Nos últimos dias, tomou-se conhecimento pela Comunicação Social de que o Ministro da Defesa Nacional (MDN), ao invés de se preocupar com a resolução dos graves problemas que afetam as Forças Armadas – carência preocupante de efetivos; paralisia do processo de reequipamento dos sistemas de armas que diferenciam os Ramos e lhes permitem continuar a ser parceiros, no quadro da Aliança Atlântica; as falhas do apoio social e da saúde aos militares e Família Militar (Instituto de Apoio Social das Forças Armadas e Hospital das Forças Armadas) – prefere juntar-se à prática das sucessivas reformas inacabadas e não testadas e corrigidas, de 2009 e de 2014.
Convém lembrar que continuam por sanar as consequências da reforma “Defesa 2020”, designadamente, as disfunções provocadas nas estruturas superiores dos Ramos e a desarticulação dos Sistemas de Recrutamento e de Saúde Militar, com as consequências visíveis na atualidade, em particular no que concerne aos recursos humanos.
As razões apontadas não são as de uma clara ineficiência e incapacidade das atuais estruturas operacionais dos Ramos em fornecerem ao Chefe do Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA) as Forças Nacionais Destacadas para os diversos teatros de operações, seja no quadro da OTAN ou da UE, para o Afeganistão ou para a RCA, entre outros, ou a atribuição da Força de Reação Imediata, constituída por militares dos três Ramos (prontidão de 2 a 5 dias) e cujo Estado-Maior está ativado e a operar desde que as Forças Armadas participam na resposta à Pandemia. Esta repartição de responsabilidades e de competências está perfeitamente clarificada e plasma da, no art.º 10 da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas (LOBOFA) em vigor.
A razão principal aduzida para esta reforma é o facto de o MDN, de forma simplista, ter achado melhor um modelo de organização que viu noutros países da OTAN, como aliás referiu. No passado recente, já tinha sido apontado e descartado o modelo dinamarquês. Acrescentou, ainda, que a reforma consta do Programa do Governo e que “já se tinha tentado fazer no final da primeira década do Século XXI, mas houve, então resistência de algumas pessoas, dos Ramos”.
Estará mal informado o Senhor Ministro? Não foram algumas pessoas, foram os Chefes do Estados-Maiores (CEM) dos três Ramos das Forças Armadas que, com argumentação sustentada, evitaram que fosse concretizado um modelo, como o que agora propõe. A Tutela de então, não porque não fosse capaz de resistir a pressões, mas sim por ter concordado com a justeza dos argumentos, corrigiu a opção inicial. A humildade democrática deve levar-nos a ponderar que a história não começou ontem, que a experiência e a memória recente são instrumentos muito úteis ao processo de decisão e não fica mal reconhecer que os intervenientes antecessores, políticos e militares, eram também gente competente, aberta à inovação e certamente empenhados na modernização da Instituição Militar.
Refutou o MDN, na Comissão de Defesa Nacional da Assembleia da República, no pretérito dia 23 de Fevereiro, que a sua proposta não corresponderia a uma menorização dos Ramos e dos respetivos CEM. Mas que dizer se o Conselho de CEM perder a sua função deliberativa; os responsáveis diretos pelos Ramos deixarem de despachar com o Ministro; perderem autonomia, na nomeação dos Coronéis e Capitães-de-mar-e-guerra, destinados ao Curso de Oficiais Generais e for proposto que os seus Estados-Maiores fiquem sob a coordenação do CEMGFA? Quando se compara o relacionamento da GNR, da PSP e da PJ com as respectivas tutelas políticas, essa menorização é por demais evidente.
No contexto e na forma como a intenção ministerial foi publicitada, reconhecendo o próprio MDN a inexistência do formalismo de uma proposta explícita, expressões como as Forças Armadas “como um todo e não a soma dos Ramos” carece de clarificação quanto ao seu alcance e conteúdo organizativo, e fica também a ideia de que se pretende alijar para o CEMGFA responsabilidades da tutela, como a evidente falta de recursos humanos e materiais, para corresponder às atribuições recentes, relativas à Saúde e ao Ensino Superior Militar e, também, parecer considerar mais consentâneo ouvir as Associações Socioprofissionais dos Militares sobre questões das Forças Armadas, do que ouvir os CEM que conhecem o dia-a-dia das tropas, as comandam, formam, treinam e garantem a sua sustentação, e que são os responsáveis pela manutenção e conservação dos equipamentos e das infra-estruturas.
Em tempo de Pandemia, tal como para a Política, situações de instabilidade e incertezas legislativas, que possam afetar a eficácia e eficiência das Forças Armadas, são dispensáveis, inoportunas e inconvenientes, assim como importa ter presente que excesso de concentração de competências em detrimento de uma equilibrada co-responsabilização, tem perversamente contribuído, com exemplos bem próximos, para a governamentalização/partidarização da Instituição Militar e para favorecer o exacerbar do corporativismo.
Esperemos que sejam tidas em conta, quanto à oportunidade e alcance das intenções manifestadas, as palavras de Sua Exa o Presidente da República e Comandante Supremo das Forças Armadas, no Instituto Universitário Militar em 26 de Fevereiro, “ Nós sabemos bem como os homens, hoje – e um dia, esperemos, as mulheres também –, no desempenho destas funções passam (CEMGFA), mas as instituições ficam além deles e delas”.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.