Nº 2613 - Outubro de 2019
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Formação inicial dos militares médicos dos quadros especiais de saúde – conjunta ou separada?* Initial training of military doctors of (special) health career – joint or separate?
Brigadeiro-general
Rui Fernando Gonçalves Teixeira de Sousa
Major-general
João Pedro Ivens Ferraz Jácome de Castro
Tenente-coronel
Cristina Fachada

  1. Introdução*

A rápida evolução do conhecimento e da tecnologia ocorrida nos últimos anos exige que os militares sejam formados com elevados padrões de proficiência, implicando que os modelos de formação sejam redesenhados de modo a acompanharem as exigências dessa evolução (Rosa, 2014).

A este enquadramento não é, naturalmente, alheia a temática da carreira dos militares dos Quadros Especiais de Saúde (QES) das Forças Armadas (FFAA), que desempenham as suas tarefas no Sistema de Saúde Militar (SSM), onde são exigidos profissionais altamente qualificados, o que implica uma sólida formação geral nas vertentes académica e militar e, na confluência das duas, em saúde militar de âmbito operacional.

Do acima exposto, resulta que a qualificação profissional destes militares envolve uma dupla qualificação, a académica e a militar e, dentro desta última, a qualificação militar geral e a qualificação específica em saúde militar. Contudo, enquanto a qualificação académica destes militares pode ser obtida em estabelecimentos de ensino superior civil, as especificidades operacionais da saúde militar obrigam a uma formação que não existe em nenhuma outra entidade civil pelo que tem de ser ministrada pelas FFAA.

Complementarmente, o assunto da formação dos militares médicos tornou-se mais premente e atual em resultado de recentes alterações funcionais e estruturais em curso nas FFAA, algumas das quais com grande impacto na saúde militar, entre as quais se destaca a criação, no SSM, de órgãos conjuntos dos três Ramos das FFAA, nomeadamente a Direção de Saúde Militar (DIRSAM) e o Hospital das Forças Armadas (HFAR), absorvendo elevado número de militares médicos para tarefas conjuntas, transitados da tutela dos Ramos para a tutela do Estado-Maior-General das Forças Armadas (EMGFA), conforme quadro 1.

 

Quadro 1 – Militares médicos em órgãos conjuntos.

 

Marinha

Exército

Força Aérea

Total

Existências

57

123

71

251

Em formação

16

42

17

75

Disponíveis

41

81

54

176

Em órgãos conjuntos

14

41

27

82

% (sobre disponíveis)

34%

51%

50%

47%

                                                                                               Fonte: Direções de Saúde dos Ramos (2019).

 

Mais recentemente, a Diretiva Estratégica 2018/2021 do CEMGFA (EMGFA, 2018a) enunciou quatro temas estratégicos – interoperabilidade, otimização, flexibilidade e eficácia. A Orientação Estratégica 6 (OE6) desse documento expressa o objetivo de melhorar o Sistema de Saúde Militar. Na sua sequência, o Despacho 036/CEMGFA/2018 (EMGFA, 2018b) designou um Grupo de Trabalho (GT) com o objetivo de apresentar um relatório sobre a saúde militar que identificasse oportunidades de melhoria. Desse GT resultou o Relatório sobre Saúde Militar, concluído em outubro de 2018 (não publicado), em que, ao abrigo dos referidos temas estratégicos, algumas das medidas preconizadas dizem respeito ao recrutamento e formação dos militares médicos, sugerindo o regresso ao recrutamento após o curso de medicina e a implementação de um modelo de formação conjunta em saúde militar.

Neste seguimento, a necessidade da apresentação de um novo modelo para a formação dos militares dos QES está alinhada com mudanças sistémicas em curso no seio das FFAA, subordinadas ao paradigma da conjugação, integração e partilha de recursos comuns aos seus três Ramos, da rentabilização de meios e capacidades e da eliminação de duplicações e redundâncias desnecessárias, tendo em vista a obtenção de sinergias, ganhos de eficiência e redução de custos (Assembleia da República, 2014; Instituto de Defesa Nacional, 2013; Ministério da Defesa Nacional, 2018; Presidência do Conselho de Ministros, 2013a); Presidência do Conselho de Ministros, 2013b).

Face a este enquadramento normativo já existente, importa estudar em que medida será viável e adequada a implementação de um modelo de formação conjunta, por oposição à atual formação separada em cada um dos Ramos das FFAA, sem prejuízo da qualidade da formação destes profissionais. E, de uma forma complementar, examinar o processo de recrutamento para este efetivo.

O objeto da presente investigação é, pois, a formação dos militares dos QES, estando delimitada nos domínios:

– Temporal, à atualidade;

– Espacial, aos militares dos QES dos médicos;

– De conteúdo, à formação inicial dos militares médicos.

Neste âmbito, é objetivo geral (OG) deste estudo propor um modelo de formação inicial para os militares médicos das FFAA que permita otimizar o SSM, e são objetivos específicos (OE):

• OE1 – Avaliar a estrutura básica do plano de formação inicial de militares médicos;

• OE2 – Analisar o contingente de recrutamento de médicos.

Um conjunto de objetivos operacionalizados na questão central (QC) à presente investigação que modelo de formação inicial de militares médicos das FFAA permite otimizar o SSM?

 

2. Enquadramento teórico e conceptual

No presente capítulo apresenta-se a revisão da literatura, os conceitos estruturantes e o modelo de análise.

 

2.1. Estado da arte e conceitos estruturantes

Neste âmbito são desenvolvidos os conteúdos onde alicerça o quadro de referência desta investigação.

 

2.1.1. Formação (inicial)

Os conceitos de formação, ensino, educação e treino estão próximos, mas são distintos, apesar das discórdias sobre as suas definições e fronteiras. Para efeitos deste trabalho, serão abordados apenas o ensino e a formação. Serão, ainda, aventados os conceitos de estrutura e recrutamento.

 

2.1.1.1. Ensino e formação

Ensino (académico dos militares médicos). A aquisição de um grau académico resulta de uma sequência hierarquizada de níveis de ensino, realizados em instituições escolares, antes do ingresso numa atividade profissional. O Estatuto dos Militares das Forças Armadas (EMFAR) (Decreto-Lei 90/2015), no seu artigo 75.º, identifica e refere expressamente os assuntos da formação e do ensino. Quanto a este, exprime que o ensino superior militar tem especial relevância nas ciências militares e que se consubstancia na realização de cursos conducentes à obtenção do respetivo grau académico.

As FFAA dispõem de Estabelecimentos Militares de Ensino Superior Universitário (EMESU), indispensáveis por não existirem congéneres civis que disponibilizem formação académica superior em ciências militares. Contudo, essa necessidade não existe no que respeita ao curso de medicina, por ser disponibilizado por instituições de ensino civis, tornando possível o recrutamento de candidatos que já possuam essa habilitação.

Formação (em medicina militar). Da adaptação de diversas interpretações do conceito de formação, pode afirmar-se que esta consiste na aquisição de competências técnicas para o exercício de uma profissão e para o desempenho de tarefas específicas exigidas a um posto de trabalho (Buckley & Caple, 1991), (OECD, 1997), (Bernardes, 2008). Neste sentido, a formação dos militares médicos tem em vista a aquisição de competências específicas para o desempenho eficaz e eficiente das tarefas atribuídas a este tipo de profissionais, no exercício das suas funções em contexto militar. O EMFAR expressa idêntica definição para o conceito de formação.

A formação dos militares médicos tem de refletir a missão principal do SSM, isto é, a prioridade do apoio à atividade operacional das FFAA. Daí a importância da formação específica e diferenciada em medicina operacional, a acrescentar ao ensino académico e generalista do curso de medicina. Esta, terá de ser obrigatoriamente disponibilizada pela instituição, por não existir outra entidade que a ministre.

A formação em medicina militar pode ser definida como aquela que habilita os militares médicos para o exercício da sua atividade profissional em ambiente militar, quer nos seus órgãos territoriais, quer em forças nacionais destacadas, fora do território nacional, em exercícios ou em apoio real (Gomes, 2006).

Neste trabalho adota-se o modelo teórico de Gomes (2006), corroborado por Castro (2017), que preconiza uma formação hierarquizada dos militares médicos em três níveis sucessivos de conhecimentos. Deste modo, a formação dos militares médicos é concebida em três níveis, escalonados ao longo da carreira, em blocos acopláveis e coincidentes com os três níveis de formação existentes para os conteúdos estritamente militares, conforme quadro 2.

 

Quadro 2 – Modelo teórico de formação em medicina militar.

Nível 1

Ministrado na admissão

Nível 2

Ministrado na transição de subalterno para capitão / 1.º tenente

Nível 3

Ministrado na transição de capitão / 1.º tenente para oficial superior

                                                                                                                                     Fonte: Gomes (2006).

 

A presente investigação debruça-se sobre o primeiro nível da formação dos militares médicos. No fundo, sobre o grupo daqueles que ingressam nos EMESU – Academia Militar, Academia da Força Aérea, Escola Naval – para a formação em medicina nas FFAA, em detrimento daqueles outros que ingressam nas FFAA após a conclusão do curso de medicina. Nível 1 este (quadro 2) que compreende as áreas de conhecimento constantes no quadro 3.

 

Quadro 3 – Modelo teórico de formação em medicina militar de nível 1 (inicial).

Formação militar geral (confere competências militares)

Formação específica em medicina militar

(confere competências em medicina militar)

Formação em medicina militar de campanha

Formação em medicina aplicada à saúde operacional

                                                                                                  Fonte: Adaptado a partir de Gomes (2006).

 

Na formação em medicina militar de campanha estariam incluídos conhecimentos de tática, estratégia, logística sanitária de campanha e administração de pessoal, nas perspetivas da doutrina nacional e das doutrinas ONU e OTAN.

Na formação em medicina aplicada à saúde operacional, seriam desenvolvidas áreas específicas da medicina com interesse operacional, como a medicina preventiva, a medicina ambiental (ambientes extremos), a medicina hiperbárica, a medicina aeronáutica, a prevenção e tratamento do stress de combate, a medicina tropical, a medicina de emergência e do trauma, a medicina de catástrofe, a avaliação do dano, entre outras.

Por último, uma breve referência ao tema da formação contínua, por não constituir objetivo direto da presente investigação, mas cuja coerência e continuidade assenta nos conhecimentos adquiridos na formação inicial. A formação contínua é aquela que se sucede ao longo da carreira profissional e visa aperfeiçoar, atualizar ou reciclar os conhecimentos, capacidades práticas, atitudes e formas de comportamento dos profissionais, promovendo a adaptação dos recursos humanos das organizações às mutações tecnológicas e organizacionais (Field, 2006). A formação contínua possui diversos formatos, desde os informais on job training até formações estruturadas. No que respeita às FFAA, este tipo de formação de militares médicos encontra-se parcialmente esboçada nos cursos de promoção, constituindo-se como nível 2 e nível 3 do modelo acima, em continuidade com o nível 1, alvo do presente trabalho.

 

2.1.1.2. Conjunto versus separado

Em contexto militar, o conceito de “conjunto” está definido na Doutrina Militar Conjunta (DMC), que transpõe para a doutrina nacional o processo de planeamento operacional da OTAN. De acordo com o Glossário de Termos e Definições da OTAN, o termo “conjunto” é o adjetivo utilizado para descrever atividades, operações e organizações em que participam elementos de pelo menos dois ramos das Forças Armadas (NATO Standardization Office, 2019). Trata-se de um conceito que, do ponto de vista doutrinário, se aplica ao contexto das missões operacionais (Moura, 2010). Por esta definição não se aplicar ao contexto deste trabalho, apesar da sua utilização na linguagem corrente, torna-se necessário definir um conceito de formação conjunta.

Evita-se o recurso à utilização alternativa da fórmula “formação comum”, na medida em que essa fórmula subentende apenas uma simples normalização de conteúdos formativos, ficando aquém do espírito e da ambição que se encontram na origem dos objetivos traçados para esta investigação. Evita-se também o recurso ao termo “formação unificada” por não fazer parte do léxico militar.

Para efeitos deste trabalho, convenciona-se, por analogia, que formação conjunta é aquela que se aplica, no mesmo espaço e tempo, com os mesmos manuais e objetivos de aprendizagem, os transversais e os particulares de cada um dos Ramos, ao conjunto dos militares médicos, tendo em vista a sua interoperabilidade em cada um dos ambientes operacionais próprios de cada Ramo, com exceção das áreas que exijam formação diferenciada, como a Medicina Hiperbárica ou a Medicina Aeronáutica. Este conceito constitui uma premissa do conceito seguinte, o da interoperabilidade, na medida em que esta pressupõe alguma forma de formação conjunta.

A formação conjunta não é assunto inédito na formação dos militares médicos, tendo em conta que esta prática ocorre muito pontualmente. Contudo, não constitui doutrina nem existe de forma consistente e estruturada.

Por seu lado, entende-se por formação separada a que é praticada atualmente, em que cada um dos ramos é o responsável por desenvolver as suas próprias metodologias e conteúdos.

Na análise destas dimensões, impõe-se, por último, definir interoperabilidade e (grau de) inclusão.

Interoperabilidade. Os conceitos correntes de interoperabilidade definem-na como a capacidade de múltiplos sistemas trocarem e reutilizarem informação sem custo de adaptação, preservando o seu significado (Agência para a Modernização Administrativa, 2019). No domínio militar, pode ser definida como a capacidade de operar em conjunto de forma coerente, eficaz e eficiente (NATO Standardization Office, 2019). Pressupõe a compatibilidade de procedimentos, de sistemas e de equipamentos, em forças nacionais conjuntas ou em forças combinadas supranacionais.

Evita-se um conceito próximo, o da polivalência funcional, tendo em conta que este é mais restritivo, por se aplicar ao profissional chamado a desempenhar funções e atividades distintas das que constituem a sua prestação de trabalho habitual.

No presente trabalho, o conceito é expandido para a esfera dos recursos humanos. Deste modo, para efeitos deste trabalho, o conceito de interoperabilidade aplica-se ao militar médico capaz de desempenhar as suas funções, tarefas e atividades em qualquer um dos ramos, tornando possível que o militar médico de um dos ramos possa ser chamado a desempenhar missões em qualquer um dos outros, com exceção das que impliquem subespecialização, como a Medicina Hiperbárica ou a Medicina Aeronáutica.

Inclusão. O conceito de inclusão reporta-se à ideia da maior ou menor extensão da formação conjunta, isto é, maior em caso de formação conjunta na totalidade e menor se conjunta apenas na formação em medicina militar. A ideia que está subjacente é a de a maior extensão da formação conjunta corresponder maior interoperabilidade.

Em jeito de nota, importa sublinhar que os conceitos de formação conjunta e de interoperabilidade aqui introduzidos concorrem para o propósito da otimização do SSM, entendido como o conjunto medidas que aumentem a sua eficácia e a sua eficiência, nas suas definições correntes, ao abrigo do princípio da economia de recursos, entendendo-se que eficácia consiste no cumprimento dos objetivos pretendidos e que eficiência consiste no cumprimento dos objetivos pretendidos, com o menor dispêndio de recursos.

A interoperabilidade constitui uma dimensão diferenciadora e uma mais-valia, que supera o valor redutor do benefício economicista do modelo, por permitir uma utilização mais racional, flexível e não compartimentada de recursos exíguos, como é o caso dos militares médicos. No entanto, a aplicabilidade prática do conceito de interoperabilidade será tanto maior quanto maior for a extensão e profundidade do modelo de formação conjunta.

 

2.1.2. Estrutura (da formação)

Sucintamente traduzida pela duração de cada um dos módulos (formação militar geral/formação específica em medicina militar/estágio) e órgãos primariamente responsáveis pela gestão da formação.

 

2.1.3. Recrutamento (de médicos)

Pode definir-se recrutamento como o conjunto de processos, estratégias e procedimentos levados a cabo por uma organização com o objetivo de atrair potenciais candidatos, aptos, qualificados e com o perfil adequado para ocupar um determinado cargo ou desempenhar uma determinada função dentro dessa mesma organização (Rodrigues & Rebelo, 2011). Recrutamento militar será o conjunto de operações necessárias à obtenção de meios humanos para ingresso nas Forças Armadas.

No caso da saúde militar, até 1998, os futuros oficiais médicos ingressavam nos QES de cada um dos ramos por uma única via, o concurso para candidatos já habilitados com o curso de medicina (recrutamento pós-universitário). Por esta altura, o escasso número de médicos candidatos tornou insuficiente esta forma de recrutamento. Assim, estando a Academia Militar já habilitada para superintender os cursos de formação dos oficiais médicos do Exército, foi determinado pelo Chefe do Estado-Maior do Exército (EME, 1998), que aquela passasse a ministrar o curso de medicina, por protocolo com escolas médicas civis, a partir do ano letivo 1998/99 (recrutamento pré-universitário). Confrontados com iguais dificuldades na captação de médicos, os restantes ramos decidiram optar pela mesma forma de ingresso, a partir do ano seguinte (Graça, 2008), modelo que se mantém desde aí. Entretanto, desde o ano passado, a Marinha e o Exército retomaram também a anterior forma de recrutamento. Um aspeto que cabe destacar é a persistência de uma gestão individualizada de cada um dos ramos nesta matéria, apesar da tendência em curso no sentido da progressiva coordenação centralizada da saúde militar.

 

2.2. Modelo de análise

A presente investigação desenvolve-se em conformidade com o mapa conceptual apresentado no quadro 4.

 

Quadro 4 – Mapa conceptual da investigação.

Objetivo Geral

Propor um modelo de formação inicial para os militares médicos das FFAA que permita otimizar o SSM

Objetivos Especí-
ficos

Questão Central

Que modelo de formação inicial de militares médicos das FFAA permite otimizar o SSM?

Questões Derivadas

Conceitos

Dimensões

Indicadores

Técnicas de recolha de dados

OE1

Avaliar a estrutura básica do plano de formação inicial de militares médicos

QD1

Qual a estrutura básica do plano de formação inicial de militares médicos?

Formação (inicial)

Conjunta

Interoperabilidade

Grau de inclusão

Análise documental e entrevistas semi-
estruturadas

Separada

Estrutura (da formação)

Duração da formação

Duração dos módulos

Gestão da formação

Órgãos das FFAA

OE2

Examinar o contingente de recrutamento de médicos

QD2

Como é que se caracteriza o contingente de recrutamento de médicos?

Recrutamento

Pré-universitário

Potencial de recrutamento

Pós-universitário

Misto

 

3. Metodologia e método

Apresentam-se a metodologia e o método que orientam a investigação.

 

3.1. Metodologia

O percurso metodológico agrega três fases (exploratória, analítica e conclusiva).

Metodologicamente, o presente estudo caracteriza-se por um raciocínio indutivo, assente numa estratégia de investigação quantitativa, com um reforço qualitativo, concretizada num estudo de caso como desenho de pesquisa.

 

3.2. Método

3.2.1. Participantes e procedimento

Participantes. Participaram neste estudo 120 militares médicos (tabela 1), que corresponde a 47,8% do universo (N=251, segundo dados das Direções dos ramos, 2019) em exercício de funções nas FFAA.

 

Tabela 1 – Distribuição da amostra pela população.

 

Marinha

Exército

Força Aérea

Total

População

57

123

71

251

Amostra

26

59

35

120

% da amostra

45,6%

48,0%

49,3%

47,8%

 

Uma amostra maioritariamente constituída (tabela 2) por militares médicos do Exército (49%), da categoria de Oficial Superior (50%), com idades compreendidas no intervalo 30-39 (54%) e admitidos nas FFAA antes do curso de medicina (70%).

 

Tabela 2 – Caracterização sociodemográfica da amostra.

 

Frequência

%

Ramo

Marinha

Exército

Força Aérea

26

59

35

22

49

29

Posto

General

Oficial Superior

Capitão

Oficial Subalterno

1

60

34

25

1

50

28

21

Idade

50-59

40-49

30-39

20-29

13

23

65

19

11

19

54

16

Forma de admissão nas FFAA

Admitidos nas FFAA antes do curso de medicina

84

70

Admitidos nas FFAA após o curso de medicina

36

30

 

Integraram, ainda, na qualidade de peritos e decisores na área em estudo, seis diretores de órgãos da saúde militar portuguesa, nomeadamente, o Diretor de Saúde Militar, o Diretor de Saúde da Marinha, o Diretor de Saúde do Exército, o Diretor de Saúde da Força Aérea, a Diretora do Hospital das Forças Armadas e o Diretor da Unidade de Ensino, Formação e Investigação em Saúde Militar (UEFISM).

Procedimento. O questionário foi distribuído em plataforma digital ao universo dos militares médicos, entre 1 de fevereiro e 6 de abril de 2019. Os participantes foram adequadamente informados acerca do objetivo do estudo, e das garantias de anonimato e confidencialidade das respostas. A entrevista semiestruturada aos diretores de órgãos da saúde militar portuguesa e aos adidos dos países estudados foram igualmente apresentadas em suporte digital, em março de 2019. Relativamente aos primeiros, e face à garantia da confidencialidade das respostas, os dados serão apresentados sem a identificação dos seus autores. No que concerne aos adidos, as questões foram enviadas através do Gabinete de Ligação aos Adidos de Defesa e Militares, ao abrigo das normas estabelecidas pelo EMGFA.

 

3.2.2. Instrumentos de recolha de dados

Foi construído um questionário, constituído por 16 questões, agrupadas em seis blocos, nomeadamente, dados sociodemográficos, modelo de recrutamento, modelo de formação inicial, duração da formação inicial, interoperabilidade e gestão da formação.

Foram, ainda, construídos dois guiões de entrevistas semiestruturadas.

Um, destinado aos diretores de órgãos da saúde militar portuguesa, e que versou o recrutamento de militares médicos, o modelo de formação conjunta ou separada, a interoperabilidade e a gestão da formação conjunta.

Um segundo, norteado para os adidos dos países estudados, com questões relativas ao recrutamento e à formação de militares médicos nos países em causa, que, apesar de enviado aos vários adidos, acabou por não ser respondido.

 

3.2.3. Técnicas de tratamento dos dados

A análise quantitativa foi efetuada com recurso ao Statistical Package for Social Sciences (SPSS 23.0).

 

4. Análise dos dados e discussão dos resultados

No presente capítulo, são analisados os dados, discutidos os resultados e respondidas as questões de investigação.

 

4.1. Estrutura básica do plano de formação inicial dos militares médicos

4.1.1. Formação (inicial)

Neste âmbito, e em conformidade com o mapa de análise, serão aquilatados os cenários formação (inicial) conjunta versus separada e formação (inicial) interoperabilidade/inclusão.

 

4.1.1.1. Conjunta versus separada

Da análise da tabela 3, a maior percentagem (55,8%) associa-se à opção pela formação conjunta para os militares dos três.

 

Tabela 3 – Formação (inicial): conjunta vs. separada.

 

n

%

Formação conjunta para os militares médicos dos três Ramos

67

55,8%

Manter a formação separada em cada um dos Ramos

49

40,8%

Não sei / Não respondo

4

3,3%

 

A fim de controlar um possível efeito da variável estranha “a forma como os respondentes foram recrutados associa-se à sua opinião quanto à formação conjunta ou separada de militares médicos”, conclui-se, da análise da tabela 4, que independentemente da forma como os militares médicos participantes foram admitidos nas FFAA, ambos preferem o cenário de formação conjunta (53,1%, no caso dos admitidos antes do curso, e 68,8% para os admitidos pós-curso).

 

Tabela 4 – Relação entre forma como o respondente foi recrutado e a sua preferência em termos de formação conjunta vs. separada.

 

Relativamente à formação militar inicial dos militares médicos, qual seria a melhor opção?

Formação
conjunta

Formação
separada

Admitidos antes do curso de medicina

n

43

38

% no grupo

53,1%

46,9%

Admitidos após o curso
de medicina

n

24

11

% no grupo

68,6%

31,4%

 

De notar, ainda assim, que a preferência pela formação conjunta se expressa, maioritariamente (57,5%), na formação específica em medicina militar, e não na formação militar geral, cuja opção é para a formação separada (tabela 5).

 

Tabela 5 – Formação militar geral e formação específica em medicina militar: conjunta vs. separada.

 

n

%

Formação militar geral separada e formação específica em medicina militar conjunta

69

57,5%

Formação militar geral conjunta e formação específica em medicina militar separada

17

14,2%

Formação militar geral conjunta e formação específica em medicina militar conjunta

29

24,2%

Não sei / Não respondo

5

4,2%

 

Aprofundado um pouco mais a preferência acima identificada, e da análise da tabela 6, pode concluir-se que os respondentes, independentemente de privilegiarem, como princípio, uma formação conjunta ou uma formação separada, tendem a concordar na primazia do separado associar-se à formação militar geral e do conjunto à formação específica em medicina militar, respetivamente 50,7% e 73,3%.

 

Tabela 6 – Formação conjunta vs. separada versus conteúdo da formação
(militar geral e específica em medicina militar).

 

Admitindo a existência de um programa de formação conjunta de militares médicos, qual seria a melhor opção?

Formação militar geral separada e formação específica em medicina militar conjunta

Formação militar geral conjunta e formação específica em medicina militar separada

Formação militar geral e formação específica em medicina militar conjuntas

Formação conjunta

n

34

10

23

% no grupo

50,7%

14,9%

34,3%

Formação separada

n

33

7

5

% no grupo

73,3%

15,6%

11,1%

                                                                                                                               (p=0,017)

 

4.1.1.2. Interoperabilidade/inclusão

Da análise da tabela 7, conclui-se que, de uma forma mais expressiva (58,8%), os militares médicos respondentes identificam-se com o princípio da interoperabilidade.

 

Tabela 7 – Formação de militares médicos como um catalisador do desenvolvimento de competências para o seu emprego em qualquer um dos ramos.

 

n

%

Sim

70

58,8%

Não

35

29,4%

Não sei / Não respondo

14

11,8%

                                                                                                              Nota: Verificou-se uma não resposta, que corresponde a 0,8% da amostra

 

Os dados acima apresentam-se, assim, como interligados e mutuamente “reforçantes”, uma vez que a maior identificação com o princípio da interoperabilidade da maioria dos militares médicos respondentes (tabela 7), tende a reforçar a preferência pela formação específica em medicina militar conjunta (tabela 6).

 

4.1.2. Estrutura (da formação)

A este nível, serão analisadas as dimensões duração e gestão da formação.

 

4.1.2.1. Duração

Da análise da tabela 8, a opção mais expressiva, no que respeita ao período total da formação percebida como necessária para aquisição de competências militares e em medicina militar, é de 1 ano (38,7%).

 

Tabela 8 – Duração percebida para o período total de formação (aquisição de competências: militares e de medicina militar).

 

n

%

Inferior a 6 meses

18

15,1%

6 meses

23

19,3%

9 meses

9

7,6%

1 ano

46

38,7%

Superior a 1 ano

17

14,3%

Não sei / Não respondo

6

5,0%

                          Nota: Verifica-se uma não-resposta.

 

Um período de um ano distribuído, em cerca de 6 meses, pela Formação militar geral (tabela 9) e, entre 6 meses e um pouco mais, pela Formação específica em medicina militar (tabela 10)[1], indiciando uma preferência ligeiramente maior pelo intervalo de tempo dedicado a esta última formação.

 

Tabela 9 – Duração percebida para o período de formação militar geral.

 

n

%

Inferior a 3 meses

21

17,8%

3 meses

19

16,1%

6 meses

37

31,4%

Superior a 6 meses

35

29,7%

Não sei / Não respondo

6

5,1%

             Nota: Verificaram-se duas não-respostas.

 

Tabela 10 – Duração percebida para o período de aquisição de competências específicas em medicina militar.

 

n

%

Inferior a 3 meses

7

5,9%

3 meses

21

17,7%

6 meses

41

34,5%

Superior a 6 meses

45

37,8%

Não sei / Não respondo

5

4,2%

                       Nota: Verificou-se uma não-resposta.

 

Da análise das tabelas 11 e 12, observa-se, respetivamente, uma preferência pela existência de um período de estágio/tirocínio, repartido entre o HFAR e Unidades Operacionais dos ramos (54,6%), com uma duração superior a 6 meses (31,1%).

 

Tabela 11 – Programa de formação conjunta de militares médicos e existência de um período de estágio/tirocínio.

 

n

%

Não

13

10,9%

Sim, em Unidades Operacionais dos três Ramos

24

20,2%

Sim, no Hospital das Forças Armadas

12

10,1%

Sim, em ambos

65

54,6%

Não sei / Não respondo

5

4,2%

                                                                                                            Nota: Verifica-se uma não-resposta.

 

Tabela 12 – Duração percebida do período de estágio/tirocínio.

 

n

%

Inferior a 3 meses

16

13,5%

3 meses

23

19,3%

6 meses

30

25,2%

Superior a 6 meses

37

31,1%

Não sei / Não respondo

13

10,9%

                        Nota: Verifica-se uma não-resposta.

 

4.1.2.2. Gestão

Da análise da tabela 13, foram elencadas como opções mais expressivas no que respeita à entidade gestora da formação militar conjunta dos militares médicos a DIRSAM (40,8%), seguida pela UEFISM (35,5%), ambas na dependência do EMGFA.

 

Tabela 13 – Entidade percebida como mais ajustada para a gestão da formação militar conjunta dos militares médicos.

 

n

%

Cada um dos Ramos para os militares médicos do Ramo

10

8,3%

Unidade de Ensino, Formação e Investigação (UEFISM/EMGFA)

42

35,0%

Direção de Saúde Militar (DIRSAM/EMGFA)

49

40,8%

Ministério da Defesa

5

4,2%

Não sei / Não respondo

14

11,7%

 

Dito de outra forma, os dados da tabela 13 tendem a indiciar uma organização bipartida da gestão, situando-se, ao nível da DIRSAM, um órgão diretor/doutrinário, e da UEFISM, um órgão executivo.

 

4.1.3. Síntese conclusiva e resposta à Questão Derivada 1

Pelo referido, e em resposta à QD1, Qual a estrutura básica do plano de formação inicial de militares médicos?, conclui-se que, para a amostra analisada, este pauta-se por um mind set maioritariamente conjunto, sobretudo no que toca à formação específica em medicina militar, sendo menos consensual esta visão do “conjunta” no que diz respeito à formação militar geral.

Esta maior identificação com uma formação específica em medicina militar conjunta – que tende a ser independente da forma como o próprio respondente foi admitido nas FFAA (ou seja, do seu histórico/experiência pessoal) e do “lema” que, no geral, é defendido – afigura-se como retroalimentada, e também retroalimentadora, do facto da maioria dos militares médicos se identificaram com o princípio da interoperabilidade.

No tocante à estrutura, a maioria dos respondentes elegeu uma formação com uma duração de aproximadamente um ano, distribuída de forma equitativa ou com um pendor ligeiramente superior para matérias ligadas à formação específica em medicina militar, com um período de estágio/tirocínio, com pouco mais de 6 meses, repartido entre o HFAR e Unidades Operacionais dos ramos.

Por último, foi maioritariamente identificado como órgão(ãos) gestor(es) desta formação, o EMGFA, repercutido, eventualmente, por uma ação bipartida, situando-se, ao nível da DIRSAM, um órgão diretor/doutrinário, e da UEFISM, um órgão executivo.

 

4.2. Contingente de recrutamento de médicos que mais otimiza o Serviço de Saúde Militar

4.2.1. Análise comparativa das modalidades de recrutamento

Da análise do quadro 5, observa-se que, a partir de 2015, passou a existir um contingente de graduados em medicina sem acesso à progressão/diferenciação na carreira médica civil, constituindo, portanto, um grupo com um potencial de recrutamento para as FFAA, sem precedentes.

 

Quadro 5 – Demografia médica nos últimos 10 anos.

 

Admissões em escolas médicas a) b)

Incremento anual de novos médicos c)

Vagas para especialidade
d)

Licenciados sem vaga para especialidade d)

2009

1663

1191

1026

0

2010

1879

1367

1239

0

2011

1868

1411

1403

0

2012

1885

1055

1463

0

2013

1518

1430

1478

0

2014

1517

1461

1547

0

2015

1519

1764

1578

373

2016

1524

1775

1676

577

2017

1517

1725

1758

708

2018

1567

não disponível

1665

676

                                                                                                                   Fontes: a) Direção Geral do Ensino Superior (2018), b) Associação Nacional de Estudantes de Medicina (2018),

                                                                                                   c) Ordem dos Médicos (2018); d) Administração Central do Sistema de Saúde (2018).

 

Da análise do quadro 6, constata-se que noutros países são contempladas diversas modalidades de recrutamentos de militares médicos, no que respeita à etapa da formação em medicina, vigorando, contudo, em todos os analisados, o regime de recrutamento de militares médicos após a conclusão do curso de medicina, e em três dos quatro analisados (com exceção da Inglaterra), o recrutamento pré-curso. Duas evidências eventualmente indiciadoras do consenso e quase-consenso, respetivamente, acerca de vantagens deste(s) tipo(s) de recrutamento.

 

Quadro 6 – Momento do recrutamento em função da etapa de formação em medicina, noutros países.

 

Recrutamento

Antes do curso

Durante o curso

Depois do curso

Bélgica

Composante Médicale

x

x

x

Espanha

Cuerpo Militar de Sanidad

x

 

x

França

Service de Santé des Armées

x

 

x

Inglaterra

Defence Medical Services

 

x

x

Fontes: Gov.UK (2019), La Défense (2019), Ministerio de Defensa de España (2019), Ministère des Armées (2019).

 

Complementarmente, referem Castro, Veríssimo, Rodrigues, e Saramago (2018), na Alemanha, Holanda e Suécia, a formação em medicina operacional ocorre após a formação em medicina, e é integrada e transversal aos ramos, sob coordenação de órgão comum. Esta conclusão não permite afirmar a existência de uma formação conjunta com as características definidas neste trabalho, mas permite afirmar a existência de conceito análogo.

Da análise do quadro 7, observa-se que a opinião dos diretores de órgãos de saúde militares nacionais é unânime nesta matéria, defendendo, consensualmente, o regresso ao recrutamento de candidatos habilitados com o curso de medicina. Deve referir-se, no entanto, eventual efeito de enviesamento, decorrente do facto de todos os entrevistados terem sido recrutados após a conclusão do curso de medicina.

 

Quadro 7 – Análise de conteúdo das entrevistas a peritos.

 

Recrutamento

Formação

Interoperabilidade

Gestão

E1

Após curso de medicinaa)

Conjunta na totalidade

Sim

DIRSAM + UEFISM

E2

Após curso de medicina

UEFISM

E3

Formação militar geral no ramo;

Formação específica em saúde militar conjunta

ramos

E4

Conjunta, se SSM conjunto;

Separada, enquanto SSM separado

Se conjunta: órgão de Direção de Formação + UEFISM como órgão executante

E5

Formação militar geral conjunta;

Formação específica em saúde militar separada

UEFISM

E6

Formação separada

Se conjunta: formação militar conjunta e específica separada

a) “Subjetivamente, tenho vindo a verificar que a formação interna em medicina não tem repercussão positiva no grau de compromisso com a instituição, contrariamente ao que, à partida, seria expectável”.

 

Da análise da tabela 14, observa-se que a maior percentagem de respostas (45%) se situa na modalidade Recrutamento para formação em medicina nas FFAA, seguindo-se a Manutenção de ambos os modelos de recrutamento (33,3%).

 

Tabela 14 – Opções de recrutamento de militares médicos.

 

n

%

Recrutamento para formação em medicina nas FFAA

54

45,0%

Recrutamento após a formação em medicina

22

18,3%

Manter ambos

40

33,3%

Não sei / Não respondo

4

3,3%

 

Da leitura da tabela 15, pode concluir-se que os militares médicos que foram admitidos nas FFAA antes do curso de medicina concordam mais com o recrutamento antes do curso de medicina (58%) e que os militares médicos admitidos nas FFAA após o curso de medicina concordam mais com o recrutamento após o curso (45,7%), sendo as diferenças observadas entre os dois grupos estatisticamente significativas (c2(2)=26,501; p<0,001).

 

Tabela 15 – Análise comparativa das respostas dos participantes quanto ao tipo de recrutamento de militares médicos, em função do seu próprio processo de recrutamento.

 

 

Qual seria a melhor opção para o recrutamento de militares médicos?

 

 

Recrutamento para formação em medicina nas FFAA

Recrutamento após a formação em medicina

Manter
ambos

Admitidos antes do curso de medicina

n

47

6

28

% no grupo

58,0%

7,4%

34,6%

Admitidos após o curso de medicina

n

7

16

12

% no grupo

20,0%

45,7%

34,3%

 

4.2.2. Síntese conclusiva e resposta à Questão Derivada 2

Face ao exposto, considera-se que o OE2 foi atingido e em resposta à QD2, Como é que se caracteriza o contingente de recrutamento de médicos?, conclui-se que as evidências aqui analisadas das realidades nacional e supranacionais suportam os três modelos de recrutamento de militares médicos, nomeadamente o que recruta: para formação em medicina nas FFAA (pré-universitário); após a conclusão do curso de medicina (pós-universitário); o misto, que recruta quer o pré-universitário, quer o pós-universitário.

 

4.3. Proposta de um modelo de formação inicial de militares médicos das Forças Armadas que permita otimizar o Serviço de Saúde e resposta à Questão Central

Da análise até aqui realizada e em resposta à QC, Que modelo de formação inicial de militares médicos das FFAA permite otimizar o SSM?, conclui-se que, para a amostra analisada, este passa por uma formação (quadro 8) de tipo conjunto – sobretudo em matérias que versam a formação específica em medicina militar –, catalisadora do objetivo da interoperabilidade, com uma duração de cerca de um ano (formação militar geral e formação especifica em medicina militar), acompanhado por um estágio de aproximadamente 6 meses (no HFAR e em Unidades Operacionais dos ramos), e gerida, doutrinariamente, pela DIRSAM, e no plano da execução pela UEFISM, ambos na dependência do EMGFA.

 

Quadro 8 – Proposta de modelo de formação inicial de militares médicos.

Modalidade

Formação conjunta dos militares médicos dos três ramos, designadamente em matéria de formação específica em medicina militar.

Objetivo

Interoperabilidade.

Estrutura

Duração

Cerca de 1 ano, repartido pela:

– Formação militar geral;

– Formação específica em medicina militar.

Uma repartição equitativa ou ligeiramente superior para matérias no âmbito da medicina militar.

Estágio /
Tirocínio

– Cerca de 6 meses;

– Repartido entre o HFAR e Unidades Operacionais dos Ramos.

Gestão

Doutrina: DIRSAM;

Execução: UEFISM.

 

5. Conclusões

A presente investigação teve objetivo analisar a viabilidade/adequabilidade da implementação de um modelo de formação conjunta, por oposição à atual formação separada em cada um dos ramos das FFAA, sem prejuízo da qualidade da formação destes profissionais e tendo em consideração a distinção entre formação específica em medicina militar e formação militar geral.

Neste âmbito, foi definido como objetivo geral Propor um modelo de formação inicial para os militares médicos das FFAA que permita otimizar o SSM, refletido em dois objetivos específicos (OE). Um OE primário e central, centrado em Avaliar a estrutura básica do plano de formação inicial de militares médicos, e um OE mais secundário, complementar e de cariz mais descritivo, focando em Analisar o contingente de recrutamento de médicos.

As evidências encontradas, para a amostra estudada, vão no sentido de uma maior, ainda que não consensual, preferência por uma formação conjunta, especialmente ao nível da formação específica em medicina militar. Uma preferência possivelmente associada à identificação da maioria dos participantes com o objetivo da interoperabilidade. Também com base na maioria de respostas, surge a preferência por uma formação (militar geral e especifica em medicina militar) com aproximadamente um ano de duração, seguida por um estágio de cerca de 6 meses, repartido entre o HFAR e Unidades Operacionais dos ramos, e gerida pelo EMGFA, especificamente a DIRSAM em matérias doutrinárias e a UEFISM em questões de execução.

Em termos de contributos para o conhecimento, tem-se a possibilidade das evidências aqui encontradas poderem ser, após verificação empírica, eventualmente extrapoladas e alargadas aos restantes militares dos QES.

Apesar dos resultados alcançados, esta investigação apresenta algumas limitações que, ainda assim, não minoram a mais-valia das conclusões retiradas. De um lado, tem-se a escassez de referências a artigos científicos sobre este assunto, provavelmente por ser demasiado específico e, portanto, pouco investigado. Por outro lado, o ainda mais aprofundado conhecimento das realidades de outros países, por não ter sido possível aceder a informação com origem em fontes primárias.

Em termos de estudos futuros, sugere-se que sejam desenvolvidas e aprofundadas as matérias aqui afloradas, nomeadamente a formação conjunta de segundo e terceiro nível de militares médicos, a extensão da formação conjunta aos profissionais de saúde militares não-médicos, o papel da DIRSAM e da UEFISM na formação dos Quadros Especiais de Saúde e a temática do recrutamento analisada pela(s) entidade(s) primeiramente responsável(eis) por esta área. Ainda ao nível do recrutamento, e com vista a tirar ilações acerca de qual a modalidade mais vantajosa de entre as três aqui examinadas (pré-universitária, pós-universitária ou mista), sugere-se a realização de um estudo focado na análise comparativa dos “custos” e da “duração” associados aos diferentes cenários.

 

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* Artigo adaptado e revisto a partir do trabalho de investigação individual realizado no âmbito do Curso de Promoção a Oficial General 2018/19, cuja defesa ocorreu, em julho de 2019, no Instituto Universitário Militar.

[1]     Esta leitura conjugada das tabelas 9 e 13, e que se prende com a subdivisão dos tempos de formação entre os dois tipos de formação, deve ser lida de uma forma tendencial e não taxativa, uma vez que o total de cerca de um ano, se lido taxativamente, é inferior aos 6 meses (tabela 9) e superior a 6 meses (tabela 1).

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Brigadeiro-general

Rui Fernando Gonçalves Teixeira de Sousa

Especialista e Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Psiquiatria.

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Subdiretor da Direção de Saúde do Exército. Especialista e Consultor da Carreira Médica Hospitalar de Endocrinologia.

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Cristina Fachada

Doutorada em Psicologia, pela Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa. Docente da Academia da Força Aérea (AFA) e do Instituto Universitário Militar (IUM). Investigadora do Centro de Investigação da AFA. Investigadora do Centro de Investigação e Desenvolvimento do IUM.

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