Nº 2609/2610 - Junho/Julho de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Crónicas Bibliográficas

Glórias e Desaires da História Militar de Portugal

Abílio Pires Lousada

 

Antes de apresentar o livro, permitam-me que faça dois ou três apontamentos sobre o autor, cujo CV consta, “na generalidade”, na badana do livro. Na especialidade, gostaria de sublinhar os contributos dados pelo Abílio Pires Lousada para a consolidação do conhecimento da História Militar de Portugal, sempre com um toque pessoal, sempre com uma linguagem simples e direta, sempre com sentido construtivo, sempre com Portugal no centro do debate.

Orgulhoso dos seus camaradas e das instituições onde serviu e aprendeu, como a Academia Militar, a Escola Superior Politécnica do Exército (ESPE) e o Instituto de Estudos Superiores Militares (IESM), o autor não deixa de ter um sentido critico apurado, normalmente misturado com um sentido de humor muito próprio e muito Brigantino/Bragançano. Faz o que gosta e com gosto. Criou o seu próprio espaço na História Militar.

A homenagem que faz ao seu (nosso) professor de História Militar, que acompanhei até à despedida, fez-me relembrar momentos únicos. Efetivamente, o Coronel Pedro Ribeiro Gaspar também constitui para mim uma referência no ensino e na pedagogia da História Militar. Só quem sabe muito pode resumir as suas aulas ao essencial, desde a Grécia e Roma antiga, à segunda guerra mundial, incentivando os cadetes a lerem e a escreverem sobre História.

Vamos então ao livro de 349 páginas, que inclui a referida dedicatória, uma introdução muito simples e clara, nove capítulos e uma bibliografia final.

Está escrito com uma linguagem jornalística, fluída e atraente, humilde e despojada de elitismos e das sempre incómodas notas de rodapé.

Os capítulos têm relação direta com a assunção de uma matriz conceptual que traça inovadoras áreas temáticas, nas quais inserem depois os 31 episódios. Destaco então os nove capítulos, particularmente interessantes: Nação Valente; Arte e Engenho; Surpresas Táticas; Esquemas e Estratagemas; Atos de Bravura; Planos Mal Medidos; Azar dos Azares; Feitos e Propaganda; Quarteladas no Século XX.

O livro permite uma leitura discricionária, típica dos curiosos da história ou do cidadão comum, mas simultaneamente cronológica se assim o desejar o leitor, que nunca fica defraudado, dado que cada episódio tem um enquadramento resumido a montante de uma história sempre bem contada e sempre bem sustentada cientificamente.

“Glórias e Desaires” constitui o resultado de muitos anos de ensino da História Militar em diferentes instituições e ao longo de dezenas de anos. Por isso é de tão fácil leitura, mas, também por isso, não falta a perspetiva pessoal do Abílio Lousada, muito afastada de pensares de organizações ou de instituições, mas muito próxima daquilo que o move e que está explícito na introdução: Portugal e a sua identidade perene.

A este propósito e porque não vos poderei aqui falar dos 31 episódios, destacaria quatro deles:

1. São Mamede (1128), denominado de “Fora com os galegos” e enquadrado no capítulo Nação Valente; numa altura em que o Exército comemorou o seu dia em Guimarães, no campo de São Mamede, Abílio Lousada, defende, tal como o Presidente da Câmara Municipal de Guimarães, que o dia um de Portugal foi efetivamente o 24 de julho de 1128. Nas suas palavras, refere: “A vitória dos Portucalenses em São Mamede afastou D. Teresa da governação, anulou a influência galega dos Trava e colocou o príncipe D. Afonso Henriques à frente dos destinos da terra. 1128 é o ano um de Portugal!”. Também concordamos com o Abílio Lousada em que o dia de Portugal deveria ser o dia um da Nação e não o da morte de um dos seus poetas maiores.

2. Lisboa (1147), intitulado “Entre o céu e a terra” e enquadrado no capítulo “Arte e Engenho”; O dia do Exército é comemorado no dia 24 de Outubro tendo como referência esta batalha. A data é discutível e, por isso mesmo, temos organizado vários eventos com o objetivo de determinar o Evento Fundador do Exército, com critérios científicos e comparativos com outros Exércitos. Já recebemos os Professores João Gouveia Monteiro (da Faculdade de Letras/Universidade de Coimbra), António Barroca (da Faculdade de Letras/Universidade do Porto) e José Varandas (da Faculdade de Letras/Universidade de Lisboa). O Abílio Lousada refere, na p. 59: “O 24 de Outubro e a conquista de Lisboa aos mouros é assinalado como dia do Exército Português. Faz sentido que assim o seja? Pelo exposto na operação da conquista, tal é de difícil entendimento.” Concordamos com o Abílio Lousada.

3. Cabo Matapão (1717), denominado “Rei-sol à portuguesa” e enquadrado nos “Feitos e Propaganda”; Nesta batalha, em que o Abílio Lousada cita o livro da minha autoria, intitulado “Intervenções Militares Portuguesas na Europa no século XVIII”, e nas suas palavras “a esquadra naval portuguesa participou na derradeira cruzada em defesa da cristandade, onde colheu os louros da anulação da ameaça turca na região. Cabo Matapão foi a oportunidade politicamente aproveitada para materialização de uma diplomacia religiosa, que granjeou ao monarca uma dignidade perante Roma em equidade com os arautos estaduais do catolicismo europeu”. Mais uma vez concordo com o Pires Lousada. E, finalmente…

4. De Braga a Lisboa (1926), intitulado “Entrar nos eixos” e enquadrado nas “Quarteladas no século XX”; Começa muito bem este episódio e cito: “O Exército não quer assistir ao afundar da Nação, e prepara-se para intervir. As suas intenções são as mais nobres e as mais levantadas, quando querem substituir pela força a fraqueza das pobres elites que nos governam”. O resultado foi uma revolta militar que instaurou a ditadura em Portugal. Efetivamente, a maneira como os republicanos radicais não souberam cuidar da democracia levou ao 28 de maio de 1926 feitos pelas fortes gentes que combateram na Flandres e em África. O resto da História todos conhecemos e alguns de nós vivemos…

 

Como se pode constatar, é um livro importante para qualquer cidadão português, mas em especial para os mais jovens estudantes de História, que gostam de centrar a sua atenção no essencial em detrimento do acessório, seja na História ou noutras unidades curriculares.

Ao autor e camarada Abílio Lousada, os meus sinceros parabéns pelas “Glorias e Desaires”. A História é Património, é Memória, mas também, e sempre, Identidade. A História deve chegar a todos os cidadãos através da educação, mas sempre com rigor e com a consciência de que não é neutral, nem definitiva. A História de Portugal fez-se de diplomatas, de religiosos, de pescadores e agricultores, mas sobretudo de diplomatas e militares, sejam eles soldados ou marinheiros. E seja qual for a conjuntura política, social e económica, a História Militar não pode, nem deve, ser esquecida. Tudo isto faz parte dos seus pressupostos e, por isso, tenho a certeza de que, em termos editoriais, este será um livro exclusivo de Glórias.

Aos nossos leitores exorto a leitura do livro. Vão gostar, vão aconselhar a leitura e ficarão certamente mais ricos como cidadãos. Portugal merece e precisa…

A Revista Militar agradece ao autor o exemplar oferecido para o seu acervo literário.

Major-General João Vieira Borges

Vogal da Direção da Revista Militar

Major-general
João Jorge Botelho Vieira Borges
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