Nº 2629/2630 - Fevereiro/Março de 2021
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Estrutura Superior das Forças Armadas
General
António Eduardo Queiroz Martins Barrento

Não conheço em pormenor as alterações que se pretende venham a ser feitas na estrutura superior das Forças Armadas (FA). Fiquei porém surpreendido com aquilo que a Agência Lusa transmitiu e que me deixou preocupado.

Tenho como princípio deverem ser feitas alterações nas FA sempre que novas situações as exijam e que, dentro das limitações financeiras do nosso país, se traduzam em melhorias do seu funcionamento e no aumento da sua operacionalidade e tenham em devida conta a condição militar daqueles que nelas servem.

Diz a notícia, que li na Lusa, que se pretende fazer uma transformação “no sentido de colocar debaixo da autoridade do Chefe de Estado-Maior Geral das Forças Armadas (CEMGFA), as Forças Armadas como um conjunto.” Mas, se é essa a finalidade, que racionalidade sustenta essa transformação? De facto, as unidades e meios que os Ramos preparam e entregam ao CEMGFA para uso operacional têm sido permanentemente alvo de referências altamente elogiosas por parte dos comandantes dos Teatros de Operações onde têm actuado, dos Balcãs a Timor, do Médio Oriente a África. Porquê e para quê então esta alteração?

Do tempo em que exerci o comando do Exército lembro com orgulho a admiração e o respeito que todos tinham pelas nossas unidades destacadas e pelo nosso pessoal. Entre outras, sublinho o caso de Sérgio Vieira de Melo, distinto diplomata brasileiro que liderou em Timor a UNTAET (morto em Bagdade em 2003); e também aquilo que me foi transmitido pelo general comandante do Teatro de Operações dos Balcãs (que depois foi Chefe de Estado-Maior do Exército dos EUA). Disse-me que escolheu o agrupamento português para sua reserva, pela sua operacionalidade e capacidade ímpar para resolver os constantes e diversos problemas que surgiam.

Porque verificamos com satisfação que tal tem vindo a suceder ao longo dos anos, até aos dias de hoje, por que razão alterar a actual estrutura superior das nossas FA? Porquê então mudar?

Um argumento que é referido na notícia da Lusa é que “entre os países da NATO já não se encontra um modelo parecido com o nosso.” Dado que as intervenções das nossas FA têm sido altamente louvadas nos âmbitos da ONU, da NATO e da UE, vamos mudar por uma questão de “moda”? Será que na actual estrutura superior das FA o CEMGFA tem tido dificuldade em obter dos Ramos, com oportunidade e elevado valor operacional, os encargos de que necessita para a actividade operacional que dirige? Não me consta que tal tenha sucedido.

Assim, porque, com a actual estrutura superior das nossas FA, a acção operacional tem sido enaltecida, mais do que a dos outros países da NATO, onde não há “estrutura semelhante à nossa”, então quem deverá mudar de estrutura superior serão eles.

As FA existem, essencialmente, para combater, sendo essa capacidade o elemento fundamental da sua operacionalidade e do seu poder de dissuasão. Mas elas também têm ao longo de vários anos e com ênfase na actual pandemia, vindo a demonstrar a sua utilidade e valor quando empregues em apoio da nossa população. Tal tem sido feito, apesar da escassez em pessoal, com a actual estrutura superior. Não existem portanto, nem na actuação das forças destacadas, nem na sua utilização em território nacional, razões para mudar. Porquê e para quê esta alteração?

Além disto, os problemas gerais dos âmbitos do pessoal, material e infraestruturas são trabalhados inicialmente nos Ramos e depois debatidos e aprovados em Conselho de Chefes, presidido pelo CEMGFA. Apenas os casos pontuais são tratados entre os Ramos e as respectivas direcções do Ministério da Defesa Nacional. Acresce que os Chefes de Estado-Maior dos Ramos não tratam com o Ministro da Defesa Nacional unicamente assuntos sobre cerimónias, visitas e condecorações, pois há por vezes assuntos sensíveis do respectivo Ramo. Quando exerci as funções de comandante do Exército, algumas vezes tive de apresentar ao Ministro situações e propostas sobre assuntos que exigiam um diálogo com o escalão político. Este procedimento, totalmente correcto, levou a soluções possíveis, sensatas e equilibradas. E isto sucedia porque os Chefes de Estado-Maior dos Ramos “sentiam” melhor os problemas graves do seu Ramo, que mereciam uma atenção política. Com a estrutura que agora se propõe, estes casos seriam tratados não directamente com o Ministro mas através do CEMGFA, o que não se traduz numa melhoria, porque, não pertencendo este ao escalão político, seria apenas uma caixa de correio com a natural “perda em linha” do “sentir dos Ramos”.

Há quem pense que esta alteração deve ser feita para acabar com o “corporativismo” dos Ramos. De facto, surgem frequentes excessos de corporativismo dificilmente entendíveis em estruturas que têm a finalidade comum de defender o país. Mas desse corporativismo também decorrem identidades, “espírito de corpo”, vontades de bem servir e uma natural emulação, que são factores positivos para o valor operacional das unidades dos três Ramos das FA. Além disso não creio que com a estrutura que se delineia termine o corporativismo dos Ramos.

Não se tratando esta alteração de “glória de mandar…”, o que seria completamente descabido, parece que a ideia de mudar só pode ter dois fundamentos. O primeiro é o de que se pretende mudar, não para melhor, mas apenas para mudar. O segundo é o de que se pretende mudar porque sim.

Note-se que esta é a segunda tentativa que se faz para alterar a actual estrutura superior das FA. A primeira, por discernimento e sensatez, não teve sucesso. Quanto à presente tentativa, desejamos que tenha o mesmo sucesso que aquela – o insucesso.

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* Ex-chefe do Estado-Maior do Exército (1998-2001). Ex-Presidente da Mesa da Assembleia-Geral da Revista Militar (2003-2011).

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2021-03-30
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by COM Armando Dias Correia