Por produtos de “dupla utilização” entendem-se quaisquer produtos, incluindo suportes lógicos e tecnologia, que possam ser utilizados tanto para fins civis como para fins militares e que, se utilizados para fins não pacíficos, designadamente na produção de armamento convencional e de armas de destruição em massa, podem pôr em risco a estabilidade, a segurança e a paz mundiais 1.
O rigor da terminologia do “duplo uso”, na Diretiva Ministerial de Planeamento de Defesa Militar (2019-2022)2, inspira uma reflexão sobre algumas imprecisões que, há anos, têm sido lidas e ouvidas sobre o assunto.
No quadro constitucional da República Portuguesa e no respeito pelos princípios fundamentais do Estado de direito democrático, as normas constantes de convenções internacionais regularmente ratificadas ou aprovadas vigoram na ordem interna após a sua publicação oficial e enquanto vincularem internacionalmente o Estado Português e as disposições dos tratados que regem a União Europeia e as normas emanadas das suas instituições, no exercício das respetivas competências, são aplicáveis na ordem interna nos termos definidos pelo direito comunitário3.
Em Portugal, no âmbito da Defesa Nacional e das Forças Armadas, a expressão “dupla utilização” ou “duplo uso” [trad. de dual use] é utilizada há mais de 25 anos. No entanto, há que reconhecer que o conceito nem sempre é expresso de forma coerente ou no seu preciso significado e, muitas vezes, é empregue à margem da correspondente codificação jurídica (comunitária e nacional), com algumas liberdades (académicas) de tradução e interpretações (formais) desviantes das próprias missões constitucionais das Forças Armadas, em expressões tais como “Marinha de duplo uso”, “princípio de duplo uso”, “unidade de duplo uso”, “missão de duplo uso”, “modalidade de duplo uso”, “capacidade de duplo uso”, “tarefa de duplo uso”, “desenvolvimento de duplo uso”, “atividade de duplo uso”, “filosofia de duplo uso”...
Em 1996, o Ministro da Defesa Nacional expunha o “duplo uso”, em consonância com o ambiente europeu de racionalização e concentração de meios:
(…). Haverá igualmente que gerar lucros ou, se se preferir, adaptar as indústrias às novas condições do mercado. O que não podemos é continuar a dar sucessivas injecções de capital a um sector que, por não ter manifestamente sabido acompanhar os tempos, constitui hoje um encargo muito difícil de justificar perante os contribuintes. A lógica no sector da defesa, à escala europeia, aponta, portanto, para fusões de grupos e, no que se refere a países de dimensão semelhante ao nosso, para a especialização em nichos de mercado. Seria fatal para a defesa dos nossos interesses a prazo ignorar as tendências que já se manifestam neste domínio. Trata-se, assim, no domínio das indústrias de defesa, de apostar num novo conceito de gestão empresarial das unidades do sector, e de reconhecer que, mais do que indústrias de defesa, o que interessa a um país com a dimensão do nosso é ter indústrias de duplo uso, com uma componente de aplicações civil, e uma componente de aplicações militar, salvaguardada a natureza de especial segurança de que devam revestir-se as aplicações deste último tipo4.
O conceito de “duplo uso” ou “dupla utilização”, sendo preocupação que tanto vale nos Estados-membros da União Europeia, como noutros Países, incluindo a Rússia, a China e a Índia, já era utilizado nos Estados Unidos da América, no início dos anos 90 do século passado, no âmbito da “Defense Conversion”, tendo em vista “encontrar usos civis produtivos para os recursos militares, no âmbito da Defesa Nacional, canalizando a economia de “Research and development” (R&D) de “defesa militar” para “defesa civil”, exclusivamente em tempo de paz, tendo em vista as oportunidades para promover tecnologias civis e melhorar a competitividade industrial, no âmbito internacional, redirecionando a R&D da defesa para finalidades civis e militares5.
Portugal integra a Comunidade Económica Europeia (CEE), desde 1 de janeiro de 1986. Esta, com a publicação do Regulamento (CE) n.º 3381/94 do Conselho, de 19 de Dezembro de 1994, institui um regime comunitário de controlo da exportação de bens de “dupla utilização”, praticável desde 1 de março de 19956, definindo os mesmos como “quaisquer bens susceptíveis de ter uma utilização civil e militar” e tendo em consideração que as disposições e decisões nacionais em matéria de exportação de produtos de dupla utilização são as adotadas no quadro da política comercial comum, em especial as do Regulamento (CEE) n.º 2603/69 do Conselho, de 20 de dezembro de 1969, que estabelece um regime comum aplicável às exportações7.
Mais tarde, o Regulamento (CE) n.º 1334/2000 do Conselho, de 22 de junho de 2000, que cria um regime comunitário de controlo das exportações de produtos e tecnologias de dupla utilização8, o qual foi por diversas vezes alterado de forma substancial, define “produtos de dupla utilização, quaisquer produtos, incluindo suportes lógicos e tecnologia, que possam ser utilizados tanto para fins civis como para fins militares, incluindo todos os bens que possam ser utilizados tanto para fins não explosivos como para de qualquer modo auxiliar no fabrico de armas nucleares ou outros engenhos explosivos nucleares”.
No início do Séc. XXI, a catalogação “duplo uso” está na cena internacional, no âmbito dos negócios de armamentos, e é patente a necessidade de sujeitar os produtos de “dupla utilização” (incluindo suportes lógicos e tecnologia) a um controlo eficaz aquando da sua exportação a partir da Comunidade Europeia, num regime comum eficaz de controlo e de políticas harmonizadas de execução e monitorização, assegurando o respeito dos compromissos e responsabilidades internacionais dos Estados-membros e da União Europeia, nomeadamente em matéria de não proliferação, como requisito prévio da livre circulação dos mesmos na Comunidade.
Cerca de ano e meio após a assinatura do Tratado de Lisboa da União Europeia9, o Regulamento (CE) n.º 428/2009 do Conselho, de 5 de maio de 2009, consolida o regime comunitário de controlo das exportações, transferências, corretagem e trânsito de produtos de dupla utilização e estabelece que os produtos de “dupla utilização” devem ser sujeitos a um controlo eficaz quando são exportados a partir da União, quando nela transitam ou quando são entregues num país terceiro através de um serviço de corretagem prestado por um corretor residente ou estabelecido na União10. Neste desiderato, o Regulamento de 2009, entre outros aspectos e critérios, mantém a definição de “produtos de duplo uso”.
Com periodicidade, é publicado um Regulamento Delegado da Comissão que atualiza a lista de produtos de dupla utilização estabelecida no anexo I do Artigo 3.º do Regulamento (CE) n.º 428/2009, de modo a assegurar o pleno cumprimento das obrigações de segurança internacionais, a fim de garantir a transparência e manter a competitividade dos operadores económicos. A última lista comunitária foi publicada em 2019 e inclui as listas de controlo adotadas pelos regimes internacionais de não proliferação e pelos acordos de controlo das exportações, em harmonização com as regras e compromissos internacionais assumidos pelas seguintes entidades11:
– O Australia Group (1985), um fórum informal de países que, através da harmonização dos controlos das exportações, procura assegurar que as exportações não contribuam para o desenvolvimento de armas químicas ou biológicas12;
– O Missile Technology Control Regime (1987), um acordo político informal entre os Estados que procuram limitar a proliferação de mísseis, sistemas completos de foguetes, veículos aéreos não tripulados e tecnologia conexa13;
– O Nuclear Suppliers Group (1975), um grupo de países fornecedores de tecnologia e materiais nucleares que procura contribuir para a não proliferação de armas nucleares através da aplicação de dois conjuntos de diretrizes, para as exportações nucleares e para as exportações no domínio nuclear14;
– O Wassenaar Arrangement (1996), celebrado a fim de contribuir para a segurança e a estabilidade regionais e internacionais, mediante a promoção da transparência e de uma maior responsabilidade nas transferências de armamento convencional e de produtos e tecnologias de “dupla utilização”, prevenindo, assim, acumulações desestabilizadoras15;
– A Chemical Weapons Convention, de 13 de janeiro de 1993, sobre a proibição do desenvolvimento, produção, armazenagem e utilização de armas químicas e sobre a sua destruição visa eliminar toda uma categoria de armas de destruição em massa, proibindo o desenvolvimento, a produção, a aquisição, a armazenagem, a detenção, a transferência ou a utilização de armas químicas pelos Estados-partes16.
A lista de bens e tecnologias de “duplo uso” consta de um catálogo com cerca de 240 páginas que permite dar aplicação prática aos controlos internacionalmente acordados, em relação a equipamentos conjuntos, equipamentos de ensaio, inspeção e produção, materiais, suportes lógicos e tecnologia dos bens em apreço, que se encontram agrupados em dez categorias:
Categoria 0 – Materiais, instalações e equipamento nucleares
Categoria 1 – Materiais especiais e equipamento conexo
Categoria 2 – Tratamento de materiais
Categoria 3 – Eletrónica
Categoria 4 – Computadores
Categoria 5 – Telecomunicações e segurança da informação
Categoria 6 – Sensores e lasers
Categoria 7 – Navegação e aviónica
Categoria 8 – Engenharia naval
Categoria 9 – Aeroespaço e propulsão
Portugal, em resultado da aplicação da legislação comunitária específica e da sua participação nas cinco organizações internacionais atrás mencionadas (v. Anexo), relativamente aos produtos e tecnologias de “duplo uso”, tem compromissos internacionais a respeitar que se encontram plasmados na legislação interna, concretamente, no Decreto-Lei n.º 130/2015, de 9 de julho, do Ministério das Finanças17, que caracteriza como “produtos de dupla utilização quaisquer produtos, incluindo suportes lógicos e tecnologia, que possam ser utilizados tanto para fins civis como para fins militares e que, se utilizados para fins não pacíficos, designadamente na produção de armamento convencional e de armas de destruição em massa, podem pôr em risco a estabilidade, a segurança e a paz mundiais”18.
Assim e no que concerne ao Regulamento (CE) n.º 428/2009, entre outros aspetos, a Autoridade Tributária e Aduaneira do Ministério das Finanças é a autoridade nacional competente para licenciar as operações previstas, designadamente, a exportação, a transferência, a prestação de serviços de corretagem e o trânsito de produtos de dupla utilização, fiscalizar as operações referidas no mesmo, procedendo, para o efeito, a controlos específicos, designadamente à verificação das mercadorias, ao controlo dos dados das declarações e da existência e autenticidade dos documentos, às auditorias contabilísticas aos operadores e às inspeções dos meios de transporte e emitir o certificado de destino final daqueles produtos.
Trata-se de um mecanismo diferente das regras comuns aplicáveis ao controlo das exportações de tecnologia e equipamento militares que tem por base a Lista de Produtos Relacionados com a Defesa (antiga Lista Militar Comum) da União Europeia19, em que o Ministro da Defesa Nacional é a autoridade nacional competente, podendo delegar no director-geral da Direção-Geral de Recursos de Defesa para, entre outros aspetos, licenciar as transferências intracomunitárias e as operações de exportação, reexportação, importação, trânsito, transbordo e passagem previstas na presente lei, com vista ao exercício dos actos de comércio internacional de produtos relacionados com a defesa e fiscalizar tais operações, podendo, para o efeito, proceder a controlos, inspecções ou auditorias junto dos operadores económicos20.
Dessa forma, o Estado Português também dá sinal do seu vínculo à Resolução 1540 do Conselho de Segurança das Nações Unidas, de 28 de abril de 2004, a qual “requer o estabelecimento de um marco jurídico nacional que impeça a proliferação das armas nucleares, químicas e biológicas, bem como seus sistemas vetores”. Neste contexto, a Resolução da ONU preconiza uma regulação adequada para materiais conexos, equipamentos e tecnologia, especificando que esta deve incluir os seguintes elementos:
– Um sistema que justifique e assegure a segurança dos materiais conexos durante sua produção, utilização, armazenamento ou transporte;
– Medidas efetivas de proteção física;
– Medidas efetivas de controlo alfandegário e de aplicação da lei;
– Controlos efetivos de exportação nacional e transbordo.
a. Um “paradigma” da Marinha
No preâmbulo do diploma legal que aprova a Lei Orgânica da Marinha (LOMAR-2009)21, consta:
– (…). Há, consequentemente, que ajustar a estrutura da Marinha, dotando-a das capacidades adequadas ao exercício das suas competências, respeitando, sobretudo, os princípios da racionalidade e da economia.
Assim, o presente decreto-lei, dando corpo a estas orientações, incorpora importantes alterações relativamente ao exercício do emprego operacional da Marinha, no quadro das Forças Armadas, adoptando um conceito de emprego operacional como uma actividade permanente e não excepcional.
Neste sentido, os elementos da componente operacional do sistema de forças e outros órgãos que são relevantes para o cumprimento das missões de âmbito operacional articulam-se numa lógica funcional de integração e complementaridade de capacidades no exercício do emprego operacional da Marinha, no quadro das Forças Armadas.
Estes elementos, na linha da tradição naval portuguesa, dão corpo ao paradigma da Marinha de “duplo uso”, materializado numa actuação militar e numa actuação não militar, privilegiando uma lógica de economia de esforço e de escala, bem como o desenvolvimento de sinergias, por partilha de conhecimentos e recursos. (…)
Cinco anos mais tarde, com a revogação deste decreto-lei, no preâmbulo da nova LOMAR22 consta um novo texto relacionado com o modelo de atuação deste ramo das Forças Armadas, em face das suas capacidades para o cumprimento das suas missões que, nos termos da lei, podem incluir atividades de natureza militar ou de natureza não militar:
– (…). No âmbito da reforma, importa assim refletir na orgânica da Marinha o modelo de desenvolvimento baseado numa lógica funcional de integração e complementaridade de capacidades necessárias ao cumprimento das suas missões. Para tal, a Marinha edifica e mantém um conjunto de capacidades destinadas ao desenvolvimento das atividades de natureza militar que podem, e devem, ser empregues no desenvolvimento das atividades não-militares, garantindo, no estrito cumprimento da lei, uma utilização eficaz dos meios com base no princípio da racionalidade económica, com benefício para o País.”
b. Conceito Estratégico de Defesa Nacional
No Conceito Estratégico de Defesa Nacional (2013)23, a expressão é utilizada por três vezes, no Capítulo V – Contexto nacional, em relação a algumas formas de “adequar as políticas de segurança e defesa nacional ao ambiente estratégico”:
– “Valorizar as missões de interesse público das Forças Armadas
(...)
As missões constitucionalmente atribuídas às Forças Armadas incluem missões de interesse público, nomeadamente no apoio ao desenvolvimento sustentado e à melhoria da qualidade de vida dos portugueses. Estas missões abrangem um vasto leque de atividades, incluindo: o apoio ao Serviço Nacional de Proteção Civil, para fazer face a situações de catástrofe ou calamidade pública; o apoio à satisfação das necessidades básicas das populações; a fiscalização da Zona Económica Exclusiva; a busca e salvamento; a proteção do ambiente; a defesa do património natural e a prevenção de incêndios; a pesquisa dos recursos naturais e a investigação nos domínios da geografia, cartografia, hidrografia, oceanografia e ambiente marinho. Na execução destas missões deve ser valorizado na máxima extensão possível o princípio do duplo uso.
– Adaptar e racionalizar estruturas
(...)
É importante maximizar as práticas de duplo uso e de partilha de recursos, bem como eliminar todas e quaisquer formas de duplicação de meios públicos.
– Valorizar o conhecimento, a tecnologia e a inovação
(...)
Explorar a experiência recolhida pela participação das Forças Armadas em missões no exterior para, em colaboração entre universidades, centros de investigação e a indústria, desenvolver soluções tecnológicas com interesse para o mercado global da defesa e de duplo uso civil e militar.”
É redutor o apelo do CEDN-2013 à valorização na máxima extensão possível do “princípio do duplo uso”, apenas na execução das missões de interesse público constitucionalmente atribuídas às Forças Armadas, nomeadamente “no apoio ao desenvolvimento sustentado e à melhoria da qualidade de vida dos portugueses, missões que abrangem um vasto leque de atividades, onde se inclui, entre outros, o apoio ao Serviço Nacional de Proteção Civil, para fazer face a situações de catástrofe ou calamidade pública”24. Além disso, no quadro jurídico português e no respeito pela ligislação comunitária da União Europeia, tal “princípio” só pode ser entendido como a “possibilidade de desenvolver tecnologias, meios ou equipamentos que possam ser utilizados tanto no âmbito estritamente militar como no âmbito civil”.
c. Plano de Apoio Militar de Emergência do Exército
O Plano de Apoio Militar de Emergência do Exército (PAMEEX), de 2018, visa estabelecer a forma de colaboração do Exército na resposta a emergências complexas, designadamente acidentes graves ou catástrofes, naturais ou provocadas, em especial nas áreas do socorro, apoio às populações afetadas, logística, comunicações de emergência, engenharia e apoio sanitário, em todo o território nacional.
Essa colaboração, em ações de proteção civil (ProCiv), insere-se no âmbito do Apoio Não Programado, em resposta a solicitações e pedidos não previstos de entidades com responsabilidade no sistema de ProCiv, e no âmbito do Apoio Programado, quando executada em conformidade com os planos previamente elaborados para o efeito e integrando nos centros de coordenação operacional um oficial de ligação.
No quadro geral do AMEEX, a colaboração do Exército faz-se no quadro da legislação em vigor, de forma faseada, progressiva, de comando centralizado na UAME e execução descentralizada através de módulos de intervenção localizados nas U/E/O. Deve considerar-se que o AME deve ser executado com recurso, na máxima extensão possível, às capacidades já existentes e numa ótica de “duplo uso”, entendido como possibilidade de empregar o mesmo meio/equipamento tanto no âmbito estritamente militar como em apoio à população (âmbito civil)25.
d. Lei de Programação Militar
A Lei de Programação Militar (LPM)26 constitui o principal instrumento financeiro plurianual para a Defesa Nacional e materializa uma estratégia de médio e longo prazo para a edificação das capacidades militares, assente no desenvolvimento da inovação e gerando valor acrescentado para a economia nacional, reforçando o emprego qualificado e promovendo as exportações das empresas deste setor de atividade. Por outro lado, o apoio às populações, especialmente no apoio à proteção civil ou no âmbito do combate aos incêndios e, bem assim, as missões em articulação com o Sistema Integrado de Segurança Interna são solicitações a responder.
Dado que “a racionalização de meios impõe que se centralize cada vez mais o investimento nas áreas em que a intervenção das Forças Armadas é mais necessária”, o Governo propõe-se, num espetro de racionalização de meios mais abrangente, executar a LPM, com especial enfoque no equipamento de importância estratégica e que se traduza num efeito multiplicador da capacidade operacional, apostando nos programas conjuntos e naqueles passíveis de “duplo uso” (civil e militar) e na criação de riqueza para a economia nacional.
Sendo a inovação científica e tecnológica uma das bases principais do desenvolvimento das economias globalizadas e abertas e tendo em conta “a transversalidade das dimensões da defesa e o potencial industrial, tecnológico e científico das instituições e unidades a ela ligadas, nomeadamente nos sectores das tecnologias da informação, da aeronáutica e da construção naval, fazem deste sector um pólo potencialmente dinâmico da produção, consumo, difusão e demonstração da inovação e da tecnologia dos portugueses, o CEDN-2013 considera relevante “explorar a experiência recolhida pela participação das Forças Armadas em missões no exterior para, em colaboração entre universidades, centros de investigação e a indústria, desenvolver soluções tecnológicas com interesse para o mercado global da defesa e de duplo uso civil e militar27”.
e. Grandes Opções do Plano
As Grandes Opções do Plano 2020-2023 (GOP 2020-23) do XXII Governo Constitucional, aprovadas pela Assembleia da República28, integram compromissos e políticas, designadamente, no domínio da valorização das funções de soberania. No âmbito da União Europeia, Portugal concretizou, em dezembro de 2017, a sua intenção de participar numa Cooperação Estruturada Permanente (CEP) no domínio da segurança e da defesa29. Acresce que está em processo de conclusão um Programa Europeu de Desenvolvimento Industrial no domínio da Defesa e um Fundo Europeu de Defesa, consubstanciando uma transformação profunda e apontando para uma Identidade Europeia de Defesa. Portugal propõe-se participar neste processo, reforçando a sua capacidade militar e simultaneamente as suas indústrias de defesa.
Por outro lado, no âmbito da NATO, em julho de 2018, Portugal renovou, calendarizou e planificou o compromisso de aumentar a despesa em Defesa, apontando para um rácio entre 1,66 % e 1,98 % do PIB em 2024, o que exige que os ganhos decorrentes deste esforço sejam mensuráveis e tenham um impacto positivo sobre a economia nacional.
Neste contexto, as GOP preconizam o reforço e a racionalização dos meios ao serviço da Defesa, em linha com as metas assumidas no quadro da NATO e ao abrigo da LPM modernizar e reforçar as capacidades militares. Contudo, a racionalização de meios impõe que se centralize cada vez mais o investimento nas áreas em que a intervenção das Forças Armadas é mais necessária. Deste modo, o Governo irá, entre outras opções:
– Executar a LPM, com especial enfoque no equipamento de importância estratégica e que se traduza num efeito multiplicador da capacidade operacional, apostando nos programas conjuntos e naqueles passíveis de duplo uso (civil e militar) e na criação de riqueza para a economia nacional.
f. Diretiva Ministerial de Planeamento de Defesa Militar (2019-2022)
Esta Diretiva do Ministro da Defesa Nacional tem por finalidades:
– Estabelecer as orientações políticas para o Planeamento de Defesa para o quadriénio 2019-2022, enunciando as linhas orientadoras tanto para as capacidades a edificar e prioridades associadas, bem como para a definição da quantidade, escala e natureza das operações para as quais as Forças Armadas (FFAA) deverão estar preparadas. Estas orientações estão sincronizadas e articuladas com o Ciclo de Planeamento da OTAN, o Processo de Desenvolvimento de Capacidadesda UE, as necessidades de planeamento da Organização das Nações Unidas (ONU) e da Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP);
– Implementar o Planeamento de Defesa orientado para o desenvolvimento de capacidades,com base no nível de ambição assumido, nos cenários prioritários de atuação, abrangendo o médio e longo prazo. Pretende igualmente identificar as lacunas consideradas prioritárias, definir os objetivos de capacidades, implementar o desenvolvimento e monitorizar os resultados.
No âmbito da “orientação política” e no que concerne a “prioridades políticas e orientações para o Planeamento de Defesa Militar”, a Diretiva refere:
– Às FFAA pede-se, cada vez mais, que respondam a novas e complexas missões, e que assumam novas responsabilidades, através de uma gestão racional dos recursos públicos, estabelecendo relações com outras áreas governativas e entidades, com vista ao desenvolvimento de políticas coordenadas, na garantia das respostas mais eficientes e eficazes face aos desafios existentes.
Para além destes cenários de atuação, as ameaças de natureza híbrida implicam que se disponha de um leque de capacidades bastante mais alargado. As capacidades a desenvolver devem ser avaliadas na forma como contribuem para as missões militares e não militares, dando prioridade a programas conjuntos e, em especial, aos equipamentos passíveis de duplo e multiuso, no âmbito da Cooperação Estruturada Permanente e do Fundo Europeu de Defesa, mas também junto da Agência Espacial Portuguesa, da Agência Europeia de Defesa, da OTAN e de outros programas cooperativos. Deve igualmente ser considerado o desenvolvimento da economia nacional, promovendo a indústria nacional, em parceria com os centros de investigação e as universidades nacionais.
A livre circulação de mercadorias na UE é uma das liberdades fundamentais. No entanto, as mercadorias que entram e saem do mercado interno da UE estão sujeitas a controlos pelos Estados-membros. O Regulamento (CE) n.º 428/2009 é obrigatório em todos os seus elementos e diretamente aplicável em todos os Estados-membros, embora preveja que estes tomem certas medidas para a implementação de determinadas disposições, e que as informações sobre essas medidas devem ser publicadas no Jornal Oficial da União Europeia.
O Regulamento Delegado (UE) 2019/2199 da Comissão, de 17-10-2019, aplica-se principalmente a cerca de 1858 produtos de “dupla utilização” da Lista de Controlo da UE” e classificados nas dez categorias mencionadas no n.º 3 do presente texto. Segundo os dados do recente Relatório da Comissão da UE ao Parlamento e ao Conselho sobre a aplicação do Regulamento (CE) n.º 428/2009 que institui um regime comunitário para o controle de exportações, transferência, corretagem e trânsito de itens de dupla utilização, de 03-02-202130, aqueles bens estão distribuídos conforme mostra o quadro seguinte:
Categoria 0 | Materiais, instalações e equipamento nucleares | 126 |
Categoria 1 | Materiais especiais e equipamento conexo | 482 |
Categoria 2 | Tratamento de materiais | 229 |
Categoria 3 | Eletrónica | 234 |
Categoria 4 | Computadores | 21 |
Categoria 5 | Telecomunicações e segurança da informação | 94 |
Categoria 6 | Sensores e lasers | 354 |
Categoria 7 | Navegação e aviónica | 93 |
Categoria 8 | Engenharia naval | 57 |
Categoria 9 | Aeroespaço e propulsão | 168 |
|
| 1858 |
Constata-se que o domínio dos bens e tecnologias de “duplo uso” ou de “dupla utilização”, transversal, nomeadamente, aos setores da segurança, da defesa, da indústria, do comércio, das alfândegas e dos sistemas tributários, utiliza uma terminologia rigorosa com definições específicas, acordadas entre atores internacionais, com o suporte das diplomacias estatais, de tutelas governamentais e de organizações internacionais.
Em todas as áreas do conhecimento técnico-científico, a exatidão terminológica revela-se de importância fundamental na comunicação especializada. Urge, pois, assumir o real significado da terminologia do “duplo uso”, como contributo para a codificação e a difusão de uma doutrina nacional (que vigora, efetivamente, nos Estados-membros da UE), de forma a evitar que o facilitismo de um slogan possa desvirtuar o conceito objetivo do termo, no âmbito da Defesa Nacional e das Forças Armadas Portuguesas.
Não existem Forças Armadas, unidades ou forças militares de “duplo uso”. Estas cumprem, nos termos da lei, as missões que lhes são determinadas, no quadro do Artigo 275.º da Constituição da República, com o emprego de recursos humanos e materiais que o Estado lhes confia, sendo que apenas os recursos materiais podem ser criteriosa e previamente classificados de “duplo uso (civil e militar)” ou de “uso estritamente militar”.
Estados participantes no Australia Group, no Missile Technology Control Regime, no Nuclear Suppliers Group e no Wassenaar Arrangement e na Chemical Weapons Convention
1. Estados que participam em mais do que uma entidade
A – Australia Group
B – Missile Technology Control Regime
C – Nuclear Suppliers Group
D – Wassenaar Arrangement
E – Chemical Weapons Convention
2. Estados que participam exclusivamente na Chemical Weapons Convention
Afeganistão, Albânia, Algéria, Andorra, Angola, Antígua e Barbuda, Arábia Saudita, Arménia, Azerbaijão, Bahamas, Bahrein, Bangladesh, Barbados, Belize, Benim, Bolívia, Bósnia e Herzegovina, Botswana, Brunei, Burquina Faso, Burundi, Butão, Cabo Verde, Camarões, Cambodja, Chade, Chile, Colômbia, Comoros, Congo, Coreia do Norte, Costa d’Ivoire, Costa Rica, Cuba, Djibuti, Dominica, Egipto, El Salvador, Emiratos Árabes Unidos, Equador, Eritreia, Etiópia, Fiji, Filipinas, Gabão, Gâmbia, Geórgia, Ghana, Grenada, Guatemala, Guiana, Guiné, Guiné Equatorial, Guiné-Bissau, Haiti, Honduras, Iémen, Ilhas Cook, Ilhas Marshal, Ilhas Solomon, Indonésia, Irão, Iraque, Israel, Jamaica, Jordânia Kiribati, Kuwait, Laos, Lesoto, Líbano, Libéria, Líbia, Liechtenstein, Macedónia, Madagáscar, Malásia, Malawi, Maldivas, Mali, Mar Feliz, Marrocos, Maurícias, Mauritânia, Micronésia, Moçambique, Moldávia, Mónaco, Mongólia, Montenegro, Myanmar, Namíbia, Nauru, Nepal, Nicarágua, Níger, Nigéria, Niue, Oman, Palau, Palestina, Panamá, Papua Nova Guiné, Paquistão, Paraguai, Peru, Qatar, Quénia, Quirguistão, República Central Africana, República Democrática do Congo, República Dominicana, Ruanda, S. Kitts e Nevis, S. Vincent e Grenadines, Samoa, San Marino, São Tomé e Príncipe, Senegal, Serra Leoa, Seychelles, Singapura, Síria, Somália, Sri Lanka, St.ª Lúcia, Suazilândia, Sudão do Sul, Sudão, Suriname, Tailândia, Tajiquistão, Tanzânia, Timor Leste, Togo, Tonga, Trinidad e Tobago, Tunísia, Turquemenistão, Tuvalu, Uganda, Uruguai, Uzbequistão, Vanuatu, Venezuela Vietname, Zâmbia, Zimbabué.
__________________________________________________________
1 Preâmbulo do Decreto-Lei n.º 130/2015, de 9 de julho. Adota as medidas necessárias à aplicação do Regulamento (CE) n.º 428/2009, do Conselho, de 5 de maio, e da Ação Comum n.º 2000/401/PESC, do Conselho, de 22 de junho, relativos ao regime de controlo das exportações, transferências, corretagem, trânsito e assistência técnica de produtos de dupla utilização. Diário da República (DR), 1.ª série – N.º 132 – 09-07-2015.
2 Despacho n.º 2536/2020 do Ministro da Defesa Nacional, de 24-02. DR, 2.ª série – N.º 38 – 24-02-2020.
3 Constituição da República Portuguesa, Artigos 2.º e 8.º.
4 “Intervenção do Ministro da Defesa Nacional, Dr. António Vitorino, perante os Auditores do Curso de Defesa Nacional (CDN 96), efetuada no Instituto da Defesa Nacional”. Lisboa, 09-05-1996. In Nação e Defesa. Instituto de Defesa Nacional. N.º 79, julho-setembro. 1996. p. 43.
5 United States Congress. Office of Technology Assessment (OTA). (1993). Defense Conversion: Redirecting (r&d). OTA-ITE-552. Washington, DC: Government Printing Office.
6 JO L 324 de 27-12-1969.
7 Idem.
8 JO L 159 de 30-06-2000.
9 O TUE foi assinado em 13 de dezembro de 2007 e entrou em vigor a 1 de dezembro de 2009.
10JO L 134 de 29-05-2009.
11Regulamento Delegado (UE) 2019/2199 da Comissão, de 17-10-2019. JO L 338 de 30-12-2019.
12Disponível em http://www.australiagroup.net. Consultado em 05-02-2021.
13Disponível em http://mtcr.info/. Consultado em 05-02-2021.
14Disponível em http://www.nuclear suppliersgroup.org/. Consultado em 05-02-2021.
15Disponível em https://www.wassenaar.org/. Consultado em 05-02-2021.
16Disponível em https://www.opcw.org/chemical-weapons-convention. Consultado em 05-02-2021.
17Adota as medidas necessárias relativas ao regime de controlo das exportações, transferências, corretagem, trânsito e assistência técnica de produtos de dupla utilização. DR n.º 132, Série I, de 09-07-2015.
18V. nota de rodapé 1.
19Lista de Produtos Relacionados com a Defesa da União Europeia adotada pela Comissão, em 14-03-2019. JO L 89 de 29-03-2019.
20Decreto-Lei n.º 98/2019 de 30 de julho. Altera os procedimentos aplicáveis à transmissão e à circulação de produtos relacionados com a defesa, transpondo a Diretiva (UE) 2019/514.
21Decreto-Lei n.º 233/2009, de 15 de setembro. Aprova a Orgânica da Marinha. DR n.º 179/2009, Série I de 15-09-2009.
22Decreto-Lei n.º 185/2014, de 29 de dezembro. DR n.º 250/2014, Série I de 29-12-2014.
23Resolução do Conselho de Ministros n.º 19/2013, de 21 de Março de 2013. Aprova o Conceito Estratégico de Defesa Nacional. DR n.º 67/2013, Série I de 05-04-2013.
24Idem. p. 1991.
25Plano de Apoio Militar de Emergência do Exército (PAMEEX). Lisboa: Estado-Maior do Exército. 26-06-2018. Documento não Classificado. Disponível em https://assets.exercito.pt/SiteAssets/GabCEME/RCRPP/Documentos/Plano%20de% 20Apoio%20Militar%20de%20Emergência%20do%20Exército.pdf. Acesso em 04-02-2021.
26Lei Orgânica n.º 2/2019, de 17 de junho. Aprova a Lei de Programação Militar e revoga a Lei Orgânica n.º 7/2015, de 18 de maio. DR n.º 114/2019, Série I de 17-06-2019.
27Idem. p. 1995.
28Lei n.º 3/2020, de 31 de março, aprova as GOP (2020-2023). DR, 1.ª série. N.º 64, 31-03-2020.
29V. Coelho, Adelino de Matos (2018). “Portugal e a cooperação intergovernamental na UE: das origens à Cooperação Estruturada Permanente”. Revista Militar n.º 2593/2594 – fev/mar de 2018, pp. 191-216.
30Disponível em https://trade.ec.europa.eu/doclib/docs/2021/february/tradoc_159415.pdf. Acesso em 12-02-2021.
Habilitado com os Cursos de Infantaria, da Academia Militar, Geral de Comando e Estado-Maior e Superior de Comando e Direção, do Instituto de Altos Estudos Militares; possui outros Cursos de que se destacam o de Oficial de Informação Pública do Comando Aliado da Europa da OTAN (Bélgica), o Curso Militar de Direito Internacional dos Conflitos Armados, do Instituto de Direito Humanitário de Sanremo (Itália) e o Diploma de Pós-Graduação em Estudos Europeus da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.
Ao longo da sua carreira, prestou serviço em várias Unidades e Órgãos do Exército, nomeadamente, no Regimento de Infantaria de nº 3, em Beja, que comandou, e no Estado-Maior do Exército, onde desempenhou o cargo de Chefe da Divisão de Pessoal. Além disso, também desempenhou carg