaveras Árabes”, o ressurgimento das questões nucleares, nomeadamente com a Coreia do Norte, Irão, mas também com a Federação Russa e muitos outros conflitos, tornaram as relações internacionais cada vez mais complexas, incertas e inseguras. A multiplicação de acordos, órgãos, foras, parcerias, etc., um pouco por todo o lado.
E também na NATO. Deste modo, entraram para a Organização, em 2004, sete novos Estados: Bulgária, Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Eslováquia, Eslovénia, e, em 2008, a Albânia e Croácia.
Para além dos Balcãs, a NATO envolveu-se militarmente no Afeganistão, alargou a sua área de acção para o Mediterrâneo e até para o Índico, onde se envolveu no combate à pirataria naval ao largo da costa da Somália.
E entrou também na ajuda humanitária, resolução de crises e em apoiar outras organizações, por exemplo: a União Africana, no Darfur; ajuda aquando do Furação Katrina, nos EUA; e de um terramoto, no Paquistão.
Em 1991, foi estabelecido um programa de “Parcerias para a Paz” na sequência da criação do Conselho de Cooperação do Atlântico Norte, mais tarde Conselho de Parceria Euro-Atlântico. Este fórum inclui quase todos os países da NATO e vinte e dois parceiros (Arménia, Áustria, Azerbaijão, Bielorrússia, Bósnia e Herzegovina, Finlândia, Macedónia, Geórgia, Irlanda, Cazaquistão, Quirguistão, Malta, Moldávia, Montenegro, Rússia, Sérvia, Suécia, Suíça, Tajiquistão, Turquemenistão, Ucrânia e Uzbequistão). Tal fórum pretende estabelecer a confiança mútua, reduzindo a ameaça à Paz, aumentando a estabilidade e segurança, especialmente na zona euro-asiática.
Em relação à Rússia, à Ucrânia e à Geórgia, existem (ou existiram) acordos específicos de cooperação na área militar, que permitem treinos e exercícios conjuntos.
Foi estabelecida ainda estreita relação com os sete países do chamado “Diálogo do Mediterrâneo”, visando a troca de pontos de vista e intercâmbio de actividades militares (Argélia, Egipto, Mauritânia, Marrocos, Tunísia, Jordânia e Israel). A NATO mantém ainda estreitas relações com a Organização das Nações Unidas (ONU), a União Europeia (UE), Organização de Segurança e Cooperação Europeia (OSCE) e a União Africana (UA).
Finalmente, a partir de1994, foi implementada a Identidade Europeia de Segurança e Defesa (IESD), tendo em vista reforçar o Pilar Europeu da Aliança e visando a complementaridade entre a NATO e a UE.
“Em nome do comunismo nós abandonámos valores humanos básicos.
Por isso quando cheguei ao Poder na Rússia, comecei a restaurar esses valores; valores de «abertura e liberdade».”
Gorbatchev, entrevista, Outubro 1987
Muitas têm sido as modificações ao longo do tempo relativamente aos meios e estrutura da NATO.
Não havendo tempo para os historiar, vou apenas sintetizar o presente da NATO, cujo actual Secretário-Geral é o dinamarquês Jens Stoltenberg.
O Conselho do Atlântico Norte (NAC) é o principal órgão de decisão política da NATO. É responsável pela supervisão do processo político e militar relativo às questões de segurança que afectam toda a Aliança. Os representantes de todas as nações aliadas têm assento no NAC para discutir questões políticas ou operacionais que exigem decisões colectivas. O NAC é presidido pelo Secretário-Geral.
O Grupo de Planeamento Nuclear tem autoridade comparável com o NAC, mas apenas para assuntos da sua competência específica, ou seja, políticas nucleares, planeamento e procedimentos de consulta.
A estrutura militar da Aliança é constituída por um Comité Militar, composto por Representantes Militares Aliados, actualmente presidido pelo General Checo Petr Pavel. Este órgão é a principal fonte de conselhos militares para os órgãos civis de decisão da NATO – o Conselho do Atlântico Norte e o Grupo de Planeamento Nuclear.
Figura 4 – Estrutura Militar da Aliança.
Existem dois Comandos Supremos: o Comando Supremo Operacional, que está situado em Mons, na Bélgica; e o Comando para a Transformação, que tem sede em Norfolk, na Virgínia. Na dependência destes dois comandos existem diversos comandos e estruturas militares.
Figura 5 – Estrutura do Comando para a Transformação.
Existe ainda um conjunto de organizações de apoio e agências, cuja função é apoiar as operações da Aliança e os Aliados.
Todas estas estruturas que têm de acomodar, agora, 29 países membros, têm vindo a aligeirar-se de modo a reduzir custos e a flexibilizar o planeamento e tornar mais efectivo o comando, controlo, comunicações e informações que visam o emprego e sustentação operacional das forças.
Figura 6 – Estrututa do Quartel-General das Potências Aliadas na Europa (SHAPE).
Em 2006, foi aprovado o documento “Compreensive Political Guidance ” (CPG), que apontava metas para os países na obtenção e na utilização de capacidades militares. Deste modo, apontava-se para que cada país pudesse dispôr de 40% de forças terrestres capazes de serem projectadas e de 8% destas prontas para serem sustentadas em operações ou planeadas para missões futuras[1].
Foi ainda definido que a NATO deveria ter capacidade para conduzir em simultâneo duas “operações maiores conjuntas” e “seis pequenas operações conjuntas”.
Por outro lado, estabeleceu-se que cada país deve dedicar à defesa pelo menos 2% do seu PIB, o que está longe de acontecer.
Em meados da década de 1980, a contribuição dos Estados-membros permitia dispôr de cerca de 90 divisões, cerca de 1.000 navios e 1.200 aviões.
A estrutura de comando envolvia cerca de 17.000 efectivos, civis e militares.
Em 1991, os efectivos militares dos EUA totalizavam 2.181.000 (todos voluntários) e os parceiros europeus da NATO, tinham 3.509.000 efectivos – todos com Serviço Militar Obrigatório (SMO), à excepção do Reino Unido.
Em 1995, quando começaram as operações “fora de área”, os efectivos militares europeus da Aliança tinham diminuído em cerca de meio milhão, decrescendo mais 300.000, em 1999, e mais 700.000, em 2004, apesar de a NATO ter aumentado em mais de 10 membros. O SMO foi praticamente eliminado em todos os países.
Hoje, a situação é pior; a demografia não ajuda; a falta de vontade de investir na defesa ajuda ainda menos; a tecnologia está longe de superar todos os problemas; e as missões e sua complexidade aumentaram.
“De todos os estadistas europeus com quem conversei,
Salazar pareceu-me o mais lúcido e avisado.”
Eisenhower, para os ministros canadianos, em Otava, depois de ter visitado Lisboa, como primeiro comandante supremo das Forças da NATO, em Janeiro de 1951.
A NATO é importante para Portugal. Mas esta constatação tem o seu reverso na importância que Portugal também tem para a NATO.
E é essa importância que levou a que não fosse Portugal a procurar aderir à organização, mas fosse convidado por outros, onde se destacam os EUA e a Grã-Bretanha, a fazer parte desta Organização político-militar defensiva, única na História.
Esta importância derivava e deriva, principalmente, da nossa situação geoestratégica, sobretudo, por causa do Arquipélago dos Açores.
O convite foi formulado em fins de 1948, princípios de 1949, e foi profundamente discutido em Lisboa.
A ideia agradava ao então Presidente do Conselho de Ministros, já que defendera teses semelhantes em discursos recentes.
E a aceitação tornou-se quase uma inevitabilidade, dado que, num futuro conflito na Europa que se pudesse vislumbrar, só poderia haver três cenários para Portugal:
– participar no conflito na aliança com a potência oposta o que constituía um absurdo impensável a todos os títulos;
– manter-se neutral como magistralmente tinha conseguido fazer, na recente guerra mundial, apesar da neutralidade colaborante a partir de 1943, com os aliados ingleses e americanos – o que certamente também pesou no convite ao governo português para integrar a organização. Porém, num próximo conflito – e apesar de, na altura, o território de Portugal não estar directamente ameaçado pela URSS – a situação no Atlântico poderia ser muito mais perigosa e Portugal não teria força para não ser arrastado para a guerra, ou ficar isolado numa posição insustentável.
– a adesão à Aliança era, por isso, e pelas afinidades culturais e ideológicas, bem como a posição de absoluto anticomunismo, por parte das entidades portuguesas, a solução mais aconselhável. Seria ainda um ganho político interno e externo, e um claro reforço da posição portuguesa no mundo.
Estas razões mantêm-se válidas nos dias de hoje, apesar da posição anticomunista ter mudado radicalmente...
Havia, porém, alguns obstáculos a ultrapassar e várias questões a ponderar. Foram, por isso, colocadas três questões prévias por Salazar, antes da adesão:
– Haveria algum compromisso ideológico na participação dentro da Aliança (lembra-se a concepção não completamente democrática do regime português de então)?
– Seria a NATO compatível com o Pacto Ibérico?
– E com a política tradicional portuguesa?
Tendo o Governo ficado satisfeito com as respostas e não havendo oposição sustentada, decidiu avançar com a adesão.
A Espanha não gostou da nossa entrada para a NATO, mas tacto político e diplomático português (Salazar chegou a propor que a Espanha também fosse convidada), amaciaram as divergências.
Além disso, as Forças Armadas Portuguesas poderiam vir a beneficiar – como vieram – da nossa adesão.
Faltava ainda considerar o Ultramar, que o Governo Português não conseguiu incluir como sendo abrangido pelo tratado – dada a fronteira estar colocada no Trópico de Câncer –, mas o Ultramar, não sendo defendido pela Aliança, não era posto em causa por esta. E num conflito futuro em que lhe tivéssemos que acudir, necessitaríamos que as linhas de comunicação marítimas e aéreas estivessem abertas e, para isso, a Aliança ou parte dos seus países eram fundamentais.
Quando o conflito surgiu no Ultramar, a NATO não permitiu que o armamento que tinha vindo para Portugal no âmbito da Aliança fosse utilizado nas operações no Estado da Índia e, sobretudo, em África e alguns países membros comportaram-se como nossos inimigos.
Mas outros também nos ajudaram, onde se salientam a França e a Alemanha.
Mas Portugal apesar do esforço hercúleo desenvolvido em África, durante 14 anos, manteve sempre a ligação à NATO, sobretudo através da Marinha e não deixou de cumprir as suas obrigações para com a mesma.
E sempre bradou que estava em África a defender os interesses da Aliança e contra o Pacto de Varsóvia e o comunismo internacional – o que era verdade – e que, por isso, não fazia sentido que o Trópico de Câncer continuasse a ser uma barreira a Sul, para as operações da NATO – o que também era verdade. Ou, pelo menos, era a nossa verdade.
Foi preciso esperar pela guerra no “quintal da Europa”, isto é, os Balcãs nos anos de 1990 para que o nosso conceito fosse seguido!...
Outra época em que as relações com a NATO foram objecto de conflito e, ou, dúvidas, foi o ano e meio que se seguiu ao golpe de estado ocorrido a 25 de Abril de 1974.
Digo a seguir ao golpe, pois, para aparentemente o apoiar, a NATO destacou para Lisboa, discretamente, uma esquadra que assistiu ao desenrolar do mesmo.
As realidades geopolíticas, porém, impuseram-se novamente e a ligação à NATO manteve-se, o que se veio a revelar também importante para a adesão à Comunidade Económica Europeia (CEE).
As Forças Armadas Portuguesas, há muitos anos afastadas dos cenários e doutrinas e tácticas da NATO, passaram a efectuar um esforço de reconversão, estudo e treino para os seus novos compromissos, e fizeram-no com competência e num relativo curto período de tempo, sobretudo se tivermos em conta o estado desgraçado em que saíram da Revolução dos Cravos e do 25 de Novembro de 1975.
A partir daí, entrámos em velocidade de cruzeiro, melhorando conhecimentos e entrosamento, e participando nas decisões e evolução da organização; em exercícios e operações militares no seu âmbito, estando a participar em cinco, no momento presente.
Infelizmente, a pouquíssima importância dada à Defesa Nacional pelos sucessivos governos têm limitado, por vezes, a participação portuguesa a ser pouco mais do que simbólica e a um constrangimento muito grande na aquisição e modernização dos sistemas de armas e outros equipamentos de apoio, respectivas munições e sustentação logística.
A centralidade estratégica era-nos dada pela geografia – embora este conceito tenha evoluído para outros âmbitos, sendo mais dinâmico. Lembramos que a organização se chama Organização do Tratado do Atlântico Norte. Quer isto dizer que se tratava de uma aliança que unia países dos dois lados do Atlântico Norte. Pois há muito se tinha chegado à conclusão – através das teorias geopolíticas mais evoluídas – de que a defesa da Europa Ocidental é fundamental para os EUA, mas também não se pode fazer sem a sua colaboração.
Para que isto seja possível, o Atlântico – e já agora o espaço aéreo por cima dele – tem de unir, não separar. Tem de ser um grande lago ocidental.
Ora, Portugal fica justamente a meio caminho. E se a parte continental de Portugal encontra substituto na Espanha e a Madeira, nas Canárias, não existe alternativa para os Açores!
Fonte: https://www.academia.edu/7404848/_Geopol%C3%ADtica_do_Atl%C3%A2ntico_A_Actualidade_do_Tri%C3%A2ngulo_Estrat%C3%A9gico_Portugu%C3%AAs_
Figura 7 – “Triângulo estratégico português”.
Face a tudo isto, o Governo Português de então procurou estabelecer elos bilaterais especiais com os EUA; não deixou incluir o território do Continente no Comando Militar aero/terrestre de Mons; mas fê-lo dependente do Comando aero/marítimo do Saclant, em Norfolk, na Costa Leste dos EUA, e tentou por todos os meios que os EUA considerassem que havia duas entidades políticas na Península Ibérica e não olhassem para a Espanha como a Ibéria…
As relações com os EUA têm que ser muito mais do que defender uns quantos trabalhadores civis nas Lages. O que parece que anda arredado das preocupações de Lisboa, pois, desde 2003, que nenhum Primeiro-ministro português vai a Washington.
Da NATO, retiraram e retiram as Forças Armadas e os militares portugueses, transferências em armamento, acesso a conhecimentos tácticos; informação estratégica; uniformização de procedimentos e usufruem de tecnologia de ponta.
O Governo pode participar em projectos na indústria da defesa e espacial com impacto na economia e sabendo o que quer, ter voz nos muitos “fora” existentes.
A NATO potencia ainda acordos bilaterais, como já tivemos o exemplo com os americanos, nas Lajes; na reparação de aeronaves, nas OGMA; com a França, através da estação de rastreio de misseis, na ilha das Flores e com a RFA, com a base aérea de Beja.
Avaliando riscos e interesses, pode ainda negociar-se financiamento de infra-estruturas e instalação de comandos ou subunidades da Aliança, como fizemos extensamente com instalações militares dos três ramos; centros de comando e controlo e permanência no nosso território de comandos secundários, dos quais restam hoje o “Joint Analysis e Lessons Learned Center”, em Monsanto, e o “Naval Striking and Support Forces Nato”, em Oeiras, a que se irá juntar, em breve, a Escola de Comunicações e Sistema de Informações da NATO.
Enfim, um mundo a explorar!
A NATO continua a ser importante para Portugal e uma insubstituível organização de Defesa, importante para o nosso país.
Não existe alternativa credível.
Lembro os três eixos do actual Conceito Estratégico em vigor, aprovado na Cimeira da NATO, em 2010, em Lisboa: Defesa Colectiva, Gestão de Crises e Segurança Cooperativa.
Figura 8 – Principal área geopolítica em que a NATO se insere.
Mas será mais importante quanto mais investimento nela fizermos.
Ou seja, não podemos continuar a desinvestir na Defesa, que é a “nossa” Defesa e devemos procurar ajudar a organização a resolver os seus problemas e a procurar ideias que sejam úteis aos interesses do País.
Neste caso, está, por exemplo, trazer a NATO para o Atlântico Sul e encabeçar tal desiderato com a ajuda da CPLP.
A NATO convém-nos, pois é uma organização que sempre respeitou a soberania dos estados – mesmo sabendo que há uns estados mais iguais que outros – e as decisões são obtidas por consenso, apesar do número de estados-membros já ir em 29.
Ao contrário, por exemplo, do que se passa na UE…
E mesmo havendo a NATO, não devemos deitar fora a Aliança Inglesa, antes pelo contrário. Em primeiro lugar, porque não é incompatível; depois, porque é útil para eventuais conflitos que não tenham a ver com a Aliança (agora até pode ser potenciada com o “Brexit”) e, sobretudo, porque é a única Aliança onde estamos actualmente, e em que a Espanha está ausente…
A NATO não tem problemas? Tem, mas não tenho tempo de os tratar hoje.
Digamos apenas que o maior problema de todos é que, sobretudo nos países fundadores e outros que se lhe juntaram prestes, a generalidade da sociedade e da juventude, “aburguesou-se”, no pior sentido do termo, e está sem vontade de lutar por nada que não seja o seu Bem-Estar individual.
Isto é cíclico e até parece que a “prosperidade” traz consigo o gérmen da própria destruição…
Figura 9 – A queda do Império Romano…
E por mais que se cite o excesso de “camas fofas e banhos quentes” que corromperam até ao tutano a civilização de Roma e Bizâncio e as fizeram colapsar miseravelmente, não há maneira de aprendermos!
Pertencer à NATO, onde estamos de pleno direito, temos pergaminhos e provas dadas, é uma mais-valia para Portugal. Aumenta o nosso prestígio internacional, a nossa margem de manobra, o nosso poder negocial e, por acréscimo, a nossa autoestima.
Assim o saibamos preservar!
Livros
Couto, Abel Cabral, “Elementos de Estratégia”, Vol. I e II; Instituto de Altos Estudos Militares, Pedrouços, 1988.
Martins, Raul François, “Portugal e a OTAN”; Comissão Portuguesa do Atlântico, Lisboa, 1980.
Nogueira, Franco; “Salazar”, Vol. IV; Atlântida Editora, Coimbra, 1980.
Santos, Eduardo Silvestres dos; “A Nato no Século XXI”, Tribuna da História, Lisboa, 2008.
Revistas
Brito, Luís Villa de; “Nato e União Europeia – a Evolução Conceptual”; Revista Militar, 2505, Outubro de 2010.
Cruz, António Martins da; “Portugal na Relação Transatlântica”, Revista Militar, nº 2568, Janeiro de 2006.
Santo, Gabriel Augusto do; “O Novo Conceito Estratégico da OTAN e os Interesses de Portugal”, Revista Militar, nº 2505, Outubro de 2010.
Ventura, António; “A Oposição e a Integração de Portugal na ONU e na Nato”; Revista Militar, nº 3568, Junho de 2016.
Internet
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https://en.wikipedia.org/wiki/Allied_Command_Operations. 10-12-2018.
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