A realização dos X Encontros da Revista Militar, este ano, tem como Tema a reflexão e debate sobre os desafios da Revolução Digital; um desafio a que o país não pode ficar alheio e estou certo que a qualidade dos conferencistas que vamos ter, nos vários painéis, durante os dois dias que estão previstos, constituem uma garantia da clarificação do Tema escolhido.
Os agradecimentos da Revista Militar por, mais uma vez, os Encontros decorrerem na Universidade de Lisboa, na Faculdade de Letras, pelo apoio que nos tem vindo a ser concedido e por nos ajudar a trazer o debate sobre Segurança e Defesa para junto da Sociedade Civil e pela contribuição que a Academia acrescenta a esta reflexão.
A Revista Militar está igualmente grata pela parceria com o Centro de História da Universidade de Lisboa que, ao longo dos últimos anos, tem permitido que em conjunto se abordem temas tão diversos e importantes, numa perspectiva de estimularmos uma reflexão multidisciplinar sobre questões que interessam à Estratégia Nacional e à Defesa e Segurança. Os vários Painéis para os dois dias dos X Encontros refletem bem essa intenção.
Vivemos neste Século um novo patamar civilizacional, em que as tecnologias de comunicação global aproximam as comunidades, ultrapassam a diversidade cultural, mudam a forma de comunicar e de se relacionar, compactam tempo, espaço e informação e estão a transformar as nossas sociedades profundamente. Não é possível ficar alheio a esta realidade e a exigência da nossa adaptação à mesma é um desafio quotidiano e inadiável.
A Revista Militar, no seu universo microcósmico, tem procurado acompanhar essa evolução e, com mais de 170 anos de existência e publicação ininterrupta, presenciou e procurou assimilar esse desafio de transformação e necessariamente adaptar-se. Em 2004, apresentou o seu primeiro portal na internet, foi sucessivamente aperfeiçoando o mesmo e, em 2016, configurou a versão atual. Paralelamente, com o apoio da Biblioteca do Exército, são também já disponibilizados os índices e a totalidade dos artigos das revistas, em formato PDF, desde 1849 até à atualidade, permitindo o seu acesso em todos os cantos do mundo.
Contudo, a reflexão que o Tema dos X Encontros propõe é naturalmente mais vasta, mais ambiciosa e pretende focalizar-se nos desafios que a Revolução Digital nos coloca, perante o salto tecnológico e de informação, que representa associar a Informação Global à Inteligência Artificial e às potencialidades das redes 5G; no final do ano passado, Putin, parafraseando Mackinder, afirmava, relativamente aos desenvolvimentos respeitantes à Inteligência Artificial, que “quem se constituir como líder nesta esfera do conhecimento, governará o mundo”.
A tecnologia 5G revela-se fundamental para um novo funcionamento, mais eficaz e mais eficiente de novas aplicações informáticas, mais exigentes em termos de velocidade e volume de dados a tratar, quer para as comunicações móveis de quinta geração, cada vez mais ambiciosas, quer especialmente para a utilização da Inteligência Artificial, para a computação quântica, para a robotização, para a biotecnologia, para os veículos autónomos, para a medicina de alta performance e, necessariamente, para as indústrias de defesa.
A Inteligência Artificial está presente em todos os domínios da nossa sociedade e não passa um dia em que uma nova aplicação não seja anunciada ou sugerida; ajudar o processo de decisão, detetar de forma precoce certas doenças, ajudar no rigor do diagnóstico, otimizar o consumo de energia, adaptar o ensino ao ritmo de cada aluno, no domínio da educação, por exemplo. A Inteligência Artificial afigura-se como um sinónimo de progresso e materializa uma ruptura estratégica com os procedimentos e comportamentos da sociedade de informação com que lidávamos ontem e constitui, hoje, um espaço de competição estratégica, uma corrida pela superioridade tecnológica, económica e também militar.
Contudo, os mais céticos e críticos reconhecem na Inteligência Artificial uma capacidade inédita para o tratamento da informação, para o cruzamento de dados recolhidos por constelações de satélites, incluindo a análise do tráfego existente na “dark Web”, para uma melhor análise das situações com implicações na segurança, mas avisam também para os riscos de um marketing que não respeita a vida privada e os direitos dos cidadãos, que permite a proliferação das “fake news” e que manipula interesses e consciências e, eventualmente, eleições.
A colheita e armazenamento de “dados” e a informação são os novos recursos estratégicos de hoje, tão ou mais importantes do que as “terras raras”, indispensáveis aos desenvolvimentos da Inteligência Artificial e da tecnologia 5G, os primeiros com a característica distintiva de serem não finitos e de quanto mais se utilizarem mais se ampliarem, e são factores da inovação e do conhecimento.
Permitam-me que termine, referindo algumas preocupações específicas, no domínio da Segurança e Defesa. Os centros de investigação e desenvolvimento para a Defesa têm prospetivado um campo de batalha onde as operações militares decorrerão de forma contínua, vinte e quatro horas por dia, em condições climatéricas de qualquer natureza, sem descanso, onde a Inteligência Artificial permitirá que os robots combatam ao lado dos humanos e possam, no futuro, fazê-lo de forma autónoma.
As atuais armas anti-satélite e antimíssil, associadas aos mísseis hipersónicos e às armas laser de alta energia, colocadas em órbita, podem, desde já, cumprir essa missão de forma autónoma, com base na perceção de modelos enquadráveis em estudos relativos à análise de uma potencial ameaça. Na atualidade, dispomos já de veículos autónomos, capazes de evitarem obstáculos, incluindo, na circulação automóvel, os peões.
As grandes potências industriais estão a orientar as suas políticas de desenvolvimento de capacidades de atuação, no domínio da Inteligência Artificial no âmbito civil e militar, fazendo convergir nesses projetos, as tecnologias NBIC – Nanotecnologia, Biotecnologia, Informática e Ciências cognitivas e comportamentais. Assim, será de admitir que a robotização possa introduzir, em modelos futuros, uma capacidade seletiva, apoiada em dados biométricos a adquirir, por observação dos humanos e desenvolver ações previamente programadas.
Perante estes desafios e estas potencialidades temos vindo a ser tranquilizados pela afirmação de que o desenvolvimento da Inteligência Artificial se fará segundo princípios muito rígidos, como sejam: o respeito pelo direito internacional e pelos direitos humanos, pela manutenção de um controlo humano adequado e pela permanente responsabilidade do detentor da capacidade.
Na verdade, se aceitarmos que, no futuro, a Ciência se desenvolva sem consciência e a tecnologia possa evoluir e progredir sem valores, a par do afastamento do fator humano do controlo da Inteligência Artificial e a transferência da decisão para o algoritmo, estaremos a alienar Poder, a transferi-lo para uma qualquer outra entidade e a perder o controlo situacional.
Estou certo que os dois dias de informação, reflexão e debate sobre os desafios da Revolução Digital, nos deixarão mais esclarecidos e preparados para a enfrentar.
Muito Obrigado pela Vossa Atenção.
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Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.