Nº 2611/2612 - Agosto/Setembro de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Editorial

Quando esta Edição da Revista Militar for distribuída, estará muito próxima a data de realização das Eleições para a Assembleia da República 2019, pelo que as considerações que se seguem não atingirão a finalidade de se procurar promover o seu debate. No entanto, não será por isso que as mesmas perderão atualidade, pelo que vale a pena assim insistir, no mínimo, para que conste. Analisado o que se tem vindo a assistir na pré-campanha e nos debates televisivos, o tema Defesa Nacional e Forças Armadas é inexistente. Dirão alguns que acontece sempre assim e que o tema não é relevante; dirão outros que é o reconhecimento do afastamento ou o desconhecimento sobre estas matérias.

Se neste domínio não existissem quaisquer problemas, poderia ainda dizer-se, de uma forma benevolente, que um qualquer debate sobre a matéria não era premente; no entanto, as intervenções recentes, quer do Almirante Chefe do Estado-Maior-General da Forças Armadas (CEMGFA) quer de Sua Excelência o Presidente da República, Comandante Supremo das Forças Armadas, contradizem essa perceção e, pelo contrário, alertam para realidades penosas que afetam a capacidade das Forças Armadas e o Moral dos militares que servem na Instituição Militar.

Assim, o CEMGFA, em pleno mês de julho, alertou para a “situação insustentável das Forças Armadas”, fruto das quebras de recrutamento e para os riscos de desequilíbrios entre missões e meios humanos disponíveis para as cumprir, situação que, na atualidade, já levou à não participação em missões solicitadas pela protecção civil, o que obriga também a uma judiciosa participação com Forças Nacionais Destacadas no quadro da segurança cooperativa e não será de admirar que, no futuro próximo, a manter-se a atual situação, venham também a estar em causa as missões constitucionais de soberania. Perante esta posição do CEMGFA, assistiu-se a uma desvalorização da situação por parte da Tutela, com uma reacção ao estilo de “quem não gosta da mensagem, elimina ou procura intimidar o mensageiro”.

Mais recentemente, Sua Excelência o Presidente da República alertou para as desigualdades gritantes entre as designadas Carreiras Especiais, que englobam Magistrados, Pessoal Docente, Pessoal Diplomático e Militares, em particular, a descriminação negativa relativamente a estes últimos. Isso aconteceu aquando da promulgação do diploma que regulou o estatuto remuneratório do topo da carreira dos Magistrados, cujo fosso de desigualdade se aprofundou e na promulgação do diploma que regula o financiamento das pensões dos magistrados (Juízes e Procuradores), assimetria ainda mais gritante neste caso, até mesmo relativamente às restantes Carreiras Especiais, quando se assistiu à extinção, por iniciativa do governo, do “Fundo de Pensões” estabelecido para os militares.

Na cerimónia do Dia do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), no passado 3 de setembro, Sua Excelência o Presidente da República centrou o seu discurso nas questões da saúde, do recrutamento e dos meios, realçando “a importância de proporcionar as condições indispensáveis às Forças Armadas, com mais efetivos e mais adequado estatuto às missões que desempenham”. Subjacente a esta afirmação esteve também o financiamento da Lei de Infra-estruturas e o desenvolvimento de uma Lei de Programação Militar feita a pensar nos objetivos económicos do país e não nas efetivas necessidades operacionais das Forças Armadas, com um claro desinvestimento nas capacidades operacionais distintivas do Exército.

Espera-se também que a afirmação produzida relativamente à Saúde, de que “(…) se concretize os passos esboçados e que se impõem em matéria de saúde militar”, não tenha como resposta a visão economicista e restritiva expressa no Despacho do Ministro da Defesa Nacional (MDN), relativo ao Estudo de Avaliação do Sistema de Saúde Militar, e que este não esteja na linha de um outro estudo anteriormente efetuado, no passado recente, sobre esta problemática, liminarmente rejeitado pelas Chefias Militares da altura, quer pela desconsideração da Condição Militar quer pelo não entendimento das especificidades da saúde militar e que podem consagrar este MDN, como alguém que concretizou uma legislação que representa a maior quebra de solidariedade, de sentido de justiça e de gratidão moral para com uma geração que se desgastou em 14 anos de guerra e para com milhares de deficientes, todos eles com mais de 70 anos, limitando-lhes o acesso aos hospitais militares, a par da não resolução das insuficiências que permanecem no Hospital das Forças Armadas e no Instituto de Ação Social das Forças Armadas, situações que penalizam igualmente a Família Militar.

Também a incapacidade para dar resposta aos problemas do recrutamento é não só incompreensível como inaceitável, pelas implicações objetivas e diretas que tem nas capacidades operacionais das Forças Armadas. Como é possível fazer-se alarde de investimentos relativos a um Centro Multinacional de Formação de Pilotos de Helicópteros ou de um Centro de Rastreio de Lixo Espacial e não haver a capacidade de equiparar a remuneração das Praças das Forças Armadas com as das Forças de Segurança, corrigindo uma diferença de pouco mais de uma centena de Euros para, pelo menos e no curto prazo, estancar a sangria que se verifica, fruto dessa assimetria? Importa relembrar, no entanto, que a desejável valorização salarial que legitimamente se espera para as praças seja devidamente refletida em todo o sistema remuneratório, sob pena dessa omissão materializar um leque salarial ridículo e injusto, em sargentos, oficiais e topo da carreira.

A questão da falta de efetivos afecta a generalidade dos três Ramos das Forças Armadas, mas ela é especialmente gravosa para o Exército, em que os meios humanos são a efetiva expressão da componente operacional, pelas unidades de combate que pode materializar no terreno e na capacidade logística para as sustentar, completar, reforçar ou substituir. A realidade do Exército é a de um efetivo militar de cerca de pouco mais de dez mil homens e mulheres, com cerca de mais um milhar no EMGFA, MDN e outros Departamentos. Em todo este universo, o Exército dispõe nas suas fileiras de menos de cinco mil Praças, situação que justifica plenamente o alerta feito pelo Almirante CEMGFA.

Quando se fala, perante a realidade das alterações climáticas, em Emergência Climática e aquando da greve dos camionistas de matérias perigosas se criou a figura jurídica de Emergência Energética, ao olharmos para a situação dos efetivos e para o ambiente atrás descrito e, ainda, saber que quando os Cadetes da Academia Militar, por falta de capacidade de transporte e de condutores, se deslocam de Táxi, para atos de serviço no exterior daquele Estabelecimento de Ensino Superior Público Universitário Militar (consultas, conferências, aulas e algumas cerimónias militares), é altura de se declarar, também, em termos nacionais e junto da opinião pública, que as Forças Arma-das estão em Emergência Institucional.

Retomando a intervenção de Sua Excelência o Presidente da República no Dia do EMGFA, é legítima a expectativa de que estes temas venham a constar do Programa do XXII Governo Constitucional, a submeter, nos termos da Constituição, à apreciação da Assembleia da República e sejam objeto de solução.

 

*  Presidente da Direção da Revista Militar.

 

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2019-12-15
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José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by CMG Armando Dias Correia