“(…) não é, pois, novidade para Portugal, na sua essência,
o pacto do Atlântico. Que exigirá ele de nós? (…)”.
General Teixeira Botelho, In Revista Militar, N.º 1/ Ano 2/ Janeiro 1950
Quando o Embaixador Pedro Teotónio Pereira, em nome de Portugal, assinou em 4 de abril de 1949 em Washington, nos Estados Unidos da América, o designado “Tratado de Washington”, estava criada a maior e mais duradoura aliança militar (institucionalizada) da história da humanidade – a Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), ou na designação original na língua inglesa – North Atlantic Treaty Organization (NATO[1].
No momento da assinatura do Tratado, constituindo-se com o estatuto de membro fundador, o Embaixador Teotónio Pereira assumia “Por Portugal“, como está referenciado no documento original, um compromisso nacional que teria um enorme impacto político-estratégico no país e que passaria a fazer parte da história recente das Forças Armadas Portuguesas e em concreto do Exército Português.
Ao longo destes 70 anos, a “Aliança”, como é comummente conhecida, tem tido um enorme impacto nas políticas de defesa e segurança em Portugal, contribuindo direta ou indiretamente para os propósitos e objetivos nacionais, onde quer que eles se tenham materializado… no tempo e no espaço. A Aliança, ao longo deste lapso de tempo, acompanhou um Portugal em mudança… serviu os propósitos das políticas da ditadura e do Estado Novo, e no período pós-1974, relacionou-se com a mudança para a Democracia e a formação do Estado de Direito Democrático num país pós-revolução.
A Aliança acompanhou o evoluir de guerras e revoluções em que estivemos envolvidos, tendo contribuído para a evolução das Forças Armadas e concretamente do Exército Português. Esta “parceria construtiva” tem tido um impacto muito relevante ao nível da organização, nos programas de reequipamento, na vertente da doutrina e na área da educação e treino militar, tendo permitido a Portugal integrar as dinâmicas regionais e globais da segurança e defesa. Esta parceria tem possibilitado aos milhares de militares portugueses que têm cumprido missões na Estrutura de Comandos e na Estrutura de Forças da Aliança, bem como em atividades de formação e treino (através da participação em exercícios militares) e especialmente em operações, uma aprendizagem que teve (e continua a ter) um impacto significativo no nosso nível de operacionalidade como produtores de segurança à escala global.
Na intenção de procurar desvendar os principais elementos desta designada “parceria construtiva” entre a Aliança e o Exército Português, este artigo de opinião procura, seguindo uma orientação cronológica e factual, e tendo como referência principal o artigo escrito pelo (à época) Major Maia Pereira, por ocasião dos 50 anos da Aliança, dar a conhecer aos nossos leitores o impacto que a NATO teve (e continua a ter) nos seus 70 anos de existência no Exército Português e a forma como temos contribuído (e continuamos a contribuir), para os objetivos da Aliança Atlântica em nome de Portugal.
Centrada no Atlântico Norte, a NATO serviu o propósito político de após a II Guerra Mundial unir os Estados Unidos da América (e o Canadá) à Europa, criando uma aliança transatlântica que perdura até aos dias de hoje. Em termos europeus, era visto como uma segurança adicional (e talvez a única possível na altura) para permitir a paz e a reconstrução no período pós II Guerra Mundial, garantindo segurança e estabilidade na Europa… como alguns comentadores referiam, a Aliança Atlântica tinha na época o propósito moral e político de “(…) manter os Americanos In [Europa], os Russos Out [Europa] e os Alemães Down (…)”.
Na Revista Militar, o primeiro artigo escrito sobre este assunto coube ao General José Justino Teixeira Botelho, Presidente da Direção da Revista Militar, que num artigo publicado em janeiro de 1950, intitulado “1950 – Ano de Guerra? Ano de Paz?”, salientava a relevância, mas também a incerteza, do que seria pertencer ao pacto do Atlântico Norte, em nome de uma segurança europeia e obviamente em prol da segurança nacional, pois, segundo o autor “(…) o pacto do Atlântico Norte é, das providencias para fazer face a tão grande inimigo, decerto a mais concreta e importante. Portugal, associando-se a esse pacto, assume obrigações internacionais, muito para ponderar, mas que não constituem novidade na sua História (…)” (Botelho, 1950, p. 13).
A NATO definiu no seu primeiro Conceito Estratégico em 1 de dezembro de 1949 (DC 6/1) as orientações que viriam a guiar o Conceito Estratégico-Militar de 1950 (MC 14 de 28 de março de 1950), designado por “Strategic Guidance for North Atlantic Region Planning” e que viria ser operacionalizado através do NATO Medium Term Plan (DC 13 de 1 de abril de 1950). Passadas sete iterações sucessivas[2] chegamos ao atual Conceito Estratégico da Aliança (em revisão) aprovado na Cimeira de Lisboa (2010). Nos 70 anos da NATO e nos sete conceitos estratégicos aprovados, a segurança transatlântica e a cooperação entre as duas margens do Atlântico Norte foram sempre os elementos centrais. Neste contexto, a posição geoestratégica de Portugal, e nomeadamente do Arquipélago dos Açores, passaram a ser relevantes para a Aliança, constituindo-se para Portugal como um elemento charneira, ou uma moeda de duas faces, onde a aposta na modernização e na maior capacitação operacional das nossas Forças Armadas contribuiria para esse desiderato transatlântico.
Como organização para a paz, a NATO desenvolveu um conceito alargado de coesão e cooperação coletiva nos vários conceitos estratégicos e transportou ao longo dos 70 anos um conjunto de valores, representando um conjunto de ideais que a fazem valer no contexto atual do mundo moderno em que vivemos. A NATO é comummente identificada como uma “comunidade de valores” ou uma “aliança político-militar de valores”, que ao serviço da paz, da segurança e do desenvolvimento sustentado, vem ampliando o seu nível de empenhamento e intervenção, atuando cada vez mais à escala global. Aspeto que Portugal tem incluído nos seus mais recentes quatro Conceitos Estratégicos de Defesa Nacional (1985, 1994, 2003 e 2013), onde a referência explícita à NATO surge associada à nossa posição geoestratégica transatlântica e à possibilidade de beneficiarmos de um estatuto de relevo e assim contribuir para uma maior capacitação operacional das nossas Forças Armadas e em concreto do nosso Exército.
No quadro da atual conjuntura geoestratégica portuguesa, em que nos debatemos com inovadores desafios securitários semelhantes aos da Aliança e do Mundo, onde o terrorismo, as migrações descontroladas, o tráfego de pessoas e de armas, e mais recentemente a cibercriminalidade (entre outras ameaças), constam nas nossas agendas de segurança e defesa, será porventura interessante aprofundar a reflexão em torno de um novo e mais atual Conceito Estratégico da Aliança. E eventualmente alinhar interesses nacionais que no futuro possam ser considerados à luz de uma revisão do nosso Conceito Estratégico de Defesa Nacional, nos superiores interesses de Portugal (Bernardino, 2010, p. 9).
Este último aspeto será, porventura, no futuro próximo, o maior desafio para Portugal, para as Forças Armadas Portuguesas e obviamente para o Exército, ser capaz de pertencer a uma aliança militar global e aceitar o desafio de um maior investimento na área da Defesa, apostando para isso na tecnologia e no desenvolvimento tecnológico, no fortalecimento das indústrias de defesa, procurando integrar os elevados padrões e standards internacionais associados à investigação, desenvolvimento e produção industrial em áreas de reconhecida mais valia técnica e tecnológica.
Quando foi assinado o Tratado de Washington, em 1949, o Exército Português, que não tinha intervindo na II Guerra Mundial, era um exército com graves deficiências em termos de equipamento e armamento, tanto em quantidade como em qualidade, e estava desligado da evolução tecnológica e das dinâmicas inovadoras da doutrina militar e da tática dos exércitos europeus. O foco tinha-se centrado na manutenção da segurança nacional e no apoio ao desenvolvimento das províncias coloniais, centrado na consolidação de um status quo internacional que lhe permitia politicamente algum conforto e paz social, mas que nos afastou do paradigma evolutivo da Aliança (Pereira, 1999, pp. 198-199).
Quando foi decidido, quase que por instinto diplomático, que Portugal não poderia perder esta oportunidade de, ao aderir à NATO, se ligar às dinâmicas da segurança global e principalmente europeias, os líderes políticos não contariam certamente com a relevância e o impacto inicial que esta decisão política teria nas Forças Armadas e concretamente no Exército. Os primeiros tempos, ao longo da década de 1950, foram certamente tempos inovadores e difíceis (mas certamente muito desafiantes) para quem sentia uma barreira ideológica, tendo como referência outra doutrina militar e vivido um afastamento ao nível da tecnologia, da educação militar (nomeadamente no domínio da língua inglesa) e do treino operacional, estando afastados dos padrões dos exércitos europeus que tinham participado na guerra.
Os desafios pareciam ser gigantescos e iriam motivar toda uma geração de oficiais que via nessa ligação à NATO uma oportunidade de se desenvolver em termos profissionais, de criar condições técnico-táticas e doutrinárias para cumprir com os compromissos assumidos por Portugal no seio da organização e que implicariam uma mudança de mentalidade, no equipamento e na organização militar, essencialmente ao nível da doutrina militar e da educação e treino no seio do Exército. O paradigma tinha mudado e o Exército tinha de se adaptar a esse novo paradigma.
O início da década de 1950, que viria ser conhecida por uma nova fase de modernização no Exército, implicaria, nos anos seguintes, a elaboração de quadros orgânicos das unidades com base no modelo das unidades americanas, a criação de um sistema operacional alinhado com a Aliança, a adoção de um plano de reequipamento apoiado na aquisição de equipamento militar americano. Implicava ainda uma atualização do sistema de recrutamento e mobilização, e uma aposta na preparação de quadros e na constituição de Quartéis-generais, bem como no treino operacional e na realização de manobras militares, e ainda ao nível do planeamento e preparação de unidades constituídas para integrar o sistema de forças da Aliança, que viriam a alterar o que até então estava plasmado na Lei n.º 1960 de 1 de setembro de 1937 – Lei da Organização do Exército, que estava desajustada desta nova realidade.
Neste contexto, como salientaria mais tarde o General Ferreira de Macedo, “(…) as relações estabelecidas com oficiais dos exércitos estrangeiros, especialmente com os do Exército dos EUA (…) muito contribuiriam para a abertura dos espíritos e novas ideias e novos métodos, para a satisfação da ânsia de aquisição de conhecimentos, para a vontade de alteração e de melhoramento de que todos estavam imbuídos (…), aspeto que marcaria a diferença nesta fase inicial de adesão à NATO...” (Macedo, 1988, p.8).
A mudança de mentalidades levou a que uma percentagem grande de oficiais tivesse sido indigitada para tirar cursos nas escolas militares dos EUA, iniciando-se uma cooperação militar com os EUA (principalmente), enquadrado num quadro multilateral, criando-se nessa década o que se designou por uma “Geração OTAN”. Esta formação visava preparar alguns dos oficiais superiores e oficiais generais mais habilitados, para incorporarem a estrutura de comando militar da Aliança e iniciarem o planeamento nacional de forma a integrar o dispositivo de forças atribuído à NATO e a convergir a doutrina militar e os procedimentos operacionais (Telo, 1996, p. 253).
A Diretiva do Ministro da Defesa, Santos Costa, emitida em 1951, e conhecida com o epiteto de “O Esforço Militar Português” definia as primeiras orientações para os compromissos a serem assumidos pelo Exército na organização e preparação das designadas “Grandes Unidades Divisionárias” e os denominados “Elementos não-Divisionários” com vista a garantir o compromisso global português de mobilizar e aprontar dez Divisões (com um efetivo aproximado de 20.000 homens). Duas Divisões para a defesa de Portugal continental, três para a Defesa dos Pirenéus e cinco Divisões atribuídas à OTAN para serem empregues conjuntamente onde fosse necessário na defesa do espaço euro-atlântico (algures numa linha defensiva estática no centro da Europa). Este cometimento de forças, bem para além das capacidades nacionais, segundo Santos Costa, tinha o objetivo estratégico de alavancar o Exército, tirando-o do marasmo da presença em África e dando-lhe uma dimensão euro-atlântica, e obviamente mais operacional.
A nossa posição geoestratégica, a boa capacidade de mobilização e a vontade política de se alinhar com os vencedores da II Guerra Mundial levou o Ministro da Defesa, Santos Costa, a garantir um compromisso nacional significativo para a Aliança, baseado essencialmente no Exército, que, em caso de guerra, via-se na obrigação de disponibilizar um efetivo em termos de homens e de material bem acima da nossa realidade, capacidades e possibilidades, funcionado assim como incentivo nacional para maximizar e usufruir dos benefícios de pertencer à Aliança e beneficiar essencialmente dos programas de reequipamento e treino operacional que viria a ter lugar nas décadas seguintes.
Relativamente ao reequipamento, o “Plano de Rearmamento” aprovado pelo Estado Novo, em 1936, determinava como objetivo principal a capacidade de mobilização de dez Divisões de Infantaria e uma Divisão Blindada. À data, este objetivo revelou-se utópico, pois não existia uma noção exata do que era uma “Divisão de Infantaria”. Aspeto que viria a ficar mais claro com a adesão à NATO e quando passou a haver oficiais no Estado-Maior do Exército com formação nos EUA. Não era somente o problema dos efetivos, mas essencialmente dos equipamentos em face das novas e mais avançadas tecnologias que derivaram das políticas globais de armamento desenvolvidas no período da II Guerra Mundial e que Portugal e o Exército Português estavam desfasados dessa realidade operacional baseada agora grandemente nas novas tecnologias militares.
Este comprometimento “irrealista” de Portugal para a Aliança, viria a ser redimensionado no seio da NATO, tendo sido atribuído, no “Plano de Defesa de Médio Prazo” (1951) a Portugal, o compromisso de mobilizar uma “Divisão OTAN”, obedecendo a critérios de meios e operacionalidade que colocariam nos anos seguintes relevantes desafios para as lideranças do Exército. Na Cimeira de Lisboa (1952) viria a ser revisto este objetivo inicial e ficaria estipulado que Portugal teria a responsabilidade de mobilizar e atribuir de forma faseada, duas “Divisões de Campanha”, ficando com a responsabilidade de mobilizar e preparar duas “Divisões SHAPE” que constituiriam reserva do Comando do Centro da Europa (AFCENT), subordinada ao Comando Supremo Aliado da Europa (SACEUR) a empenhar à ordem (Pereira, 1999, p. 201).
Embora Portugal, na sequência da supracitada reunião de Lisboa, se tenha comprometido a “(…) alcançar níveis de forças significativos, tal como os que a Aliança para si própria estabelecera, quer uns, quer outros, revelam-se no curto prazo irrealistas. Em termos nacionais admitia-se uma contribuição que podia atingir para o Exército, nos dois anos seguintes, o levantamento de 4 Divisões. O reconhecimento do irrealismo daqueles objectivos, quer da Aliança, quer nacionais, levará a que a NATO os reveja em 1959 (…)”, o que viria a acontecer (Ramalho, 1999, p. 105).
Assim, tendo por base o compromisso nacional para a Aliança, entre 1952-53 seria estipulado um novo dispositivo territorial do Exército Português, fixando o estabelecimento de cinco Regiões Militares, com cinco Divisões de Campanha, e ficando a “missão SHAPE” em Lisboa na dependência do Secretariado-Geral da Defesa Nacional[3], com a missão de acompanhar o processo de elaboração da doutrina (onde estava um oficial superior destacado no Instituto de Altos Estudos Militares – IAEM) e de treino operacional (estando também um oficial superior destacado no Campo Militar de Santa Margarida – CMSM) com vista a dinamizar e alavancar este processo de endoutrinamento operacional[4].
Entre 1952-54, o material de guerra (material de artilharia, carros de combate M42, material de transmissões, material de engenharia – nomeadamente, pontes, viaturas sanitárias e material de transporte) cedido pelos EUA para equipar uma Divisão começou a chegar a Portugal, marcando o início do processo de reequipamento do Exército. Grande parte deste material ficaria, contudo, armazenado a constituir reserva de guerra, tão só pelo facto de não termos capacidade de o operar convenientemente nem de o manter. O Plano de Reequipamento de 1936 tinha sofrido um enorme incentivo e a assistência dos EUA levou a um dos maiores incrementos na indústria nacional de guerra, nomeadamente, na fabricação de munições de calibre convencional e na introdução de novas tecnologias associadas essencialmente ao desenvolvimento e manutenção dos equipamentos militares recebidos.
Por outro lado, houve uma necessidade de alterar o sistema de recrutamento e de mobilização, levando à criação dos Quadros Orgânicos de Mobilização (1952), da implementação de um sistema de educação e formação militar, e principalmente elevar o padrão de realização de manobras (exercícios) militares visando o levantamento, nos anos seguintes, de forças que se pretendiam mais operacionais, baseadas em novos standards, o que veio a contribuir para um reforço na qualificação do pessoal e no nível de operacionalidade do Exército Português.
Em 1951, o General Abranches Pinto, Ministro do Exército, aprova a constituição da 1.ª Divisão do Corpo Expedicionário Português, apelidada, em homenagem ao patrono da Infantaria Portuguesa (Nun’Álvares Pereira – o Santo Contestável), de Divisão Nun’Álvares, que passaria a estar sediada na 2.ª Região Militar. Este acontecimento levou à criação do Campo Militar de Santa Margarida (CMSM)[5]/[6], Inicialmente designado por “Campo de Instrução Divisionário”, e à realização, em 1953, das primeiras manobras militares com vista a testar a operacionalidade da Divisão Nun’Álvares. Estas manobras, com objetivos limitados, focaram-se nos deslocamentos administrativos, na concentração de tropas e na rotina da vida em aquartelamento, tinham avaliadores oficiais do SHAPE e do Estado-Maior do Exército (EME). Uma dinâmica que perdurou nas décadas seguintes e que muito contribuiu também para desenvolvimento do nível de operacionalidade do Exército Português.
Com o evoluir da situação, os objetivos das manobras, que passaram a realizar-se anualmente, tornaram-se mais complexos, integrando procedimentos de Estado-Maior, logísticos, ações de comando e envolvendo manobras em vários escalões táticos, com arbitragem de exercícios e um sistema de avaliação baseado nos padrões NATO conduzido por parte do SHAPE e do EME. As conclusões das supracitadas manobras publicadas em 1953, salientavam que “(…) O Estado-Maior do Quartel-General bem organizado e eficiente; abastecimentos e logística bem desempenhados (…); Melhorias da actuação das unidades à medida que a instrução ia avançando, o que demonstra que os Comandos iam anotando e corrigindo as faltas; Equipas de Arbitragem (…) cumpriam a missão por forma adequada; As manobras foram bem concebidas e cuidadosamente planeadas (…); Os exercícios de Regimento e Batalhão foram, particularmente proveitosos (…)” e salientava ainda que “(…) o Plano de Instrução de 1954 deverá incluir, no mínimo, dois meses de instrução em Santa Margarida, após 16 semanas de instrução individual (…); Indispensável que a estrutura de comando da Divisão se mantenha durante todo o ano (…)” (Pereira, 1999, pp. 204-205).
Este processo levou à implementação no Exército Português, desde 1954, na Divisão Nun’Álvares, de um sistema de avaliação e de inspeção associado aos padrões NATO, envolvendo equipamento, doutrina, organização e uma capacidade operacional substancialmente diferente das demais unidades do Exército. A NATO tinha permitido, num relativo curto espaço de tempo e por ação de muitos militares, e principalmente de uma nova geração de oficiais que estavam voltadas para a dinâmica transatlântica, que em 1954 a força OTAN, envolvendo não só militares da 2.ª Região Militar, mas praticamente de todas as Regiões Militares do continente, recebe-se a designação, em 28 de maio de 1954, de 2.ª Divisão/CEP[7] e nos meses de setembro e outubro desse ano realizam-se importantes manobras no Campo de Instrução Militar de Santa Margarida.
Em 1954, decorrem também os primeiros exercícios de Postos de Comando (CAX) em articulação com o IAEM, visando a formação de oficiais dos Estados-Maiores das unidades de escalão Batalhão/Grupo e Regimento, procurando-se uniformizar a doutrina e procedimentos operacionais, o que também levaria a um incremento no nível de planeamento, arbitragem e de conduta das manobras militares alinhadas com os elevados padrões NATO. No ano seguinte, em 1955, as manobras anuais seriam marcadas por uma ampliação das áreas de instrução e de avaliação da 3.ª Divisão, tendo-se concluído que haveria conveniência em manter o QG (separado do Comando da Região Militar) em permanência durante todo o ano (e não só para a fase dos exercícios/manobras militares) e com comando sobre as suas subunidades, passando a constituir a melhor força operacional de que o Exército Português dispunha em 1956 … mas ainda longe dos elevados padrões de eficiência e operacionalidade exigidos pela Aliança.
Este processo organizativo catalisado pela adesão à NATO e no intuito de cumprir com os acordos estabelecidos, levou à concentração de recursos e a uma redução geral das despesas com infraestruturas em todo o território nacional, levando a uma maior concentração das unidades militares em torno do designado “Polígono de Tancos”, com especial incidência para o Campo Militar de Santa Margarida, que ganhou outras valências e passou a ser o maior e mais relevante centro de manobras do Exército Português. Pareciam claros e evidentes quais seriam as prioridades e quais eram os objetivos principais para os anos seguintes no Exército Português.
O General Lopes da Silva, Chefe do Estado-Maior do Exército (CEME) entre 1956 e 1958, ficaria associado e este paradigma de mudança, tendo também plena consciência que não seria possível, no curto prazo, alcançar os elevados padrões de exigência que a NATO estabelecia, e que os políticos se tinham, sem grande sentido de realismo, comprometido quando assinaram o Pacto do Atlântico em 1949.
Em 1957, o QG da 3.ª Divisão, liderado pelo General Ferreira de Macedo (Comandante da 3.ª Divisão) participaria no primeiro grande exercício de Postos de Comando (Exercício Lion Noir) organizado pela Aliança, que se desenrolou na Alemanha, integrado no II Corpo de Exército (EUA) e que representou um desafio para os oficiais de Estado-Maior portugueses que viriam a ser elogiados pelo nível de desempenho muito positivo.
Assim, no final da década de 1950, o Exército Português estava dividido entre a necessidade de continuar o processo de modernização e de alinhamento pela doutrina e organização NATO, resultante de uma década de esforço de adaptação, e, por outro lado, a necessidade de contrabalançar com uma organização militar territorial assente em Regimentos e Regiões Militares na defesa do território metropolitano, que se via também na obrigatoriedade de estender a função de segurança e defesa aos territórios ultramarinos, consumindo uma parte significativa dos recursos nacionais, principalmente humanos e financeiros.
Entretanto, no início da década de 1960, o modelo americano de Divisão ROAD passaria a integrar Brigadas Endivisionadas, com maior autonomia em termos de apoio de fogos e de apoio de serviços, alinhada com a Organização LANDCENT, que se mostrava mais eficaz e adequada às necessidades e possibilidades nacionais. As manobras de 1960 já incluíram esta nova organização, e estavam associadas a uma diminuição “teórica” do envolvimento do Exército no compromisso nacional para a Aliança. A Brigada LANDCENT passou assim a ser a grande unidade que constituiria o compromisso do Exército para a OTAN, levando a que o Ministro do Exército, Coronel de Estado-Maior Almeida Fernandes, numa reunião, em 7 de dezembro no EME, referisse: “(…) creio que todos estamos de acordo em que a nossa contribuição de uma Divisão convencional perdeu o interesse, está ultrapassada. Somos nós próprios a reconhecer a vantagem de modificar o nosso compromisso [para duas Brigadas a empregar em fases sucessivas] por forma a que ele corresponda em valor real para a Aliança (…). Em todo o caso pomos em primeira alínea a defesa da integridade nacional e na segunda o compromisso com a OTAN (…)” (Pereira, 1999, p. 210).
Pela Portaria n.º 18213 de 17 janeiro 1961, viria a ser criada a Arma de Transmissões (que seria autonomizada da Arma de Engenharia) e no mesmo ano o Serviço de Transportes, e o Serviço de Material. O Serviço do Ajudante-Geral e do Quartel Mestre-General seriam também profundamente reestruturados, correspondendo à imperiosa necessidade de se adoptar a uma orgânica NATO, voltada para valências mais operacionais (e tecnologicamente mais avançadas), nomeadamente, ao nível da engenharia de combate e da manobra e fogos com a introdução do carro de combate M47. Esta evolução ao nível doutrinário e tecnológico estava também associada a uma mudança de mentalidades, tendo levado à criação de uma verdadeira “escola militar” na vertente do planeamento tático, e da conduta e avaliação de manobras militares, estando intimamente associada à edificação do Campo de Instrução Militar (CIM) integrado no CMSM.
Esta aparente desaceleração do procedimento de adaptação à NATO não implicou, contudo, uma diminuição no processo de reformas no Exército Português. De facto, o General Pedro Cardoso, elemento participante neste processo, viria mais tarde a salientar essa relevância referindo que “(…) a participação de Portugal na OTAN teve profundas repercussões nas Forças Armadas, organização, equipamento, métodos e programas de instrução, técnicas de Estado-Maior, processos de trabalho foram significativamente alterados mercê do acesso a nova documentação e regulamento, dos contactos internacionais, da frequência de cursos no estrangeiro e do equipamento recebido ao abrigo da ajuda mútua (…)” (1999, p. 54).
Com o início dos conflitos na região norte de Angola, em fevereiro de 1961[8], dá-se início a uma nova fase no Exército Português, com implicação na nossa relação de cooperação e compromisso com a Aliança Atlântica. O esforço de guerra nas províncias ultramarinas exigido pela nossa política para África nas décadas seguintes, levaria à adoção de novas prioridades para as Forças Armadas e especialmente para o Exército que agora “marchava em força para África”.
O processo de reequipamento associado à nossa adesão à NATO e a aprendizagem de novas técnicas e doutrinas no seio da Aliança cedo deram origem a uma preparação para uma doutrina contra insurrecional e a adoção de uma organização militar virada para África[9], com técnicas e procedimentos operacionais próprios e obviamente com equipamentos bem diferentes… o material pesado e empregue segundo o principio da massa, típico da doutrina NATO deu origem a material ligeiro e empregue cirurgicamente em ações de contraguerrilha… no início da década de 1960, o paradigma do Exército tinha mudado com a guerra em África e a relação com a OTAN “desvaneceu-se”.
A formação dos quadros passou a ser feita na Argélia francesa, em Espanha e em escolas americanas especializadas em guerra subversiva. A criação de unidades especiais e o emprego das “tropas de quadrícula” como forças de intervenção nas províncias ultramarinas, entre 1962-1975, levou à imperiosa necessidade de rever o sistema de mobilização, formação e treino, tendo sido colocado em outra prioridade o envolvimento do Exército nos compromissos assumidos com a Aliança. Podemos mesmo referir, salvo melhor opinião, que o nosso envolvimento nesse período no seio da organização foi residual e pouco consistente com o que vinha sendo feito desde o momento da adesão, em 1949.
Deixamos assim de ter capacidade de reagir às exigentes demandas da Aliança Atlântica e passamos um período em que, contrariamente ao porventura esperado, não se assistiu ao envolvimento da NATO no conflito africano, onde não tivemos qualquer apoio declarado no nosso envolvimento em África, nem tivemos as necessárias condições económicas e estruturais para investir em pessoal e material, e obviamente de assumir em simutâneo os compromissos nacionais para com a NATO. O Exército Português e Portugal esteve, entre 1962 e 1975, num período de alguma letargia e pouco ou quase nada envolvido no processo de crescimento político-militar da Aliança Atlântica. Contudo, apesar das relações ao nível político com os Altos Comandos da Aliança serem residuais, a representação nacional, nomeadamente do Exército Português, nos diversos órgãos da Aliança manteve-se durante todo esse lapso de tempo.
Embora tenhamos todos a noção de que os ensinamentos iniciais adquiridos com a adesão à Aliança e principalmente os aspetos organizacionais (as unidades tipo Batalhão eram decalcadas dos da estrutura OTAN), de planeamento, meios e apoio logístico e ainda os sistemas de treino e de arbitragem tinham sido uma mais valia considerável no aprontamento de unidades operacionais e no envio de meios humanos e materiais para a guerra nas colónias. Nesse período, os cerca de 30 a 40 % de efetivos que a 3.ª Divisão conseguia manter, nas diversas subunidades que a compunham, estavam essencialmente vocacionadas para o apoio à formação e treino operacional das unidades constituídas que eram enviadas ciclicamente para o teatro de operações africano. Nas instalações do CMSM e com o apoio das unidades afiliadas à NATO, as unidades (Batalhões) antes de embarcarem para o ultramar faziam aí a sua Instrução de Aperfeiçoamento Operacional (IAO), garantindo que o nível de proficiência era o mais adequado para o exigente teatro de operações em África.
Por outro lado, a implementação das bases de uma indústria de defesa nacional, lançadas no processo de adesão à NATO, revelavam-se essenciais para manter o esforço de reequipamento (produção de nova tipologia de fardamento e equipamento adequado ao teatro africano) e de abastecimento (incluindo o seu transporte) para os teatros de operações onde o esforço de guerra era mais necessário. Desta situação resultou “(…) no abrandamento de preparação das tropas da Divisão para o ambiente operacional convencional e NBQ. Em compensação, a preparação para a actividade da contra-subversão e contra-guerrilha atingiu índices elevados, designadamente no que diz respeito às Tropas Especiais (Caçadores Especiais, Paraquedistas e Comandos) (…)” (Ramalho, 1999, p. 109).
As mudanças ocorridas na tipologia do conflito em que Portugal se envolveu, entre 1961 e 1974, em África, fizeram com que o Exército Português fosse forçado, mais uma vez, a operar uma mudança radical ao nível da instrução militar, das táticas, técnicas e procedimentos (TTP’s), na doutrina militar e ao nível dos conceitos operacionais, mudando de uma preparação para uma guerra tipo convencional para o de uma guerra contra subversiva, mais vocacionada para o apoio às populações e preocupada em manter a ordem pública em vastas áreas de responsabilidade (quadrícula).
A política ultramarina de Portugal defendida após os conflitos de 1961 e a argumentação internacional do direito de intervir e de reclamar a presença de meios militares nas colónias, vistas pela diplomacia nacional como a defesa de uma legítima extensão do espaço soberano nacional, não foi bem acolhida no seio da Aliança, não sendo permitido o envio de material estacionado em Portugal e adquirido (ou doado) no âmbito dos acordos com os EUA (que já se havia abstido quando o tema foi debatido no Conselho de Segurança das Nações Unidas) e a NATO, impossibilitando assim o seu envio e emprego no teatro de operações africano. O assunto não constava nas agendas da Aliança e não viria a ser colocada a hipótese de intervenção, nem equacionado o apoio directo ou indirecto da Aliança aos esforços de guerra de Portugal em África… a NATO não serviria os nossos interesses em África, mas seria relevante na dinâmica que o Exército Português colocou ao nível da mobilização, formação e no aperfeiçoamento operacional de unidades constituídas para defesa dos interesses de Portugal em África.
A revolução dos cravos (1974) marcou um virar de página na História de Portugal e teve um impacto nas Forças Armadas que fizeram a revolução e obviamente no Exército Português que liderou (em grande medida) o processo revolucionário e que viria a empenhar-se decisivamente na estabilização do Estado de Direito e na complexa transição para a Democracia nos anos seguintes.
Se no período inicial da nossa adesão à organização procuramos convergir para uma uniformização com os exércitos mais avançados, nomeadamente, pela padronização das doutrinas, procedimentos operacionais e dos equipamentos militares, com o período da guerra colonial (1962-1974) tivemos não só uma estagnação, mas uma profunda divergência, como vimos, ao definirmos outras prioridades para a doutrina, para o emprego operacional e para as políticas de reequipamento… o período pós-revolução surgiu assim como um novo realinhamento e uma nova fase de reaproximação do Exército com os padrões da Aliança.
O Exército Português, que se havia especializado na contra-subversão e nas técnicas, táticas e procedimentos de guerrilha, empregando meios não convencionais numa guerra não-convencional, tinha agora de mudar de mentalidade, cultura organizacional e de paradigma… tinha de se reafirmar no seio da Aliança.
O Exército, ao mesmo tempo que se desmobilizava e desarmava de uma guerra, tinha que, noutra perspetiva, reequipar-se, reorganizar-se e especializar-se para uma tipologia de guerra convencional segundo os padrões NATO.
Neste contexto, multiplicaram-se as participações nacionais em ações de formação, em grupos de trabalho, assistindo-se ao elevar do nível de cometimento de forças, bem como a um reforço das representações nos diferentes níveis da organização (nomeadamente, ao nível estratégico-operacional), onde o reforço de oficiais (e sargentos) do Exército no SHAPE (e no Quartel-General do COMLANDSOUTH) marcou esta nova fase de comprometimento com a Aliança Atlântica. Assistia-se a uma verdadeira revolução pós-revolução, essencialmente ao nível das mentalidades e das vontades, pois que uma geração de oficiais do Exército via nesta renovada presença na Aliança uma forma de se valorizar profissionalmente e esquecer, um pouco, as agruras de uma guerra colonial desgastante e traumática para muitos oficiais dessa geração… o futuro parecia sorrir através da nossa ligação à Aliança Atlântica e a motivação para integrar esta mudança de paradigma era enorme.
Um passo significativo ao nível dos compromissos com a OTAN seria dado com a criação, em 9 de fevereiro de 1976[10], da 1.ª Brigada Mista Independente (1.ª BMI) que substituiria a 3.ª Divisão como principal contribuição do Exército Português para a NATO[11]. A 1.ª BMI foi constituída com meios de infantaria mecanizados e de rodas, sendo uma unidade mista mecanizada e motorizada, organizada com base num Grupo de Carros de Combate (GCC), equipada com o carro de combate M48 A5, um Batalhão de Infantaria Mecanizada (BIMec), equipados com as VBTP M113 A1 e em dois Batalhões de Infantaria Motorizada (BIMoto), equipado com viaturas de rodas, sedeados no CMSM e com ligação a diversas unidades do “Polígono de Tancos”.
No âmbito NATO, a sua missão principal implicava a projeção para o nordeste de Itália atuando na defesa do flanco sul da Europa integrando o III ou V Corpo de Exército Aliado (ACE), liderado por Itália e com militares de Itália, Grécia e Turquia, no reforço do Comando Aliado do Sul da Europa (AFSOUTH) sob controlo operacional do Comando das Forças Terrestres Aliadas do Sul da Europa (COMLANDSOUTH).
A 1.ª BMI, na linha do conceito da Divisão ROAD e da Divisão LANCENT tinha por base garantir, através de um reforço de meios (muito por via dos acordos com os EUA sobre a Base das Lajes nos Açores), uma capacidade autónoma de comando, controlo e essencialmente de apoio de fogos e de serviços, permitindo atuar (por um curto espaço de tempo) autonomamente numa operação militar. O retorno à doutrina terrestre da Aliança fazia-se através do emprego operacional da 1.ª BMI nos múltiplos exercícios militares e na participação crescente de oficiais (e sargentos) portugueses em exercícios de Postos de Comando em Itália, onde a introdução dos jogos de guerra com assistência computorizada (CAX), nomeadamente, com o uso do programa “First Battle”, constituía uma inovação no treino de postos de comando por parte dos oficiais de Estado-Maior[12].
A designada “Escola de Santa Margarida”, localizada no CMSM e tendo a 1.ª BMI como Grande Unidade de referência passaria a ser o “laboratório para as operações terrestres”, associado ao emprego do Agrupamento de Armas Combinadas (infantaria mecanizada, carros de combate, artilharia, unidades de reconhecimento, engenharia e de transmissões apoiados por um batalhão de apoio de serviços), onde uma geração de oficiais viria a desenvolver as suas capacidades de comando e onde o nível de operacionalidade crescente das unidades de manobra e apoio de fogos e de serviços, tendo por base muitos militares selecionados e treinados a partir do sistema de conscrição nacional[13] era bem evidente.
O nível de operacionalidade da 1.ª BMI não parou de evoluir no caminho da adaptação ao novo conceito de melhoria de forças convencionais de acordo com o preconizado na Aliança Atlântica[14], sendo considerada como uma força de intervenção, com um efetivo de cerca de 4800 homens, e constituindo a principal base do Sistema de Forças do Exército (Pereira, 1999, pp. 220-222).
Na sequência da queda do muro de Berlim em 1989 e da nova geopolítica global, em 1991, a NATO viria a aprovar um novo conceito estratégico que estabelecia uma nova estrutura de forças mais consentânea com as realidades da conjuntura estratégica do momento (MC-400 – MC Directive for Military Implementation of the Alliance´s Strategic Concept – 12 de dezembro de 1991). As forças convencionais da Aliança passam a ser organizadas em três tipos: as Forças de Reacção (Reaction Forces) Imediata e Rápida, com unidades que possam configurar uma primeira resposta da NATO perante uma situação concreta; as Forças Principais de Defesa para a OTAN (Main Defense Forces) orientadas para garantir a defesa da Aliança como um todo e as Forças de Aumento (Augmentation Forces) destinadas ao reforço do conjunto das forças atrás referidas[15] (Ramalho, 1999, pp. 105-106).
Esta mudança de conceito implicou também uma adaptação no sistema de Forças Nacionais, bem como na missão do Exército Português. A catalogação de forças e meios viria a tornar-se mais exigente e o alinhamento entre a capacitação e comprometimento de meios e capacidades escalou para outro patamar. Multiplicou-se a presença em grupos de trabalho, na produção de STANAG, a participação em Conferências de Geração de Forças e o envolvimento operacional do Exército Português nas operações militares da Aliança.
Esta alteração do conceito de forças na NATO imprimiu uma nova dinâmica operacional para a Aliança com repercussão no Sistema de Forças Nacionais (SFN) e nas Missões Específicas e no Dispositivo de Forças. Fernando Nogueira, Ministro da Defesa Nacional, referia este propósito que “(…) às Forças Armadas Portuguesas colocam-se assim, para além da sua missão principal de defesa militar da república, novas missões e novas responsabilidades (…), solicitações que, no futuro próximo e na actual conjuntura internacional, parecem constituir verdadeiros desafios (…)” (1995, p. 145).
De facto, estas novas solicitações e desafios materializam-se na satisfação dos compromissos assumidos por Portugal no seio da NATO e consubstanciaram-se, em 1999, na primeira missão militar envolvendo as Forças Armadas Portuguesas, e em maioria de esforço, o Exército Português, ao serviço da Aliança… precisamente no centro da Europa e não muito longe, onde 50 anos antes tinha sido assinado o acordo de paz que poria fim à II Guerra Mundial e que criaria as condições geopolíticas e geoestratégicas para a formação da Aliança Atlântica.
Entre 1999 e 2019, em cerca de 20 anos, a NATO desenvolveu uma capacidade militar expedicionária que congregou “coligações variáveis de geometria variável” em múltiplos conflitos, transvasando a tradicional área de operações euro-atlântica e participando em operações em áreas tão remotas e distantes, designadas de operações “out of area”, tais como o Paquistão, Afeganistão, Iraque e Líbia, entre outras, tornando-se numa organização de segurança global. Aspeto que ficou ainda mais evidente depois do atentado às torres gémeas em Nova York, ocorrido em 11 de setembro de 2001, quando pela primeira vez o artigo V foi evocado por um dos Estados-membros (EUA), tendo arrastado para a “Global War on Terror” a Aliança Atlântica e a maioria dos seus Estados-membros.
No âmbito específico da NATO, o Exército Português tem integrado, desde o início das operações militares da Aliança, múltiplas missões em distintos teatros de operações, designadamente: Implementation Force (IFOR) e Stabilisation Force (SFOR), na Bósnia-Herzegovina (1996-2004); Albania Force (AFOR), na Albânia (1999); Task Force Harvest / Task Force Fox (TFH/TFF), na Macedónia (2001-2002); Kosovo Force (KFOR), no Kosovo (2005-2017); NATO Training Mission-Iraq (NTM-I), no Iraque (2005-2011); International Security Assistance Force (ISAF), no Paquistão e Afeganistão (2005-2014) e Resolute Support (RSM), no Afeganistão (2018-2019), envolvendo um efetivo de cerca de 16.200 militares, ao longo dos últimos 23 anos. De igual modo, o Exército Português garantiu, desde 2003, o aprontamento e sustentação de 23 unidades para a componente terrestre da NATO Response Force (NRF), tendo participado também no âmbito das “Assurance Measures”, na Lituânia (2015 a 2017), envolvendo um efetivo de 4788 militares, enquadrados em unidades de escalão Batalhão, Companhia ou Grupo Tarefa (Task Group), devidamente equipados, treinados e certificados conforme os exigentes padrões da Aliança Atlântica[16].
5.1. A NATO Implementation Force (IFOR) e a NATO Stabilization Force (SFOR) na Bósnia-Herzegovina
Portugal iniciou a sua participação em operações de paz no contexto da NATO nos Balcãs, com a integração do 2.º Batalhão de Infantaria Aerotransportados (2.º BIAT) na Operação “Joint Endeavour” (20 de dezembro de 1995 a 20 de dezembro de 1996), fazendo parte da designada Força de Implementação – Implementation Force (IFOR), estipulada no âmbito dos acordos de paz. O 2.º BIAT esteve no teatro de operações da Bósnia-Herzegovina entre 16 de janeiro e 29 de Agosto de 1996, envolvendo 678 militares, tendo sido comandada pelo Tenente-coronel Pedro Manuel Moço Ferreira[17] e tendo a missão sido cumprida com sucesso e merecido o reconhecimento das mais altas entidades nacionais e estrangeiras.
Entre 1996 e 2004, ao longo de oito anos de missões militar NATO na Bósnia-Herzegovina, as Forças Armadas Portuguesas e especialmente o Exército projetaram centenas de militares, tendo o General Cerqueira Rocha, CEME à época, salientado que “(…) a participação militar portuguesa na IFOR/SFOR, que prossegue, teve características especiais que se julga de interesse sublinhar. Em termos nacionais, traduziu-se no emprego das primeiras unidades a actuar no TO Europeu após a Primeira Guerra Mundial e as primeiras unidades de combate a intervir, no exterior, após 1975 (…)” (Rocha, 2000, p. 89). No primeiro ano de missão, o empenhamento nacional nesta primeira operação terrestre da Aliança Atlântica manteve-se num nível elevado, indo depois diminuindo o esforço acompanhando idêntico caminho por parte da totalidade da força, em final de dezembro de 1996 viria a ser renomeada de Stabilization Force (SFOR).
Nestes oito anos, ao serviço de Portugal e do Exército Português viriam a morrer em operações da NATO neste teatro de operações cinco militares paraquedistas do Exército, nomeadamente: os Primeiros-Cabos Alcino Lázaro Mouta e Rui Manuel Tavares, em 24 de janeiro de 1996, vítimas de um acidente com engenho explosivo; os soldados Francisco José Barradas e Ricardo Souto, em 6 de outubro de 1996, vítimas de acidente com viatura blindada “Chaimite” e o soldado Ricardo Manuel Valério, em 16 de julho de 2004, vítima de um acidente de trabalho com um empilhador. O Tenente-coronel de Engenharia “Comando” Augusto Pinheiro, então Tenente, foi vítima da explosão de uma mina anti-pessoal, em junho de 1996, quando procedia a uma ação de desminagem[18], ficando ferido.
A cada seis meses, a Força Nacional Destacada (FND) na SFOR foi cumprida rotativamente por unidades provenientes das três Brigadas do Exército e, em dezembro de 2004, uma força da União Europeia (EUFOR) substitui a NATO na Bósnia-Herzegovina e Portugal continuou manter a sua participação com unidades escalão Batalhão até 2007, ano em que reduz substancialmente a sua participação neste teatro de operações[19]/[20].
5.2. A Kosovo Force (KFOR) no Kosovo
A missão “Kosovo Force” (KFOR) no Kosovo foi estabelecida em 12 de junho de 1999, na sequência de uma campanha aérea de 78 dias denominada “Operation Allied Force”, com início em 24 de março de 1999 e que constituiu o primeiro empenhamento operacional da NATO, precisamente 50 anos depois da sua fundação. Esta campanha aérea foi lançada pela Aliança com o objetivo de deter e reverter a catástrofe humanitária que se foi, então, desdobrando. A KFOR deriva da Resolução n.º 1244/99 de 10 de junho de 1999[21]/[22] e do Acordo Técnico-Militar (MTA), assinados entre a NATO e a República Federal da Jugoslávia e da Sérvia. A KFOR nasce sobre o abrigo do Capítulo VII da Carta da ONU como uma operação de imposição da paz, quando é geralmente referida como uma operação de apoio à paz. Inicialmente, o mandato da KFOR foi criado para: Deter as hostilidades e as ameaças contra Kosovo por forças jugoslavas e sérvias; Estabelecer um ambiente seguro e garantir a segurança e a ordem pública; e assegurar a desmilitarização do Kosovo Liberation Army (KLA), bem como apoiar o esforço humanitário internacional, e coordenar e apoiar a presença civil internacional.
As Forças Nacionais Destacadas na missão do KFOR, empenhadas entre 1999 e 2017, essencialmente militares do Exército, envolveram 26 unidades de escalão batalhão (Agrupamentos, Batalhões de Infantaria e Grupos de Autometralhadoras) envolvendo mais de 8000 militares (Sousa, 2018, pp. 17-21).
Portugal participa com forças militares na KFOR desde meados de agosto de 1999, apesar da missão e constituição ter variado ao longo do tempo. Em 30 de abril de 2017, cessou a atividade operacional a FND que integrava a Reserva Tática do Comandante da KFOR, tendo a respetiva retração ocorrido até final de junho de 2017. Portugal, através de militares do Exército Português, tem, neste momento (julho 2019), três Elementos Nacionais Destacados (END) provendo três cargos no Estado-Maior do Quartel-General da KFOR.
No teatro de operações do Kosovo viria a falecer um militar do Exército, em 16 de março de 2010, durante a realização das provas físicas. O Primeiro cabo José Bernardino pertencia ao 1.º Batalhão de Infantaria Mecanizado (1BIMec) da Brigada Mecanizada.
5.3. A International Security Assistance Force (ISAF) e a NATO Resolute Support Mission (RS) no Afeganistão
A missão da “International Security Assistance Force” (ISAF)[23] no Afeganistão iniciou-se em 2011 e foi concluída no final de 2014, dando lugar, em 1 de janeiro de 2015, a uma nova fase do empenhamento da Aliança no Afeganistão, lançando a operação “Resolute Support” (RS), vocacionada para o treino, aconselhamento e assistência militar às forças de segurança afegãs e instituições de segurança e defesa.
O esforço da participação das Forças Armadas Portuguesas e concretamente do Exército na missão da ISAF (e depois na RS), reflete o caráter prioritário que este teatro de operações representa para Portugal. Sendo a missão mais exigente da história da NATO, e a primeira vez que o artigo V do Tratado do Atlântico Norte foi evocado, levando ao empenhamento das diversas forças da participação nacional, permitindo, com base nos efetivos empenhados e dos tipos de unidades projetadas, avaliar a nossa contribuição para a Aliança (Rodrigues, 2011, pp. 131-155).
Ao longo destes doze anos de empenhamento da Aliança Atlântica no Afeganistão no contexto ISAF, as Forças Armadas Portuguesas estiveram presentes desde o início, envolvendo mais de 3200 militares, com diferentes tipologias de forças e de missões, empenhando também grandemente meios e unidades do Exército. Ao longo dos quatro anos da RS, o empenhamento do Exército Português foi contínuo e significativo, tendo atualmente (julho 2019) empenhado no teatro de operações do Afeganistão cerca de 200 militares[24].
Em termos de incidentes e mortes neste teatro de operações, todos recordamos o dia 18 de novembro de 2005, quando da realização de uma patrulhado em missão nos arredores de Cabul, uma viatura foi atingida pela explosão de um engenho colocado na estrada por onde passava, tendo resultado deste incidente a morte do Primeiro-sargento “Comando” João Paulo Roma Pereira, e tendo ficado feridos três militares, um dos quais com gravidade, o Primeiro-cabo “Comando” Horácio da Silva Mourão (inicialmente assistido e operado num hospital de campanha alemão, em Cabul, e, mais tarde, transportado para um outro hospital militar junto a Colónia, na Alemanha). Este incidente representou neste teatro de operações e ao serviço da NATO o mais grave incidente envolvendo militares do Exército Português.
5.4. A NATO Training Mission-Iraq (NTM-I) no Iraque
Portugal participou na NATO Training Mission-Iraq (NTM-I), desde fevereiro de 2005, com um número de militares que oscilou entre 6 e 9, maioritariamente do Exército, tendo durante todo o período (2004-2009) envolvido 53 militares nesta missão. A missão tinha como finalidade principal assessorar as autoridades iraquianas no âmbito da formação e do estabelecimento das estruturas de comando das suas Forças de Segurança. Esta missão terminou em março de 2009.
Como vimos, a NATO tem vindo a ampliar o seu nível de envolvimento em operações militares, um pouco por todo o mundo, num espectro e tipologia de missões que vão desde o envolvimento em operações de combate até à assessoria e treino militar, passando pela ajuda humanitária e apoio a catástrofes, envolvendo cada vez mais recursos humanos e materiais. Esta dinâmica de crescimento operacional, principalmente depois do 11 de setembro de 2011, tem “obrigado” os Estados-membros a aumentar o seu nível de empenhamento, aspeto que no Exército tem sido bem visível e que pensamos irá continuar a acontecer no futuro.
O Sistema de Forças Nacional e as unidades operacionais do Exército (incluindo as unidades de apoio de serviços) tem sido chamadas a envolver-se, cada vez mais, nas diversas operações e missões NATO, implicando um nível de empenhamento acrescido, que em algumas Brigadas e Regimentos do SFN tem contribuído para um maior nível de operacionalidade, mas que tem contribuído também para um aumento do número de mortos (e feridos) como não se via desde a guerra de África… aspeto que representa talvez o custo mais pesado de pertencermos a uma Aliança militar que se tornou num dos principais produtores de segurança à escala global… e que tudo indica, vai continuar a ser…
Vivemos num mundo globalizado com a crescente pressão político-social de garantir segurança em todo o momento e em todos os lugares, pois que a segurança passou a ser uma condição essencial para o desenvolvimento sustentado e as organizações que tem a segurança (e defesa) como objetivo principal, tal como a Aliança Atlântica, tornaram-se globais e passaram a integrar as dinâmicas securitárias regionais e mundiais. Este inovador e muito desafiante paradigma da Aliança, em tornar-se numa organização de segurança global, comporta novos desafios e aproximou a NATO de outros atores em locais tão remotos como o Afeganistão, Paquistão, Iraque, Líbia e outros, tendo-se tornado crescentemente um produtor de segurança à escala global.
Para fazer face a este paradigma, desde a Cimeira de Lisboa (2010), foi aprovado e adotado o atual Conceito Estratégico da Aliança que formalizou um novo desafio, o de sair das fronteiras geográficas (e ideológicas) tipicamente convencionais (muito por força dos acontecimentos do 11 setembro 2001) e abraçar uma dimensão mais global e muito mais proativa. Neste contexto, o General Loureiro dos Santos salientava numa conferência realizada no Instituto de Defesa Nacional (IDN) sobre esta temática, em meados de 2010, que “(…) nestas condições, torna-se aconselhável a existência de relações de interesses e eventual colaboração entre a NATO e outras alianças regionais ou com potências com expressiva capacidade de influência nas respetivas regiões. Acrescente-se que nenhuma grande potência aceitaria integrar a Aliança Atlântica, pois transmitiria a perceção que se sujeitaria à liderança da grande potência que a lidera – os EUA (…)” (Santos, 2010, p. 41).
A Aliança Atlântica moldou-se para fazer parte desta dinâmica securitária global liderada pelos Nações Unidas, reequipou-se, modernizou-se, implicando um maior empenhamento das atuais 29 nações que crescentemente aderiam aos seus ideais de defesa e segurança global. Pertencer à Aliança implica um conjunto de desafios para os Estados-membros que se prende essencialmente com um maior compromisso financeiro com a área da Defesa, a necessidade de estabelecer parcerias estratégicas securitárias globais, uma maior aposta na indústria de defesa e a certeza de que acompanhar o desenvolvimento tecnológico é vital para o nível de operacionalidade que se exige no seio da NATO.
Neste contexto, o tempo e o espaço passaram a ser fatores estratégicos de decisão e as operações militares passaram a ser multidimensionais e baseadas na produção de efeitos, o que trouxe para as Forças Armadas, e em particular para o Exército, inovadores desafios de modernidade e de operacionalidade. O campo de batalha tornou-se crescentemente multidimensional, mais complexo, com maior prevalência de atores ditos “não convencionais” (associado ao inovador conceito de guerra híbrida) onde o acesso à informação privilegiada e a possibilidade de encurtar e aprimorar os ciclos de decisão (supremacia das informações) se tornou vital para a supremacia militar da Aliança em contextos de crise e conflito.
O futuro apresenta-se desafiante e incerto, um enorme desafio não só para o Exército Português, mas para todos os Exércitos da Aliança, pois que a componente terrestre integrando numa dinâmica operacional conjunta e multi-domínio (onde incluímos o espaço, a cibersegurança e a ciberdefesa, e as operações de informação), continua a ser primordial para fazer prevalecer os rudimentares, mas basilares, princípios da guerra. A componente terrestre continua a ter um papel essencial no novo Conceito Militar da Aliança aprovado em 22 de maio de 2019, salientando que a Aliança tem cada vez mais uma vocação global, baseado no controlo da tecnológica, onde o acesso à informação é crítica e decisiva para acelerar o processo de tomada de decisão no seio da Aliança. O tempo prevalece sobre o espaço e a geografia não limita a necessidade de ser mais interventivo, mais operacional e apto para trabalhar em domínios de incerteza e em áreas de operações conjuntas multidimensionais, operando em parcerias estratégicas de oportunidade onde venha a ser necessário.
Neste contexto, o Exército Português será confrontado com a realidade de, mais uma vez, se adaptar à mudança e se reajustar ao novo paradigma tecnológico global, ser capaz de projetar e operar meios militares em ambientes complexos, onde o emprego conjunto implica uma maior coordenação e o conceito de operacionalidade continuará a ser um desafio constante associado à exigência permanente de se fazer mais e melhor com muito menos. O paradigma da presença do Exército Português na Aliança Atlântica tem mudando ao longo dos tempos, acompanhando as mudanças na Aliança, mas a realidade assente numa “parceria construtiva” vai manter-se...
Estes 70 anos de “parceria construtiva” entre a Aliança Atlântica e o Exército Português foram pautados por um processo de adaptação e modernização nem sempre constante e contínuo, onde a mudança de paradigmas (e de mentalidades) obrigou a muitas gerações de militares a empenharem-se e a contribuirem para uma evolução e adaptação organizacional acelerada.
O empenhamento do Exército nos propósitos da Aliança, em nome dos superiores interesses de Portugal, foi (salvo o período da guerra de África) constantemente assumido como uma prioridade, alavancando processos de reequipamento, reorganização, formações e de treino operacional, e levando a um maior envolvimento do Exército nas operações militares da NATO e na representação nacional nas estruturas da Aliança.
Esta “parceria construtiva” entre o Exército Português e a Aliança Atlântica foi, em nosso entender, a principal mola impulsionadora para a evolução do Exército nos últimos anos, contribuindo para uma evolução ao nível da organização, da doutrina militar, dos meios operacionais e do sistema de formação e treino operacional. Poderemos mesmo afirmar que a Aliança foi o grande (principal) impulsionador da evolução do Exército Português nos últimos 70 anos, implicando uma mudança de paradigmas, mas essencialmente uma mudança de mentalidades.
O futuro reserva-se incerto e desafiante, na certeza de que a mudança e os processos de adaptação vão continuar, na certeza de que esta parceria exigirá muito mais do Exército e de Portugal, pois que os desafios tecnológicos obrigam a um maior empenhamento na modernização e na capacitação dos meios militares e certamente a um maior envolvimento na operações militares que a Aliança irá levar a cabo no futuro em prol da segurança global.
Serão certamente tempos incertos e desafiantes para uma geração de militares qualificada, mas certamente tempos plenos de oportunidades e de novas aprendizagens, pois que o paradigma de mudança no Exército Português continuará a “aconselhar” uma “parceria construtiva” com a Aliança Atlântica…tudo em nome das Forças Armadas Portuguesa e de Portugal.
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[1] Organização do Tratado do Atlântico Norte – em francês: Organisation du Traité de l’Atlantique Nord (OTAN) e em inglês: North Atlantic Treaty Organization (NATO), muitas vezes apelidada de “Aliança Atlântica”, é uma aliança militar intergovernamental baseada no Tratado do Atlântico Norte, que foi assinado em 4 de abril de 1949, em Washington, nos Estados Unidos da América. A organização constitui um sistema de defesa coletiva através do qual os seus Estados-membros concordam com a defesa mútua em resposta a um ataque por qualquer entidade externa à organização. A sede localiza-se em Bruxelas, na Bélgica, um dos 29 países membros da NATO, sendo que o mais novo (República do Montenegro) associou-se em 5 de junho de 2017. Em 6 de fevereiro de 2019, a República da Macedónia do Norte assinou o Protocolo de Adesão à NATO, o primeiro passo para se tornar o 30º país membro efetivo da Aliança que deverá ser ratificada por cada Estado-membro, de acordo com os procedimentos legais de cada país, sendo que, a partir dessa data, a futura República da Macedónia do Norte poderá começar a participar em todas as atividades da organização, enquanto convidada. Em 2019, um conjunto de outros 21 países participam na designada “Parceria para a Paz da OTAN”, tendo ainda relação com 15 países envolvidos em programas de diálogo institucionalizado, nomeadamente com os ex-países de Leste. [https://www.nato.int/.]
[2] https://www.idn.gov.pt/publicacoes/newsletter/idnbrief_01.pdf.
[3] Em meados de 1950, fruto das lições da II Guerra Mundial e principalmente da criação da NATO, foram ultrapassadas parte das objeções sobre a edificação de um comando unificado da Defesa e das Forças Armadas, tendo sido criado pelo Decreto-Lei n.º 37.909 de 1 de agosto de 1950 a Organização da Defesa Nacional, criando-se por despacho do Marechal António Óscar de Fragoso Carmona uma Secretaria-Geral da Defesa Nacional (Decreto-Lei n.º 37.955 de 9 setembro de 1950) com a missão de coordenar a atividade do Ministério do Exército, Ministério da Marinha e o Subsecretariado do Estado-Maior da Aeronáutica, tendo como responsável máximo o Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA). Publicado no Diário da República n.º 178/ I Série, de 9 de setembro de 1950.
[4] No período entre 1953 e 1956, é criada de uma forma faseada uma missão do SHAPE em Portugal, constituída por três oficiais encarregados de canalizar para o Exército elementos de doutrina, quer para a formação de quadros quer para a realização de exercícios (preparação de temas, controlo e arbitragem). Estes três oficiais (um coronel e dois tenentes-coronéis dos EUA e do Reino Unido) funcionaram como assessores militares: um, junto do então Secretariado Geral da Defesa Nacional (SGDN); outro, em Caxias, junto do Instituto de Altos Estudos Militares (IAEM) e outro, no Campo de Instrução Militar de Santa Margarida (Ramalho, 1999, p. 108).
[5] Segundo o General Pinto Ramalho “(…) a acção mais visível só terá lugar em 1951 com a decisão do então Ministro do Exército General Abranches Pinto de criar o campo de instrução militar para o treino das tropas de todas as armas e com capacidade de manobrar como uma grande unidade. Este campo foi inicialmente designado por “Campo de Instrução Divisionário”. Reconhecimentos levados a efeito pelo Estado-Maior do Exército, com a cooperação da Direcção da Arma de Engenharia, conduziram à escolha da região de Santa Margarida da Coutada, próximo do Tramagal e a sul do Rio Tejo, para a construção desse campo militar. A sua execução é atribuída à Engenharia Militar em regime de administração directa, iniciando-se os trabalhos em Maio de 1952. A Iª fase da construção, que incluiu edifícios de comando e demais infraestruturas e que deveria estar concluída em julho de 1954, será contudo antecipada para agosto de 1953, com vista a receber, nesse mesmo ano, uma Divisão de Infantaria e a possibilitar o treino conjunto das tropas de todas as Armas e Serviços (…)” (1999, pp. 105-106).
[6] A inauguração oficial do Campo Militar de Santa Margarida (CMSM) teve lugar em novembro de 1952, com a presença do Chefe do Estado, General Craveiro Lopes, embora só em agosto de 1953 o Decreto-Lei n.º 39316, de 14 do mesmo mês, crie formalmente o Campo de Instrução Militar de Santa Margarida e estabeleça o seu primeiro Quadro Orgânico. Em outubro de 1953 será içada pela primeira vez a Bandeira Nacional no aquartelamento da 1.ª Divisão do Corpo de Exército Português, destinada a responder aos Objectivos de Força, estabelecidos pela Aliança (Ramalho, 1999, p. 106).
[7] Resultado da avaliação NATO e pelo elevado número de meios envolvendo de outras Regiões Militares, a partir de 1954, nomeadamente, na 3.ª Região Militar, a unidade NATO atribuída à responsabilidade do Exército – Divisão Nun’Álvares, passaria a designar-se por “3.ª Divisão” e o QG passaria a estar sediado na cidade de Tomar.
[8] Uma revolta laboral sem aparentes motivações políticas, que ocorreu a 4 de janeiro de 1961, conhecida como “Revolta da Baixa do Cassange”, onde aconteceu um levantamento popular dos trabalhadores dos campos de algodão da companhia Luso-Belga “COTONANG”, baseado nas condições de trabalho e de vida aliada à influência da independência do Congo, em junho de 1960, foram os principais fatores que deram origem à sublevação popular. A também designada por “Guerra da Maria”, por ter sido inspirada por António Mariano ligado à União Popular de Angola (UPA), levou ao envolvimento das Forças Armadas Portuguesas através da intervenção de Companhias de Caçadores Especiais com o apoio de aviões da Força Aérea, tendo dado início ao movimento político de libertação de Angola e das outras províncias ultramarinas portuguesas em África (Bernardino, 2013, pp. 180-190).
[9] Foi criado o Governo Militar de Lisboa (GML), a Região Militar de Angola (3.ª) e a Região Militar de Moçambique (4.ª), bem como os Comandos Territoriais Independentes (Açores, Madeira, Cabo Verde, Guiné-Bissau e Estado da Índia, Macau e Timor), levando à adoção de um dispositivo militar sem precedentes na História Militar de Portugal, com grande envolvimento do Exército Português.
[10] Em meados de 1993, a 1.ª BMI, ao abrigo dos acordos de reequipamento com os EUA, passa a estar totalmente mecanizada, sendo os Batalhões de Infantaria Motorizados (BIMoto) substituídos por Batalhões de Infantaria Mecanizado (BIMec), passando a denominar-se Brigada Mecanizada Independente (BMI).
[11] A criação da Brigada Mista somente se concretiza com o despacho de 9 de fevereiro de 1976, do Chefe do Estado-Maior do Exército, que determinou a constituição urgente de um comando de Brigada. A 5 de abril daquele ano, a unidade passa a ser designada por 1.ª Brigada Mista Independente (1.ª BMI), constituindo-se como uma Grande Unidade, que integra elementos de manobra, de apoio de combate e de apoio de serviços, além dos indispensáveis meios de comando e controlo (Ramalho, 1999, p. 110).
[12] A participação dos oficiais de Estado-Maior da 1.ª BMI nos Exercícios de Postos de Comando da série “Display Determination” (1979, 1990), “Dense Crop” (1982, 1994) e “Wintex Cimes” (1979, 1993) vieram, neste período, contribuir para uma maior proficiência do Estado-Maior e da Brigada (Pereira, 1999, p. 224)
[13] O sistema de conscrição, associado ao Serviço Militar Obrigatório (SMO) e qualquer outra forma de conscrição, terminaram em Portugal, a 19 de novembro de 2004.
[14] O fator modernização do Exército Português passava não só pelos novos M113 A1 e M48 A5, mas por um conjunto de meios em vários níveis que permitiram elevar o nível operacional, nomeadamente, no âmbito do apoio de fogos e de serviços, onde se destacam as armas anticarro com a aquisição do sistema lança misseis TOW (quer em VBTR quer em sistema ITV), o sistema de apoio de fogos de mobilidade mista (uma bateria autopropulsada equipada com a viatura M109 e as restantes equipadas com o obus 10,5 rebocado, e ao nível da engenharia e no apoio a mobilidade a viatura blindada lança pontes (VBLP) e a ponte flutuante Ribon Classe 60, para além do sistema C3I e de meios de transporte (Pereira, 1999, pp. 220-222).
[15] Em consonância com aquela reestruturação, a atribuição de forças nacionais do Exército para a Aliança, passou a ser a seguinte: Forças de Reacção Imediata: Um Destacamento de Operações Especiais (DOE/CIOE) para integrar a AMF (L); Elementos de Polícia Militar; Forças de Reacção Rápida: Brigada Aerotransportada Independente (BAI/CTAT); Elementos de Polícia Militar; Especialistas para o Quarte-General do ARRC; Forças de Aumento: a Brigada Mecanizada Independente (BMI) (Ramalho, 1999, pp. 105-106).
[16] https://www.exercito.pt/pt/informa%C3%A7%C3%A3o-p%C3%Bablica/not%C3%Adcias/912.
[17] https://www.emgfa.pt/pt/operacoes/missoes/fnd-kosovo/2biparamissoesnato.
[18] https://www.revistamilitar.pt/artigo/41.
[19] http://www.operacional.pt/bosnia-e-herzegovina-19962016-20-o-aniversario-do-inicio-da-participacao-portuguesa-na-missao-da-nato/.
[20] https://www.revistamilitar.pt/artigo/634.
[21] https://www.exercito.pt/pt/o-que-fazemos/treino-operacional-e-operacoes/operacoes/KOSOVO%20FORCE%20-%20KOSOVO.
[22] https://www.emgfa.pt/pt/operacoes/missoes/fnd-kosovo.
[23] A International Security Assistance Force ou “ISAF” (Força Internacional de Assistência para Segurança) é uma missão de segurança liderada pela OTAN no Afeganistão, estabelecida pelo Conselho de Segurança das Nações Unidas em 20 de dezembro de 2001, através da Resolução 1386/2001, tal como previsto pelo Acordo de Bonn e esteve envolvida diretamente nos combates contra os terroristas islâmicos no Afeganistão, de 2011 a 2014, ano em que terminou. A ISAF foi inicialmente encarregada da segurança de Kabul e em áreas ameaçadas pelos talibãs, da Al Qaeda e de outras facções terroristas, de modo a permitir o estabelecimento da Administração Transicional. Desde início de 2015, a Aliança Atlântica atua como uma força de apoio ao governo afegão, na operação designada por NATO Resolute Support Mission (RS) no Afeganistão [https://www.emgfa.pt/pt/operacoes/missoes/natoisaf].
[24] https://www.exercito.pt/pt/o-que-fazemos/treino-operacional-e-operacoes/operacoes/RESOLUTE%20SUPPORT%20MISSION.
Diretor-gerente e Sócio efetivo da Revista Militar.