D. Catarina, filha de D. João IV e de D. Luísa de Gusmão, nasce no dia 25 de Novembro de 1638, no Paço Ducal de Vila Viçosa. Os primeiros tempos da sua vida foram passados neste palácio na companhia dos seus irmãos,
D. Teodósio e D. Joana. Pouco tempo depois, a 1 de Dezembro de 1640, o duque de Bragança, seu pai, é aclamado rei chegando a Lisboa na companhia dos seus irmãos, a 26 de Dezembro do mesmo ano. Em 1653, morrem os irmãos, vítimas de tuberculose pulmonar.
Na publicação da Academia Militar, D. Catarina e o Paço da Rainha (2005), é referido que partir dos oito anos de idade se começou a pensar no seu casamento como uma oportunidade para a coroa estabelecer uma aliança internacional, vital para garantir a sobrevivência do país que se encontrava fortemente ameaçada desde a Restauração. Quando, em 1660, é restabelecida a monarquia em Inglaterra, Carlos II surge como uma excelente oportunidade de realizar uma boa aliança. Na corte inglesa acabou por ganhar estima e confiança, tornando-se verdadeira conselheira e esposa, dando primazia ao sentido de Estado em detrimento das motivações pessoais, como se pode constatar na publicação da Academia Militar, D. Catarina e o Paço da Rainha (2005). Em sua honra, o Duque de York, ao conquistar Nova Amesterdão aos holandeses, concedeu o nome de Queens a um dos arredores desta cidade.
Tendo, em 16 de Fevereiro de 1685, ficado viúva, e encontrando-se doente e fisicamente esgotada, manifestou o desejo de regressar a Portugal, que acabou por se concretizar, conseguindo finalmente sair de Inglaterra, em fins de 1692, chegando a Lisboa, a 20 de Janeiro de 1693.
Seja por desejo de independência, motivações religiosas ou por procura de melhores ares, comprou as propriedades onde se situa o Palácio da Bemposta, a D. Francisca Pereira Teles, viúva de Plácido Castanheira Moura, bem como quanto pode à sua volta. O conjunto correspondia, segundo (Costa, 1995), não só às atuais instalações da Academia Militar, como ainda os terrenos onde hoje em dia se situam o Hospital D. Estefânia, Quartéis do Cabeço de Bola e de Santa Bárbara, bem como os seguintes arruamentos: Rua da Escola do Exército, Paço da Rainha, Rua Jacinta Marto e Rua Joaquim Bonifácio.
De imediato se procederam às obras de adaptação no Palácio da Bemposta. Não deverão ter demorado muito tempo, uma vez que, no dia 13 de Abril de 1704, D. Catarina aí recebe a visita do Arquiduque Carlos da Áustria. Foi nestas instalações que deu despacho, durante dois breves períodos de regência, em 1704 e 1705. D. Catarina faleceu em 31 de Dezembro de 1705, tendo instituído como herdeiro o seu irmão, sendo então a propriedade integrada no património da Coroa.
A ligação à Grã-Bretanha, começada com D. Catarina, ainda hoje se pode constatar pelas inúmeras visitas de militares britânicos a este estabelecimento, além de cerimónias oficiais ao longo da sua história (Papança, 2011, p. 68).
As portas da entrada principal do Palácio da Bemposta ainda hoje são dois portais nobres do séc. XVII, guarnecidos de cantaria, que davam acesso ao Paço da Rainha, por onde certamente entravam e saíam os coches (Costa, 1995). Merece destaque no exterior, sobre a entrada, o Brasão de Armas da Rainha D. Catarina, armas em lisonja partidas, de um lado de Inglaterra, Escócia e Irlanda e do outro Portugal, entre dois tenentes, Leão e Licorne.
As paredes do átrio são ornamentadas por sete painéis de azulejos desenhados por Jorge Colaço (1918), autor dos célebres painéis da Estação Ferroviária de S. Bento e da igreja de S. Ildefonso, ambas no Porto, destacando-se seis grandes quadros alusivos a cada uma das cinco armas do exército (artilharia a pé, engenharia, artilharia de campanha, cavalaria e infantaria) e ao serviço de administração militar.
Segundo Sena (1922), no piso inferior encontravam-se os gabinetes do General Comandante, do Segundo Comandante (ainda lá se encontram, assim como outros gabinetes e serviços administrativos).
No andar nobre do edifício merece destaque a Sala do Conselho, amplo salão iluminado pelo teto e por quatro janelas de sacada que se abrem sobre a entrada principal, próprio para as solenidades escolares onde se encontram os retratos a óleo dos comandantes que a Escola tem tido desde a sua fundação, da autoria de pintores como Abel Manta, Henrique Medina, Maluda.
No corpo principal do Palácio da Bemposta encontram-se também o Museu, a Biblioteca, o Salão Nobre com belíssimos azulejos (finais do séc. XVII ou início do séc. XVIII).
Na escadaria que do átrio conduz à Sala de Sessões, encontram-se duas lápides onde foram esculpidos os nomes dos Oficiais, antigos alunos da Escola, que morreram em combate ou em virtude de ferimentos recebidos na I Guerra Mundial (1914-1918) ou em África, nas campanhas do Ultramar (1961-1974), bem como o busto do fundador, Rodrigo de Sá Nogueira (Marquês de Sá da Bandeira), da autoria de Raul Xavier, sobre plinto de mármore de Vila Viçosa, peça esta que foi colocada no átrio em 1937, comemorando o 100.º aniversário da Escola do Exército (Papança, 2011, pp. 70).
A Capela do Palácio da Bemposta foi entregue apenas no início da República ao Comandante da Escola do Exército, através de um ofício do Ministério da Justiça, com data de 10 de Dezembro de 1910 (Costa, 1995). O terramoto de 1755 ter-lhe-á provocado consideráveis estragos, sendo apontada a data de 1760 para possível início das obras. A legenda que se encontra em cima, do lado interior sobre a porta principal, afirma que, no ano de 1793, a obra de reconstrução estava finda embora haja pormenores, tanto no interior como no exterior, de elaboração mais recente.
Da decoração atual da capela, além da talha, predominam as cores verde, azul, rosa, ressaltando o pormenor do fingido – madeira fingindo mármores de cor. Este jogo lembra determinados pormenores da decoração da Igreja de S. Roque assim como da Capela Real do Palácio de Queluz. A Capela-mor é iluminada com luz natural através de uma claraboia no teto tal como a Basílica da Estrela. Na publicação da Academia Militar D. Catarina e o Paço da Rainha (2005) é afirmado que o projeto da construção dá um relevo especial à noção de igreja salão como lugar de elevação, de natural fruição da beleza.
Templo de uma só nave retangular tem do lado direito três altares com os respetivos retábulos e do lado esquerdo apenas dois. Deste lado, está a Capela do Santíssimo Sacramento, separada do corpo da capela por uma cancela em talha dourada. O retábulo do altar, representando uma Ceia do Senhor, é da autoria de Pedro Alexandrino, certamente o pintor sacro mais prolífico da era pós-terramoto, sendo-lhe igualmente atribuída a pintura do teto desta capela, representando a Transfiguração de Cristo no Monte Tabor. Dos cinco retábulos do corpo central, três são seguramente também da autoria do mesmo pintor: S. João Baptista, S. Francisco em êxtase e S. Pedro recebendo, de Jesus as Chaves do Céu. Dos restantes, Nossa Senhora da Conceição e Estigmas de S. Francisco, o primeiro poderá ser dele (Costa, 1995). A enriquecer ainda mais este espaço, dez pequenos quadros de autor desconhecido, representando cenas do Antigo Testamento. No teto do Corpo da Capela está representada a Assunção de Nossa Senhora, possivelmente também de Pedro Alexandrino, complementado por José António Narciso na parte da pintura arquitetónica e Manuel Macário na das flores que emolduram a pintura.
Na Capela-mor com duas varandas de balaústres merece especial destaque o belíssimo órgão, da autoria de António Xavier Machado e Cerveira, restaurado, em 1994, por António Simões, utilizado hoje em dia para concertos. Ilustre músicos como José Domingos Bomtempo (1775-1842) e Frei José Marques da Silva (1782-1837) estiveram ligados a este templo. Outro motivo de interesse é o retábulo do altar, ladeado por dois nichos com as esculturas em pedra de S. Pedro e S. Paulo. Neste retábulo, podem observar-se três grupos de figuras: o primeiro constitui o tema religioso propriamente dito, representa a Virgem Maria sobre Nuvens, rodeada de Anjos e Querubins, considerando piedosamente o Coração Sangrento de Jesus ; em baixo, à esquerda, um grupo popular, em que as figuras têm uma vida palpitante, constituído por algumas crianças, duas mulheres de capote e uma mulher de cor e, mais ao centro, duas religiosas cada uma com o seu hábito e, por detrás, outras figuras secundárias; à direita, o terceiro grupo de figuras representa a família real (ao centro e em primeiro plano, a Rainha D. Maria I, ladeada pelo príncipe D. João, futuro rei D. João VI, e pela princesa D. Carlota Joaquina, mais tarde esposa deste rei e que dá a mão ao pequeno infante D. Pedro Carlos, filho da infanta D. Maria Victória (neto de D. Maria I) e do infante de Espanha, D. Gabriel, irmão de D. Carlota Joaquina. Em segundo plano e atrás do infante D. Pedro Carlos, D. Maria Francisca Benedita, princesa do Brasil, viúva, e a seu lado, possivelmente, a Infanta D. Maria Ana. Tanto D. Maria I como o príncipe D. João ostentam a banda das três ordens (Cristo, S. Tiago de Espada e S. Bento de Avis). D Carlota Joaquina e o Infante D. Pedro Carlos trazem a Banda Azul e Branca da Grã Cruz de Carlos III de Espanha. A notável graciosidade dos pormenores revela-se no desenho dos vestidos. Como pano de fundo do quadro está reproduzida uma perspetiva do Castelo de S. Jorge, correspondendo à vista observada deste sítio da Bemposta, vendo-se ainda uma construção, hoje desaparecida, onde, ao tempo, estava instalada a Real Casa Pia onde o tenente do Exército José Anastácio da Cunha finalizou a sua obra Principios Mathematicos para instrucção dos alumnos do Collegio de S. Lucas da Real Casa Pia do Castello de S. Jorge.
Esta tela teve como autor o pintor italiano José Throni, contratado pelo embaixador D. Rodrigo de Sousa Coutinho, chegando em 1785 para vir a Lisboa retratar a família real. Este pintor teria copiado os retratos de algumas personagens da família real de Thomas Hickey, que permaneceu em Lisboa cerca de três anos retratando não só súbditos britânicos como ainda nobres e a própria rainha, retratada num quadro destinado à Academia das Ciências de Lisboa.
A tela da moldura oval do teto da Capela-mor poderá muito bem ser igualmente de Pedro Alexandrino (Costa, 1995). Ao centro, surge a figura da Virgem, como que a indicar a proteção e a suplicar perante Deus Padre, que se encontra representado no plano superior rodeado de anjos e querubins, estendendo-se sobre o anjo-custódio do reino, que na mão direita tem o escudo e a coroa real portuguesa e na esquerda um centro, uma base e uma bandeja em cujo pano “Custos Luzitanae Regni” (guardado reino da Lusitânia).
Na frontaria deste templo é de realçar o Brasão português de Armas do Reino e podem observar-se, igualmente, um pequeno triângulo com dois anjos ajoelhados em veneração à Virgem da autoria de Joaquim José de Barros Leitão que ocupou, na Escola de Mafra, o lugar de escultor de Ginoti e cujos trabalhos continuou (Costa, 1995).
Destacam-se, igualmente, na entrada, duas esculturas em mármore da autoria de José de Almeida[1] e Mestre de Machado de Castro, uma representando S. João Baptista, o cordeiro e o pendão, e a outra o Milagre das rosas da rainha Santa Isabel. Na Basílica da Estrela existem estátuas deste género executadas por discípulos de Machado de Castro e também na Basílica de Mafra. A capela, em 1805, foi novamente elevada a Colegiada, sendo-lhe atribuído um cabido (Simões, 1892).
Na Sacristia merece referência a tela, representando a Sagrada Família. Ao centro, a Virgem tendo ao colo o menino que afaga S. João Baptista. Ladeando estas figuras centrais, vê-se S. José, S. Isabel e S. Joaquim. No alto, a pomba do Espírito Santo. Na pintura do teto pode observar-se um S. Pedro, rodeado de anjos às portas do Céu (Papança, 2011, pp. 73).
Inicialmente constituída a partir do acervo da antiga Academia Real de Fortificação, Artilharia e Desenho, beneficiou igualmente da concessão do espólio das bibliotecas de antigos conventos e de doadores particulares, entre os quais se destacam o Marquês de Sá da Bandeira e o Barão de Wiederhold e também de instituições. Constam igualmente da sua coleção, revistas e publicações periódicas portuguesas e estrangeiras que regularmente continua a receber.
Nela se encontra o busto de Luís de Camões, que os Cursos de Cavalaria e Infantaria de 1880 ofereceram em comemoração do seu 3.º centenário. As estantes, as mesas, os escaparates, a varanda, o teto, a escadaria, as duas portas, o globo e o planímetro que se podem observar na fotografia em (Sena 1922, p. 49) ainda lá se encontram atualmente. Quanto às estantes, algumas pertenceram à Casa do Infantado, que aí esteve instalada entre a época de D. Catarina e a época de D. João VI, e as restantes de madeira pintada constituíram salvados do incêndio subsequente ao Terramoto de 1755 que destruiu o antigo Palácio do Patriarca, situado ao fundo do Jardim do Príncipe Real (Costa, 1995).
As salas de apoio estão decoradas com belíssimos azulejos de finais do séc. XVII e inícios do séc. XVIII, principalmente junto às janelas, destacando-se uma lindíssima albarrada.
Além da sala anteriormente descrita, a Biblioteca é constituída por mais três compartimentos, dois dos quais correspondem ao gabinete do Oficial Bibliotecário e à sala onde se efetua todo o movimento de escrita de documentação, a qual está equipada com os respetivos ficheiros, máquina fotocopiadora e computadores com software de base de dados. Estes dois compartimentos, que igualmente possuem galerias com estantes, estão decorados com notáveis painéis de azulejos do século XVII.
A Biblioteca Histórica era frequentada, sobretudo, por alunos. Hoje em dia, com a passagem da maioria das aulas para a Amadora, onde existe uma “filial”, é frequentada igualmente por estudiosos (nacionais ou estrangeiros), tanto civis como militares, alguns deles a desenvolver teses de mestrado, doutoramento ou a recolher material para a elaboração de livros ou monografias (Papança, 2011, pp. 78).
3.1 Textos de matemática e estatística patentes na biblioteca
Fazem parte do acervo da Biblioteca da Academia Militar, sucedânea da Escola do Exército, obras como o Éléments de Géométrie, avec des notes (Legendre, 1794), Géométrie Descriptive (Monge, 1827), Théorie des Functions Analytiques (Lagrange, 1821), Leçons sur Calcul des Fonctions (Lagrange, 1806), Essai Philosophique sur les Probabilités (Laplace, 1825) e Éléments d’Algébre a l´usage de l´École Centrale des Quatre-Nations (Lacroix, 1802).
A tradução do Tratado elementar da applicação da algebra à geometria (1812), de Lacroix, tem como objetivo a sua utilização na Real Academia Militar, sendo encarregue dessa tarefa o capitão José Victorino dos Santos e Sousa, capitão graduado do Real Corpo dos engenheiros, lente da Real Academia Militar, traduzindo conteúdos extraídos da obra do referido autor: Traité élémentaire de trigonométrie rectiligne et sphérique et d’àpplication de l’algèbre a la géométrie (1800), acrescido de um apêndice dedicado aos alunos que não tinham estudado ainda o Complément des Éléments de Géométrie (1802).
A estes textos juntam-se obras de portugueses, como o ex-jesuíta Monteiro da Rocha, Memoires d’Astronomie Pratique (1808), o tenente do Exército José Anastácio da Cunha, Principios Mathematicos para instrucção dos alumnos do Collegio de S. Lucas da Real Casa Pia do Castello de S. Jorge (1790) – Officina de António Rodrigues Galhardo e a versão editada pela universidade de Coimbra, em 1987, reprodução fac-simile da edição publicada em Bordéus, em 1811. Na Capela-mor, no retábulo do altar, pode observar-se uma das raras representações do Colégio de S. Lucas da Real Casa Pia do Castelo de S. Jorge, vistas do Palácio da Bemposta. Conjunto arquitetónico de rara beleza, o Paço Real da Bemposta justifica plenamente a sua inclusão no roteiro Anastaciano.
Quanto à primeira metade do séc. XVIII, de destacar os Exame de Artilheiros (1746) e o Exame de Bombeiros (1748), que em termos de Matemática incluíam conhecimentos elementares de Aritmética, Geometria baseada nos Elementos de Euclides e Trigonometria, tendo como uma das referências a Trigonometria plana e espherica (1737) do Padre Campos, Jesuíta, professor na Aula da Esfera do Colégio de S. Antão.
No que se concerne à Estatística, em termos das obras patentes na biblioteca, de destacar as que incluem a resolução de problemas relacionados com o tiro das diversas armas, desde a metralhadora ao canhão, problemas esses que motivaram o avanço do conhecimento matemático e a sua aplicação a novas situações, contribuindo para a sua divulgação e generalização. Desta forma se explica, nestas suas obras, a referência a teoremas como o “teorema do limite”, e de conceitos como o de “assimptoticamente Normal”. Estes temas poderão ser aprofundados através das obras Probabilité du Tir, escrita pelo capitão S. Burileano, editada em Paris, em 1911, do livro La probabilité dans les Tirs de Guerre, de Jean Aubert, de 1919, Oficial de Artilharia, com prefácio de M. M. d’Ocane, professor da Escola Politécnica, e através do fascículo um, Applications au Tir, de J. Haag, professor da Faculdade de Ciências de Clermont-Ferrand, editada em Paris por Gauthier-Villars, em 1926, constituindo o tomo IV denominado Applications Diverses et Conclusion da obra de Émile Borel, Traité du Calcul, dês Probabilités et de ses Applications que contou com a colaboração, do já mencionado Haag e de outros vultos da área das matemáticas: L. Blaringhen, C. V.L. Charlier; L Deltheil, P. Dubreil, M Fréchet, H. Galbrun, F. Perrin, P. Traynard, obra em que se nota já um profundo amadurecimento dos conceitos, fruto da experiência, entretanto acumulada com a guerra e de um assinalável desenvolvimento e reflexão teórica (Papança, 2011, pp. 80).
3.2 Textos de matemática e estatística patentes no museu da biblioteca
Atualmente, está instalado num conjunto de salas contíguo à biblioteca, inaugurado em Março de 1966, encontrando-se ainda atualmente expostas algumas armas, álbuns de fotografia e diversas ofertas, juntamente com livros antigos e legislação, nomeadamente, o Decreto de Criação do curso de Matemática da Real Academia de Marinha e os Estatutos da Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho.
De entre os livros de Matemática, atualmente expostos nas vitrinas do museu da biblioteca, de salientar o de Azevedo Fortes, O engenheiro Portuguêz (1728), o de João Muller, Tractado de Artilheria (1793), “traduzido do Inglez para uso da Real Academia Militar e do Corpo de artilharia e dedicado ao illustrissimo, e excellentissimo senhor Luiz Pinto de Sousa Coutinho, Ministro, Secretario de Estado dos Negócios Eftrangeiros, e da guerra”, por António Teixeira Rebelo, “cappitão do Regimento da artilharia da corte” e aquele que é considerado o livro mais antigo pertencente à instituição, Arithmetica Ioannis, escrito em latim, em 1514, e o de Luís Serrão Pimentel, O Methodo Lusitanico de desenhar as fortificaçoens das praças regulares, & irregulares, fortes de campanha e outras obras pertencentes a arquitectura militar (1680), assim como as Regras de Desenho para a delineação das plantas, perfis e prespectivas pertencentes à architectura militar e civil com defcripção, e pratica dos inftrementos de que mais ordinariamente fe fervem os Officiaes Engenheiros affim no bofete como no terreno “para uso” da Real Academia de Fortificação, Artilharia e Desenho (1793), oferecidas ao serenissimo Dom João princepe do Brasil, por António Joze Moreira, capitão de Infantaria com exercicio de Engenheiro, e lente na mesma Academia.
Constam igualmente livros de artilharia, como Espingarda perfeyta e regras para a sua operaçam, dos irmãos César Fiosconi e Jordan Guserio (1718), e de disciplina militar, um tema sempre marcante na vida castrense, como os Discursos sobre a disciplina militar e fciencia de hum soldado de infantaria, “dedicado aos soldados novos”, de Theotonio de Sousa Tavares (1737) (Papança, 2011, pp. 82).
3.3. Livros utilizados na formação de oficiais
Um dos aspetos que envolve a formação de Oficiais do Exército é, seguramente, a produção de livros de texto. Desde as primeiras Aulas de Fortificação, Arquitetura e Artilharia surgidas após a recuperação da independência em 1640, passando pelos cursos ministrados nos estabelecimentos que antecederam a Escola do Exército, a Escola de Guerra e a Escola Militar, que a produção de manuais esteve presente, acompanhando a génese e a estruturação desses cursos. Este capítulo pretende abordar esse percurso, entre 1837 e 1926, âmbito temporal deste trabalho, indo de encontro ao seu objetivo que é caracterizar a formação de Oficiais do Exército, em particular nas vertentes da Matemática e da Estatística.
3.3.1. Livros de texto anteriores a 1837
A preocupação com a defesa do território e da integridade nacional recentemente reconquistada levou à criação de cursos especiais instituídos por D. João IV, nos quais se incluem as Lições de Artilharia e Esquadria (1641), em paralelo com a Aula de Fortificação e Arquitectura Militar (1647), passando mais tarde a denominar-se de Academia Militar da Corte (1651), ambas segundo Barata e Teixeira (2004), confiadas a Luís Serrão Pimentel. Luís Serrão Pimentel foi autor de um tratado de navegação ampliado e melhorado por seu filho Manuel e seu neto Luiz-Francisco, de um compêndio sobre Aritmética Decimal e Trigonometria Rectilínea e de um célebre tratado de Arquitetura Militar que intitulou O Methodo Lusitanico de desenhar as fortificaçoens das praças regulares, & irregulares, fortes de campanha e outras obras pertencentes a arquitectura militar (1680). O seu sucessor na lecionação dos cursos, Manuel Azevedo Fortes (Engenheiro-mor do reino, a partir de 1719), escreveu igualmente um tratado de fortificação, arquitetura e defesa de praças intitulado Engenheiro Português, obra em dois tomos editados em 1728 e 1729. No sentido de completar a formação base em álgebra e geometria teórica dos seus discípulos, segundo Stockler (1819), elaborou um tratado intitulado Álgebra Racional Geométrica e Analítica, publicado em 1744.
No Rio de Janeiro é aberta a Aula do Terço de Artilharia por carta régia de 19 de Agosto de 1736. Um dos responsáveis, José Fernandes Pinto Alpoim, escreveu o Exame de Artilheiros e o Exame de Bombeiros, obras publicadas, respetivamente, em Lisboa (1746) e Madrid (1748), onde são abordadas questões de geometria, matemática, balística e artilharia.
O programa da disciplina de Matemática do Colégio dos Nobres (1761) incluía o estudo dos seis primeiros livros dos Elementos. Esta instituição era mesmo detentora do privilégio exclusivo atribuído pelo Marquês de Pombal, da impressão dos livros de Euclides, Arquimedes e outros clássicos da Matemática, sendo o referido privilégio transferido para a Universidade de Coimbra, aquando da sua reforma em 1775, como se refere na mencionada edição de 1792.
Segundo Ribeiro (1892), em 15 de Junho de 1763, sob os auspícios do conde Schaumbourg Lippe, é aprovado o plano de estudos das Escolas Regimentais, indicando os livros acerca dos quais deveriam ser inquiridos os examinandos, sendo especialmente recomendado o Curso de Matemática, de Bellidoro. Do mesmo autor é mencionada na lista de livros recomendados a Sciencia dos Engenheiros para estudo dos mineiros e bombeiros.
3.3.2 A Matemática e a Revolução Francesa
A segunda metade do séc. XVIII é um período de grandes transformações políticas, económicas e sociais (Revolução Industrial), atingindo o clímax com a Revolução Francesa. Com a expulsão dos Jesuítas, em 1759, e a Universidade Portuguesa ainda muito ligada a paradigmas escolásticos, o ensino da matemática em Portugal, a reflexo do que aconteceu em noutros países, permanece, durante um longo período de tempo, entregue predominantemente a figuras e instituições militares.
Matemáticos influentes participam na Revolução Francesa. Eram predominantemente de condição humilde, não possuíam títulos de nobreza e por este motivo nada tinham a perder com a queda do Antigo Regime, pelo contrário, muito tinham a ganhar com a revolução. Todos eles fizeram a sua formatura em escolas militares. Deste grupo salientam-se Lagrange (1736-1813), Condorcet (1743-1794), Monge (1746-1818), Laplace (1749-1827), Legendre (1752-1833) e Carnot (1753-1823), que participaram em projetos matemáticos durante a Revolução, como o projeto das reformas de pesos e medidas. Segundo Boyer (1999), alguns, como Carnot, Condorcet e Monge, inseriram-se mesmo nas próprias atividades revolucionárias, culminando o período com a ascensão de Napoleão.
Segundo Boyer (1999) e Struik (1999), é sob o regime napoleónico que se fundam escolas e academias militares que dão uma atenção especial ao ensino da matemática como base da formação de engenheiros militares. Neste contexto, é fundada a Escola Politécnica de Paris (1794), instituição que se tornou um modelo para o estudo geral da engenharia militar no início do séc. XIX e constituirá a fonte de inspiração que presidirá à criação de outras academias militares, incluindo West Point. Em Portugal, a Escola do Exército e a Escola Politécnica seguem este modelo.
Segundo Boyer (1999) e Struik (1999), naquelas instituições francesas lecionavam grandes vultos da Matemática. Lagrange começou a sua carreira na Escola de Artilharia de Turim (1755) e mais tarde lecionou na Escola Normal (em conjunto com Laplace) e na referida Escola Politécnica de Paris (1795). Legendre, que também lecionou na Escola Normal, Laplace e Monge (que começou a sua atividade docente em Mézières, onde as suas lições sobre fortificações o obrigaram a desenvolver a geometria descritiva) lecionaram igualmente na Escola Politécnica. Monge foi diretor desta escola e líder científico do grupo de matemáticos e Carnot era capitão de engenharia.
Segundo Struik (1999), o ensino militar exigia uma nova geração de manuais que tivessem diretamente a ver com o ensino que era efetivamente praticado. Por este motivo, em finais do século XVIII, os tratados eruditos do tempo de Euler passaram a ser completados por manuais escolares. Os professores eram pressionados a elaborar estas publicações. Esta exigência fazia parte, por vezes, do próprio contrato e alguns dos melhores livros de texto deste período foram preparados para a lecionação na Escola Politécnica ou em instituições semelhantes.
Refletindo esta mentalidade, a obra Essai Philosophique sur les Probabilités de Laplace (1895) constitui um exemplo clássico de elaboração de uma publicação para estudantes. O próprio autor o refere na introdução:
“Cet essai philosophique est le développement d’une leçon sur les probabilités, que je donnai en 1795, aux écoles normales où je fus appelé comme professeur de Mathématiques avec Lagrange, par un décret de la Convention nationale” (p. 1).
Outros livros foram publicados, por exemplo, o livro Géométrie Descriptive, de Monge (1827), que espelha a conceção geométrica do autor. Éléments de Géométrie avec des notes (Legendre) aparece em 1794, ano do Terror, e tem vinte edições em vida do autor. Tornou-se um clássico por aliar o rigor e a clareza e foi elaborado com base nos Elementos de Euclides. Converteu-se num especial modelo para as escolas americanas (Boyer, 1999).
Valente (1999), referindo-se aos trabalhos de Sylvestre-François Lacroix (1765-1843), afirma que as geometrias pós-Legendre, mesmo escritas num plano diferente do de Euclides, procuram um caminho de maior rigor. Como exemplo desses trabalhos de Lacroix, citam-se as obras: Éléments de Géométrie a l’usage de l’École Centrale des Quatre Nations (1802), Éléments de Algèbre a l’usage de l’École Centrale des Quatre Nations (1803), Traité élémentaire de calcul différenciel et de calcul intégral (1802), Traité élémentaire de trigonométrie rectiligne et sphérique et d’application de l’algebre a la géométrie (1800).
3.3.3. Traduções de livros de texto elaboradas por docentes
Encontram-se exemplares de todas estas obras na Biblioteca da Academia Militar, em Lisboa. Este movimento terá exercido a sua influência na formação da Escola do Exército (1837). As obras mais antigas estão escritas em francês, antecedendo cronologicamente as traduções.
A tradução mais antiga das obras de Lacroix encontrada na Biblioteca da Academia Militar, em Lisboa, foi publicada no Brasil, na cidade do Rio de Janeiro, em 1812, no âmbito da Academia Real Militar. Trata-se do Tratado elementar da applicação da algebra à geometria, de Lacroix, traduzido por José Victorino dos Santos e Sousa (datado de 1812, cota 1440 – 161 – b, da Biblioteca da Academia Militar), capitão graduado do Real Corpo dos Engenheiros, lente da Real Academia Militar e inclui conteúdos extraídos da obra: Traité élémentaire de trigonométrie rectiligne et sphérique et d’àpplication de l’algèbre a la géométrie, acrescido de um apêndice traduzido pelo mesmo autor dedicado aos alunos que não tinham estudado ainda as obras do mesmo autor, denominadas Éléments de Géométrie e Éléments de Géométrie Descriptive. Existe igualmente um exemplar desta obra na Biblioteca Central da Marinha (Cota 2B4-12).
O primeiro ano da Real Academia Militar, segundo Motta (1998), era considerado uma espécie de “curso preparatório” (p. 23), sendo constituído pelas cadeiras de Aritmética, Álgebra, Geometria, Trigonometria e Desenho. Segundo este autor, a Carta Régia de 4 de Dezembro de 1810, “cita autores que seriam as bases ou fontes desses compêndios” (p. 24). Quanto ao primeiro ano, o lente deveria organizar as suas lições baseado na Aritmética e na Álgebra de Lacroix e na Geometria e Trigonometria de Legendre. Poder-se-á pois conjeturar a utilização do livro anterior como “curso preparatório” para a Escola do Exército, uma vez, que há data da sua fundação e nas organizações curriculares posteriores, não consta já este conjunto de cadeiras. No quadro 1 são mencionadas outras traduções de Legendre e de Lacroix elaboradas na mesma época para utilização na Academia Real Militar.
Quadro 1 – Traduções elaboradas no período 1809-1815.
Autor | Tradutor | Título | Ano |
Lacroix | Silva Torres | Tratado Elementar de Arithmetica | 1810 |
Lacroix | Silva Torres | Elementos de Algebra | 1811 |
Lacroix | José Vitorino dos Santos e Sousa | Tratado elementar da applicação da algebra à geometria | 1812 |
Lacroix | Silva Torres | Tratado Elementar de calculo differencial e de calculo integral | 1812 |
Legendre | Manuel Ferreira de Guimarães | Elementos de Geometria | 1809 |
Legendre | Manuel Ferreira de Guimarães | Elementos de Geometria | 1812 |
Legendre | Manuel Ferreira de Guimarães | Elementos de Geometria | 1815 |
Fonte: Adaptado de Lacroix (1810), (1811) e (1812); Legendre (1809), (1812) e (1815)
3.3.4. A Matemática e a Primeira Guerra Mundial
O contexto cultural exerceu uma influência decisiva no desenvolvimento da Matemática. Os problemas vividos nos campos de batalha, mormente os relacionados com o tiro de armas, motivaram o desenvolvimento da Matemática e da Estatística. Em termos didáticos, tal facto motivou uma nova geração de manuais, resultante de uma reflexão assente na prática dos conflitos e dos problemas com eles relacionados. Findas as hostilidades, o regresso à normalidade permitiu reunir, organizar, revelar e divulgar o novo conhecimento, entretanto, surgido. Essa reflexão e compilação deram origem a novos manuais trazendo à luz novos conhecimentos, novos métodos de exposição, já completamente libertos da influência dos Elementos de Euclides, apenas se mantendo a preocupação pelo rigor, a clareza de exposição, o encadeamento lógico e o aspeto didático.
Após a I Guerra Mundial, as principais obras não surgem já assinadas pelos “Matemáticos ditos influentes” (estes aparecem apenas como prefaciadores, orientadores e organizadores), mas por militares que estiveram na guerra e viveram de perto as situações ou por académicos que estiveram em contacto com eles. Por essa razão, os exemplos dados não são meramente didáticos, embora essa preocupação esteja sempre presente, como se pode constatar nas obras La probabilité dans les Tirs de Guerre (1919), de Jean Aubert, de 1919, com prefácio de M. M. d’Ocane, professor da Escola Politécnica, Applications au Tir (1926), de J. Haag, integrando o tomo IV, denominado Applications Diverses et Conclusion, da obra de Émile Borel, Traité du Calcul, dês Probabilités et de ses Applications, em que colaboraram igualmente matemáticos como L. Blaringhen, C. V.L. Charlier; L Deltheil, P. Dubreil, M Fréchet, H. Galbrun, F. Perrin e P. Traynard.
Sobre este tema aconselha-se a leitura do artigo [Papança, F. 2017]. Consequências da 1ª Guerra Mundial na elaboração dos livros de Probabilidade (Revista Militar. II Século-69º Volume-n.º 10, n.º 2589-Outubro de 2017. pp. 845-854).
3.3.5. Livros de texto elaborados por docentes
A elaboração de manuais didáticos pelos docentes foi consagrada no estatuto da Academia Real Militar, datado de 4 de Dezembro de 1810, estabelecimento que antecedeu a Escola do Exército. Alguns professores elaboraram apontamentos que serviam de base à lecionação das cadeiras, ajudando-os a sistematizar a matéria e servindo de guia para o aluno, orientando-o no seu estudo e evitando uma excessiva dispersão e estabelecendo uma ponte entre a sistematização e o aprofundamento, entre a teoria e a prática. Numa fase posterior (1892), os docentes passaram a ser mesmo obrigados a apresentar as suas lições ao Conselho de Instrução.
No Anexo 6 da minha Tese de Doutoramento A Matemática, a Estatística e o Ensino nos Estabelecimentos de Formação de Oficiais do Exército Português no Período 1837-1926: Uma Caracterização, é apresentada uma lista de 41 manuais escolares elaborados por docentes da Escola ou no âmbito de cadeiras da Escola encontrados na Biblioteca da Academia Militar – Lisboa, analisando-se seguidamente alguns, abordando conteúdos e abrangendo diversas áreas da Matemática. Quanto ao critério de escolha, em primeiro lugar, procuram-se os textos que tivessem uma relação mais direta com a Matemática. Em segundo lugar, este critério teve em conta as três fases da vida instituição, referidas no segundo capítulo: Escola do Exército (1837-1911), Escola de Guerra (1911-1919) e Escola Militar (1919-1926). Em terceiro lugar, procurou-se atender à evolução curricular desse mesmo ensino. O quadro 2, indica todos os manuais analisados.
Quadro 2 – Manuais escolares analisados.
Texto/autores | Data | Cadeira / Número | Conteúdos relacionados com a Matemática |
Noções de geometria analytica. Princípios de mechanica | 1880 | Balística e suas aplicações ao tiro das bocas de fogo 2.ª Cadeira (2ª parte) | Geometria Analítica |
Noções de Astronomia | 1905 | Geodesia – Topografia 11.ª Cadeira | Trigonometria Astronomia |
Introducção ao estudo dos effeitos dos projecteis – Probabilidade do Tiro | 1909 | Balística e suas aplicações ao tiro das bocas de fogo 6.ª Cadeira | Probabilidades |
Fortificação Passageira | 1915 | Fortificação passageira. Trabalhos de estacionamento. Comunicações militares. Serviços de engenharia em campanha. 6.ª Cadeira | Topografia |
Elementos de Balística | 1925 | Balística 6.ª Cadeira | Modelos de Balística |
Fonte: Adaptado de Escola do Exército (1880), Almeida, A. (1905), Gonçalves, J., Escola de Guerra (1915) e Sena, C. (1925).
Nas oficinas gráficas executavam-se os trabalhos litográficos e tipográficos para a publicação das lições dos professores. A litografia possuía duas prensas e a tipografia duas máquina de impressão, além de uma guilhotina acionada por eletricidade (Sena, 1922).
3.3.5.1. Noções de geometria analytica. Princípios de mecânica (1880-1881)
A publicação intitulada Noções de geometria analytica. Princípios de mechanica (figura 1), com 80 páginas, possivelmente, litografadas, dimensões 26x19,5 cm (cota 9.074 – J – 3), constituía um texto de apoio para o ano letivo 1880-1881. O objetivo de organizar e sistematizar a matéria terá servido de base à elaboração do texto da 2.ª cadeira (2.ª parte) da Escola do Exército, denominada Balística e suas aplicações ao tiro das bocas de fogo. Não existe indicação de autoria, mas nesse ano letivo o docente responsável era José Joaquim de Castro que a lecionou entre 1863 e 1891.
Figura 1 – Folha de rosto de Noções de geometria analytica. Princípios de mechanica (1880-1881).
Na introdução define em que consiste a balística, através da sua etimologia, palavra derivada da grega baller que significa arremessar, afirmando que esta constitui um dos ramos mais importantes da física matemática, devido à dificuldade de resolução rigorosa dos seus problemas e à impreterível necessidade de aplicação de suas análises à ciência da guerra.
Em seguida, menciona os dois elementos essenciais para realizar o tiro: a pólvora e a arma de fogo. Descrevendo o segundo, afirma que as dimensões e a forma das armas de fogo dependem das dimensões dos projéteis e dos efeitos que se desejam obter. As armas são classificadas em portáteis e pesadas, enunciando-se as principais características de cada uma delas.
Descreve as principais características da balística interior e exterior, insistindo na necessidade de dar algumas noções gerais de geometria analítica, sem as quais os alunos de cavalaria e infantaria não se considerariam convenientemente habilitados para superar, com consistência, o estudo da balística e suas aplicações.
Define geometria analítica como “a parte das sciencias mathematicas que nos ensina a fazer uso e a empregar a álgebra nas investigações geométricas” (p. 1), e descreve o género de problemas que a caracteriza: dada a expressão analítica fazer a construção geométrica ou vice-versa. Afirma que para incógnitas se escolhem as últimas letras do alfabeto e para parâmetros as primeiras e que as posições relativas dos pontos, linhas e superfícies são determinados pelas distâncias conhecidas. Descreve que para definir analiticamente a posição das linhas e pontos, temos que atender diferentemente à sua existência num plano ou no espaço. Aborda os temas diretamente relacionados com a geometria analítica como: a determinação de um ponto num plano e no espaço, equações da reta, da circunferência (mencionada como círculo) da elipse, da hipérbole, da parábola.
Passa, então, à abordagem dos princípios da mecânica encarada como a ciência que tem por objeto as forças e o movimento, afirmando que ela se divide em cinemática e dinâmica. Define movimento como sendo a mudança sucessiva e contínua de posição no espaço, explica que o movimento se divide em absoluto ou relativo, que o primeiro se refere ao movimento de um corpo em relação a um ponto ou corpo fixo, o segundo em relação a pontos ou corpos móveis. Quanto ao repouso, define-o como a privação do movimento. Prossegue abordando os temas relacionados com o movimento: movimento retilíneo, velocidade, movimento uniforme, aceleração, movimento uniformemente acelerado, inércia, força, potência, resistência.
Reação é vista como a força igual e contrária à ação que um ponto material exerce sobre o outro afirmando que este princípio descoberto por Newton é admitido axiomaticamente na mecânica, aproveitando para introduzir exemplos relacionados com os gases da pólvora. Prossegue, definindo resultante, como a força que pode substituir o efeito das outras, forças angulares, introduz a regra do paralelogramo, forças paralelas, movimento de uma força em relação a um ponto e enumera as diversas situações em que estas forças podem atuar.
Introduz o conceito de gravidade, definindo-o como a força que atrai os corpos para o centro da terra. A molécula de um corpo é descrita como sendo a mais pequena partícula a que se atribui uma existência isolada. O peso de um corpo é encarado como a resultante das ações da gravidade sobre as suas moléculas, o centro de gravidade do corpo como o ponto de aplicação da resultante.
O conceito de densidade é definido como a quantidade de massa contida na unidade do volume, densidade relativa como a relação entre massas de volumes iguais de dois corpos diferentes. Explica como se determina e relacionando-o com a gravidade, apresentando as fórmulas. Seguidamente, aplica este conceito ao estudo da queda dos corpos, abordando o efeito da resistência do ar e a sua relação com a balística. Refere que, dos aparelhos, inventados pelos físicos, para determinar a ação da gravidade é o pêndulo que a avalia com mais rigor, descreve a sua utilização e refere a fórmula que relaciona o tempo com o comprimento do pêndulo. Descreve a variação da gravidade ao longo da Terra, sendo maior nos polos e menor no equador e efetua a respetiva explicação. Compara o efeito da gravidade com o de outras forças.
Introduz o conceito de trabalho mecânico, definindo-o como produto da intensidade pelo caminho percorrido pelo seu ponto de aplicação. A unidade de trabalho como sendo o Quilogrâmetro, ou seja, a quantidade de trabalho necessária para levantar um quilograma a um metro de altura. A unidade de trabalho nas máquinas a vapor – o cavalo-vapor –, como sendo o trabalho necessário para levantar 45 Kg a um metro de altura num segmento de tempo.
Descreve as características principais das forças de atração e repulsão, define tenacidade, coesão, elasticidade que, posteriormente, relaciona com a gravidade, força viva como sendo a denominação adotada por alguns autores, como o produto da massa de um corpo pelo quadrado da velocidade que o anima em seu movimento, intensidade da força – produto das massas pelas acelerações. Estabelece uma ponte entre estes conceitos e de choque, definido como o encontro brusco dos corpos em movimento, dando como exemplo o choque de duas esferas elásticas. Fala ainda dos movimentos de rotação e translação e do atrito, definido como a resistência que um corpo encontra movendo-se sobre outro e termina com a errata, apresentada sob a forma de uma tabela.
3.3.5.2. Noções de Astronomia (1905-1906)
António Artur da Costa Mendes de Almeida, Major engenheiro, Lente adjunto 1894-1900, lente da 11.ª cadeira da Escola do Exército, Geodesia – Topografia, desde 1900 até 1911, elabora um texto intitulado Noções de Astronomia, para o ano de 1905-1906, 215 páginas, dimensões 27x19,5 cm (cota 14.050 – J – 5), possivelmente litografadas (figura 2).
Figura 2 – Folha de rosto de Noções de astronomia, de António Arthur Mendes de Almeida (1905-1906).
Na introdução, define astronomia como a ciência que trata dos corpos celestes, descreve as principais características da Terra, suas propriedades físicas e o seu movimento, passando depois à descrição daquilo que observamos no céu, em primeiro lugar, o sistema solar, em segundo lugar, os cometas e meteoros, em terceiro lugar, as estrelas e, finalmente, as nebulosas. Em seguida, efetua uma dissertação sobre as diversas divisões da astronomia (descritiva, esférica, prática, teórica, mecânica celeste, astrofísica), da sua história e do meio ambiente que a rodeia. Evidencia o seu lugar entre as outras ciências, a sua antiguidade, a sua relação com os povos, sendo então caracterizada como a mais desinteressada das ciências, porque se cultiva pouco por interesse material, a sua utilidade e o lugar que representa na educação, abrindo horizontes e corrigindo uma formação meramente literária.
No primeiro capítulo, descreve o nosso sistema solar como um arquipélago no espaço, rodeado por um imenso vácuo apenas habitado por meteoros e cometas, salientando as perturbações de Urano e Neptuno, passando de seguida às estrelas, a começar pela mais próxima, afirmando que são corpos da mesma natureza que o Sol, sendo tal facto demonstrado pelo seu espectro, descrevendo a sua composição e as suas características. Aborda o número de estrelas vistas a olho nu, com auxílio de pequenos ou grandes aparelhos, das constelações e da origem dos seus nomes, do seu lugar na constelação, da publicação (em 1603) do mapa das estrelas, por Bayer, e do seu método de designação e classificação segundo o brilho, do seu número no catálogo, quando se trata de estrelas telescópicas. Descreve os principais catálogos: o de Hipparcho da Biththynia, publicado de novo por Ptolomeu, o de Hugh Beigh, o de Tycho Brache, os de Pulkova e de Greenwich. Comenta de seguida a determinação do lugar das estrelas por meio de catálogos, a observação e estudo das estrelas nos catálogos e o cálculo das posições médias aparentes das estrelas. Passa, então, às cartas das estrelas, na sua opinião mais úteis do que os catálogos, da sua elaboração com o auxílio da fotografia, com a vantagem adicional de tirar partido de uma exposição suficientemente longa, da obtenção de imagens suficientemente nítidas que a vista é incapaz de descobrir com a utilização dos melhores telescópios. De seguida, continua a falar do movimento dos astros, passando então aos planetas, corpos que receberam essa denominação dos gregos que significa errantes, seguem-se os cometas, falando ainda das nebulosas, das estrelas cadentes e da luz das estrelas. A terminar o capítulo, após umas breves considerações metodológicas, descreve a esfera celeste e as suas características, aborda ainda o movimento diurno e o movimento anual aparente do Sol e, a fechar, fala da elíptica, do Zodíaco e seus signos.
O capítulo segundo é dedicado à redução dos dados de observação e ao seu cálculo, efetuando uma descrição dos diversos sistemas de coordenadas: sistema dependente da direção da gravidade do ponto onde estaciona o observador, sistemas dependentes da direção do eixo de rotação da terra, sistema determinado pelo plano da órbita da terra. Introduz noções como as de círculos primários – equador, horizonte e elíptica (círculo máximo do céu), e de círculos secundários – círculos verticais, círculos horários e círculos de latitude. Explica como através do cálculo da direção da gravidade do ponto onde estaciona o observador, se pode determinar o zénite[2], o nadir[3], o horizonte e todos os outros círculos verticais, assim como através da direção do eixo da Terra, que é independente do lugar do observador se determina o polo (de rotação), o equador, paralelos de declinação e círculos horários. Passa então à determinação de diferentes espécies de dias e de horas, definindo dia sideral como o intervalo de tempo entre duas passagens sucessivas do equinócio vernal pelo mesmo meridiano, dia solar verdadeiro como o intervalo de tempo entre duas passagens sucessivas do Sol no mesmo meridiano, dia solar médio como o intervalo de tempo entre duas passagens sucessivas de Sol médio pelo mesmo meridiano. A finalizar o capítulo, o autor aborda, dando exemplos, os problemas da conversão do tempo e transformação de coordenadas, problemas em que intervêm as fórmulas trigonométricas da soma e da diferença de ângulos, de duplicação, de bissecção e de transformação logarítmica.
O capítulo terceiro trata do tema das correções a aplicar aos dados de observação, explicando que as direções observadas de todos os corpos do sistema solar são consideravelmente diferentes para observadores em diversos lugares do centro da terra. Segundo o autor, estas diferenças devem ser notadas para que se possam comparar, o que se realiza reduzindo todas as observações ao centro da terra, às quais se referem os dados das efemérides. Tendo como base este conceito, são colocados então os seguintes problemas: dada a latitude geográfica de um ponto à superfície da terra, determinar a latitude geocêntrica correspondente, assim como achar o raio da terra para uma latitude dada (problemas em que, na sua resolução, a trigonometria desempenha um papel chave).
Introduz o conceito de lugar geométrico ou verdadeiro de uma estrela como sendo aquele em que seria vista por um observador colocado no centro da terra. O lugar aparente ou observado é o que o observador veria da superfície da Terra. A paralaxe de uma estrela é referida como sendo a diferença entre os seus lugares verdadeiro e aparente ou como o ângulo da estrela subentendido pelo raio da Terra dirigido ao ponto de observação, sendo colocados então os seguintes problemas: achar a paralaxe horizontal equatorial de um corpo; determinar a paralaxe em distância zenital supondo a Terra esférica; dada a distância zenital verdadeira e o azimute[4] de uma estrela, pede-se a sua distância zenital aparente e o azimute, considerando a Terra um esferoide; dada a distância zenital aparente e o azimute, de um corpo, pede-se a sua distância zenital verdadeira e o azimute, considerando a Terra como um esferoide.
O tema que se segue é a refração, referindo o autor que na óptica se demonstra que quando um raio de luz passa obliquamente de um meio transparente para outro de maior densidade, é refratado da sua direção primitiva, em virtude das leis seguintes: o raio incidente, normal à superfície que separa os dois meios no ponto de incidência, e o raio refratado que se mantém no mesmo plano; os senos dos ângulos de incidência e refração são inversos dos índices de refração dos dois meios. São apresentadas as tábuas de refração de Pulkova e exemplos de aplicação dessas mesmas tábuas. De seguida, é apresentada a refração em ascensão reta e em declinação explicitando que a variação em distância zenital devida à refração produz as mudanças correspondentes na ascensão reta e declinação, introduzindo a sua forma de cálculo e dando exemplos, apresentando de seguida as tabelas referentes. Refere a depressão do horizonte, mencionando que as altitudes dos objetos celestes são medidas, no mar, a partir do horizonte visual do mesmo mar, que está abaixo do horizonte verdadeiro duma grandeza dependente da altura da vista do observador acima da superfície do mar, apresentando a sua fórmula de cálculo. Fala do semidiâmetro, apresentando a forma de calcular o semidiâmetro aparente da lua e a determinação da contração de um semidiâmetro do sol ou da lua produzida pela refração.
De seguida, aborda o efeito da aberração diurna, explicando que as direções observadas de uma estrela diferem das suas direções verdadeiras, em virtude do movimento do observador no espaço, que, sendo a relação da velocidade da luz para a velocidade do observador finita, um telescópio muda sensivelmente de posição enquanto um raio de luz está passando da objetiva para a secular. Apresenta exemplos de como determinar a aberração diurna em ângulo horário e declinação, de como determinar a aberração diurna em azimute e altitude, terminando o capítulo com a explicitação das correções exigidas pelo movimento aparente das estrelas, supondo o observador no centro da Terra.
O capítulo quarto é dedicado à descrição de diversos instrumentos (óculos, telescópios refratores e refletores, microscópio, nível, pêndulo, cronómetro, cronógrafo, nadir, micrómetro, teodolito, sextante) e às questões com eles relacionadas, desde o seu funcionamento aos diversos formatos e modelos. A parte final é dedicada à retificação e uso dos instrumentos, terminando com a descrição dos erros (erro de azimute, erro de nível, erro de colimação e sua determinação).
A segunda parte é dedicada à astronomia prática, no capítulo primeiro são enunciados alguns problemas práticos de aplicação das noções enunciadas na primeira parte e que, segundo o autor, se encontram em quase todas as investigações respeitantes a corpos celestes, incluindo a Terra. Como exemplo, refere a determinação da latitude geográfica, determinação do tempo, da longitude, do lugar de um navio, do azimute, do tempo do nascimento ou do ocaso aparente. Para cada um deles são referidos diversos métodos, terminando o capítulo com uma referência feita aos eclipses, sendo incluída uma referência especial aos da Lua. O segundo capítulo é dedicado aos problemas que são objeto de investigação pela astronomia prática: determinação da posição de um corpo celeste, pelo círculo meridiano e pelo equatorial; catálogos de estrelas, incluindo a determinação das estrelas pelos catálogos; posições médias e aparentes das estrelas, cartas de estrelas e fotografias estrelares; translação solar e espectroscopia astronómica.
3.3.5.3 Introducção ao estudo dos effeitos dos projecteis (1909-1910)
O texto intitulado Introducção ao estudo dos effeitos dos projecteis – Probabilidade do Tiro, da autoria José Nunes Gonçalves, Major d’Artilharia é escrito para a 6.ª cadeira da Escola do Exército, “Balística e suas aplicações ao tiro das bocas de fogo”. Este exemplar possivelmente litografado (figura 3), 131 páginas, dimensões 27x21 cm (cota 15. 287 – J – 3), foi elaborado tendo em vista o ano lectivo 1909-1910. O referido docente esteve encarregado da lecionação da cadeira, entre 1894 e 1915, tendo surgido uma primeira versão para o ano letivo de 1894-1895 disponível na Biblioteca da Academia Militar – Lisboa e na Biblioteca Nacional. Tendo como base o programa da cadeira, publicado no anuário de 1898-1899, esta publicação corresponde ao primeiro ponto (alíneas A, B, C, D, E) da secção cinco, denominada “Effeitos dos projecteis, parte integrante da segunda parte dedicada à Balística Externa”, sendo as denominações da matéria coincidentes com estes pontos apresentados no referido programa.
O texto começa com uma secção denominada “Considerações gerais”, que constitui uma reflexão sobre o modo como atuam os projéteis das diversas armas. Segundo o autor, estes atuam pela força moral e pela força destruidora devido à energia da carga de tiro. Abstraindo-nos dos efeitos morais, de grande importância para a tática, a ação física sobre um alvo dependerá essencialmente da natureza do alvo, da energia dinâmica do projétil, da carga interior e do modo de fragmentação[5], da posição do ponto médio (de explosão ou queda) relativamente ao ponto ideal correspondente ao máximo efeito teórico, dos processos de observação e regulação do tiro, do número de tiros aproveitados, isto é, da justeza, da rapidez ou da velocidade do fogo e do modo como se consegue distribuir pela superfície vulnerável do alvo, a soma das energias produzidas em uma série de tiros, isto é, dos mecanismos de carregamento e pontaria e da tática propriamente dita dos fogos da arma que se fizer uso.
Figura 3 – Folha de rosto de Introducção ao estudo dos effeitos dos projecteis, de José Nunes Gonçalves (1909-1910).
No parágrafo seguinte explícita melhor os efeitos dos projéteis que em particular mais interessam estudar. Estes dependerão, numa primeira linha, das leis da balística interna, segundo as quais se regula a produção da energia, das leis da balística externa, que fixa o modo de a conservar e transmitir a uma dada região aleatória, do sistema de construção das armas de fogo e aparelhos acessórios que caracterizam a estabilidade das peças, da rapidez e precisão das pontarias, da construção e fabrico dos projeteis, das leis da tática sob o ponto de vista restrito, das suas relações com os fogos e as formações dos campos de batalha, do sistema de defesa das posições e consequentemente da fortificação.
De entre estes, propõe-se estudar as leis da dispersão, indispensáveis à introdução dos efeitos dos projéteis em geral e em particular à teoria da regulação do tiro, uma vez que os outros temas já foram abordados em outras cadeiras, especialmente em balística.
No primeiro capítulo é abordado, de uma forma geral, o tema da dispersão e as suas causas a partir da denominada trajetória normal definida em condições idênticas de pontaria, velocidade inicial, peso, forma do projétil, entre outros fatores. Alerta para o papel da experiência no estudo das trajetórias adiantando que, na prática, a identidade absoluta está longe de se verificar, sendo as causas de dispersão normalmente em maior número do que as previstas. Define feixe (ou cone) de dispersão, como a dispersão das trajetórias que partindo do mesmo ponto divergem mais ou menos no espaço, e causas de dispersão, como sendo a maior diferença entre os elementos reais e os elementos normais do tiro.
Define dispersão “Interceptando por um plano a qualquer distância da origem, o feixe de dispersão, resultará uma série de pontos, mais ou menos condensados, conforme a grande divergência do feixe a que correspondem a dispersão d’estes pontos dá-se o nome de dispersão, e ao seu conjunto o de grupamento ou imagem do grupamento dos pontos de empate” (p. 5).
Quanto às causas da dispersão sublinha que elas constituem fundamentalmente as causas de erro que lhe são particulares, havendo apenas diferenças quantitativas e de modo algum diferenças qualitativas. Será fácil assentar que as indicações fornecidas pelo tiro são influenciadas pelos mesmos grupos de causas nos tratados especiais designados para todos os aparelhos de precisão e nelas se incluem as causas permanentes ou constantes, causas de erro acidentais, causas regulares que variam de tiro para tiro, podendo ser consideradas constantes no mesmo tiro, e finalmente pelas causas que atuam como constantes ou como acidentais segundo as circunstâncias.
De entre as causas de erro permanentes haverá que destacar as seguintes: posição defeituosa da linha de mira e do plano do quadrante, ângulo de levantamento ou de desvio inicial, má construção da arma, influências exteriores, rotação diurna do globo, aceleração da gravidade.
Quanto às causas de erro acidentais, elas são variadas e residem, em parte, na arma e nas suas munições e, em parte, na guarnição e serviço de pontarias e, em parte, nas circunstâncias do meio ambiente. Relativamente às causas regulares, podemos incluir neste grupo todas as causas que atuando num determinado sentido, para cada tiro, apresentam um valor particular: o recuo, o encrustamento, o aquecimento. Finalmente, as causas que atuam de um modo constante ou acidental conforme as circunstâncias. Deste grupo haverá que especificar, especialmente, o vento atuando de uma forma ou de outra conforme os intervalos.
No segundo capítulo efetua uma introdução ao tema da aplicação dos princípios do cálculo de probabilidades aplicáveis ao estudo da probabilidade do tiro. Começa por defender, pelo anteriormente exposto, que, no caso do tiro, a probabilidade de acertar num determinado alvo jamais dependerá de uma causa única, mas de um conjunto de circunstâncias definidas à priori e, portanto, insusceptveis de uma correção completa sem que possamos com fundamento racional decidir por qualquer uma delas. Uma causa terá uma expressão tanto maior, quanto maior for o número de possibilidades. Se as possibilidades forem classificadas por grupos, segundo o autor, “poder-se-ha logicamente apreciar o valor da força ou causa não tanto pelo número absoluto de possibilidades que lhe pertencem como pelo número relativo dessas possibilidades, isto é, pela relação entre o número de cada grupo e o número total de possibilidades imagináveis” (p. 29).
Enuncia as probabilidades que constituem cada causa como sendo casos favoráveis ao acontecimento quando determinam a sua realização e desfavoráveis quando se opõe a ela. O universo é entendido como “a totalidade das possibilidades dá-se o nome de totalidade dos casos elementares” (p. 29).
A definição de probabilidade é introduzida da seguinte forma e aplicada a acontecimentos isolados: “A probabilidade de um acontecimento isolado é dada pela relação entre o número de casos favoráveis ao acontecimento e a totalidade dos casos elementares suppostos todos egualmente possíveis” (p. 29). Como podemos constatar, a equiprobabilidade, condição necessária para que se possa aplicar a teoria laplaciana, está presente na definição, procurando o autor aclará-la e explorando o exemplo do dado. Aplicando o conceito acabado de enunciar ao tiro e citando novamente o autor:
“Em uma série de tiros, feitos quanto possível em identidade de condições, o número de casos elementares será o número de tiros disparados; dos casos favoráveis será o dos empates sobre o alvo” (p. 31).
Define a probabilidade da reunião de acontecimentos, definindo de seguida a probabilidade do produto. A probabilidade modificada é a designação que utiliza para definir probabilidade condicionada “a probabilidade de que dois acontecimentos A1 e A2 se realisem simultaneamente é igual ao produto da probabilidade primitiva de um pela probabilidade modificada do outro” (p. 33). De realçar a forma como é descrito o conceito de probabilidade associada a acontecimentos independentes:
“A probabilidade de que se realisem simultaneamente os acontecimentos independentes A1….An, é igual ao producto das probabilidades que cada um tenha de se realisar individualmente, isto é, se fosse isolado” (p. 34).
Define acontecimentos mutuamente exclusivos partindo da noção de probabilidade condicional[6] “Diz-se que um accontecimento exclue outro quando, verificado o primeiro, o segundo é completamente impossível, quer simultaneamente quer seguidamente áquelle” (p. 35), passando ao enunciado da lei da probabilidade total “Quando fôr dada uma serie de accontecimentos A1, A2, …An, que se excluam, a probabilidade de que qualquer d’elles, indifferentemente, se realisa, é igual à somma das probabilidades individuaes de todos os factos da série” (p. 36), explorando o conceito através de um exemplo relacionado com o tiro.
Posteriormente, passa a enunciar a regra de Bayes que exemplifica com um exemplo relacionado com o tiro:
“Em uma bateria de 5 peças, duas têem a probabilidade 1/3 de darem tiros curtos e as 3 restantes a probabilidade 1/3 de atirarem comprido. Obtem-se um tiro curto e ignora-se a peça que o produziu. Qual a probabilidade de pertencer a uma peça do primeiro grupo?” (p. 39).
Trata de seguida da probabilidade em provas repetidas, referindo o teorema de Bernoulli e apresentando exemplos de aplicação ao tiro, terminando o capítulo com a introdução da fórmula de Stirling.
O capítulo terceiro é dedicado aos erros e desvios do tiro e índices de precisão, em que a curva normal é introduzida como uma lei teórica dos erros ou seja “a probabilidade de acertar dentro de uma faixa de largura 2a e de altura indefenida, suppondo essa faixa devidida ao meio pelo ponto médio, ou por outros termos, de acertar em duas faixas contíguas, symetricas ao ponto médio, de largura a, cada uma e de altura indefinida” (p. 56). É reproduzido um extrato da tabela que se encontra no Traité de calcul des probabilités, de Bertrand (1890). Introduz o conceito de desvio médio quadrático, sendo-lhe associadas probabilidades e introduzidas tabelas de factores de probabilidade partindo do desvio médio quadrático.
O capítulo quarto é dedicado ao ponto médio de um grupamento composto. É analisada a exatidão das médias e dos valores de precisão, definido o conceito de média ponderada, relacionando-o com o conceito de probabilidade “O valor mais provável[7] de uma grandeza x, para o qual observações de differente precisão deram os valores a1…ai …an, obtem-se formando a soma dos produtos de cada medida ai, pelo seu respectivo peso, e dividindo-a pela somma dos pesos de todas as observações.” (pp. 76-77), assim como o de índice de precisão ”O indice de precisão de uma media x obtem-se multiplicando o índice de observação, que se tomou por unidade, pela raiz quadrada da somma dos pesos individuaes de todas as observações, ou ainda extraindo a raiz quadrada à somma dos quadrados dos diversos índices individuaes de precisão” (p. 80), acerca do qual são descritas as suas propriedades, estabelecendo-se uma ponte com o exposto no capítulo anterior.
Por fim, no capítulo quinto, é abordado o tema da distribuição dos empates em torno do ponto médio. Variando a inclinação dos eixos variará necessariamente a expressão numérica dos desvios individuais, sendo demonstrado que os desvios, devido a um conjunto de causas, são iguais à raiz quadrada da soma dos quadrados dos desvios devidos a cada causa quando actuar isoladamente. A probabilidade é apresentada em termos de volume – distribuição dos pontos de explosão ao longo do espaço, e de superfície sendo introduzido o cálculo da probabilidade de acertar num alvo limitado por uma elipse de igual probabilidade, assim como o cálculo da probabilidade de acertar num alvo circular, quadrangular, retangular ou de um alvo indefinido segundo as suas dimensões, supondo o tiro não centralizado. Termina, analisando o efeito da perda inevitável da percentagem no tiro e apresentada a forma de calcular a soma das cotas dos pontos de empate em relação a uma linha fixada previamente, sendo apresentadas tabelas.
3.3.5.4 Fortificação Passageira (1915-1916)
Este manual da Escola de Guerra intitulado, Apontamentos de Fortificação Passageira, 459 páginas, possivelmente litografadas, seguidas de um apêndice e dimensões 27x 20,5 cm aprox. (cota 16.776 – 89 – b) (figura 4), é escrito com o objetivo de servir de base ao estudo de matérias relacionadas com a 6.ª cadeira (organização de 1913), denominada “Fortificação passageira. Trabalhos de estacionamento. Comunicações militares. Serviços de engenharia em campanha”, para o ano letivo de 1915-1916. Não contem indicação do autor, mas nesse ano o docente era Manuel Gonçalves Castro, nomeado em 1913.
O primeiro capítulo começa por descrever a influência do terreno na guerra, definindo-se fortificação como sendo a modificação ou preparação do terreno para o conflito. Aborda a temática da fortificação como arma, passando de seguida a descrever os seus diversos ramos: fortificação natural, fortificação permanente e fortificação de campanha, salientando o âmbito em que cada uma delas se aplica. Enuncia as diversas divisões da fortificação: orgânica, tática e logística, caracterizando sucessivamente as subdivisões da fortificação de campanha e mencionando a sua utilidade, vantagens e inconvenientes. Seguidamente, aborda a temática dos entrincheiramentos, referindo os elementos que influem na sua disposição. Na parte final do capítulo são estudadas as formas clássicas de representação gráfica das obras de fortificação, como a planta, os perfis e os cortes, incluindo as suas nomenclaturas.
Figura 4 – Folha de rosto de Apontamentos de Fortificação Passageira (1915-1916).
O segundo capítulo é dedicado aos meios de ataque e defesa, afirmando-se, logo nos preliminares, que o objetivo de toda a operação militar é apoderar-se das posições do defensor, sendo feita uma abordagem sobre a ação dos fogos em geral, analisando-se o seu efeito, a distância e a espécie de projétil a utilizar.
No capítulo terceiro estudam-se os perfis em terreno horizontal, os diversos tipos de parapeito, a sua espessura e a forma de a medir. Os planos de fogo são igualmente objeto de abordagem, descrevendo-se os meios especiais de proteção para os atiradores.
No capítulo quarto continua o desenvolvimento da temática do perfil em terreno horizontal, mormente do perfil interior, o seu estado em geral, assim como as suas disposições para a infantaria. Quanto a este, são igualmente analisadas a altura, a inclinação, o revestimento, as disposições para facilitar o acesso ao plano de fogo e a instalação banqueta. Na abertura de trincheiras são mencionados os seguintes aspetos: dimensão, forma e disposições do perfil para obter duas ordens de fogos.
O ponto seguinte respeita à influência da direção dos fogos na disposição do perfil, questionando-se sobre qual a inclinação da trajetória que se deverá considerar. Neste contexto, a determinação das dimensões do perfil na parte ocupada pela infantaria ocupa um lugar de relevo, sendo então enunciados diversos problemas com ela relacionados: dado o parapeito, achar as dimensões da trincheira; dadas as dimensões da trincheira, determinar as dimensões do parapeito. Como exemplo, apresentam-se cortes do perfil de trincheira propostos pelo engenheiro italiano Innacamel e também do desenfiamento do perfil interior da parte ocupada pela artilharia, estudando-se igualmente a disposição desta contra os fogos de enfiada.
Definem-se travezes, como massas cobridoras, paralelamente à ação média dos fogos, efetuando-se de seguida uma abordagem do desenho do perfil do travez na parte ocupada pela infantaria, sua forma, dimensão e posição, assim como dos travezes móveis. Os fogos oblíquos e suas disposições, bem como o seu efeito são igualmente objeto de estudo, afirmando-se que são mais perigosos do que os diretos, havendo de cuidar dos meios de proteção da artilharia contra essa eventualidade, tais como o aumento da profundidade da trincheira interior, o aumento do relevo do parapeito e a construção de trincheiras normais aos tiros. Seguem-se as disposições para a proteção dos fogos de revés.
A divisão e construção de canhoeiras constituem o ponto seguinte, efetuando-se uma descrição dos seus diversos tipos e disposições: diretas e de espaldas planas, oblíquas e de espaldas planas, diretas e de espaldas empenadas, oblíquas e de espaldas empenadas e blindadas. Os barbetes[8] e os seus diversos tipos, assim como as plataformas, são igualmente objeto de atenção. Este extenso capítulo termina com uma abordagem aos diversos tipos de terreno envolvendo a construção de parapeitos, assim como os cálculos que envolvem a sua construção.
No quinto capítulo é desenvolvida a temática da organização geral de uma blindagem. Esta última é definida como sendo todo o teto ou cobertura, constituída com quaisquer materiais, destinada a abrigar tropas ou material dos fogos verticais ou curvos. Em seguida, efetua uma descrição dos diversos tipos de blindagem e sua aplicação aos diversos tipos de abrigos.
O capítulo sexto é dedicado ao traçado e aos seus diversos tipos: traçado poligonal e traçado angular. É apresentado um estudo dos elementos do traçado, concluindo que o traçado poligonal é o que melhor se aplica ao terreno, o que propicia fogos na melhor direção, o que representa menor trabalho de construção e mais facilmente fica a coberto dos fogos do inimigo. Efetua-se de seguida uma abordagem aos traçados clássicos, não esquecendo a questão das linhas.
No capítulo sétimo[9] trata da ação da fortificação sobre o terreno exterior, começando por explicitar a necessidade de bater o terreno exterior, descrevendo, de seguida, a forma como o relevo do terreno exerce a sua influência no traçado e no perfil dos entrincheiramentos. Seguidamente, são analisados os casos que há a considerar para cada tipo de terreno, a começar pelo terreno em plano inclinado, seguindo-se o terreno ondulado. Enunciam-se as disposições complementares para aumentar a ação dos fogos, começando pelo desembaçamento do campo de tiro e os meios de evitar os ricochetes.
O capítulo oitavo é dedicado ao tema das defesas acessórias, ou seja, dos diversos obstáculos adicionais que se podem colocar no terreno para dificultar a ação do inimigo, como as árvores, as redes de fio de ferro de diversos tipos, as estacadas, paliçadas, as frisas, as grades, as tábuas armadas, as inundações provocadas, as minas de campanha, os fossos, os muros, os parapeitos e as barricadas.
O capítulo nono trata da organização das obras de campanha, começando por analisar a situação de quando o inimigo dispõe de armamento moderno em termos de artilharia, discutindo essa situação sob o ponto de vista tático e, posteriormente, também na vertente técnica e na vertente moral. Quanto a este último aspeto realça o papel do reduto interior, discute os traçados lineares, curvilíneos e poligonais, abordando depois a questão da instalação da artilharia e das comunicações. Seguidamente, é objeto de análise o caso de quando o inimigo dispõe de mau armamento, citando-se o exemplo das guerras coloniais, com base nos mesmos parâmetros e categorias da situação anterior. A segunda parte do capítulo é dedicada à questão das obras abertas, tanto no caso da infantaria como da artilharia, onde se incluem exemplos de obras de fortificação de campanha. O primeiro tem a ver com a organização defensiva de uma povoação, terminando o capítulo com a análise das questões relacionadas com a organização da orla, como a preparação de caminhos, a divisão de um bosque em sectores e culminando o processo com a instalação da artilharia.
O capítulo décimo é dedicado às ferramentas e utensílios empregues na fortificação passageira sendo efetuada uma incursão histórica, mencionando a forma como Carlos V tirou partido das companhias de sapadores agregadas aos regimentos de basquents, e que eram acompanhadas de um pequeno parque de ferramentas, contrastando com a situação vivida na guerra separatista dos Estados Unidos, assim como pelas tropas russas em frente de Plevna. Para não sobrecarregar o soldado, defende que o equipamento seja leve e portátil, salientando a importância da utilização de pás de pequenas dimensões, como a Linnement Walace. São descritas as vantagens e inconvenientes do transporte no dorso e em viatura, assim como a organização de um pelotão de sapadores, aproveitando-se a ocasião para sensibilizar, quanto à utilização dos parques de ferramentas dos exércitos, para os trabalhos de maior importância ou desenvolvimento.
O papel da engenharia é realçado, assegurando que este corpo do exército em todo este processo, tem a seu cargo a execução das obras principais de fortificação, construção de blindagens, minas, reparação e destruição das vias-férreas, linhas telegráficas e pontes militares. Normalmente carece de um material mais completo, ferramentas variadas, sendo que por este motivo as forças desta arma são sempre acompanhadas de um parque composto de carros e cavalgaduras carregando-se no dorso, em número suficiente para o transporte, as ferramentas e utensílios precisos para a execução dos vários serviços que em campanha são confiados a esta arma, sendo análogo o tratamento dado à cavalaria. No final do capítulo é efetuada uma abordagem à questão das nomenclaturas e dos revestimentos.
O Apêndice sobre Fortificação Improvisada serve de complemento à publicação incidindo, sobretudo, na abertura de trincheiras, apresentando perfis (cortes) de entrincheiramentos improvisados, abrigos e elevações. As depressões, a abertura de trincheiras de comunicação a adaptação do terreno, as instalações acessórias (esgoto de águas, posto de socorro de feridos) e os entrincheiramentos improvisados são igualmente objeto de análise. A publicação termina com uma descrição sobe o modo de efetuar a instalação da artilharia, infantaria, comunicações, assim como do observatório.
3.3.5.5. Elementos de Balística (1925-1926)
O manual escrito para a 6.ª cadeira (organização de 1919), denominada “Balística”, da Escola Militar intitulado Elementos de Balística, é da autoria de Camilo Sena, tendo em vista o ano letivo 1925-1926. Trata-se de um exemplar litografado com 170 páginas e dimensões 26,5x 21 cm aprox. (cota 18.863 – 89 – a) (figura 5).
A primeira parte é dedicada essencialmente à Balística Interna, ciência que estuda o efeito do projétil no interior da arma. No primeiro capítulo, denominado Preliminares e leis relativas à inflamação e combustão da pólvora, na secção primeira, começa por definir Balística como sendo a ciência que estuda o movimento dos projéteis arremessados, principalmente, pelas armas de fogo. Desenvolve este tema falando das causas que produzem, anulam ou modificam o movimento do projétil e que estão na origem dos diversos ramos desta disciplina. Na segunda secção restringe-se à Balística Interna, analisa as suas relações com a termodinâmica, descreve as causas de imperfeição das armas de fogo consideradas como máquinas térmicas. A terceira secção é dedicada às pólvoras: pólvoras ordinárias, pólvoras coloidais. A quarta, à metamorfose química da carga das armas de fogo, a quinta, à inflamação descrevendo os processos de inflamação da pólvora sob pequenas pressões e elevadas pressões, e a sexta, à combustão. Na secção sete, descreve a influência da densidade da pólvora na velocidade de combustão, na oitava, a influência da pressão exterior na velocidade da combustão, e na nona, fala da combustão da pólvora sob pressões diferentes na atmosfera, analisando o efeito das pressões próximas da atmosfera e as pressões análogas às dos gazes da pólvora na ocasião do tiro.
Figura 5 – Folha de rosto de Elementos de Balística, de Camilo Sena (1925-1926).
O segundo capítulo é dedicado à Lei do desenvolvimento das pressões na alma das armas de fogo. Na secção dez, dedicada à curva das pressões sobre o fundo do projétil, fala da pressão no interior das armas de fogo que se mede por meio de manómetros registadores, assim como da velocidade de recuo das armas, a qual se mede pelo velocímetro. Na secção onze, denominada Área da curva das pressões; trabalho útil, o autor relembra que “o trabalho de uma força constante é igual ao produto da sua intensidade pela projecção sobre a sua direcção do caminho percorrido pelo respectivo ponto de aplicação” (p. 27). A secção doze é dedicada à Influencia da espessura e forma do grão sobre a lei do desenvolvimento das pressões, a secção treze à Influencia das condições de carregamento sobre a velocidade inicial e a sua pressão máxima, descrevendo as causas que influem sobre a velocidade inicial e a pressão máxima (o peso da carga, o peso do projétil, o calibre, as resistências passivas, o percurso do projétil da arma, a densidade de carregamento). Por fim, a secção catorze é dedicada às relações entre o movimento do projétil e o movimento da arma.
O terceiro capítulo é dedicado ao traçado das curvas das pressões e das velocidades – método de Heyderreich. Na secção quinze descreve os métodos que apelida de racionais, uma vez que partem diretamente das leis da termodinâmica. Estão nesta categoria os métodos de Nunes Gonçalves (seu antecessor como docente da cadeira de Balística), de Mata e de Bianchi. Os métodos semi-empíricos que, partindo destas leis, recorrem a funções numéricas obtidas através de resultados obtidos a partir de numerosas experiências de tiro e os métodos empíricos que estabelecem uma ponte entre duas situações anteriores. Na secção dezasseis descreve os fundamentos do método, a secção dezassete é dedicada ao cálculo da pressão média e a secção dezoito à determinação do tempo médio.
O capítulo quarto é dedicado ao estriamento sob o ponto de vista da balística interna, na secção dezanove fala da função da estria das armas que atiram projéteis oblongos, a secção vinte ao trabalho inicial do travamento e a sua importância, a secção vinte e um às generalidades acerca da estria e a secção vinte e dois à resistência da estria.
A segunda parte é dedicada à Balística Externa que se dedica essencialmente ao estudo dos efeitos que influenciam o movimento do projétil no exterior da arma. O primeiro capítulo é dedicado ao movimento no vazio, começando pelas condições preliminares, afirmando que as causas que atuam sobre o movimento dos projéteis, depois destes abandonarem as armas, são a gravidade e a resistência do ar. Entrando um pouco na história, fala de Galileu e das origens da Balística. Na secção vinte e quatro descreve as condições gerais do movimento dos projéteis no vazio, na secção vinte e cinco do estabelecimento das equações do movimento, na secção vinte e seis das propriedades da trajetória no vazio, continuando a descrever as mesmas na secção vinte e sete. Na secção vinte e oito estuda os efeitos do alcance sobre um plano inclinado, na secção vinte e nove analisa o problema do feixe de trajetória caracterizadas pelo mesmo valor na velocidade inicial. Na secção trinta aborda as reações entre os elementos de duas trajetória de um feixe, focando a relação ente os ângulos de projeção, as relações entre as durações do trajeto e entre as velocidades. Na secção trinta e um são focados o feixe de trajetórias com o mesmo ângulo de projeção, a relação entre as velocidades iniciais, a relação entre as inclinações, as relações entre as durações do trajeto e entre as velocidades. Na secção trinta e dois é abordada a questão da zona desenfiada por um alvo de altura h, situado no horizonte do tiro. O capítulo termina com as aplicações apresentando, por exemplo, o caso de um aviador a bordo de um aparelho, deslocando-se com a velocidade horizontal v e deixa cair uma bomba. Em que caso atingirá ela o terreno? Em relação a este problema é analisado o efeito da propagação dos erros.
No capítulo dois é abordado o problema da resistência do ar, começando com uma abordagem dos factos demonstrativos da resistência do ar ao movimento dos projéteis (secção 33), sendo de seguida abordados o mecanismo de resistência do ar – pressão e contrapressão (secção 34), a onda de Mach – proa e popa (secção 35), influência do atrito do ar sobre a superfície do projétil (secção 36), a influência da forma do móvel sobre a resistência (secção 37), a influência do diâmetro dos projéteis para uma forma determinada (secção 38), a influência da velocidade (secção 39), o ponto de aplicação da resistência sobre um plano (secção 40), a lei de Mercator (secção 41) abordando o caso e de um plano normal à direção do movimento, um plano de superfície oblíquo à direção do movimento. Na secção quarenta e um são abordadas as leis da resistência do ar, coeficiente e forma, na secção quarenta e três o efeito da retardação, densidade de secção e coeficiente balístico, na secção quarenta e quatro a função resistente, na secção quarenta e cinco os efeitos da resistência do ar sobre o movimento dos projéteis oblongos, derivação, e na secção quarenta e sete a determinação da densidade do ar. Termina o capítulo com a apresentação de tabelas: a primeira, relaciona a temperatura (medida em graus centígrados) com a altura barométrica (medida em milímetros), sendo apresentadas na segunda as correções à primeira, por meio do psicómetro de August.
O terceiro capítulo é dedicado às equações diferenciais do movimento, propriedades gerais da trajetória do ar, começando por uma descrição das condições gerais do problema (secção 48), estabelecimento das equações diferenciais do movimento (secção 49), integração das equações no caso do movimento no vazio e propriedades gerais da trajetória no ar, sendo analisados, entre outros os aspetos, a trajetória volta a concavidade para o eixo das abcissas, a projeção horizontal da velocidade como grandeza constantemente decrescente, o caso em que o ramo descendente é vertical, o caso em que ponto de mínima velocidade fica situado alem do vértice, a situação em que a velocidade tende, no ramo descendente, para um valor finito, quando o ramo descendente tem uma assímptota e o comprimento do arco até ao ponto da velocidade limite é finito.
O capítulo quarto é dedicado à integração aproximada das equações do movimento, Método de Siassi, começando pelas considerações preliminares, entrando de seguida na descrição do método propriamente dita e terminando com as formas particulares das expressões do movimento.
Este trabalho surge na sequência de uma série de publicações versando estas matérias. O seu antecessor constituía uma referência nesta área, sendo autor de um método balístico, denominado de Nunes Gonçalves, mencionado nesta publicação, que passava por uma nova expressão dada à função da combustão e pela introdução de um fator que traduz a espessura da camada de pólvora queimada o que lhe aumentou a exatidão. Em sua homenagem, por deliberação unânime do Conselho de Instrução da Escola de Guerra, foi atribuído a este método o nome do seu autor. Tal ocorreu pouco depois de Nunes Gonçalves ter deixado de fazer parte do respetivo corpo docente, por motivo de promoção (Sena, 1923).
No ano letivo de 1901-1902 as Lições de Balística Interna, da autoria de José Nunes Gonçalves, onde este método, posteriormente aperfeiçoado, aparece já sob a designação de Hipótese de uma expansão adiabática. Estas encontram-se publicadas pela Imprensa Nacional. O referido manual foi posteriormente reeditado para o ano letivo de 1923-1924, numa edição revista e atualizada por Camilo Sena, onde se inclui um aditamento da sua autoria e se faz referência ao mencionado método, tal como se encontra nos Estudos de Balística Interna, publicado em 1910, pela Academia das Ciências de Lisboa. Com base nele, são utilizadas tabelas adequadas a esta situação, construídas nas oficinas da Scheneider sob a direção José Nunes Gonçalves e que permitem uma simplificação dos cálculos, evitando a utilização dos logaritmos. Estas tabelas foram resultado das experiências efetuadas por este artilheiro no Creusot, onde esteve a fiscalizar a construção do primeiro material de tiro rápido da artilharia de campanha portuguesa (Sena, 1923).
Os manuais abrangem as mais diversas matérias que integram o programa (ou parte dele) das cadeiras que constituem o currículo ministrado. As publicações analisadas contêm exemplos de conteúdos de diversas áreas da Matemática, como a Geometria Analítica, Probabilidades, Topografia e Modelos de Balística aplicadas à resolução de problemas do foro militar ou de interesse para o meio castrense, como a Astronomia, apoiada na Trigonometria, lecionada possivelmente por uma questão cultural ou de prestígio. Estes escritos resultam, sobretudo, do trabalho efetuado na preparação das aulas aliado à vivência escolar, prática pedagógica, didática, experiência adquirida no contacto com as matérias lecionadas, pesquisa, observação, experimentação, experiência profissional e, no caso de José Nunes Gonçalves, de uma missão ao estrangeiro. O esforço de atualização e a procura de uma cada vez melhor adequação do ensino à realidade dos exércitos, evolução tecnológica e, especialmente, industrial pesaram, igualmente, na sua elaboração. No anexo 6 da minha Tese de Doutoramento é apresentada uma lista de Manuais Escolares da Escola do Exército, Escola de Guerra e Escola Militar.
Desde meados da década de 20 e até ao final dos anos 30 do século XX, consolida-se a diversificação das instituições que formam Oficiais do Exército com a reestruturação da Escola Central de Sargentos e a criação da Escola Militar de Aviação e da Escola de Serviço de Saúde Militar. Sobre este tema aconselha-se a leitura do artigo [Papança, F. 2018]. As Lições de Balística na Escola Central de Sargentos na década de 1940. Revista Proelium da Academia Militar. VIII (1) 245-254.
[Almeida, A. 1905]. Noções de Astronomia. Lisboa: Escola do Exército.
[Costa 1995] Esboço histórico do Palácio da Bemposta. Lisboa: Academia Militar.
[Cunha 1790] Principios Mathematicos para instrucção dos alumnos do Collegio de S. Lucas da Real Casa Pia do Castello de S. Jorge. Lisboa: Officina de Antonio Rodrigues Galhardo.
[Cunha 1811] José Anastácio da Cunha, Principes Mathématiques, Bordeaux: André Racle, 1811, French translation of [Cunha 1790] by João Manuel d’Abreu; reissued with the title Principes Mathématiques, Paris: Courcier, 1816; facsimile reprint, Coimbra: Dep. Matemática Fac. Ciências e Tecnologia Universidade de Coimbra, 1987.
[Escola de Guerra 1915]. Fortificação passageira. Lisboa: Escola de Guerra.
[Etats de l’Europe 1911]. Tableaux Statistiques relatifs à l’organisation militaire, l’armement et l’approvisionnement des troupes, la superficie, la population, les charges militaires et financières des divers Etats de l’Europe, à la date du 15 mai 1911. Bruxelles: Établissements L WINTRACKEN & Cª.
[Gonçalves, N. 1909]. 6ª cadeira-Introdução ao estudo dos projecteis-Probabilidades do Tiro. Lisboa: Tip. da Escola do Exército.
[Militar 2005] D. Catarina de Bragança e o Paço da Rainha, Lisboa, Academia Militar.
Papança, F. (2006). A Matemática e as Escolas Militares. Curitiba: Diálogo Educacional (Pontifícia Universidade Católica do Paraná) VI (18) (2006) 135-144.
Papança, F. (2006). Os Elementos de Euclides e acervo das suas Edições existentes na Biblioteca da Academia Militar. Lisboa: Proelium VI (3) (2006) 161-165.
[Papança 2010] A Matemática, a Estatística e o Ensino nos Estabelecimentos de Formação de Oficiais do Exército Português no Período 1837-1926: uma caracterização. Tese de Doutoramento, Universidade de Évora, 2010.
[Papança 2011] A Matemática, a Estatística e o Ensino nos Estabelecimentos de Formação de Oficiais do Exército Português no Período 1837-1926: Uma Caracterização, S. Mamede de Infesta, Edium Editores. (livro baseado na Tese de Doutoramento – não inclui os anexos).
[Papança, F. 2017]. Consequências da 1ª Guerra Mundial na elaboração dos livros de Probabilidade. Revista Militar. II Século-69º Volume n.º 10, n.º 2589-Outubro de 2017. pp. 845-854.
[Papança, F. 2018]. As Lições de Balística na Escola Central de Sargentos na década de 1940. Revista Proelium da Academia Militar. VIII (1) 245-254.
[Pimentel, F. 1883]. Apontamentos sobre alguns estabelecimentos e fortificações da França, Belgica e Allemanha – viagem effectuada nos mezes de Junho e Julho de 1880. Lisboa: Typografia Universal.
[Sena 1922] A Escola Militar de Lisboa: História, Organização, Ensino, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa.
[Sena, C. 1922]. A Escola Militar de Lisboa: História, Organização, Ensino. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa.
[Sena, C. 1925]. Elementos de Balística. Lisboa: Litografia da Escola Militar [Simões 1892] A Escola do Exército, Breve Noticia da sua História e da sua Situação Actual, Lisboa, Imprensa Nacional de Lisboa.
[Simões, J. M. O. 1892]. A Escola do Exército, Breve Noticia da sua História e da sua Situação Actual. Lisboa: Imprensa Nacional de Lisboa.
Escola do Exército (1880). Noções de Geometria Analytica – Princípios de mechanica. Lisboa: Escola do Exército.
[1] Autor do Cristo Crucificado da Capela-mor de Mafra.
[2] Ponto em que a vertical de um lugar vai encontrar a linha do horizonte.
[3] Ponto do céu diretamente oposto àquele que fica sobre a nossa cabeça e que se chama zénite.
[4] Arco do horizonte entre o meridiano do lugar e o círculo vertical que passa por um corpo celeste.
[5] Do número, forma e dimensão dos estilhaços.
[6] P(A/Ac)= 0
[7] “O valor das coordenadas do ponto medio de um grupamento simples, dado pela media arithemetica, não é o valor exato, porém apenas o mais provável dessas coordenadas” (p. 77).
[8] Plataforma em que se colocam as peças de artilharia e donde se faz o tiro por cima do parapeito.
[9] A partir desta altura, o autor não numera os capítulos.