Em 2014, o Departamento de Defesa dos EUA produziu um estudo, relativamente aos conceitos de Liderança, Chefia e Comando alertando para os efeitos perniciosos daquilo que designaram por “Líder Tóxico” e correspondente tipo de liderança, pelas consequências que essa circunstância poderia provocar, quer nas organizações quer nos comportamentos individuais.
A Revista Militar, na sua edição de dezembro daquele ano, fez eco das considerações desse estudo, designadamente, a referência a que esse tipo de chefia “era caracterizado por atos marcados pelo interesse ou projeto pessoal, por agendas próprias, desinseridas das realidades ou necessidades das organizações ou instituições, que se assumem tutelar ou dirigir, por um fraco processo de decisão, pela vacuidade da argumentação, de opção pelo acessório em detrimento do fundamental, que aposta no “micro-management”, na obtenção da informação para esse processo fora da estrutura formal das organizações, na falta de transparência das opções e das decisões, inversão de prioridades e por uma ausência ou fraca preparação e cultura organizacional”.
Acrescenta, também, que estes comportamentos assentam no “imediatismo das decisões, na ignorância e no preconceito, no deslumbramento por soluções desinseridas das realidades circunstanciais, pelo provincianismo e que provocam nas organizações e instituições, prejuízos profundos, com repercussões que perduram no tempo e introduzem entropias no seu normal funcionamento, afetando a produtividade, a adequabilidade e a flexibilidade da sua resposta aos desafios do futuro e, em particular, às situações inesperadas, assim como perturbam a coesão e moral do pessoal, com inequívocos efeitos negativos na eficácia e eficiência nos desempenhos que se prospectivam”.
Quando se analisam os conceitos referidos no início deste texto, no quadro da condução das instituições, se nos servirmos dos múltiplos manuais de chefia e liderança, são constantes os alertas para a necessidade de não se comprometerem princípios gerais, que têm a ver com o relacionamento do topo da hierarquia com as bases, o clima de confiança e transparência na tomada das decisões, a audição, mas, sobretudo, a participação, a coordenação e a ponderação e rigor das características intrínsecas das instituições e/ou organizações, assim como para com o respeito pela teoria e doutrina organizacional das mesmas.
Se de uma forma mais simples e direta se recorrer ao Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa, para encontrarmos palavras-chave para caracterizar aqueles conceitos, de uma forma sucinta, surge-nos para “Liderança” – capacidade de exercer influência, ter carisma, ser competente; para “Comando” – exercer um mandato, dirigir como superior, ter autoridade sobre; para “Chefia” – poder de decidir, ser competente, ter capacidade para coordenar e influenciar. Esta diferenciação permite-nos comparar cada um deles e refletir sobre a qualidade do seu exercício, incluindo a opção por qual das práticas somos confrontados.
Desse exercício ressalta que, por vezes, as circunstâncias e características pessoais conduzem à eleição de uma das formas de condução das organizações/instituições; na situação de falta de aptidão, para chefiar ou liderar, a solução encontra-se no comando e na ampliação do mandato, de forma a garantir um objetivo estabelecido, seja ele qual for, seja pessoal, tido como institucional, político, económico ou outro qualquer.
Estas situações decorrem ainda, também, por fragilidades e incompetência das tutelas, umas vezes por convergência de personalidades, ou por se tornarem atrativas pela possibilidade da transferência de responsabilidades que deveriam ser suas, esquecendo, normalmente e em simultâneo, a atribuição daquilo que deveriam ser os correspondentes recursos, mas igualmente tranquilizadas e iludidas pela convicção de que se “os problemas não me forem colocados, deixam de existir”. É uma verdadeira ilusão, porque os problemas não só não desaparecem, como em devido tempo vão mesmo surgir, mas de forma caótica, urgente e mais exigente.
A bem da sanidade organizacional seria bom que este tipo de líderes ou de liderança não existissem. Contudo, a realidade contemporânea mostra-nos que elas persistem, surgem ocasional e periodicamente, sendo importante para as Instituições que têm de perdurar para além de uma gestão conjuntural que, mais do que minorar danos se consiga impedir, seja pela pedagogia seja pela demonstração da sua evidência e pela responsabilização das anomalias provocadas, que possam continuar a acontecer, designadamente aos níveis mais elevados da Administração do Estado.
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* Presidente da Direção da Revista Militar.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.