Passados quase quinze dias após o Ato Eleitoral nos EUA, embora sem a confirmação oficial dos resultados finais é, desde já, possível dizer que o próximo Presidente será Joe Biden. Assim, importa ponderar o que mais previsivelmente se irá alterar na política americana e que outras interrogações permanecem.
Estamos perante uma realidade interna, que terá de ser gerida pelo novo Presidente e que resulta do facto de, se por um lado estas foram as eleições mais participadas, a oposição, leia-se, os apoiantes de Donald Trump cresceram, relativamente à eleição anterior e representam agora cerca de 48%. O novo Presidente terá de lidar com um Congresso, órgão legislativo, em que a Câmara Alta, o Senado, tem uma maioria republicana e a Câmara Baixa, a Câmara dos Representantes em que, embora em minoria, os republicanos reforçaram a sua presença. Esta é uma situação cujas implicações a nível da política interna mais se farão sentir.
Em termos de política externa, face aos recentes discursos de Biden, extraem-se orientações que se podem traduzir numa maior previsibilidade, designadamente, o regresso à Organização Mundial de Saúde (OMS) e ao diálogo relativo às alterações climáticas, eventualmente ao Acordo de Paris, embora quanto a isso seja mais prudente aguardar a evolução da situação interna. Também relativamente ao diálogo transatlântico, com a OTAN e com a União Europeia (UE), a postura de Biden é mais consentânea com a postura americana anterior a Trump, contudo, não será de esperar que se altere a posição dos EUA relativamente à exigência da meta dos 2% nos investimentos na Defesa, conforme acordado em Cales, em 2014, ou que se altere a orientação estratégica Asia-Pacífico, a favor do espaço europeu, ou se manifeste uma atitude de censura para com o Reino Unido, na questão relacionada com o Acordo de Saída com a UE, a propósito do Brexit.
Mais complexo será certamente o que fazer relativamente ao Irão e ao Acordo denunciado, tendo em vista a posição europeia, por um lado, a reacção de Israel, por outro, e o comportamento iraniano, em matéria de tratamento do urânio. Esta situação tem implicações decisivas na estabilidade do Médio Oriente e nas políticas de relacionamento americano com os diversos estados da região.
Relativamente à liderança estratégica, em termos de Segurança, a que os europeus e canadianos se habituaram até à chegada de Trump, o que se irá alterar? Iremos assistir a um maior envolvimento militar dos EUA, nas regiões de tensão de onde, progressivamente se foram retirando e continua a ser realidade na Síria, na Somália, no Iraque e no Afeganistão, ausência na Líbia e distanciamento dos comportamentos da Turquia, na Síria, Líbia, ou no Nagorno-Karabakh? E também em termos políticos, no seio da Aliança Atlântica, como retomar um diálogo de concertação face a uma atitude para com a Rússia, de uma política de sanções decorrente da situação da Ucrânia? Ou relativamente ao relacionamento da Turquia, quer com a Rússia quer com os aliados, Grécia e França? E relativamente à China, qual será a orientação estratégica futura dos EUA? E será a mesma concertada, com a UE e com os aliados europeus?
Outra área a aguardar com expectativa, prende-se com os acordos sobre o Nuclear, face à denúncia do Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermédio (Tratado INF) e os desenvolvimentos relativos à revisão do Tratado de Redução de Armas Estratégicas (START), que deverá ocorrer em 2021. A mesma interrogação se poderá colocar, relativamente aos Vários Acordos Comerciais que Trump pôs em causa, para além das múltiplas “guerras” de Tarifas que desencadeou.
A Portugal interessa prospetivar esta mudança e antecipar implicações para os interesses nacionais. Se tivermos presentes as declarações que, no passado recente, foram produzidas pelo Embaixador dos EUA em Lisboa, importa perceber se a liberdade de ação política nacional, no relacionamento com a China, não é posta em causa e se, do ponto de vista económico e no quadro da cooperação de defesa, se conhecem melhores dias, quer quanto a investimento americano quer um maior interesse, relativamente à presença militar nos Açores/Base das Lages.
_____________________________
* Presidente da Direção da Revista Militar.
Clique AQUI para abrir ou descarregar o pdf da revista.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.