Nº 2623/2624 - Agosto/Setembro de 2020
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Passados seis meses do início da COVID19 em Portugal, temos assistido a avaliações acerca do comportamento das várias Instituições Nacionais e do Governo, relativamente à forma como foi dada resposta aos desafios do momento e como se está a processar a preparação para suportar, quer o crescimento dos números de novos infectados, a que temos assistido, quer a eventualidade de uma segunda vaga, quer ainda as exigências de sabermos que a economia não suporta um novo confinamento, que as aulas têm de funcionar e que a aproximação do inverno faz prever que à pandemia se juntem os efeitos da gripe sazonal, constituindo um cenário agravado de intervenção para o SNS.

Sendo legítimas estas preocupações e uma atitude de escrutínio, inerente a uma cidadania ativa e responsável, natural seja também que, quer o Governo quer as Instituições sejam capazes de dar respostas, mobilizar os cidadãos para os comportamentos responsáveis, mas também para criar um clima de confiança e tranquilidade que permita o funcionamento dos diversos setores da nossa Sociedade, na normalidade possível e que possibilite que a economia, a saúde e a educação, cumpram da melhor maneira e na maior extensão possível, o seu papel em proveito dos cidadãos e do país.

As Forças Armadas têm igualmente sido objeto dessa avaliação. De início, colocaram-se questões relativamente às hesitações quanto ao seu emprego, posteriormente, progressivamente a sua disponibilidade, organização e capacidades estiveram patentes e presentes em todo o território nacional, apoiando pessoas, autarquias, cedendo recursos, realizando transportes, fazendo o armazenamento e distribuição de artigos críticos, executando desinfeções e testes e, ainda, fornecendo informação geoespacial. Recentemente o Almirante Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) apontou publicamente para aquilo que considera serem os novos desafios à estratégia militar portuguesa e comentadores e jornalistas têm dissertado acerca da necessidade das Forças Armadas estarem em condições de poderem responder não só aos surtos pandémicos, mas também aos impactos severos da crise ambiental e climática com que estamos confrontados e que, previsivelmente, e poderão agravar.

A intervenção contínua e progressivamente mais ampla, desde o início do surto pandémico, e também o combate às consequências dos efeitos da atual crise climática e ambiental tem-se verificado em muitos países, não só na Europa como nos EUA, na China, no Japão e em muitos outros. Essa realidade é apontada como uma necessidade nacional de vocacionar as Forças Armadas para essas exigências, inclusive ponderar a revisão e atualização do Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN), ampliando as Outras Missões de Interesse Público, constitucionalmente previstas e recuperando uma função de coordenação inter-ministerial, desaparecida com a extinção do Conselho Nacional de Planeamento Civil de Emergência (CNPCE), particularmente entre a Presidência do Conselho de Ministros, o Ministério da Defesa Nacional (MDN), o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o Ministério da Administração Interna (MAI) e os Ministérios da Saúde, do Ambiente e da Educação para os efeitos anteriormente apontados. De referir que se menciona “ampliar” e se alerta para a preocupação de não “menorizar”, as missões primárias das Forças Armadas, designadamente, o cumprimento das missões de soberania e de defesa militar da República.

Sobre esta matéria, ao contrário de outros Ministérios que vão divulgando ações no sentido de uma melhoria da capacidade de resposta aos desafios com que foram confrontados e mobilizadora da confiança e desejáveis comportamentos dos cidadãos, do lado do MDN temos assistido a uma passividade exasperante, a um discurso de promoção das realizações das Forças Armadas, quer a nível nacional quer quanto ao desempenho das missões das Forças Nacionais Destacadas no estrangeiro, mas, por outro lado, a uma ausência de medidas estruturais que atenuem ou resolvam o seu principal problema, a carência de Recursos Humanos, designadamente, em praças.

Iremos provavelmente assistir ao anúncio da eventual revisão do CEDN, da indicação de novas responsabilidades para as Forças Armadas, com novas áreas de intervenção no contexto nacional, mas que, na prática, mais não serão do que intenções de alcance e afirmação política, sem condições efetivas para poderem ser concretizadas. Sem recursos humanos não é possível avançar para novas capacidades; mesmo quando a Instituição Militar, fruto de circunstâncias conjunturais, se vê obrigada a concretizar “vectores de de senvolvimento”, para responder a uma necessidade urgente, na atual situação de efetivos humanos, tem de o fazer à custa e em prejuízo de outras. Como sempre se tem alertado, “com menos faz-se menos e normalmente pior, quando o que está em causa é o emprego do fator humano”.

A situação de carência de efetivos já mereceu o alerta do Almirante CEMGFA, tem sido objeto de repetidas referências na Comunicação Social e a sua gravidade, quer no todo das Forças Armadas quer em particular no Exército, intensivo no domínio dos Recursos Humanos e, nesta data, com uma falta de praças, superior a 50%, para satisfazer as suas necessidades orgânicas e fora do Ramo, como já se referiu anteriormente é de “emergência Institucional”. O Governo tem-se escusado a discutir responsavelmente este assunto, escudando-se na afirmação de que o atual modelo de Serviço Militar não está esgotado, mas a única medida que concretizou para o tornar mais atrativo foi equiparar as retribuições pecuniárias de militares em formação às dos “prontos”, medida que necessariamente não resolve as causas do problema.

Objetivamente, as Forças Armadas não estão a ser atrativas ao recrutamento e, em particular, à retenção nas fileiras até ao fim do contrato ou próximo do seu termo e isso deve-se a uma comparação negativa, para com as Forças de Segurança onde, para as praças, existem melhores vencimentos e uma carreira bem definida. Perante esta situação não será um Quadro Permanente de Praças, necessariamente limitado na sua dimensão e um Contrato de Longa Duração, com as previsíveis dificuldades de inserção civil no mercado de trabalho, aquando do seu termo, que fará aumentar a motivação para o ingresso e permanência nas Forças Armadas.

É assim urgente um debate nacional sobre as Políticas de Prestação do Serviço Militar, incluindo a forma como a Defesa Nacional e a Defesa Militar deve ser encarada em termos nacionais e quais as responsabilidades que os cidadãos, individualmente, devem assumir nesse domínio, incluindo a sua obrigação de prestação de um Serviço Nacional Geral, sem discriminação de género, armado e não armado, de duração e direitos distintos, de acordo com as características do serviço que for prestado.

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* Presidente da Direção da Revista Militar.

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

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by COM Armando Dias Correia