Nº 2628 - Janeiro de 2021
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
A estratégia de gestão de crises em Portugal - The crisis management strategy in Portugal
Tenente-coronel
José Manuel Brito de Sousa

Introdução*

As vulnerabilidades e as ameaças atuais, expressas de forma inovadora, traduzem-se em objetos de análise multidimensionais, transversais e abrangentes que ultrapassam o tradicional domínio meramente político, económico e social (Beck, 1992, p. 19).

A multidimensão das atuais ameaças e riscos, as suas dinâmicas flexíveis e reticulares e o suporte em estruturas altamente flexíveis, têm impacto na qualidade de vida das populações e na segurança nacional, regional e internacional (Elias, 2011, p. 147). Perante esta “modernidade líquida” (Bauman, 2000, p. 12) geradora de incertezas, os Estados tendem a garantir as respostas aos desafios colocados, resultantes de situações em constante mutação, preconizando uma “resposta dinâmica, coordenada, integrada e multidisciplinar” (Sousa, 2008). Atento a este contexto, a segurança extravasou o domínio puramente militar e passou a integrar também os riscos, as ameaças e as crises com consequências para o bem-estar e prosperidade decorrentes de catástrofes naturais, pandemias, alimentação, circulação rodoviária, entre outras (Buzan et al., 1998, p. 24).

Os paradigmas decorrentes da tradicional separação vestfaliana entre a segurança interna (SI) e a segurança externa (SE), face ao novo plano político, diplomático, jurídico e social decorrentes do fim do Mundo bipolar alteraram-se, permitindo fazer face às alterações qualitativas das novas ameaças e riscos, tais como o terrorismo e a criminalidade organizada. Nesse sentido, “a segurança interna tem vindo a ser externalizada e a segurança externa a ser internalizada” (Collins, 2007, p. 3), o que estabelece novos desafios para os Estados e para as respetivas organizações internas de Segurança e Defesa. De facto, para Gomes (2005, p. 484) esta flexibilidade dos limites entre SI e SE tem como consequência “uma coordenação e coerência entre a dimensão interna e externa da segurança. Os Estados deverão [em resultado das mudanças que vão tendo lugar] considerar o impacto das suas estratégias nacionais no contexto internacional ou regional, os modos como as estratégias nacionais dos diferentes Estados podem ser complementares e as contribuições que essas estratégias podem dar para a realização dos objetivos de uma estratégia de segurança global”.

Atento às considerações suprarreferidas entende-se que, para além do interesse que o tema desperta no investigador, urge a necessidade de se identificar um modelo assente numa Estratégia Nacional de Gestão de Crises (ENGC) que enquadre os organismos com responsabilidade no âmbito diplomático, da SI, Forças Armadas (FFAA) e Proteção Civil (PC), perante os cenários atuais de ameaças, crises e riscos. Urge também identificar os desafios e os contributos necessários para o estabelecimento de uma ENGC solidária, coordenada e cooperativa, dotada de elementos de partilha institucionais que envolvam as organizações com responsabilidade na Gestão de Crises (GC), ao nível da Segurança e Defesa. A atualidade e pertinência desta temática está bem patente na dinâmica atual, na qual se evidencia a necessidade de se demonstrar o desfazer de fronteiras conceptualmente estanques (Elias, 2011, p. 183).

É neste contexto que, atento à importância de uma ENGC enquanto mecanismo de apoio ao processo de tomada de decisão política, pretende-se identificar as suas vertentes constituintes, a Diplomática, SI, FFAA e PC, bem como as prioridades que se colocam ao nível externo e os desafios ao nível interno. É ainda convicção do presente autor que este estudo poder-se-á constituir como um ponto de partida para posteriores e aprofundados desenvolvimentos nesta área específica da GC em Portugal.

Relativamente aos aspetos metodológicos que enformam o presente trabalho, este insere-se no âmbito das Ciências Militares, na área de investigação dos Estudos de Segurança Interna e dos Fenómenos Criminais, cujo domínio de aplicação são as Políticas de Segurança Nacional. Considera-se como objeto de estudo o modelo estratégico de GC em Portugal. Atento ao nível de experiência do autor, da literatura consultada, das teorias estudadas, bem como das ideias de fontes externas, proceder-se-á à delimitação do tema no domínio tempo, espaço e conteúdo.

Em relação à delimitação no domínio tempo, analisar-se-á a conjuntura atual associada à implantação de um modelo baseado na ENGC. Quanto à delimitação no domínio espaço, investigar-se-á a implantação desta Estratégia ao nível do Território Nacional e da área geográfica abrangida pelas organizações internacionais (OI) de que Portugal faz parte. Por fim, na delimitação no domínio do conteúdo debruçar-se-á nas atividades de partilha, cooperação e coordenação desenvolvidas pelas diferentes vertentes que compõem a ENGC, analisando também os desafios e as prioridades com que esta se depara.

Para a prossecução desta investigação, define-se um Objetivo Geral (OG) e três Objetivos Específicos (OE). O OG consiste em identificar os desafios e as prioridades necessários para o estabelecimento de uma ENGC. Para o alcançar, considera-se os seguintes OE: – OE1: caracterizar o conceito de GC; – OE2: identificar as vertentes que compõem a ENGC; – OE3: descrever as medidas de reforço a uma ENGC.

Este estudo é composto por seis capítulos de investigação, aos quais correspondem a pertinência das questões derivadas (QD). Para além da introdução, o primeiro capítulo aborda de forma teórica os diversos conceitos de Crise, GC e Gestão Civil de Crises (GCC). No segundo capítulo, analisam-se os aspetos metodológicos e metódicos. No terceiro capítulo, expõem‑se os elementos essenciais referentes à GCC, abordando-se o seu enquadramento tradicional, estrutural e organizacional. No quarto capítulo, caracteriza-se a ENGC, ao nível das suas vertentes Diplomática, SI, FFAA e PC, elencando-se as competências, a organização e os mecanismos de cooperação, coordenação e de partilha destas vertentes. No quinto capítulo, analisam-se os desafios e os contributos necessários ao reforço de uma ENGC e os seus efeitos, quer ao nível da UE quer ao nível interno. Por fim, as conclusões, onde se sistematizam os resultados obtidos ao longo deste estudo, as limitações, os contributos para o conhecimento e as respetivas recomendações.

Mediante as análises documentais escritas clássicas e as técnicas de recolha de dados, responder-se-á a cada uma das QD, sendo esta resposta projetada na fase conclusiva. Procurar-se-á estabelecer a ligação entre os objetivos da pesquisa, os resultados obtidos e a fundamentação teórica, com o fim de interpretar, apresentar, avaliar e discutir as QD. Nesta fase, serão destacadas as respostas às QD e à questão central (QC), as conclusões, os contributos para o conhecimento e as recomendações finais.

 

1. Enquadramento Conceptual

A fim de permitir estabelecer os alicerces do modelo de análise a construir e desenvolver o respetivo quadro conceptual, é necessário definir alguns conceitos em redor do correspondente objeto de estudo, nomeadamente, aqueles que integram o tema, isto é, o conceito de Crise, GC e GCC.

 

1.1 Crise

O conceito de crise encerra uma qualificação volátil e multifacetada, cuja definição é concretizada, tendo em conta a ambiguidade e a amplitude do vocabulário e dos discursos, e consoante as afinidades e as deduções de quem sobre ele se debate, pelo que se tentará algumas aproximações (Alexandre, 2017, p. 22).

Numa perspetiva clínica, crise é um ponto da evolução humana que se pode perspetivar para a recuperação ou para a morte e, nesse sentido, é o “ponto de rutura onde a vontade humana não teria capacidade de deliberação ou interferência” (Silva, 2012, p. 12). Karl Marx propõe uma primeira abordagem a este conceito segundo uma perspetiva relacionada com a falta de capacidade da estrutura social para a resolução de um problema. Partindo da aproximação social e segundo Goemans (1992), verifica-se que a crise “ocorre quando existe uma disrupção séria das estruturas básicas e/ou dos valores fundamentais do sistema social”, constituindo-se esta situação como aquela em que se concretiza a criticidade.

Outros autores passam a integrar no conceito de crise a alteração do ambiente interno e externo do Estado e, nesse sentido, ensaiam o conceito de crise internacional, situando-a num patamar intermédio entre a paz e a guerra, com elevadas hipóteses do confronto militar, associada ao ceticismo perante os valores da sociedade e à limitação em termos de tempo de resposta (Brecher, 1978, pp. 43-44).

Perante a evolução do conceito, procurou-se também definir as soluções para a crise, referindo-se que devem assentar em mecanismos de dissuasão, quer para a sua erradicação quer para a sua prevenção. A solução passará ainda pela implementação, mesmo que ostensiva, de ferramentas diplomáticas, sendo que neste caso se esteja perante um ator racional (Beattie, 2010, pp. 5-6 e Holsti, 1980, p. 492). Relativamente à versão de hard e soft power da crise e da respetiva solução, evidenciam-se dois tipos de cenários. Por um lado, um cenário próximo do conflito armado, mediante a retaliação efetiva em caso de ação e que poderá envolver forças militares. Por outro lado, a estabilização do Estado de Direito, através de medidas que neguem o objetivo ao adversário e que passem pela utilização de meios civis.

Com a integração de outras variáveis, nomeadamente, o efeito surpresa, o tempo de resposta à crise e a decisão com menor probabilidade de erro, Hermann (1969, pp. 410-411) estabeleceu um modelo de crise constituído por quatro fases: 1.ª fase: uma interação entre eventos que dão origem à crise; 2.ª fase: uma perceção do efeito futuro; 3.ª fase: a tomada de decisão e resposta à crise; 4.ª fase: a perceção do efeito da resposta optada.

Para Pearson (1998), as crises podem ser abordadas de acordo com uma perspetiva técnica, psicológica e sociopolítica. A primeira vertente está associada à perceção da crise. A segunda projeta-se na distinção da psicologia individual e correspondente explicação dos efeitos e consequências. A terceira reporta-se à rotura dos valores, da identidade e das estruturas sociais.

Por fim, uma das últimas abordagens ao conceito de crise foi estabelecida pela União Europeia (UE) que, no intuito de promover a cooperação, colaboração e partilha entre os seus Estados-Membros (EM), através da sua Decisão-Quadro N.º 2008/617/JAI, de 23 de junho de 2008 (UE, 2008), define a crise como “qualquer situação em que as autoridades competentes de um Estado-membro tenham motivos razoáveis para crer que existe uma infração penal que apresenta uma ameaça física grave e direta para as pessoas, bens patrimoniais, infraestruturas ou instituições nesse Estado-membro, em particular as situações (…), relativa à luta contra o terrorismo”.

 

1.2 Gestão de Crises

Com o aparecimento de novos conceitos no âmbito do léxico das Relações Internacionais, o conceito de GC passou a ser investido de diferente significado. Nesse sentido, a GC passou a ser considerada como “a organização, regulamentação, enquadramento processual e as disposições para conter uma crise e moldar o seu curso futuro, enquanto é procurada a sua resolução” (Blockmans e Wessel, 2009, p. 5). Ou seja, gerir uma crise visa conter, administrar e resolver o seu curso, mediante a aplicação dos respetivos processos de gestão (Pirozzi, 2015, p. 7).

Para alguns autores, a GC envolve um conjunto global de medidas materializadas através da utilização de meios civis e militares em toda a área onde a crise se projeta (Frisell e Oredsson, 2006). A própria North Atlantic Treaty Organization (NATO) tem adotado uma postura que vai para além da aplicação, apenas, das operações militares em resposta a crises, defendendo a utilização de outras medidas, militares e não militares. A aplicação de um leque mais alargado de capacidades tem em conta a proteção das populações contra crises relacionadas com catástrofes naturais e desastres humanitários, por exemplo, bem como de outra qualquer natureza. A partir do seu conceito estratégico de 2010, a NATO passou a adotar o conceito de Crisis Management, fruto da sua capacidade única e robusta de abordar todas as fases da crise, antes, durante e pós-conflitos.

Também a UE passa a integrar o conceito de GC no Tratado de Lisboa, referindo-se a ele, nos termos do seu N.º 1 do art.º 43.º, como a possibilidade de poder “(…) utilizar meios civis e militares, que incluem as ações conjuntas em matéria de desarmamento, as missões humanitárias e de evacuação, as missões de aconselhamento e assistência em matéria militar, as missões de prevenção de conflitos e de manutenção da paz, as missões de forças de combate para a GC, incluindo as missões de restabelecimento da paz e as operações de estabilização no termo dos conflitos” (UE, 2007). Tal como, a NATO, a UE aborda a GC segundo três fases, o antes, o durante e o depois da crise, utilizando um conjunto de instrumentos e capacidades, tais como, a prevenção de conflitos, o restabelecimento, a imposição e a manutenção da paz e a estabilização pós-conflito (Pirozzi, 2015, p. 8 e UE, 2016).

A UE passa também a integrar o conceito inovador de Comprehensive Aproach, atendendo ao facto das crises se constituírem num invólucro volátil e diverso, de origem militar e não militar e, por isso, necessitarem da gestão de diversos instrumentos, utilizados de forma coerente e coordenada para a sua resolução (Mattelaer, 2010, p. 128). Este conceito pode ainda ser traduzido como um conjunto de novas capacidades que estabelecem a ligação entre o domínio da Defesa, da Segurança e da política externa (Smith, 2013, p. 128). Ou também, tendo em conta o seu carácter preventivo, constituir-se como a simples reunião de políticas e de instrumentos, a fim de alcançar um objetivo partilhado, abordando os problemas com antecipação e evitando a sua evolução para uma crise (Ashton, 2014, p. 14).

Ainda na ótica da UE, surge outro conceito inovador denominado Integrated Approach. Este conceito aborda um espetro mais alargado dos conflitos e das crises, passando estas a ser qualificadas como multidimensionais, multifases, multiníveis e multilaterais, abrangendo áreas que vão desde a segurança e igualdade de género, à governação e economia (UE, 2016).

Pode então concluir-se que a GC utiliza os diversos instrumentos, civis e militares, mediante um processo que culmina numa crise, intervindo nas várias fases que a compõem, de acordo com a sua tipologia e intensidade, obrigando à intervenção de diferentes níveis e estruturas do Estado, ou de um conjunto de Estados (Cruz, 2017, p. 13).

 

1.3 Gestão Civil de Crises

Atento ao carácter multidimensional, transversal e abrangente das crises, assumindo vertentes diversas, tais como a política, social ou económica, estas podem assumir diferentes objetos de análise (Elias, 2011, p. 150). Tendo em conta a necessidade de utilização de instrumentos não militares para a sua resolução, de acordo com os conceitos anteriormente estudados, a GCC pode ser definida como “intervenção de pessoal não militar numa crise violenta ou não, com intenção de prevenir uma escalada da crise e de contribuir para a sua resolução” (Lindborg, 2002, p. 4). O conceito é constituído por várias etapas, que incluem a participação de vários intervenientes, ocupando o espetro difuso do conflito situado entre “a gestão civil de crises e a prevenção de conflitos, por um lado, e a gestão civil de crises e a gestão militar de crises, por outro” (Elias, 2011, p. 151). No entanto, pode sublinhar-se um núcleo duro do conceito que, na ótica de Nowak (2006,
p. 17), integra as capacidades operacionais civis dos EM que se desenvolveram, desde 1999, em paralelo aos aspetos militares da GC no âmbito da Política Europeia de Segurança e Defesa (PESD) e, como tal, “a gestão civil de crises é própria da União Europeia e não tem equivalente no léxico da Organização das Nações Unidas (ONU), Organização para a Segurança e Cooperação na Europa (OSCE), ou organizações regionais não europeias” (Dwan, 2004, p. 1).

Pode então referir-se que, através da GCC, para além de se pretender a estabilização de uma situação de conflito, procura-se também a restruturação, a reforma e a reconstrução, refletindo claramente a integração do conceito de Comprehensive Approach e Integrated Approach, quer na vertente security quer na vertente safety.

Em súmula, do enquadramento conceptual suprarreferido, resulta a distinção entre os conceitos de Crise, CG e de GCC. Verifica-se que estes conceitos de índole social foram evoluindo, passando a integrar de forma ampla todo o espetro do conflito nas suas diversas fases, exigindo respostas que vão para além da resposta puramente militar. Nesse sentido, assiste-se à materialização de novos conceitos de abordagem e de integração mais amplos, que resultam em respostas multidimensionais, multifases, multilaterais e multiníveis das diferentes estruturas do Estado.

 

2. Considerações Metodológicas

A fim de orientar de forma precisa, concisa e unívoca a recolha de informação, para melhor compreender a natureza dos fenómenos e por forma a tornar exequível, realista e pertinente esta investigação, foi formulada a seguinte questão QC: – Quais são os desafios e as prioridades que garantem
o estabelecimento de uma ENGC? Decorrentes da QC, seguidamente são expostas as QD a ser respondidas: – QD1: qual é o conceito de GC? – QD2: qual é a estrutura organizativa que compõe a ENGC? – QD3: quais são as medidas necessárias para garantir a implementação de uma ENGC?

Procedeu-se às leituras preliminares recorrendo a fontes primárias e secun-
dárias, com o propósito de ligar o OG da investigação à sua QC, abordando-se para isso conceitos diversificados. O Estado da Arte assentou em leituras preliminares e na revisão da literatura, essenciais a este estudo, que permitiu a necessária fundamentação para as considerações finais. O modelo de análise recorreu a um raciocínio indutivo, de natureza descritiva e empírica, segundo uma estratégia de investigação qualitativa.

O desenho de pesquisa implementado baseou-se num estudo de caso, de natureza empírica e descritiva associada à estratégia de investigação qualitativa, caracterizando-se o fenómeno das crises e as suas implicações no que diz respeito à implementação de uma ENGC. Relativamente às técnicas de recolha de dados, procedeu-se à análise documental escrita clássica e à análise não documental, através de observações não participantes, nomeadamente, entrevistas semiestruturadas aplicadas a uma amostra não-probabilística intencional que, embora não permitisse generalizações dos resultados, garantiu a seleção de elementos que melhor conhecimento detinham sobre o fenómeno de estudo (Santos, et al, 2016, p. 73).

O percurso metodológico adotado pretendeu ligar e correlacionar as três fases de investigação com as técnicas de recolha de dados descritas anteriormente e o respetivo modelo de análise adotado. Ou seja, através da observação e da recolha de dados descritivos e da análise documental, estabeleceram-se as generalizações tendentes à formulação da teoria, por forma a responder às QD e à QC da investigação, alcançando-se, deste modo, os OE e o OG.

A fase exploratória consistiu na definição das leituras preliminares e das entrevistas exploratórias que permitiram determinar o objeto, os objetivos e as questões deste estudo, análise e tratamento dos dados, segundo uma análise de conteúdo temática. Por fim, a fase conclusiva permitiu, mediante a avaliação e discussão dos resultados, avançar com as conclusões, os contributos para o conhecimento e as recomendações para futuras investigações.

 

3. Abordagens à Gestão Civil de Crises

Analisar-se-á agora a GCC, nomeadamente, quanto ao seu enquadramento tradicional, estrutural e organizacional. O processo de GCC enquadra a complexidade da GC, nomeadamente, a caracterização do conflito, a necessidade de instrumentos e de capacidades, e os processos de decisão e de planeamento das organizações e de outros atores implicados. A GCC alarga o conceito de Segurança, abrangendo uma visão global e evolutiva dos focos dos conflitos e da insegurança internacionais. Integra também os objetivos últimos do Estado, isto é, a defesa e soberania do seu território.

Considere-se, a seguir, o conceito de GCC quanto ao seu ajustamento ao nível tradicional, estrutural e organizacional, bem como as perspetivas que este encerra.

 

3.1 Abordagem Tradicional

O conceito de GC reporta-se à década de 60 do século passado por ocasião da Crise dos Mísseis de Cuba, mas a sua conceção passou a ter relevância estratégica um pouco antes, a partir de 1950, ao ser incluído nos estudos de geopolítica e geoestratégia (Carnes, 1998). Desde então, tornou-se familiar ao nível do processo de tomada de decisão e dos mecanismos, formas e meios de ação em crises internacionais (Alexandre, 2017, p. 27).

Em termos internacionais, Youngson (2001, p. 35) identifica três tipos distintos de crises: – as crises originárias de uma região e que ameaçam a estabilidade e a segurança internacionais; – as crises que podem escalar e projetar-se para toda a região; – e as crises restritas ou locais. Identifica também o conceito de crise, tornando lícito a procura do seu fim, da estabilidade e das instituições com esse objetivo (Youngson, 2001, p. 50). A transição para uma visão construtivista das crises, ao nível da GCC, foi feita num pequeno passo. Para Evans e Newnham (1998, p. 104) o processo de GC consubstancia-se em “tentativas para controlar os acontecimentos durante uma crise por forma a prevenir a ocorrência significativa e sistemática da violência”. Na mesma linha, Saraiva (2011, p. 16) refere que o objetivo da GC é evitar a guerra e estabelecer equilíbrios. A causa das crises deve ser resolvida adotando um processo comunicacional, um equilibrado exercício da autoridade e o controlo e coordenação adequados, com o mínimo de perdas possível (Quarantelli, 1988, p. 3). É também incluída a relevância da diplomacia, da recetividade e da proximidade para a resolução do conflito, evitando-se graves consequências para a região em crise. Nesse sentido, refere Santos (1996, p. 30) que “a gestão, sobretudo, a resolução de crises, implica (…) a aceitação de compromissos de gradualidade diferenciada entre as partes envolvidas”.

Pode, então, verificar-se que a GCC recorre a instrumentos militares e civis, incluindo os diplomáticos, a justiça, a PC, a SI e a administração local, como forma de reagir à gravidade da ameaça. Esta visão mais abrangente e completa promoveu a evolução da GCC a partir do conceito de GC, embora o terrorismo e outras ameaças transnacionais conduziram a GCC, mais adaptada ao soft power, à adoção de mecanismos relacionados com o hard power.

 

3.2 Vertente Estruturada

Com a Globalização, as crises tornaram-se mais multifacetadas, sustentadas por atores difusos e originários de regiões de rígido pendor ideológico. Ao mesmo tempo, assistiu-se a um maior envolvimento por parte dos Estados mais importantes, através de organizações e coligações multilaterais e a um aumento da duração das crises (Youngson, 2001).

Após a Guerra Fria, com a interdependência entre os Estados, apostou-se no desenvolvimento de equipamentos menos hostis e na adaptação dos recursos existentes, para a GC. A resolução deste novo tipo de conflito caracterizado por uma “amálgama de guerra, crime e violação dos direitos humanos”, passou pela utilização de “agentes de forças de segurança que terão de ser uma mistura entre soldados e polícias” (Kaldor, 2012, p. 11). Neste contexto, ganha especial importância a GCC, evitando a abrangência da violência e da guerra, atuando em situações de assistência humanitária, protegendo as populações, reestruturando e garantindo o Estado de Direito Democrático e monitorizando as fronteiras e a ordem e a tranquilidade públicas (Alexandre, 2017, p. 30).

Integra-se ainda na GCC a componente da segurança, uma vez que, segundo refere Ioannides (2009, p. 37), “demonstra o empenhamento normativo quanto à democracia, a consolidação e promoção dos direitos humanos e a boa governança”. Para tal, conceptualiza-se que a GCC é “uma intervenção de pessoal não militar numa crise, com intenção de prevenir uma escalada e contribuir para a sua resolução” (Penksa, 2010, p. 151). De acordo com esta linha de pensamento, Dwan (2004, p. 1) refere que a GCC se define como “política ou meio utilizado na gestão de crises que não seja militar ou meios militares (…)”. Para Nowak (2006, p. 17), a GCC está relacionada com “a capacidade operacional civil dos EM que se desenvolveu desde 1999 em paralelo com os aspetos militares da gestão de crises”.

A incorporação estruturada de instrumentos não militares na GCC, tal como a cooperação e coordenação civil-militar, é fundamental para a resolução dos conflitos, por forma a tornar os atores multifacetados e com grande capacidade de decisão e adaptação.

 

3.3 Cooperação e Coordenação

O Decreto-Lei N.º 173/2004, de 21 de julho, revogado com a aprovação da Lei de Segurança Interna (LSI), aprovou o Sistema Nacional de Gestão de Crises (SNGC), que apoiava o Primeiro-Ministro (PM) na tomada de decisão e correspondente execução, sempre que se afigurava uma situação de crise (AR, 2004). No preâmbulo deste diploma, a crise era definida como “a normalidade e a guerra, a urgência de decisões e de ações imediatas e a aplicação de meios adequados de resposta, no sentido do restabelecimento da situação ou da salvaguarda dos interesses postos em causa”. Para tal, estabelecia-se um gabinete de crise, presidido pelo PM e um gabinete de apoio que integrava o Ministério das Finanças, o Ministério da Defesa Nacional (MDN), o Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), o Ministério da Administração Interna (MAI), o Ministério da Justiça e outros membros consoante a situação, nomeadamente, dos Serviços de Informações (SInf), Forças e Serviços de Segurança (FFSS) ou ainda outras entidades relevantes.

O Conceito Estratégico de Defesa Nacional (CEDN) faz uma aproximação à GCC, referindo que compete ao Estado “maximizar as capacidades civis e militares existentes e impulsionar uma abordagem integrada na resposta às ameaças e riscos, operacionalizando um efetivo sistema nacional de gestão de crises” (Governo, 2013, p. 33).

Por sua vez, a LSI estabelece mecanismos de coordenação, garantidos pelo Secretário-Geral do Sistema de Segurança Interna (SGSSI), entre as FFSS e os serviços de emergência médica, a segurança rodoviária e transporte e a segurança ambiental, no âmbito da definição e execução de planos de segurança e GC. Esta Lei refere ainda que as FFAA colaboram em matéria de SI e, nesse sentido, também ao nível da GC e da GCC, de acordo com uma articulação operacional a ser estabelecida entre o SGSSI e o Chefe de Estado-Maior-General das Forças Armadas (CEMGFA), que carece, no entanto, de regulamentação (AR, 2008a). A cooperação é também reforçada pela Lei da Defesa Nacional, ao prever que as FFAA cooperam com as FFSS no combate a agressões ou a ameaças transnacionais, pelo que, atendendo aos conceitos expostos ao longo deste estudo, se poderá enquadrar a cooperação ao nível da GC e da GCC (AR, 2009a). Neste particular, as FFAA devem articular-se com os sistemas de GC, tal como prevê a alínea b) do N.º 3 do art.º 11.º do Decreto-Lei N.º 234/2009, de 15 de setembro, que aprova a estrutura do Estado-Maior-General das Forças Armadas (AR, 2009c), ou ainda a alínea e) do N.º 1 do art.º 4.º da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas, que estabelece a necessidade de coordenação com as FFSS, para o cumprimento conjugado de missões de combate às ameaças e agressões transnacionais, ou seja em situações de crise (AR, 2009b).

Ao nível da PC, a Lei de Bases da Proteção Civil prevê a articulação e cooperação, com as FFSS e as FFAA, em matéria específica de PC (AR, 2019). Perante a ausência de normas objetivas que enquadrem a GC ou a GCC, é-se forçado a considerar que a coordenação contempla também as situações de crise, nas vertentes de GC e GCC.

Em relação aos SInf, o CEDN refere que os “serviços de informações se constituem como incontornáveis instrumentos de identificação e avaliação de ameaças e oportunidades em cenários voláteis e complexos. São um instrumento estratégico do Estado, essencial para o apoio à decisão política, sobretudo em matérias de segurança e defesa” (Governo, 2013, p. 31). Deste modo, existe um especial dever de cooperação e de colaboração das FFAA e FFSS com os SInf, em situações que afetem o Estado de Direito e a independência e os interesses nacionais e de SE do Estado Português. Ou seja, em situações de GC ou de GCC, compete aos órgãos do Sistema de Informações, das FFAA e FFSS colaborarem e cooperarem na garantia dos bens constitucionais.

Apesar do enquadramento legal reforçar a cooperação, a verdade é não existe um normativo jurídico objetivo e concreto para a GC e GCC, com exceção da perspetiva de combate à crise ao nível da UE, que integra, esta sim, as vertentes militares e não-militares. Constata-se que a lei prevê a necessidade de cooperação e de colaboração, mas para a GC e GCC não é evidente “a necessária articulação entre as FFAA, FFSS, PC e Serviços de Informações para rentabilizar meios e melhorar a eficiência no combate aos atuais riscos e ameaças, de acordo com os princípios e normas de ordem constitucional e legal portuguesas” (Sousa, 2008, p. 83). Atendendo à intervenção das FFAA e à capacidade da defesa nacional em “projetar segurança no plano externo e cooperar no quadro dos sistemas e alianças em favor da segurança internacional e da Paz”1, constata-se a diminuta dimensão não-militar da GCC, por falta de integração das vertentes “judiciária, policial, alfandegária, de PC, vetores que, como é óbvio, são igualmente imprescindíveis” (Elias, 2011, p. 153).

De acordo com o supracitado, são consideradas cinco áreas fundamentais ao nível da GCC em Portugal, a diplomacia, a defesa nacional, a SI, a PC e, acrescenta-se, os SInf. Atento ao facto dos SInf se identificarem como uma área de análise e de parca operabilidade no que diz respeito à fase de resposta à crise, examine-se o estudo das quatro primeiras.

 

4. Estratégia Nacional de Gestão de Crises

Atendendo à pluriformidade das crises, num mundo complexo e de difícil definição, estas poderão propagar-se rapidamente para diferentes palcos de atuação internos e externos. Deste modo, é necessário estabelecer-se mecanismos de prevenção, gestão e resposta que permitam a atuação sobre o ponto fulcral do problema.

A criação de um “sistema de prevenção e de resposta a crises” (Elias et al., 2017), permite o regresso à normalidade democrática, a salvaguarda das pessoas e bens e o regular funcionamento das instituições, em situações de crise, através da estimulação à cooperação e coordenação e à abordagem compreensiva e abrangente das várias instituições que compõem as vertentes diplomática, SI, FFAA e a PC.

 

4.1 Diplomacia

O carácter preventivo da diplomacia ao nível da GC é preponderante, uma vez que a sua intervenção poderá evitar a guerra e, mesmo que tal aconteça, desempenha um papel importante na tentativa de mediar a procura da paz (Mongiardim, 2007, pp. 25–45). Nesse sentido, para Guedes e Elias (2012, p. 10), “a Diplomacia, as Forças Armadas e as Forças e Serviços de Segurança atuam cada vez mais em ‘controlo remoto’”, no sentido de prevenir e fazer cessar as ameaças e os riscos com potencialidade de escalarem ao nível global.

Em Portugal, a vertente diplomática é materializada pelo MNE, que é o órgão do Governo que tem autoridade para tomar decisões políticas urgentes em cenários de crise. Nesse sentido, compete ao MNE, formular, coordenar e executar a política externa nacional. No âmbito da sua participação internacional em organismos de que Portugal faz parte, em coordenação com o MDN e o MAI, nesta vertente da GC e da GCC, compete-lhe promover a participação das FFAA, das FFSS e da PC em missões internacionais, ou em operações desenvolvidas por organismos internacionais2.

Provavelmente, o exemplo mais pertinente da atuação da vertente diplomática em situações críticas é materializado pelo designado “Roteiro de Regresso”. Este plano pretende dar uma resposta eficaz aos cidadãos que se encontrem fora de Portugal e que, numa situação de crise, necessitem de ser evacuados com urgência. A execução deste plano está dividida em três fases. Na primeira fase, da responsabilidade do MNE e do MDN, diligencia-se no local da crise o transporte de cidadãos para Portugal, ou para outro local seguro. Numa segunda fase, garante-se o acolhimento inicial e de emergência, sendo da competência de vários Ministérios (MAI, MDN, Finanças, Trabalho Solidariedade e Segurança Social). Na terceira fase, procede-se ao acolhimento e à integração definitiva destes cidadãos, envolvendo o Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social (DGACCP, 2018).

 

4.2 Segurança Interna

O conceito de SI também evoluiu ao longo do tempo, abrangendo outros setores, tais como a PC, ambiente e saúde pública e, como refere Elias (2013, p. 9), “num pano de fundo cada vez mais intrincado, [onde] a dimensão externa da segurança interna de Portugal tem-se operacionalizado essencialmente nas seguintes vertentes: global, europeia e lusófona”. De facto, os órgãos que desenvolvem a atividade de SI podem atuar em palcos internacionais, o que evidencia a externalização do conceito de SI. É o caso, por exemplo, das Operações de Apoio à Paz, desenvolvidas em contextos da ONU, em missões de cooperação técnico-policial com os países lusófonos e em operações de GCC, no âmbito da UE.

De acordo com o N.º 1 do art.º 1.º da LSI, a SI é “a atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a ordem, a segurança e a tranquilidade públicas, proteger pessoas e bens, prevenir e reprimir a criminalidade e contribuir para assegurar o normal funcionamento das instituições democráticas, o regular exercício dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos e o respeito pela legalidade democrática”. Atento ao N.º 3 do mesmo artigo e diploma, tem como fim “proteger a vida e a integridade das pessoas, a paz pública e a ordem democrática, designadamente contra o terrorismo, a criminalidade violenta ou altamente organizada, a sabotagem e a espionagem, a prevenção e reação a acidentes graves ou catástrofes, a defesa do ambiente e a preservação da saúde pública” (AR, 2008).

A materialização da atividade de SI em situações associadas à GC e GCC ocorre com os incidentes mais graves e designados por Incidentes Tático-Policiais (ITP), cuja definição se encontra no N.º 3 do art.º 18.º da LSI. Estes incidentes conferem aos órgãos de SI, a necessidade de coordenação e de cooperação, com os SInf, com as FFAA e a PC, no sentido de promoverem uma eficiente e eficaz GC e GCC, perante a rutura de uma infraestrutura crítica, o dano causado aos cidadãos e os ataques com armas de destruição massiva. No âmbito do estabelecimento de mecanismos de coordenação e de cooperação entre as diferentes FFSS, é importante referir o Plano de Coordenação, Controlo e Comando Operacional, que estabelece, entre outras atribuições, a proteção de infraestruturas críticas e de pontos sensíveis, para além da definição dos diferentes estados de segurança.

A SI é desenvolvida pelos órgãos que compõem o MAI. Compete a este ministério a formulação, coordenação, execução e avaliação das políticas de segurança interna, de administração eleitoral, de proteção e socorro e de segurança rodoviária, bem como assegurar a representação do Governo no território nacional. É representado pelo Conselho Superior de Segurança Interna, o SGSSI e o Gabinete Coordenador de Segurança. Relativamente ao exercício da atividade de SI, é da competência das FFSS, do Serviço de Informações de Segurança, da Autoridade Marítima Nacional e dos órgãos do Sistema da Autoridade Aeronáutica Nacional (AR, 2008).

No âmbito da GC e da GCC, realça-se o papel desempenhado pelo SGSSI. Numa situação de crise, exerce a sua competência operacional sobre as FFSS e o Sistema Integrado das Operações de Proteção e Socorro (SIOPS) estabelecendo ainda a ligação com os EM da UE, perante situações de auxílio.

Para além destes atores, o quadro da SI integra outras instituições. É o caso das FFAA que, de acordo com a lei, colabora em matéria de SI, mediante a articulação operacional a ser estabelecida entre o SGSSI e o CEMGFA. Esta coordenação assenta no Plano de Articulação Operacional entre as FFAA e as FFSS, documento que se constitui como fundamental no âmbito do processo de prevenção da GC e GCC.

 

4.3 Forças Armadas

É incontornável o papel das FFAA ao nível da GC e GCC, quer num quadro interno quer no âmbito internacional. Exemplo disso são as diversas missões e operações que têm desenvolvido em termos da cooperação internacional e em missões de alta intensidade, humanitárias e de paz (Alexandre, 2017, p. 52). De acordo com os N.ºs 1 e 5 do art.º 274.º da Constituição da República Portuguesa, a missão principal das FFAA consubstancia-se na defesa militar da República, competindo-lhe ainda desempenhar as suas atribuições no âmbito da PC e na melhoria da qualidade de vida dos portugueses (AR, 1976). Para além da cooperação com as FFSS, quer no plano internacional quer no plano interno, há ainda a possibilidade de criação de estruturas que assegurem a interoperabilidade e a cooperação dos recursos, em situações críticas e em articulação operacional com estas.

No caso do estado de sítio e do estado de emergência, encontra-se tipificado constitucionalmente que as FFSS ficam sob comando operacional do CEMGFA, no caso do primeiro, e as FFAA são colocados em auxílio daquelas para a resolução de um desastre que esteja em curso, no caso do segundo (AR, 1986). Mas fora destes cenários de crise mais grave, refere-se novamente a importância do Plano de Articulação Operacional, que materializa o constante no art.º 35.º da LSI, permitindo a interoperabilidade de recursos entre as FFAA e as FFSS e uma abordagem civil e militar mais abrangente em situações de crise cujo processo se constitui numa verdadeira GC.

 

4.4 Proteção Civil

A PC visa assegurar as condições de bem-estar das populações, mediante o desempenho de um conjunto de atores que fazem parte de todo o processo de emergência. A missão da PC tem sido também externalizada através da participação dos seus peritos, no âmbito do Mecanismo Europeu de Proteção Civil (MEPC), em missões de GCC.

A PC é desenvolvida por um conjunto de órgãos que se enquadram num sistema, designado por Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC). Compete à ANEPC, planear, coordenar e executar a política de PC e desenvolver as suas atribuições no “âmbito da previsão e gestão de riscos, proteção e socorro, atividade dos bombeiros e de planeamento de emergência” (AR, 2019). Dotada de uma estrutura dinâmica e flexível, a ANEPC possui ainda um conjunto de procedimentos, de processos e de instrumentos eficazes para responder à GC e GCC, dos quais se destaca a gestão dos meios aéreos.

Com a restruturação sofrida, a ANEPC passou a integrar nas suas atribuições, para além da garantia do planeamento civil de emergência, a ação, planeamento e coordenação em cenários extremos de crise, como é o caso da guerra. Deste modo, uma verdadeira ENGC terá que integrar obrigatoriamente a PC, numa participação abrangente, em colaboração e cooperação com todos os outros órgãos, ou vertentes, do modelo de prevenção, gestão e resposta a crises.

Analisam-se agora as prioridades e os desafios necessários à criação de uma ENGC, com impacto ao nível do estabelecimento de um modelo de prevenção, gestão e de resposta a crises.

 

 

5. Prioridades e Desafios para a Estratégia Nacional de Gestão de Crises

A exponenciação e a multiplicidade das novas ameaças conduziram à evolução do quadro securitário, projetando a segurança humana e cooperativa como o novo paradigma. O Estado delegou as suas competências securitárias noutros atores que, interna e externamente se complementaram, subsidiariamente e concorrencialmente, pela Segurança (Elias, 2011). Perante esta realidade, a GCC deixou de ser um assunto de soberania e extravasou as fronteiras geográficas e políticas (Elias, 2013, p. 17).

Atento às virtudes identificadas do modelo de GCC português, urge agora apresentar as prioridades em termos do funcionamento do modelo ao nível da UE, bem como os desafios nacionais à estratégia de prevenção, gestão e resposta a crises.

 

5.1 Prioridades da Gestão Civil de Crises ao Nível da União Europeia

No Tratado de Maastricht debateram-se, pela primeira vez, questões de política externa, reserva tradicional da soberania dos EM. Com a fundação da Política Externa de Segurança Comum, reforçou-se a capacidade da UE intervir em situações de crise internacionais.

Com o Tratado de Amesterdão adotaram-se as estratégias, ações e posições comuns no domínio da Segurança, como, por exemplo, as Missões de Petersburg3. A capacidade de atuação da UE, através de forças militares em cenários de resposta a crises internacionais, surgiu com o Conselho Europeu (CEur) de Colónia (CE, 1999a). Neste Conselho, os Chefes de Estado decidiram que a UE desempenharia um papel importante ao nível da GC internacionais, adotando uma nova política, a PESD. Mais tarde, no CEur de Helsínquia (CE, 1999b), dotou-se a UE da capacidade de reação rápida, em cooperação com outras OI, disponibilizando os recursos militares e civis para atuar ao nível da GC. Mas é no CEur de Santa Maria da Feira que se consolida a designada GCC. Para tal, foram identificadas as quatro prioridades ao nível da GCC: polícia4, Estado de Direito, administração civil e PC (CE, 2000). No CEur de Nice, foram ainda considerados como prioridades o setor penal e o setor da justiça (Esteves, 2016). Já em Gotemburgo, foi aprovado um Plano de Ação Policial e criada uma Unidade de Polícia5, ao nível do Secretariado do Conselho da UE, como órgão de apoio estratégico e técnico para o planeamento, gestão e coordenação das missões civis no terreno.

Nos CEur seguintes foi aprovado e desenvolvido o Objetivo Global Civil, onde se estabeleceu como prioridade a possibilidade da UE poder assumir responsabilidades ao nível da segurança mundial e onde a GCC se constituiu como uma das componentes principais da PESD. Para além disso, atenta à visão transversal e multidimensional da segurança, harmonizou-se a capacidade da UE desenvolver atividades de GC com a Estratégia Europeia de Segurança, melhorando a qualidade e o reforço na disponibilização dos meios civis e dos meios militares no âmbito da PESD, com a Comissão, com outras OI e com países terceiros (Elias, 2011, p. 167). Perante a evolução do conceito de GCC, foi também integrado o conceito de reação rápida. Nesse sentido, em 2005 criaram-se as Civilian Response Teams, equipas multidisciplinares, auto-suficientes, multinacionais e com formação ao nível da UE. Estas Equipas foram dotadas de um elevado grau de prontidão, com capacidade para a recolha de informações e para o planeamento, ativação, apoio e reforço de uma missão.

A componente policial tem sido relevante para as operações de GCC da UE. Portugal contribuiu com centenas de elementos, nomeadamente, da Guarda Nacional Republicana (GNR) e da Polícia de Segurança Pública (PSP). A GNR, para além das missões de GCC, contribui ainda para as missões de GC da UE, na sua vertente militar (Elias, 2011, p. 172).

A participação policial em missões de GCC, nomeadamente, de estabilização, substituição, reforço ou reforma, monitorização e apoio a outras organizações, assume a forma de Integrated Police Unit (IPU) ou de Formed Police Units (FPU). As IPU têm a capacidade de projeção rápida, são auto-suficientes e logisticamente robustas. Por sua vez, as FPU não são auto-suficientes, recorrendo logisticamente a outras unidades militares ou às IPU e não possuem capacidade de autoproteção. Estes contingentes desempenham missões de policiamento, ordem pública e investigação criminal e possuem as componentes de operações especiais, segurança pessoal e inativação de engenhos explosivos. No âmbito das missões de reforço ou de reforma, os quadros policiais que nelas participam desempenham essencialmente funções de Estado-Maior, ao nível da gestão, planeamento, conceção, organização e comando, consoante o mandato (Elias, 2011, p. 173). Existe ainda um novo ator, a EUROGENDFOR, criada nos Países Baixos, em 2007, e aprovada em Portugal pela Assembleia da República, em 2008. A EUROGENDFOR é um instrumento credível e eficaz no âmbito da GCC, ao nível das operações policiais e ao dispor da UE, podendo atuar também no âmbito da ONU, NATO e da OSCE (AR, 2008b).

Em termos da proteção e socorro, a UE tem constituído diferentes estruturas de cooperação e de colaboração. Estabeleceu o MEPC, que procura reforçar a cooperação ao nível da PC em situações de emergência grave, recorrendo a vários especialistas oriundos dos EM (CE, 2018). Este mecanismo assegura a proteção de pessoas e bens contra as catástrofes naturais, tecnológicas, radiológicas, ou ambientais, que ocorram dentro ou fora da UE. Para tal procura melhorar o nível da coordenação, através da criação de um Centro de Informação e Vigilância, do recenseamento preliminar das equipas de intervenção, de programas de formação, mobilização de equipas de avaliação e de coordenação e sistemas comuns de comunicação de urgência entre EM. Existe ainda o Mecanismo Comunitário de Proteção Civil (MCPC), já ativado por inúmeras vezes em situações reais de GCC. Este mecanismo é uma força de intervenção, constituída também por equipas dos EM da UE, com dimensão adequada ao cenário da crise em causa. O seu objetivo é incrementar a colaboração e a cooperação, no âmbito da proteção e socorro, em situações de emergência grave.

 

5.2 Desafios Nacionais à Estratégia de Prevenção, Gestão e Resposta a Crises

Em Portugal, os elementos que integram as missões de GC e de GCC já foram notavelmente reconhecidos. De facto, a GCC tornou-se fulcral na gestão e resolução de crises em ambientes externos, dada as vertentes diversas que possui, nomeadamente, civis, militares, diplomáticas, económicas, judiciais, e de gestão, resolução e recuperação de Estados afetados (Alexandre, 2017, p. 57). Para além da GCC, também a intervenção policial, em termos de cooperação, tem sido um instrumento da política externa portuguesa no combate às ameaças mais graves, tal como o terrorismo internacional e a criminalidade violenta e organizada, atuando as suas FFSS de forma operacional, formativa e doutrinal.

No entanto, assiste-se internamente a uma estrutura de GCC cujos principais atores desempenham competências sobrepostas e conflituantes. A existência de um Sistema de Segurança Interna (SSI) dotado de uma estrutura pesada e com muitos atores, é o reflexo de um quadro ministerial composto principalmente pelo MNE, MDN e MAI, que ainda não assumiu uma resposta concertada, coordenada, articulada e adaptada à atual complexidade.

Atento aos poucos cenários de crises internas, as FFSS têm sido eficazes na sua atuação, nomeadamente, ao nível da ordem pública e de grandes eventos desportivos, políticos e religiosos. Têm também sido altamente eficazes na repressão da criminalidade grave e violenta, recebendo elevados elogios dado o lugar honroso que Portugal ocupa em diversos fóruns, tendo sido considerado um dos países mais seguros do mundo6. Mas, apesar da eficácia, a eficiência ao nível da GCC ainda tem um caminho longo a percorrer. De facto, a estrutura pesada e rígida do SSI, com atores que replicam e sobrepõem competências, desgasta consideravelmente a coordenação e cooperação entre todos e acarreta um dispêndio desnecessário de recursos humanos e materiais. No entanto, a sobreposição pode encerrar em si oportunidades para a cooperação, o planeamento e a coordenação entre os ministérios e todos os atores, através do estabelecimento de um plano de articulação que promova uma ação concertada em cenários de crise interna e externa.

Portugal está dotado dos instrumentos e de mecanismos que permitem o planeamento estratégico em situações de crise. Possui recursos humanos altamente qualificados, uma democracia madura assente no primado do Estado de Direito Democrático que garante os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos. Detém ainda FFSS, FFAA e uma PC conscientes dos desafios e das prioridades, estando preparados para a resposta eficaz ao nível das missões de GC e de GCC, sendo globalmente a referência em termos da doutrina desenvolvida e da cooperação militar, policial e no âmbito do socorro e proteção. Atento à necessidade de melhoria dos parâmetros da eficiência, poder-se-á apostar na complementaridade, que conduzirá à evolução e ao progresso. Para tal, o estabelecimento do Plano de Articulação entre as FFAA, as FFSS e a PC, cria as condições de resposta eficaz e eficiente no âmbito da GCC. Deverá também ser promovida uma maior coordenação interministerial por forma a alcançar uma articulação mais abrangente e integradora. No que diz respeito ao comando, coordenação e controlo, poderá ser estabelecido um novo SNGC, prevendo a existência de um gabinete de crises, na dependência direta do PM, que articule a cooperação e a coordenação entre as estruturas responsáveis ao nível da GC com um todo, com os recursos humanos e materiais necessários para esta altruísta missão.

Entrando agora na fase conclusiva deste estudo, pretendem identificar-se os desafios e os contributos necessários para o reforço de uma ENGC, alcançando-se o OG deste estudo. Propõem-se ainda algumas recomendações e contributos, julgados pertinentes, para a melhoria do modelo de GC e GCC estabelecido em Portugal.

 

Conclusões

O desenvolvimento tecnológico, industrial e urbano, que caracteriza o mundo atual e que tem proporcionado elevados níveis de bem-estar, coexiste com a conflitualidade, que conduz à desagregação das sociedades e dos Estados, colocando novos e importantes desafios que terão que ser enfrentados.

Após os atentados terroristas de 11 de setembro de 2001, em Nova Iorque e Washington, e as novas formas de ameaças, riscos e crises, com expressão em novos conflitos armados, no terrorismo transnacional, na criminalidade organizada, nas catástrofes naturais e desastres de origem humana, a GC passa a ocupar um lugar central nas políticas nacionais de Segurança e Defesa dos Estados, promovendo o estabelecimento de um conjunto de estratégias nacionais para lhe fazer face.

A imposição de um novo quadro securitário, baseado na segurança humana e cooperativa, surge como resposta perante a diversidade das atuais ameaças e riscos, tendo o conceito de Segurança sido alargado quanto ao seu domínio tradicional de atuação. Ao aumento do conceito de crise, resultado da evolução das ameaças e riscos, seguiram-se novas formas de GC. A GCC foi o reflexo da adaptação das estruturas a esta nova realidade, mediante uma atuação abrangente e integradora de vertentes com competências distintas.

Face a este novo quadro, e em termos da segurança internacional, verifica-se o reconhecimento das FFAA, FFSS e PC, pela sua participação cooperativa em missões de GC e de GCC. Quanto à SI, subsistem lacunas que poderão ser integradas mediante a coordenação ao nível ministerial, da realização de missões complementares e conjuntas e de uma estratégia que permita a escolha prioritária e credível dos diversos contributos. Para isso, há que adequar as estruturas ao contexto de ação e supervisionar as iniciativas corporativas individuais, rentabilizando-se os recursos disponíveis.

A GC e a GCC deverão assentar num modelo que preveja o planeamento, gestão e resposta integrada, na interoperabilidade dos recursos e na eficiência e eficácia. Este modelo procurará atuar no domínio do hard power e do soft power, para atingir um conjunto de diversos parâmetros, assumindo-se como um mecanismo importante na projeção da política interna e externa, promovendo a segurança nacional e internacional.

Perante esta opção, com todas as vertentes integradas, atento à transnacionalização das ameaças e à exteriorização da SI, não fará mais sentido falar em GC e de GCC de forma conceptualmente rígida e compartimental, entre aquilo que é militar e não-militar. Falar-se-á, sim, apenas em GC como um todo, atendendo às componentes político-diplomática, militar, de polícia, de justiça e outras, envolvidas ao nível da prevenção, gestão e resposta a crises, bem como às díspares dimensões da Segurança. Tal conceito constitui-se como o cimento de um modelo assente numa estratégia, a ENGC, de integração, colaboração e cooperação, adaptada e adequada a cada situação de crise em concreto, abrangendo todos os recursos e estruturas afetas à sua prevenção, gestão e resposta.

O presente estudo iniciou-se com uma abordagem introdutória e conceptual, após a qual se orientou a pesquisa para a análise de documentos, nomeadamente, artigos científicos, monografias e algumas obras estruturantes. Os dados decorrentes desta análise foram sistematizados em quatro capítulos que sustentaram a resposta às QD e QC. Tendo em conta a QC deste estudo, nomeadamente, “Quais são os desafios e as prioridades que garantem o estabelecimento de uma ENGC?”, foi estabelecido um conjunto de QD que orientaram a análise e promoveram a consequente resposta, a fim de se atingir os OE e o OG pretendidos.

Começando por responder à QD1, nomeadamente, saber qual é o conceito de GC? Verificamos que, tradicionalmente, o conceito de GC é permeável à evolução das crises e das ameaças, passando a integrar uma reação mais abrangente e completa. Esta evolução, conduziu ao conceito de GCC que, por sua vez, alargou o quadro da Segurança, tornando-se mais global e abrangente, adaptado às estratégias de hard e de soft power.

Estruturalmente, verificou-se a importância do instrumento militar para a GC e do não-militar para a GCC, fundamentais para prevenir, gerir e garantir a resposta às crises. Constatou-se ainda a existência de estruturas que desenvolvem atividades de GC e GCC, cuja colaboração e coordenação é reforçada pela lei, embora subsista a falta de um normativo jurídico objetivo que integre claramente as componentes militares e não-militares.

Deste modo, considera-se que a GC é a atividade abrangente e completa desenvolvida por um conjunto de órgãos e estruturas que, mediante a utilização da capacidade militar e não militar, de forma adequada, coordenada e cooperativa, garante a prevenção, gestão e a resposta a crises. Atento ao ora exposto, considera-se respondida a QD1, tendo sido alcançado o OE1.

Em relação à QD2, identificou-se a estrutura organizativa que compõe a ENGC e constatou-se que, numa situação de crise, deve ser garantida o funcionamento regular das instituições, bem como a salvaguarda de pessoas e bens. Tal exige uma prevenção, gestão e resposta a crises coordenada, compreensiva, abrangente e cooperativa, ao nível das suas mais variadas vertentes. Verificou-se a preponderância da vertente diplomática, a evitar a guerra e a mediar a paz, e o papel que o MNE possui ao nível da coordenação com o MDN e o MAI promovendo a participação das FFAA, FFSS e PC, em assuntos relacionados com a GC e GCC.

Quanto à vertente da SI, constatou-se a evolução e a abrangência deste conceito à PC, ao ambiente e à saúde pública, podendo ainda atuar em palcos internacionais. Em matéria de GC e GCC, a materialização da sua atividade ocorre no âmbito dos ITP e é desenvolvida pelos órgãos que
compõem o MAI. A gestão eficiente e eficaz destas crises confere a necessidade de coordenação entre os SInf, as FFAA e a PC, mediante o estabelecimento do Plano de Coordenação, Controlo e Comando Operacional. Neste plano, o SGSSI exerce a competência operacional sobre as FFSS e o SIOPS. As FFAA também colaboram em matéria de SI, mediante a articulação entre o SGSSI e o CEMGFA, e o estabelecimento do Plano de Articulação Operacional.

Em relação à vertente das FFAA, é incontornável o seu papel fundamental no âmbito da GC e GCC. Através de estruturas que garantem a interoperabilidade e a cooperação operacional com as FFSS e PC, vão em seu auxílio na resolução das crises, permitindo, deste modo, uma abordagem militar e não-militar mais abrangente. Quanto à PC, assiste-se à sua externalização em consequência do MEPC. A atividade é desenvolvida pela ANEPC que estabelece os procedimentos, processos e instrumentos no âmbito da GC e GCC, destacando-se a gestão dos meios aéreos. A participação abrangente, em colaboração e cooperação com todos os outros órgãos, estabelece uma verdadeira ENGC, sendo a PC necessária ao modelo de GC. Assim, atento ao exposto no presente parágrafo, considera-se respondida a QD2, atingindo-se deste modo o OE2 deste trabalho.

Relativamente à QD3, identificou-se as medidas necessárias para garantir a implementação de uma ENGC, nomeadamente, as prioridades a ser estabelecidas para o funcionamento do modelo de GC ao nível do quadro internacional, bem como os desafios internos para a prevenção, gestão e resposta a crises. Quanto ao quadro internacional, constatou-se a evolução e consolidação do conceito de GC para GCC, estabelecendo-se prioridades e harmonizando-se a capacidade da UE em desenvolver atividades de GCC através dos recursos militares e civis. Comprovou-se ainda a importância da componente policial, através da participação da GNR e da PSP em missões de estabilização, substituição, reforço ou reforma, monitorização e apoio a outras organizações. A participação assumiu a forma de IPU e de FPU, de quadros policiais superiores, ou ainda através da EUROGENDFOR. Em termos da proteção e socorro, assistiu-se ao estabelecimento do MEPC e do MCPC, que procuram reforçar a cooperação e articulação ao nível da PC.

Quanto ao plano interno, verificou-se um SSI com uma estrutura pesada e inúmeros atores com competências sobrepostas e conflituantes. O quadro ministerial não assumiu ainda uma resposta concertada, articulada e adaptada, provocando a corrosão ao nível da coordenação e cooperação entre atores e o dispêndio de recursos. No entanto, estas lacunas dão azo a oportunidades que devem ser exploradas. Portugal é reconhecido pela qualificação dos seus recursos humanos, pelo facto de garantir os Direitos, Liberdades e Garantias dos cidadãos e de ter as suas FFAA, FFSS e PC preparadas para responder eficazmente ao nível da GC e GCC. Estabeleceu-se também um Plano de Articulação abrangente e integrador entre as FFAA, FFSS e a PC, que aposta na complementaridade e na coordenação interministerial. Para além disso, poderá ser estabelecido um novo SNGC, com capacidade de articulação, cooperação e coordenação entre as estruturas envolvidas na prevenção, gestão e resposta a crises. Identificadas que estão as medidas que garantem a implementação de uma ENGC, considera-se respondida a QD3, alcançando-se o OE3.

Regressando à QC deste estudo, “Quais são os desafios e as prioridades que garantem o estabelecimento de uma ENGC?”, conclui-se que, em primeiro lugar, deverá ser estabelecido um procedimento qualificador do tipo de crise e se esta se enquadra na vertente safety ou security. Tal permitirá a articulação de meios e o estabelecimento de um único comando centralizado na correspondente vertente operacional. Deverá também ser criada a doutrina necessária ao desenvolvimento conceptual e o funcionamento das estruturas. Em segundo lugar, o desenvolvimento do Plano de Articulação Operacional, deve envolver as FFAA, as FFSS e a PC, baseando-se na complementaridade e na cooperação. Em terceiro lugar, deve ser incrementado o investimento em formação de quadros, sendo esta integrada nos cursos já existentes, ou nos cursos complementares garantindo, deste modo, uma elevada capacidade de resposta em GC, sejam estas internas ou externas. Deve ainda ser promovido o relacionamento com organismos nacionais e internacionais, atento ao quadro de segurança cooperativo e à necessidade da partilha de Informações, como fonte para a segurança dos Estados e das suas populações. Por fim, o restabelecimento de um novo SNGC, dotado de um gabinete de crise na dependência direta do PM, permitirá a partilha da informação, a avaliação da situação de crise e a adoção de um maior comprometimento perante a mesma.

O percurso lógico, integrado e articulado, assente na confrontação entre a observação, a recolha de dados descritivos e a análise documental, permitiu estabelecer generalizações que garantiram a resposta às QD. Atendendo ao seu somatório, considera-se, deste modo, respondida a QC da investigação. Considera-se ainda atingido o OG deste estudo, isto é, identificar os desafios e as prioridades necessários para o estabelecimento de uma ENGC.

Como principal contributo para o conhecimento, realça-se o facto deste trabalho poder ser observado como um instrumento de apoio ao desenvolvimento do estudo aprofundado sobre as implicações que a atividade desenvolvida pelas estruturas de GC, de forma integrada, cooperativa e colaborativa, poderão ter no âmbito de um novo SNGC.

Em relação às limitações, estas decorreram do constante desafio em analisar o tema numa perspetiva holística, face às inúmeras publicações legislativas e jurisprudenciais que se debruçam sobre esta matéria. O esforço despendido motivou uma dedicação quase em exclusivo no sentido de procurar criar valor com o estudo ora elaborado. Atento à atualidade do tema e a toda a bibliografia que versa sobre este assunto, estão garantidos os critérios de credibilidade necessários para as generalizações pretendidas.

Para finalizar, em relação às recomendações, poderão ter em conta o desenvolvimento de futuras linhas de investigação relacionadas com o SNGC, nomeadamente: – o funcionamento das estruturas perante um determinado modelo de GC; – a rentabilização dos recursos investidos na atual ENGC em termos da sua eficácia e eficiência; – a implementação de um modelo assente numa verdadeira ENGC que englobe, em situações de crise interna e externa, todas as suas vertentes; – o funcionamento de um SSI dotado de uma estrutura mais leve, isenta de sobreposições e de corporativismos institucionais.

Admitindo que se possa ter sido demasiado ambicioso nos objetivos definidos face à abrangência, diversidade e complexidade da matéria que os compõe, a sua relevância assim nos impeliu. Possamos, por isso, retirar as conclusões desta mesma reflexão.

 

Referências Bibliográficas

Alexandre, E. (2017). Gestão Civil de Crises-Da União Europeia a Portugal: Contributos para uma Visão Estratégica na Polícia de Segurança Pública (Dissertação de Mestrado Integrado em Ciências Policiais). ISCPSI, Lisboa.

AR. (1976). Aprova a Constituição da República Portuguesa. Decreto de Aprovação da Constituição, Diário da República N.o 86/1976, Série I de 10 de abril de 1976.

AR. (1986). Aprova o Regime do estado de sítio e do estado de emergência. Lei N.o 44/1986, Diário da República N.o 225/1986, Série I-A de 30 de setembro de 1986.

AR. (2004). Sistema Nacional de Gestão de Crises. Decreto-Lei N.o 173/2004, Diário da República N.o 170/2004, Série I-A de 21 de julho de 2004.

AR. (2008a). Lei da Segurança Interna. Lei N.o 53/2008, Diário da República N.o 167/2008, Série I-A de 29 de agosto de 2008.

AR. (2008b). Visa a criação da Força de Gendarmerie Europeia (EUROGENDFOR). Resolução da Assembleia da República N.o 55/2008, Diário da República N.o 187/2008, Série I-A de 29 de setembro de 2008.

AR. (2009a). Aprova a Lei de Defesa Nacional. Decreto-Lei N.º 31-A/2009, de 7 de julho, Diário da República N.º 129/2009, Série I de 07 de julho de 2009.

AR. (2009b). Aprova a Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas. Lei Orgânica N.º 1-A/2009, de 7 de julho, Diário da República N.º 129/2009, Série I de 07 de julho de 2009.

AR. (2009c). Aprova a Estrutura do Estado-Maior-General das Forças Armadas. Decreto-Lei N.o 234/2009, de 15 de setembro, Diário da República N.º 179/2009, Série I de 15 de setembro de 2009.

AR. (2019). Aprova a Orgânica da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil. Decreto-Lei N.o 45/2019, de 1 de abril, Diário da República N.o 64/2019, Série I de 1 de abril de 2019.

Ashton, C. (2014). Crisis rooms: Towards a global network? Crisis Rooms: Towards a Global Network? Institute for Security Studies. Retirado de http://www.iss.europa.eu/uploads/media/Crisis_ Rooms.pdf.

Bauman, Z. (2000). Liquid modernity. Cambridge: Polity Press.

Beattie, T. (2010). Conventional Deterrence and the Falkland Islands Conflict. Naval Postgraduate School (U.S.): Defense Technical Information Center.

Beck, U. (1992). Risk Society: Towards a New Modernity. London: SAGE Publications.

Blockmans, S., & Wessel, R. (2009). European Union and Crisis Management: Will the Lisbon Treaty Make the EU More Effective? Journal of Conflict and Security Law, 14 (2), 1-44.

Brecher, M. (1978). Studies in Crisis Behavior. New Jersey: Transaction Books.

Buzan, B., Wæver, O., Waever, O., & Wilde, J. de. (1998). Security: A New Framework for Analysis. USA: Lynne Rienner Publishers, Inc.

Carnes, L. (1998). Crisis Management: A Primer. Washington DC: Institute for Advanced Srategic and Political Studies.

CE. (1999a). Conselho Europeu de Colónia. Conclusões da Presidência. Retirado de http://www.europarl.europa.eu/summits/kol2_pt.htm.

CE. (1999b). Conselho Europeu de Helsínquia. Conclusões da Presidência. Retirado de http://www.europarl.europa.eu/summits/hel1_pt.htm.

CE. (2000). Conselho Europeu de Santa Maria da Feira. Conclusões da Presidência. Retirado de http://www.europarl.europa.eu/summits/fei1_pt.htm.

CE. (2002). Conselho Europeu de Sevilha. Conclusões da Presidência. Retirado de http://europa.eu/rapid/press-release_DOC-02-13_pt.htm.

CE. (2018). Mecanismo de Proteção Civil da União Europeia. In Proteção Civil e Operações de Ajuda Humanitária Europeias. Retirado de https://ec.europa.eu/echo/files/aid/countries/factsheets/thematic/civil_protection_pt.pdf.

Collins, A. (2007). I Introduction: What is Security Studies? Contemporary security studies.New York : Oxford University Press.

Cruz, M. (2017). A Gestão de crises da UE_ Vantagens e Inconvenientes (Trabalho de Investigação Individual, Instituto Universitário Militar). IUM, Lisboa.

DGACCP. (2018). Roteiro de Regresso. Lisboa: Comunidades Portuguesas. Retirado de https://www.portaldascomunidades.mne.pt/images/GADG/Roteiro_de_Regresso_final_p_Portal.pdf.

Dwan, R. (2004). Civilian tasks and capabilities in EU operations. A Human Security Doctri ne for Europe. A Human Security Doctrine for Europe. Project, Principles, Practicalities, 26.

Elias, L. (2011). Estratégia Portuguesa na Gestão Civil de Crises. Nação e Defesa, (129), 145-184.

Elias, L. (2013). A Externalização da Segurança Interna: as dimensões global, europeia e lusófona. Relações Internacionais, (40), 09-29.

Elias, L, Mongiardim, R., Cabral, C., Castro, R., & Moura, J. (2017). Sistema de Prevenção e Resposta a Crises – o Caso Português. Lisboa: Instituto de Defesa Nacional.

Esteves, C. (2016). A Força de Gendarmerie Europeia – Uma década de participações em Operações de Gestão de Crises. REVISTA MILITAR (2579). Retirado de https://www.revistamilitar.pt/artigo/1186.

Evans, G., & Newnham, J. (1998). The Penguin dictionary of international relations. London: Penguin Books.

Frisell, E., & Oredsson, M. (2006). Building Crisis Management Capacity In The EU. Stockholm: Swedish Defence Research Agency. Retirado de https://www.foi.se/rest-api/report/FOI-R--1920--SE.

Goemans, T. (1992). Crisis Management: Handling the Unexpected, the Unknown and the Undesired. Canada: KPMG Management Consulting.

Gomes, P. (2005). A cooperação policial na União Europeia: um desafio estratégico para a PSP (Trabalho Final do 1.o CDEP). ISCPSI, Lisboa.

Governo. (2013). Conceito Estratégico de Defesa Nacional. Retirado de https://www.defesa. pt/documents/20130405_cm_cedn.pdf.

Guedes, A., & Elias, L. (2012). Here be Dragons: Novos conceitos de segurança e o Mundo contemporâneo (com Luís Elias), numa edição conjunta do Instituto Superior de Ciências Policiais e Segurança Interna e da Almedina, em 2012. O Poder e o Estado: 5-36, with Luís Elias, ISCPSI and Almedina, Coimbra, 20.

Hermann, C. (1969). Crises in foreign policy: A simulation analysis. Princeton: Center of International Studies.

Holsti, O. (1980). Crisis, stress and decision making in The War System – An Interdisciplinary Approach. Boulder: Westview Press.

Institute for Economics & Peace. (2018). Global-Peace-Index-2018-Meausering Peace In a Complex World (IEP Report 68), Sydney, IEP. Retirado de http://visionofhumanity.org/app/uploads/2018/06/Global-Peace-Index-2018-2.pdf

Ioannides, I. (2009). European Union Security Sector Reform: What Added Value? Eyes on Europe. Retirado de https://papers.ssrn.com/sol3/papers.cfm?abstract_id=1533860.

Kaldor, M. (2012). New and old wars: Organized violence in a global era. United States: Stanford University Press.

Lindborg, C. (2002). European Approaches to Civilian Crisis Management. A BASIC Special Report on Roundtable Discussions Held (Special Report 2002.1.), Washington D.C. British American Security Information Council.

Mattelaer, A. (2010). The CSDP Mission Planning Process of the European Union: Innovations and Shortfalls. European Integration online Papers, 1 (14), 1-18. Retirado de http://eiop.or.at/eiop/pdf/2010-009.pdf.

Mongiardim, M. (2007). Diplomacia. Coimbra: Edições Almedina.

Nowak, A. (2006). Civilian crisis management: The EU way. Chaillot Paper, 90, 150. Retirado de https://www.iss.europa.eu/sites/default/files/EUISSFiles/cp090_0.pdf.

Pearson, C. (1998). Reframing Crisis Management. Academy of Management Review, 23, 1, 59-76.

Penksa, S. (2010). Rethinking Security Governance. In C. Daase & C. Friesendorf (Eds) Security governance, complex peace support operations and the blurring of civil-military tasks (23).

Pirozzi, N. (2015). The European Union’s Crisis Management After Lisbon: Addressing New Security Challenges in the 21st Century (IAI Worling Press 13), Istituto Affari Internazionali.

Quarantelli, E. (1988). Disaster Crisis Management: A Summary of Research Findings. Journal of Management Studies, 25(4), 373-385.

Santos, V. (1996). A ‘nova ordem mundial’: O conceito e perspectiva. Separata da Conjutura Internacional. Lisboa: Instituto Superior de Ciências Sociais e Políticas.

Santos, L., Garcia, F., Monteiro, F., Lima, J., Silva, Nuno., Silva, J., Piedade, J., Santos, R. e Afonso, C., (2016). Orientações metodológicas para a elaboração de Trabalhos de Investigação. Porto: Fronteira do Caos Editores.

Saraiva, F. (2011). A Definição de Crise das Nações Unidas, União Europeia e NATO. Nação e Defesa, (129), 11-30.

Silva, P. (2012). A Crise. Caos Urbano. Lisboa: PACTOR.

Silva, C. (2018). As Informações Militares Um instrumento de Segurança e de Defesa Nacional (Trabalho de Investigação Individual, IUM). IUM, Lisboa.

Smith, M. E. (2013). Institutionalizing the Comprehensive Approach to EU Security. European Foreign Affairs Review, 18, 25.

Sousa, P. (2008). O Direito Penal e a Defesa Nacional. Lisboa: Almedina.

UE. (2007). Tratado de Lisboa. Jornal Oficial da União Europeia. Retirado de https://www.parlamento.pt/europa/Paginas/TratadodeLisboa.aspx.

UE. (2008). Relativa à melhoria da cooperação entre as unidades especiais de intervenção dos Estados-Membros da União Europeia em situações de crise. Decisão 2008/617/JAI do Conselho, de 23 de junho de 2008. Retirado de https://eur-lex.europa.eu/legal-content/PT/TXT/PDF/?uri=CELEX:32008D0617&from=HU.

UE. (2016). Visão partilhada, ação comum: Uma Europa mais forte. Estratégia global para a política externa e de segurança da União Europeia. Retirado de https://eeas.europa.eu/topics/eu-global-strategy_en.

Youngson, P. (2001). Coercive Containment: The New Crisis Management. International Relations. SAGE, 15 (5), 37-52. Retirado de https://journals.sagepub.com/doi/pdf/10.1177/004711701015005004.

 

__________________________________

* Trabalho realizado no âmbito da Unidade Curricular de Segurança Interna e Forças de Segurança, enquanto doutorando do Doutoramento em Direito e Segurança, ano letivo 2017/2018, da Faculdade de Direito da Universidade Nova de Lisboa.

1 Vide o Programa do XVIII Governo Constitucional.

2 Por exemplo, as operações no âmbito da FRONTEX, ou da EUROPOL, entre outras.

3 As Missões de Petersburg decorreram da Declaração de Petersburg, assinada em 1992, e abrangiam a ajuda humanitária ou de evacuação de cidadãos, de manutenção e restabelecimento de paz e de GC (Silva, 2018).

4 Foi considerado como empenhamento da capacidade policial, as atividades desenvolvidas pelas forças policiais com estatuto civil e militar que refletiam os diversos modelos policiais da UE (Gomes, 2005, p. 22).

5 A Unidade de Polícia foi substituída no CEur de Sevilha, pela Civilian Planning and Conduct Capability, ao nível da reestruturação da estrutura de comando e controlo das operações de GC da UE (CE, 2002).

6 Portugal ocupa o 4.º lugar no índice dos países mais pacíficos do mundo, tal como consta no Global Peace Index 2018 (Institute for Economics & Peace, 2018, p. 8).

Gerar artigo em pdf
2021-07-13
49-77
582
47
Avatar image

Tenente-coronel

José Manuel Brito de Sousa

Docente na Área de Ensino de Operações Militares no Instituto Universitário Militar.

REVISTA MILITAR @ 2024
by CMG Armando Dias Correia