Nº 2631 - Abril de 2021
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
O Conflito entre a China e Portugal (1521-1522). A importância da Artilharia
Tenente-coronel
Pedro Marquês de Sousa

A presença dos portugueses no Oriente após a conquista de Malaca (1511) alterou a geopolítica da Ásia, prejudicou os canais de comércio de produtos chineses para o Índico e reduziu o poder da China na região. Entre 1521 e 1522, na costa sul da China, portugueses e chineses envolveram-se num conflito resultante do choque entre a política expansionista do Rei D. Manuel I e o protecionismo da Dinastia Ming.

Depois de ter sido uma potência marítima nos séculos XIV e XV, a China Ming reduziu a atividade comercial no estrangeiro para apostar na agricultura e ao nível militar reduziu o seu poder naval para reforçar a muralha da China. Esta política de isolamento acabou por contribuir para o declínio da China imperial nos mares, que já tinha perdido influência no Índico a favor dos muçulmanos e depois também a favor dos portugueses.

Os portugueses chegaram à costa chinesa em 1513 e, nos anos seguintes, procuraram sem sucesso estabelecer relações formais com a China. Em 1521, a embaixada de Tomé Pires a Pequim foi um fracasso e, entre 1521 e 1522, registaram-se combates navais entre portugueses e chineses na foz do rio das Pérolas, a sul da cidade de Cantão.

As autoridades de Pequim recusaram acordos com os portugueses e proibiram o comércio com os estrangeiros, acabando por prejudicar a atividade dos portos de Cantão por onde escoavam os produtos chineses para o resto do mundo. O isolamento imposto pela Dinastia Ming prejudicou gravemente a economia daquela região no sul da China que, à revelia, passou a estabelecer relações comercias de contrabando com os portugueses, em vários locais do litoral e, mais tarde, oficialmente em Macau (1557), quando o poder naval português ajudou os chineses na luta contra os piratas japoneses, levando finalmente a dinastia Ming a autorizar a presença dos portugueses.

No Oriente, o poder era baseado na vertente naval e no poder de fogo das embarcações e das fortalezas, aspetos em que os portugueses revelaram diversas inovações durante o século XVI, como reconhecem as fontes chinesas: “Os portugueses assumiam uma atitude feroz e rude simplesmente porque tinham canhões e navios diferentes. Os seus canhões eram superiores a quaisquer armas de que alguma vez tivemos conhecimento”1. […] “Há alguns anos, vieram subitamente a Cantão, e o ruído do seu canhão fez estremecer a terra”2.

Como veremos neste texto, o elevado protagonismo dos canhões portugueses até levou os chineses a designarem os portugueses de “Fu-Lang-Ji”, tal como designavam os canhões que conseguiram capturar e que reproduziram, aumentando o potencial de fogo dos seus navios “juncos” perante os quais os portugueses sentiram dificuldades.

 

A diplomacia que falhou

Depois do navegador Jorge Álvares ter chegado à costa da China, em junho de 1513, as informações transmitidas para Lisboa levaram o Rei D. Manuel a decidir estabelecer relações com a China. No dia 7 de abril de 1515, saiu de Portugal o capitão-mor Fernão Peres de Andrade com 17 navios, com a missão de levar à China um embaixador português e uma carta do Rei de Portugal, a manifestar amizade e o desejo de estabelecer relações comerciais. Em Cochim, foi nomeado Tomé Pires como embaixador dessa missão e dali saiu uma armada de oito navios que chegou à ilha chinesa de Lin-Tin (Tamão)3, a 15 de agosto de 1517. Em setembro, a embaixada portuguesa foi autorizada a entrar na cidade de Cantão, mas só dois anos depois é que Tomé Pires foi autorizado a deslocar-se a Pequim, tendo sido nessa viagem que a embaixada portuguesa se encontrou com o imperador Zhengde, na cidade de Nanjing. O encontro oficial foi agendado para ser na capital, mas como o Imperador morreu, a 20 de abril de 1521, o encontro foi cancelado, tendo a embaixada regressado a Cantão.

Figura 1 – Localização da ilha Lintin (Tamão) no rio das Pérolas sul da China.

 

Entretanto, no litoral chinês registaram-se conflitos entre portugueses e chineses como se descreve seguidamente (combates de Tamão, em 1521) e tal situação acabou por fracassar todos os esforços diplomáticos. Quando a comitiva portuguesa regressou a Cantão todos os elementos foram presos, pois os conselheiros do imperador acusaram os portugueses de serem abusadores e de serem cruéis com a população local, influenciando a decisão do imperador, que expulsou os portugueses e mandou enforcar o embaixador português. A Dinastia Ming nunca aceitou que os portugueses tivessem tomado Malaca afastando os interesses chineses daquelas paragens e, além disso, as atitudes do navegador português Simão de Andrade pioraram a situação. Simão de Andrade era irmão de Fernão Peres de Andrade, mas tinha fama de ter um temperamento excessivamente ambicioso e pouco diplomático. Ofereceu-se para se juntar ao irmão na China e quando chegou à ilha de Tamão, em agosto de 1519, causou má impressão aos chineses, pois mandou logo construir uma fortificação com artilharia e tal facto ofendeu os mandarins que não gostaram dessa atitude, justificada pelo capitão português como medida de defesa contra os ataques dos piratas que atuavam na região. Além disto, Simão de Andrade impediu alguns negócios de estrangeiros com os chineses e recusou cumprir as exigências das alfândegas chinesas. O cronista português do século XVIII, João de Barros4, deixou-nos uma imagem muito negativa de Simão de Andrade, responsabilizando-o pelo fracasso das relações com a China, em 1521, mas talvez seja justo reconhecer que a atitude dos mandarins teve outros argumentos mais fortes, pela forma como viam o novo poder dos portugueses na região asiática.

 

Os Combates na ilha de Tamão (1521-1522)

Os combates com os chineses, em 1521 e 1522, foram um grande desafio para o poder naval e para a artilharia dos portugueses, cuja superioridade no oceano Índico, foi posta em causa nos mares da China, como ainda não tinha acontecido noutras paragens.

Uma das informações mais relevantes sobre a ameaça naqueles mares, relatadas pelo capitão do mar de Malaca, Fernão Peres de Andrade, era a presença de artilharia nas pequenas embarcações como os “paraus” e outro dado era a grande quantidade de homens a bordo das embarcações, com espírito aguerrido5. A desproporção entre o número de homens embarcados nos navios portugueses relativamente aos seus adversários era muito expressiva, sendo ainda mais notória no caso dos “juncos” de grandes dimensões, que transportavam várias centenas de homens. Alguns juncos eram muito altos e tinham o casco reforçado, sendo muito resistentes aos tiros da artilharia portuguesa. Além de terem cascos reforçados e compartimentados para minimizar o efeito de arrombamentos, tinham o convés bastante alto, tendo vantagem sobre as naus portuguesas quando estavam a curta distância, pois a artilharia portuguesa não os podia bater com eficácia, de baixo para cima.

Como refere Vítor Gaspar Rodrigues6, esta dificuldade já tinha sido sentida, em 1511, pela armada de Afonso de Albuquerque, ao largo da ilha da Polvoreira, junto da costa de Samatra, quando necessitou de dois dias para dominar a tripulação de um grande junco. Após um primeiro momento em que recorreram à artilharia das galés para procurar danificar o casco, “porque os nossos tiros nada lh’empeciam porque tinha quatro forros, de que os nossos tiros não passavam mais que dous”, o governador ordenou que o junco fosse aferrado, procedendo-se depois à sua abordagem pelas maiores naus. No entanto, Albuquerque percebeu que era impossível realizar aquela manobra, porque os castelos da nau capitania portuguesa ficavam um pouco abaixo do convés do junco, o que conferia aos seus defensores uma posição de grande superioridade.

Foram estas dificuldades que os portugueses sentiram no sul da China, dez anos depois, perante os juncos e pequenos navios a remos, apinhados de grande quantidade de homens, dispostos a abordarem e a assaltarem os navios portugueses, que tinham guarnições muito reduzidas. Durante a primeira batalha de Tamão (1521), o comandante da armada chinesa, Wang Hong, utilizou técnicas pouco convencionais, mas muito eficazes, para sabotar navios: empregou mergulhadores para danificar alguns navios portugueses e conseguiu aliciar alguns chineses que trabalhavam para os portugueses, para obter informações, copiar as pólvoras e alguns canhões portugueses.

Foi durante o mês de agosto que os combates foram mais duros, quando os navios portugueses, comandados por Simão de Andrade, resistiram a um bloqueio feito por cinquenta juncos da armada chinesa que, nesta época, já tinham artilharia pirobalística, armas de fogo portáteis e muitos arcos e flechas, que eram muito temidos pelos portugueses. Apesar de estarem cercados, no início de setembro, três navios portugueses conseguiram escapar graças à superioridade da sua artilharia e também devido a uma forte tempestade que destruiu vários navios chineses. Os três navios portugueses chegaram a Malaca, no final de outubro, mas deixaram na China muitos mortos e cerca de dois mil prisioneiros nas prisões de Cantão7.

Os portugueses não tinham conhecimento ou desvalorizaram as capacidades do império chinês, como testemunham algumas referências da época citadas na obra de Rui Loureiro8: “gente muito fraca”, receosa de “malaios e jaus” […] “uma nau de 400 tonéis faria despovoar Cantão, a qual despovoada teria a China grande perda” e Afonso de Albuquerque “com dez naus subjugaria […] toda a China nas beiras do mar”.

De acordo com o cronista da Dinastia Ming, citado no trabalho de António Abreu9, após a conquista de Malaca pelos portugueses, o sultão de Malaca no exílio pediu auxílio à China e esta não o atendeu. “Qiu Daolong, cronista imperial, apresentou ao imperador as seguintes considerações: Malaca, além de ser protegida pela China, encontra-se no número dos seus tributários tradicionais; a sua anexação pelos portugueses desonrava mais a protetora [China] do que a protegida [Malaca]. Na sua opinião, não se podiam aceitar os presentes portugueses até eles retirarem de Malaca. Caso persistissem na ocupação de Malaca, caberia à China organizar uma expedição militar em cumprimento do seu dever de protetora”.

Figura 2 – Gravura representando a presença portuguesa no Oriente.

 

Como refere Francisco de Oliveira10, o Rei D. Manuel pretendia inaugurar a rota Cochim-Cantão-Cochim, incluindo o circuito Malaca-Cantão-Malaca, recuperando para os portugueses a antiga linha de comércio asiático de longa distância que tinha terminado após a retirada dos Ming dos mares da Ásia. Além do grande interesse comercial, o Rei de Portugal recebeu de Fernão Peres de Andrade (numa reunião em Évora, em julho 1520) a novidade de que os portugueses tinham atingido os limites orientais da metade do mundo que lhes cabia por direito, de acordo com o Tratado de Tordesilhas. Recordemos que, de Castela, Fernão de Magalhães tinha saído de Sevilha, em setembro do ano anterior (1519), e chegou às Filipinas, em março de 1521.

O Rei D. Manuel queria estabelecer uma feitoria na China para regular e alargar o comércio e tinha a intenção de estabelecer ali uma armada para patrulhar aqueles mares infestados de piratas. Este sonho de um império universal acabou com a morte de D. Manuel, em dezembro de 1521, que não chegou a ter conhecimento de que, além de todas as dificuldades perante o poder da China, as disputas e os desmandos dos portugueses naquela região ditaram o fracasso da expansão. Nos mares da China, a 2500 km de Malaca, as armadas portuguesas sentiram muitas dificuldades logísticas, falta de homens, de artilharia e dos materiais essenciais para a reparação dos navios como madeira, cânhamo, linho, cobre, ferro, etc.

Este foi um momento difícil para os portugueses no sueste asiático, graças à ação do Sultão de Achém, forte inimigo dos portugueses que também influenciou a atitude dos chineses. Depois da expulsão da China, os portugueses tiveram sérios problemas nos mares de Malaca, em 1523, com a perda da fortaleza de Pacém (ilha de Samatra), de muitos navios no rio de Muar e no porto de Pão, onde se perdeu o principal navio da armada de Malaca (o galeão São Sebastião) e o capitão-mor de Malaca, D. Sancho Henriques. Neste terrível ano de 1523, o comando de Malaca perdeu muitos homens e mais de 60 bocas de fogo de artilharia (perdidas com os 5 navios, 6 lancharas e 2 juncos que foram destruídos ou capturados), sendo esta a maior derrota que os portugueses sofreram no Oriente, até aquela data.

 

A Batalha de 1522

A segunda embaixada enviada à China era chefiada por Martim Afonso de Melo, que tinha sido nomeado pelo Rei de Portugal para estabelecer relações com a China e ficar como Capitão de uma fortaleza a construir na costa chinesa. Martim Afonso de Melo tinha saído de Lisboa para a Índia, a 5 de abril de 1521, e em julho do ano seguinte a sua armada saiu de Malaca e chegou à China, em agosto de 1522, sendo constituída apenas por 6 navios sem artilharia de grosso calibre, levando apenas artilharia de pequeno calibre e uma bombarda.

A armada entrou tranquilamente pelo estuário do rio das Pérolas e chegou ao porto da ilha de Tamão, mas foi surpreendida por uma grande força naval chinesa, que a cercou para a atacar. Como refere Vítor Gaspar Rodrigues, a armada chinesa, formada por um grande número de juncos e de navios de remo com um vastíssimo número de homens a bordo (eram mais de 300 velas entre grandes e pequenas), dividiu-se em duas esquadras, procurando envolver as naus portuguesas para as obrigar a navegar mais próximo da costa, acabando por cercar os portugueses numa baía.

A vantagem numérica dos chineses em quantidade de embarcações e de homens foi decisiva para conseguirem cercar os navios portugueses, que foram depois abalroados e assaltados. Os chineses aproveitaram a sua vantagem numérica e o grande número de navios de remos com grande mobilidade, ao contrário dos grandes navios portugueses. A vantagem tradicional dos portugueses, que era o grande poder de fogo, neste caso não existia, pela ausência de artilharia de maior alcance.

De acordo com o relato do comandante português, a armada chinesa encontrava-se provida com “artilharia meuda”, dela tendo feito uso, bem como de peças de artilharia neurobalística, que usaram na investida feita sobre os seus navios. Os chineses empurraram os portugueses para uma zona “de baixos”, onde a mobilidade das naus era muito reduzida. Os chineses tiveram baixas e perderam o comandante Wang Yingen, mas conseguiram capturar dois navios portugueses e fazer quarenta e dois prisioneiros, incluindo o capitão português Pedro Homem. Segundo Chase11, depois desta batalha, o comandante chinês Wang Hong capturou e apresentou ao imperador chinês, 20 canhões e outras armas de fogo portuguesas, e depois disto os chineses começaram a fabricar os eficazes canhões de retrocarga, a que os portugueses chamavam “berços.” Como refere Vítor Gaspar Dias12, a derrota naval da armada de Martim Afonso de Mello deixava assim a claro as fragilidades dos grandes navios de alto bordo portugueses na luta contra um inimigo muito superior em número, dotado de navios de grande solidez, bem organizados e a atuar próximo das suas bases, e revela, pela primeira vez, a incapacidade da artilharia portuguesa em manter à distância os navios de uma potência asiática. A base portuguesa mais próxima era Malaca, a cerca de 2500 km, e a frota dispunha apenas de uma bombarda grossa, ou seja, não possuía peças de artilharia de grosso calibre, o que lhe terá sido fatal durante o decorrer do combate, uma vez que as peças de pequeno e médio calibre que levava a bordo foram insuficientes para impedir as investidas dos navios chineses, também eles, como referimos, munidos com artilharia pirobalística de pequeno calibre e engenhos neurobalísticos, para além de um grande número de homens.

O saque das duas naus portuguesas permitiu às autoridades chinesas apoderarem-se dos “berços” que iam a bordo13 e que foram depois copiados por dois fundidores chineses ocidentalizados, Yang San e Tai Ming. Este tipo de arma de artilharia bastante versátil, foi depois bastante usado pelos chineses tanto a bordo dos navios, como na defesa terrestre em todo o Império. Desta batalha ficou a lição de que nenhuma força naval deveria prescindir de artilharia mais pesada, como escreveu Martim Afonso de Mello ao Rei D. João III: “jsto he senhor o que la soube, he o majs que se nam deve de mandar armada de tam longe de Portugal e de nenhum socorro com hua soo bombarda grossa […], porque daquj vem ffazerem os nossos menos do que podem e os jmjgos mais do que se espera”14.

Como refere o Almirante Silva Ribeiro, neste período, os portugueses apostavam mais na obtenção de novos pontos para apoio à navegação e comércio (também no Sueste asiático), investindo menos no combate naval, como forma de garantir o controlo dos mares15. Também neste caso, na China, como o objetivo era de natureza comercial foram levados navios maiores, que privilegiavam a capacidade de carga em detrimento da velocidade, da manobrabilidade e do armamento.

 

A importância das armas de fogo no século XVI

Os combates em Tamão (1521 e 1522) foram bastante simbólicos, por colocarem em confronto dois grandes poderes que marcaram a história das armas de fogo: a China, que criou a pólvora, e Portugal, que a usou de forma decisiva no seu império no Oriente, dando a conhecer novas armas à China e também ao Japão16. Na China, o fabrico das armas de fogo não teve grande desenvolvimento, mas na Europa, durante os séculos XV e XVI, verificou-se o aparecimento de sofisticadas armas de fogo pesadas e ligeiras, que o império português levou até ao Oriente. O enorme potencial dos portugueses no Índico, era baseado num conjunto de inovações técnicas e numa eficaz política de sigilo e de espionagem sobre os adversários. As ações irregulares também eram praticadas de forma complementar ao que atualmente classificamos como convencional (o poder naval e o fogo da artilharia) e, tal como os portugueses, também os chineses conseguiram, em 1521, através de uma operação não convencional, copiar a artilharia dos portugueses.

A primeira batalha de Tamão não foi um combate, mas sim uma sucessão de diversos confrontos durante três meses (de abril a setembro de 1521) junto à ilha de Tamão, no estuário do rio das Pérolas. A armada chinesa comandada por Wang Hong, conseguiu expulsar os portugueses, mas a sua vitória foi essencialmente devido a ações irregulares, incluindo uma eficaz campanha de difamação, que acusava os portugueses de raptarem e comerem crianças chinesas. De acordo com as fontes chinesas, Wang Hong conseguiu aliciar alguns chineses que colaboravam com os portugueses para conseguir copiar os canhões portugueses e empregou mergulhadores para sabotar e afundar alguns navios.

Segundo a importante fonte chinesa citada no trabalho de António de Abreu17: o inspetor-fiscal do distrito de Dong Wang, que frequentava os barcos estrangeiros para cobrar os impostos, “identificou alguns chineses seus conhecidos […] que viviam há muito tempo entre os portugueses, e por isso conheciam a receita e a técnica do fabrico da pólvora. Wang Hong mandou o inspetor escolher vários homens que, disfarçados de vendedores ambulantes de vinho e arroz, conseguiram entrar em contacto com os chineses aportuguesados. Os chineses, bem comprados, combinaram com os agentes das autoridades locais que na mesma noite, o inspetor-fiscal Hei Ru conduziria uma sampana para transportar os subordinados com alguma quantidade de pólvora e uma peça, a fim de descobrir a receita e a técnica do fabrico. Conseguido este intento, mandaram reproduzir a pólvora e a peça, com as quais Wang Hong conseguiu vencer os portugueses, tomando-lhes mais de vinte canhões de diferentes calibres”.

A mesma fonte refere ainda: “os barcos estrangeiros [portugueses] excediam 10 zhang (36 metros) de comprimento e outros três zhang (10,8 metros) de largura. Os barcos, movidos por quarenta remos e munidos de 34 canhões, navegavam normalmente, mesmo quando havia tempestade. Pontiagudos nas duas extremidades e com proas e popas planas, podiam navegar a grande velocidade ainda que não houvesse vento a favor, pois cada barco era movido por cerca de duzentos homens. Os lugares expostos ao fogo estavam abrigados com tábuas de madeira, para protegerem os tripulantes dos disparos inimigos. Quando os canhões abriam fogo ao mesmo tempo, o seu troar assemelhava-se a uma chuva torrencial. (...) Dos seus canhões de bronze, os maiores chegavam a pesar mil jin (500 quilos), os menores 150 jin (75 quilos) e os intermédios tinham um peso de 500 jin (250 quilos). Os projéteis eram de ferro por dentro e revestidos de chumbo. Os maiores pesavam 8 jin (4 quilos). A receita da sua pólvora era diferente da chinesa. O melhor canhão, que tinha um alcance de 100 zhang (360 metros), podia desfazer qualquer coisa”.

Esta fonte chinesa revela uma informação extraordinária sobre o tipo de bala que os portugueses inventaram e que usaram em segredo durante muito tempo com grande eficácia: “de ferro por dentro revestido de chumbo”. Esta “arma secreta” aproveitava as características do chumbo (maleável) para ajustar a bala redonda na entrada do tubo (carregamento pela retaguarda) e assim conseguia aproveitar melhor a energia resultante da deflagração da pólvora, por não deixar escapar a pressão (energia) através do intervalo entre a bala e a alma (interior) do tubo. Como veremos seguidamente, este intervalo a que chamamos “vento”, era deste modo bastante reduzido, permitindo ao projétil (bala) aproveitar melhor a energia (deflagração da pólvora) e sair do tubo com mais velocidade, conseguindo atingir quase o dobro do alcance de um pelouro simples, de pedra ou em ferro, sem nenhum revestimento. A folga entre o pelouro e a alma no interior do tubo (vento) era, no século XVI, cerca de 1/20 do calibre, pelo que, nas outras bocas de fogo de maior calibre, também se usava um tecido (filaça) ou um pedaço de estopa, para reduzir o “vento” e evitar que o pelouro caísse do tubo, principalmente a bordo dos navios. Relativamente à utilização do chumbo, devemos recordar que os portugueses foram também pioneiros na utilização de chumbo na calafetagem das naus (ligação entre as madeiras), recriando a técnica anteriormente já usada nas fortificações (nas cisternas de água) para ligar as pedras, isolando o intervalo entre as mesmas evitando a saída de água. A inovação do chumbo na construção naval teve certamente relação com a sua utilização também na artilharia de pequeno calibre (berços).

As fontes chinesas citadas neste trabalho têm muito interesse para a nossa história militar, pois revelam informações sobre o potencial militar dos portugueses, especialmente no domínio da artilharia, desde as inovadoras “balas” constituídas por ferro, envolvido em chumbo até ao extraordinário alcance e poder de penetração na madeira dos navios. Da valiosa informação publicada na Revista de Cultura, do Instituto Cultural de Macau18, destacamos os seguintes excertos da versão histórica oficial da República Popular da China sobre a relação com os portugueses durante a Dinastia Ming (História de Ming, capítulo sobre os Portugueses): “No Outono do ano 9, o vice-ministro Way Hong apresentou o relatório ao soberano: “A nossa fortaleza na fronteira tem sido danificada pelos bandidos portugueses de cada vez que eles surgem. Porque se limita às funções de vigia. Não dispomos de artilharia com alcance suficiente, pelo que nos encontramos frequentemente numa situação difícil. Os canhões portugueses, que este vosso vassalo servidor ofereceu à corte, têm as seguintes características: os pequenos, que pesam menos de 10 quilos e atingem 600 pés, utilizáveis em fortalezas pequenas; coloca-se um em cada pequena fortaleza, manejado por três pessoas; os maiores pesam mais de 35 quilos e alcançam 5 ou 6li19, que podem ser utilizados nas fortalezas maiores; colocam-se três canhões em cada fortaleza, manejados por 10 pessoas. Distanciadas as fortalezas pequenas de cinco li as grandes de dez li, e os bandidos portugueses nem poderão aproximar-se. Facilmente manteremos a superioridade, sem necessariamente combater”. O Imperador ficou impressionado e deu ordem ao ministro responsável militar para estudar esta proposta de Way Hong”.

Deste testemunho, vejamos a explicação para a superioridade do alcance da artilharia portuguesa, como o cronista chinês refere: “A nossa fortaleza na fronteira tem sido danificada […] Não dispomos de artilharia com alcance suficiente.” Esta referência destaca a superioridade do alcance da artilharia portuguesa, que permitia fazer fogo a partir dos navios, sobre alvos em terra (ou sobre navios inimigos) sem que a artilharia do adversário tivesse alcance para responder. Além da vantagem da referida bala revestida com chumbo que conseguia melhorar o alcance para quase o dobro do alcance máximo das balas normais, os portugueses tinham também a técnica do “tiro de ricochete na água” para aumentar o alcance, como veremos noutra parte deste texto e que foi mantida pela rigorosa política de sigilo do Rei D. João II20.

Os grandes alcances de algumas peças de artilharia portuguesas, também resultava das cargas usadas (quantidade de pólvora granulada) e da técnica de fundir tubos (bronze) com mais resistência às pressões internas (deflagração da pólvora). As Colubrinas eram as bocas de fogo que tinham maior alcance, não apenas por terem tubos mais compridos, mas também porque podiam usar maior quantidade de carga propulsora (pólvora) por terem a parte anterior mais resistente (bronze mais compacto em resultado do processo de fundição) e devido à sua câmara ter mais espessura. Assim, as colubrinas podiam ser carregadas com uma quantidade de carga (pólvora) igual ao peso do pelouro, enquanto que os pedreiros só deveriam usar uma quantidade de pólvora até 1/3 do peso do pelouro e os canhões até 2/3 do peso do pelouro.

A boa qualidade das ligas metálicas da artilharia portuguesa era outra vantagem técnica sobre os adversários no oriente, como reconhece Geoffrey Parker21, que refere que tanto a artilharia turca como a indiana eram de muito menor qualidade do que a portuguesa. Devido à fraca qualidade das ligas de ferro tinham muitos danos com rotura dos tubos e, assim, de modo geral, a artilharia dos poderes orientais era inferior quer ao nível da potência de fogo (alcance), da cadência e precisão do tiro. Os portugueses tinham já a sua artilharia em bronze e dispunham de bombardeiros experientes para realizarem o tiro a bordo, o que os seus adversários não tinham.

É muito curioso também o testemunho do chinês Yingxiang (em 1517) sobre as armas dos portugueses: «Os seus canhões são feitos de ferro, de quase dois metros de comprimento, barriga grande e pescoço comprido. Têm um buraco comprido na barriga, onde se mete pólvora. Colocam quatro ou cinco canhões em cada navio. Quando os outros se aproximam, basta um tiro para partir o barco e fazer-lhe entrar água dentro. Por isso os navios portugueses andam no mar como se fosse deles, e não têm rivais. Um intérprete ofereceu um canhão e a receita de fabricação da pólvora. Experimentou-se o canhão no campo, e atingiu centenas de pés”.

Nesta descrição de um canhão com “um buraco comprido na barriga, onde se mete pólvora” encontramos sem dúvida a referência aos “falcões” e aos “berços” de carregamento pela retaguarda (com câmara tipo caneca) que funcionavam como atualmente funciona uma culatra, sistema inovador que permitia uma elevada cadência de tiro, embora fosse possível apenas nas armas de pequeno calibre (falcões e berços). Estas inovadoras armas foram amplamente usadas pelos portugueses, aumentando ainda mais a sua eficácia com pelouros revestidos de chumbo e com os cartuchos/sacos de pólvora previamente preparados. Num combate naval em Calecute (1502/1503) contra uma frota do rajá samorim, foi notório que a artilharia portuguesa de retrocarga foi muito eficaz perante os canhões de ferro do inimigo, exclusivamente de carregar pela boca. Outra referência sobre este combate é que os portugueses usaram sacos de pólvora previamente preparados22, o que lhes permitia fazer fogo de forma mais rápida, em vez de carregarem as armas com pólvora a granel.

Figura 3 – Gravura ilustrando o disparo de um falcão pequeno a bordo de um navio, na qual se pode ver um elemento a preparar uma câmara, para novo tiro.

 

Vejamos na figura 4 um Berço do século XVI (com cerca de 160 cm de comprimento e 5 cm de calibre) que era usado a bordo, mas também em operações de sítio e nas fortificações. Com um alcance eficaz em tiro horizontal de cerca de 280 metros, era uma arma muito eficaz e versátil23, sendo o tipo de boca de fogo de artilharia mais comum, quer a bordo quer nas fortificações. Segundo as “Lembranças das cousas da Índia em 1525” as caravelas deveriam estar artilhadas com um camelo (canhão pedreiro) à proa, 2 meias esperas, 4 falcões e 10 berços24. Como veremos na parte final deste texto, também nas fortalezas do Oriente os berços eram as armas de artilharia que existiam em maior quantidade.

Figura 4 – Berço Manuelino em bronze (Museu da Marinha em Lisboa).

 

Vejamos o significado de outra afirmação dos chineses: “Quando os outros se aproximam, basta um tiro para partir o barco e fazer-lhe entrar água dentro. Por isso os navios portugueses andam no mar como se fosse deles, e não têm rivais”. Esta referência destaca o poder de penetração dos pelouros, associado à técnica do “tiro de ricochete”. O poder de penetração resultava da elevada velocidade inicial (velocidade de saída) da bala e da mesma ser em ferro, vocacionada para arrombar o casco dos navios junto à água, devido à utilização da artilharia mais pesada nos níveis inferiores dos navios portugueses e à técnica do “tiro de ricochete” que aproveitava o embate na água para aumentar o alcance da bala. O tiro de ricochete, também designado de “fogo rasante e de chapeleta” era um método de disparar o pelouro (bala) para a água, de maneira a fazer ricochete (aumentando alcance) para atingir o casco de um navio, junto à linha de água e assim provocar o seu afundamento mais rápido. Foi desenvolvido no reinado de D. João II, na baía de Setúbal, quando se equiparam as caravelas com artilharia, como refere Garcia de Resende na sua crónica de D. João II: “achou e ordenou em pequenas carauellas andarem muyto grandes bombardas, e tirarem tam rasterias que hiam tocando na agoa, e elle foy o primeiro que isto inuentou”25 e como destaca Rafael Moreira26: “o tiro rasante à flor da água em ricochete experimentado por D. João II, transformou as caravelas e as naus em fortalezas flutuantes”.

Esta técnica do tiro “rasante com chapeleta” sobre a água também era usada pela artilharia das fortalezas, como testemunha este relato da Índia de 1506, sobre uns tiros realizados para impressionar os malabares: “E antes de nela entrarem, tirou toda a artilharia da fortaleza, que é muita e boa; e tiraram as bombardas grossas, […] e indo as pedras por o mar dando golpes, espantou-se muito o Mangati Caimal de tais tiros, e dizia que não podia tal ser no mundo”27.

 

Os Chineses copiaram a artilharia portuguesa

Relativamente à cópia de canhões portugueses e à sua produção na China, julgamos que tal só aconteceu de forma expressiva depois dos combates de 1521 e 1522, mas admitimos que antes disso os chineses já tivessem estudado alguns exemplares da artilharia portuguesa, como refere a citada fonte28: “podemos pensar que a vinda dos canhões portugueses para a China começou no início da chegada dos portugueses à costa. Gu Yingxiang durante o serviço como Jia Shi em Guangdong esmagou “os piratas” e venceu três batalhas, durante meio ano. Não sabemos se foi ou não auxiliado por canhões. O que é inegável foi a oferta de um canhão por um intérprete na altura do combate com os “piratas”, que foi o início da obtenção dos canhões portugueses. O Gu Yingxiang, posteriormente, ascendeu a ministro da justiça e morreu no ano de 44 do Reinado de Jiajing (1565)”.

Como refere esta fonte, a produção de canhões só aconteceu depois da morte do Imperador Ming Wu Zong, e da batalha ocorrida entre 1521 e 1522. Foi o inspector He Ru, de Bai Sha do Distrito de Dong Wan, quem mandou secretamente uma missão ao navio dos portugueses para buscar Yang Sa e Dai Ming, e a partir daí iniciou o fabrico oficial das peças de artilharia. Muito provavelmente, os primeiros canhões, iguais aos de Portugal e de Java, foram fundidos em Dong Wan. Foi com estes canhões que Wang Hong conseguiu a vitória e a expulsão dos portugueses. No ano 3 de Reinado de Jiajing (1524), foram também copiados canhões Fu-Lang-Ji29, em Nanquem. No ano 8 do seu reinado, sob proposta de Wang Hong, foram fabricados 300 canhões de tipo Fu-Lang-Ji, que foram distribuídos por todas as fronteiras. Foi neste período que se iniciou na China o fabrico de canhões em grande escala. Wang Hong reconhecia a importância da artilharia na consolidação das fronteiras e, no ano 9 do Reinado Jiajing (1530), apresentou uma petição ao Imperador para que fossem instalados canhões grandes e pequenos nas fortificações das fronteiras de Noroeste.

 

A Artilharia no Oriente no século XVI

Durante a primeira metade do século XVI, a quantidade de artilharia portuguesa nas fortalezas do Oriente duplicou, desde as 1.063 peças de artilharia existentes no início do século30 até às 2.000 peças que existiam em 1554, desde Ormuz até às ilhas Molucas31. A bordo dos navios e nas fortalezas, a maior parte das bocas de fogo eram de pequeno calibre, de carregamento pela retaguarda (berços e falcões), mas o poder de fogo da artilharia de grosso calibre (de carregamento pela boca) era decisivo.

Numa Caravela, cerca de 80% da sua artilharia eram peças de retrocarga (berços e falcões) de pequeno calibre e apenas 20% (3 ou 4 peças) eram de carregamento pela boca de maior calibre. De modo diferente, nas Naus já havia mais peças de carregamento pela boca de calibres maiores e cerca de 40% eram falcões e berços. Nas fortalezas, como veremos com mais detalhe neste artigo, a maioria das bocas de fogo também eram de retrocarga e de pequeno calibre (berços e falcões) e cerca de 40% eram de carregar pela boca de calibres maiores.

Sobre a artilharia a bordo dos navios, sabemos que uma Caravela no período de Vasco da Gama (1502) tinha 20 bocas de fogo: 4 peças (de carregar pela boca), 6 Falconetes e 10 Berços. Uma Nau já tinha mais artilharia do que a Caravela e o Galeão, sendo um navio vocacionado para o combate, tinha ainda mais artilharia, como era o caso do Galeão São Dinis (71 bocas de fogo) construído na Índia, entre 1518 e 1521 (quadro 1). Vejamos o exemplo da nau “Flor do Mar”, que serviu entre 1502 e 1511, e que pode ser considerada como protótipo das naus da carreira das Índias, até meados do século XVI: dispunha de 18 peças por baixo da coberta e nas amuradas e nos castelos da proa e popa tinha artilharia de menor calibre (águias, sacres e falcões de câmara, camelos e esperas).

Quadro 1 – Quantidade de Artilharia nos vários tipos de navios, no início do século XVI.

Caravela

Nau São Gabriel

Nau

Galeão
S. Dinis

17 a 20 bocas de fogo:

1 a 2 Camelos

2 meias esperas

4 a 6 Falcões

10 Berços

Mais de 30 bocas de fogo:

20 peças de carreg. pela boca (bronze) sendo dez em cada bordo:

4 canhões na tolda

3 bombardas na alcáçova

3 sob o castelo da proa.

(além destas tinha várias peças de pequeno calibre no convés).

Por baixo do convés (portinholas):

14 Camelos e Cameletes (18 e 12 libras) seis em cada bordo do navio, uma na proa e outro na proa.

No convés (de retrocarga):

8 Falcões pedreiros (giratórios) 4 libras

e vários Berços (2 libras)

71 peças:

 

42 Camelos

9 Falcões

20 Berços

 

Quando ocorreu o conflito com os chineses, entre 1521 e 1522, a artilharia mais comum nos navios portugueses era constituída por pedreiros (camelo e camelete), canhões de médio calibre (espera e meia espera) e peças mais ligeiras de carregamento pela retaguarda (falcões e berços), como se indica no quadro 2.

 

Quadro 2 – Classificação da artilharia mais comum usada nos navios portugueses do século XVI.

Designação

Calibre (diâ-
metro do tubo)

Tipo de

Pelouro

Peso do pelouro

Missão

Camelo

22 a 23 cm

Pedreiros

(pelouro em calcário ou granito)

15 a 16 Kg (30 a 32 libras) em pedra

Para atacar navios

Camelete

16 a 18 cm

6 Kg em pedra

12 libras

Espera

11 a 12 cm

Canhão

 

(bala em ferro)

6 Kg (ferro)

13 libras

Eram armas tipo Colubrinas com maior alcance que os canhões. Vocacionados também para bater alvos em terra.

Meia Espera

9 a 10 cm

3 Kg (ferro)

Berço

(culatra móvel)

Era um falcão mais pequeno

3,5 a 5 cm (normal)

e mais tarde surge o cão de maior calibre

(7 a 8 cm)

Pedra ou misto (ferro e chumbo) e saco de metralha

Bala de sistema misto (secreto) com um quadrado de ferro envolvido em chumbo

Para atacar pessoal em terra e no convés de navios, assim como destruir cordas, velas e mastros.

Falcão

(culatra móvel)

10 a 12 cm

Pedra ou sacos de metralha

1 a 2 Kg (pedra)

 

Figura 5 – Em primeiro plano, um Canhão (Espera) em bronze com 12,4 cm (calibre) que disparava balas em ferro de 6 kg. Em segundo plano,um Pedreiro (Camelete) em bronze com 17,3 cm (calibre) que disparava pelouros em pedra de 5,5 kg. (Museu Militar de Lisboa).

 

Nas onze fortalezas que existiam no Oriente, em 1550, os portugueses tinham 1975 bocas de fogo de artilharia, das quais 69% eram de pequeno calibre de carregamento pela culatra (berços e falcões) e 31% eram bocas de fogo de maior calibre de carregamento pela boca. Em média, cada fortaleza tinha cerca de 60% de artilharia de retrocarga e de pequeno calibre (berços e falcões) e 40% de artilharia de carregar pela boca de calibres maiores. Através de uma valiosa fonte coeva, podemos conhecer com rigor a quantidade de artilharia existente entre 1550 e 1554, no Oriente, desde Ormuz a Malaca32 (quadro 3).

 

Quadro 3 – Quantidade de bocas de fogo de artilharia no Oriente (1550-1554).

Fortaleza

Quantidade de bocas de fogo de Artilharia

Retrocarga

Carregamento pela boca

Berços e

Falcões

Canhões Colubrinas e Pedreiros

1

Ormuz

180

109

71

2

Diu

108

43

65

3

Baçaim

94

67

27

4

Chaul

80

38

42

5

Goa

1018

763

255

6

Cananor

71

37

34

7

Chale

28

14

14

8

Cochim

159

126

33

9

Coulão

28

19

9

10

Malaca

106

63

43

11

Ternate (Maluco)

103

86

17

 

Figura 6 – Localização das fortalezas no Oriente, em 1550.

 

Relativamente aos alcances da artilharia quinhentista, podemos sistematizar a informação (quadro 4), destacando que o alcance mais eficaz em combate era em tiro tenso (tubo na horizontal) e que o alcance máximo (com o tubo com uma ligeira elevação) não era sempre relevante em combate. Assim, podemos verificar que o alcance eficaz da artilharia nesta época variava entre os 280 e os 700 metros.

 

Quadro 4 – Tabela com dados sobre bocas de fogo do século XVI.

 

Calibre

(cm)

Peso da bala

(libras)

Alcance

(metros)

tiro tenso

máximo

Berço

5

1 a 2

280

1500

Pedreiro (Camelo)

21 a 23

24,5

500

1600

Canhão (Espera)

13

9 a 12

400

2000

Canhão (Serpe)

15

24 a 36

450

2500

Canhão bastardo

17 a 20

42

400

2000

Meio Sacre

8

5 a 7

380

3400

Meia colubrina

11 a 12

8 a 12

700

4500

Colubrina bastarda

12

11 a 12

600

4000

Colubrina legitima

15

15 a 19

460

6700

 

Conclusão

Após a conquista de Malaca, em 1511, a presença dos portugueses no Oriente perturbou o comércio de produtos chineses para o Índico e reduziu o poder da China na região. Este esplendor de Portugal aconteceu no período de Afonso de Albuquerque, considerado o “Leão dos Mares” e o “Marte Português”, quando os portugueses usavam o poder naval e as forças embarcadas para conquistar posições que depois mantinham com guarnições permanentes, com elevado poder de fogo junto às feitorias comerciais. Com três bases principais (Ormuz, Goa e Malaca) e uma ampla rede de fortalezas, os portugueses transformaram o oceano Índico num “mare clausum”, mas no mar da China a situação foi diferente.

Na China, as ambições portuguesas fracassaram perante a resposta das autoridades de Cantão, que souberam aproveitar as fragilidades portuguesas e maximizar o poder naval dos chineses. As valiosas fontes históricas que citamos revelam a forma como os chineses temiam os portugueses, mas talvez tenham sido deliberadamente exageradas para convencer o imperador da Dinastia Ming a reforçar a defesa do litoral. No início do século XVI, a China não investia na sua armada, apostando mais na defesa do interior (reforço da muralha da China), e como no litoral cada um dos Mandarins era responsável pela defesa da sua província, admitimos que os relatos citados possam ter servido para sensibilizar o imperador, valorizando o potencial dos portugueses.

Em sentido contrário, naquele período, os portugueses reduziam o seu potencial militar, tinham menos investimento e falta de técnicos habilitados (especialmente bombardeiros estrangeiros). Em 1545, numa carta enviada ao rei, o Condestável-Mor da Índia33, lamentava a falta de bombardeiros, referindo que eram necessários 40 ou 50 alemães, dos “velhos e antigos”, para os repartir pela armada, pois os que para lá iam já não tinham a mesma qualidade34. Eram frequentes este tipo de pedidos de bombardeiros alemães e flamengos, aqueles que no início do século XVI tinham feito da artilharia portuguesa a melhor do mundo.

Devido às dificuldades logísticas e operacionais ou porque apostaram essencialmente na diplomacia, as embaixadas portuguesas, em 1521 e em 1522, levaram à China navios com um reduzido poder de fogo, confirmando que, naquele período, investiam mais no comércio e menos nos combates. Como vimos, a afirmação do poder português tinha sido através do poder naval e do enorme potencial da artilharia dos navios e das fortalezas, com inovações ao nível do alcance, da variedade de balas/pelouros, da combinação de diversos calibres, técnicas de tiro e de fundição do bronze e do ferro coado (fundido). Contudo, os portugueses no litoral da China estavam muito afastados da base mais próxima que era Malaca, tinham apenas artilharia de pequeno calibre e as suas naus demonstraram pouca capacidade de manobra, fragilidade que seria também decisiva no ano seguinte nos mares de Malaca (1523) e, mais tarde, perante as novas potências europeias (Holanda e Inglaterra) que utilizavam navios mais pequenos e mais rápidos. A eficácia das pequenas embarcações a remos usadas pelos chineses, com grande mobilidade, foi outra revelação neste conflito com os portugueses (1521-1522) e, no ano seguinte, nos mares de Malaca, os navios portugueses voltaram a sofrer grandes perdas perante as “lancharas” de Bintão, de Pão e de Patane (aliados do Sultão de Achém) que causaram a maior derrota que os portugueses tiveram no Oriente, até aquela data.

Os chineses tinham uma grande vantagem numérica (navios e homens) com muitas embarcações de remos com grande mobilidade, ao contrário dos pesados navios portugueses que, neste caso, não tinham a sua vantagem tradicional (poder de fogo), devido à ausência de artilharia de maior calibre. No entanto, o potencial dos portugueses conseguia reduzir a ameaça dos piratas nos mares da china e essa colaboração com os interesses chineses acabou por permitir o estabelecimento de um entreposto em Macau, trinta anos depois do conflito.

 

Fontes e Bibliografia

Arquivo Histórico Ultramarino

Índia, caixa 9, nº 183.

Biblioteca da Ajuda

Rol da artilharia das fortalezas do Estado da Índia durante o vice-reinado de D. Afonso de Noronha (1550-1554), Lisboa, Biblioteca da Ajuda, Códice 51-VI-54, fól. 39r-43v.

Bibliografia

Abreu, António Graça de, Os Chineses, A Pólvora e os Portugueses, Revista de Cultura n.º 6, Ano II, 2º volume, Instituto Cultural de Macau.

Albuquerque, Luis e Costa, José Pereira da, Cartas de “serviços” da Índia (1500-1550), Mare Liberum, n.º 1, Lisboa, 1990.

Barros, João de, Ásia. Dos feitos que os Portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente. (Décadas da Ásia). Ed. Livraria S. Carlos, Lisboa, 1973/1975.

Bocarro, António, Livro das Plantas de todas as fortalezas cidades e povoações do Estado da Índia Oriental (3 vols). INCM, Lisboa, 1992.

Bouchon, Geneviève, Afonso de Albuquerque. O leão dos mares da Ásia. Quetzal, Lisboa, 2ª ed., 2000.

Braga, José Maria, Western pioneers and the dis-covery of Macao, Hong Kong, 1949.

Castanheda, Fernão Lopes de, História do descobrimento e conquista da Índia pelos portugueses. M. Lopes de Almeida, Porto (2 vols), 1979.

Chase, Kenneth, Firearms: A Global History to 1700, Cambridge University Press, 2003.

Cortesão, Armando, A Suma Oriental de Tomé Pires e o Livro de Francisco Rodrigues. Universidade de Coimbra, 1978.

Cortesão, Jaime, História da expansão portuguesa. INCM, Lisboa, 1993.

Couto, Diogo do, Ásias. Dos feitos que os Portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente (Décadas da Ásia). Ed. Livraria S. Carlos, Lisboa, 1973/1975.

Felner, Rodrigo José de Lima, Subsídios para a história da Índia Portuguesa, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1868.

Fok, K. C. “Primeiras Imagens da Dinastia Ming sobre os Portugueses”, Revista de Cultura, Macau, 1995.

Gaspar da Cruz, frei Tratado das Coisas da China. Lisboa, Cotovia, 2010.

Gomes, Luís Gonzaga, Os primeiros contactos entre portugueses e chineses, “Boletim do Instituto Luís de Camões”, 1 (2) 1966.

Gomes, Luís Gonzaga, Chegam os portugueses, pela primeira vez, à China, Boletim do Instituto Luís de Camões, 1 (3) 1966.

Moreira, Rafael. Caravelas e baluartes. in Arquitetura militar na expansão portuguesa. Lisboa: CNCDP, 1994.

Oliveira, Francisco Roque, A construção do conhecimento europeu sobre a China (1500-1630), Tese de Doutoramento, Universidade Autónoma de Barcelona, 2003.

Loureiro, Rui Manuel, Cartas dos Cativos de Cantão: Cristóvão Vieira e Vasco Calvo (1524?). Macau: Instituto Cultural de Macau, 1992.

Loureiro, Rui Manuel, A China na Cultura Portuguesa do Século XVI –Notícias, Imagens e Vivencias, Tese de Doutoramento, Faculdade de Letras de Lisboa, 1995.

Loureiro, Rui Manuel, Em Busca das Origens de Macau, Museu Marítimo de Macau, 1997.

Loureiro, Rui Manuel, O Manuscrito de Lisboa da “Suma Oriental” de Tomé Pires (Contribuição para uma edição crítica), Macau, IPOR, 1997.

Silva Rego, António da, O Padroado Português do Oriente. Esboço Histórico. Agência Geral das Colónias, Lisboa, 1940.

Pato, Raimundo Bulhão, Cartas de Affonso de Albuquerque seguidas de Documentos que as elucidam, Vol. III, publicadas pela Academia Real das Sciencias, Lisboa, 1884.

Ptak, Roderich, Portugal in China, Goppingen, Klemmerberg, 1980.

Pedrosa, Fernando Gomes, Os Homens dos Descobrimentos e da Expansão Marítima. Pescadores, Marinheiros e Corsários, Cascais, C.M.C., 2000.

Resende, Garcia de, Crónica de Dom João II e miscelânea, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973.

Ribeiro, António Silva, Os Navios e as Técnicas Náuticas Atlânticas nos séculos XV e XVI: Os Pilares da Estratégia 3 C, Revista Militar, 2515/2516 – Agosto/Setembro de 2011.

Rodrigues, Vítor Gaspar, Confrontos Militares Navais nos “Mares do sul e da China”: Razões dos primeiros insucessos das armadas portuguesas, Atas do XIII Simpósio de História Marítima, Academia de Marinha, 2013.

Rubim, Nuno Varela, Notas sobre os Armamentos Marroquinos e Português nos séculos XV e XVI, Boletim do Arquivo Histórico Militar, 66º vol., Lisboa, 2005.


___________________________________________________

1  Yan Congjian, citado por K.C.Fok, Primeiras Imagens da Dinastia Ming sobre os Portugueses, Revista de Cultura, Macau, 1995.

2 K. C. Fok, Primeiras Imagens da Dinastia Ming sobre os Portugueses, Revista de Cultura, Macau, 1995 citando GU Yanwu, Tianxia junguo libing shu, 1901.

3 Atual ilha Nei Lingding, também conhecida por Lintin (ou Lin-Tin) no estuário do Rio das Pérolas (baía de Lingdingyang), a nordeste de Macau. Os portugueses chamaram-lhe Tamão.

4 João de Barros, Ásia. Dos feitos que os Portugueses fizeram no descobrimento e conquista dos mares e terras do Oriente. (Décadas da Ásia). Ed. Livraria S. Carlos, Lisboa, 1973/1975.

5 Carta para Afonso de Albuquerque de 22 de fevereiro de 1513, in Cartas de Affonso de Albuquerque seguidas de Documentos que as elucidam, publicadas por Raimundo António de Bulhão Pato, Lisboa, Academia Real das Sciencias, 1884, vol. III.

6 Vítor Gaspar Rodrigues, Confrontos Militares Navais nos “Mares do sul e da China”: Razões dos primeiros insucessos das armadas portuguesas, Atas do XIII Simpósio de História Marítima, Academia de Marinha, 2013. p. 79.

7 R. Loureiro, Cartas dos Cativos de Cantão: Cristóvão Vieira e Vasco Calvo (1524?). Macau: Instituto Cultural de Macau, 1992.

8 Rui Manuel Loureiro, O manuscrito de Lisboa da “Suma oriental” de Tomé Pires: contribuição para uma edição crítica, Instituto Português do Oriente, Lisboa, 1996.

9 António Graça de Abreu, Os Chineses, A Pólvora e os Portugueses, Revista de Cultura n.º 6, Ano II, 2.º volume, Instituto Cultural de Macau, p. 33 (“Crónica da Dinastia Ming”, Ming Sm, Vol. 158, texto de 1548).

10Francisco Roque de Oliveira, A construção do conhecimento europeu sobre a China (1500-1630), Tese de Doutoramento, Universidade Autónoma de Barcelona, 2003.

11Kenneth Chase, Firearms: A Global History to 1700, Cambridge University Press, 2003.

12Vítor Gaspar Rodrigues, Confrontos Militares Navais nos “Mares do sul e da China”: Razões dos primeiros insucessos das armadas portuguesas, Atas do XIII Simpósio de História Marítima, Academia de Marinha, 2013.

13Fernando Gomes Pedrosa, Os Homens dos Descobrimentos e da Expansão Marítima. Pescadores, Marinheiros e Corsários, Cascais, C.M.C., 2000.

14Carta de 25 de outubro de 1523, citada no artigo de Vítor Gaspar Rodrigues, Confrontos Militares Navais nos “Mares do sul e da China”: Razões dos primeiros insucessos das armadas portuguesas, Atas do XIII Simpósio de História Marítima, Academia de Marinha, 2013, p. 79.

15António Silva Ribeiro, Os Navios e as Técnicas Náuticas Atlânticas nos séculos XV e XVI: Os Pilares da Estratégia 3 C, Revista Militar, 2515/2516 – Agosto/Setembro de 2011.

16Ao Japão os portugueses chegaram em 1543 à ilha de Tanegashima, sendo os primeiros europeus a estabelecerem contacto com o Japão, onde tiveram apenas relações de natureza comercial e com missionários e não de soberania.

17António Graça de Abreu, Os Chineses, A Pólvora e os Portugueses, Revista de Cultura n.º 6, Ano II, 2º volume, Instituto Cultural de Macau, p. 33.

18Revista de Cultura n.º 6, Ano II, 2º volume, Instituto Cultural de Macau, p. 33.

19O “li” era uma medida de distância de cerca de 500 metros (cerca de um terço de uma milha).

20A eficaz política de sigilo do Rei D. João II é normalmente reconhecida no domínio da cartografia e das técnicas de navegação, mas em relação ao emprego da artilharia foi também muito importante.

21Geoffrey Parker, The Military Revolution: military innovation and the rise of the West, 1500-1800, Cambridge, Cambridge University Press, 1989.

22A invenção deste tipo de “cartucho com pólvora” previamente preparado é atribuída a Vicente Sodré, que comandava a citada força naval (Calecute) e que era tio de Vasco da Gama e cavaleiro da Ordem de Cristo. A invenção do “cartucho português” um século antes do “cartucho francês Balt” pode ter sido obra de algum bombardeiro estrangeiro, mas dada a importância de Vicente Sodré, foi o seu nome que ficou ligado a esta inovação.

23O alcance eficaz é considerado em trajetória de tiro tenso (direto), mas o alcance máximo (com o tubo mais elevado) podia ser maior (1600 metros) com a bala de ferro revestida de chumbo.

24Rodrigo José de Lima Felner, Subsídios para a história da Índia Portuguesa, Lisboa, Academia Real das Ciências, 1868, p. 28.

25Crónica de Dom João II e miscelânea, Imprensa Nacional Casa da Moeda, 1973, p. 255-256.

26Rafael Moreira, Caravelas e baluartes. In: Arquitetura militar na expansão portuguesa, p. 85.

27Carta de Gaspar Pereira ao Rei, Cochim, 11 de janeiro de 1506, Cartas de Afonso de Albuquerque, Dir. Raymundo António de Bulhão Pato. Lisboa: Tipografia da Academia Real das Ciências, 1884. V. II, p. 354. Carta de Gaspar Pereira para o Rei dando-lhe conta do estado de Cochim, referindo as cargas que se fizeram nas naus, os trabalhos na fortaleza e o apoio ao rei de Cochim.

28Revista de Cultura n.º 6, Ano II, 2º volume, Instituto Cultural de Macau: Notas finais e comentários ao artigo de António Graça de Abreu. p. 33.

29Como referimos anteriormente, os chineses designavam os portugueses por Fu-Lang-Ji e dessa mesma forma também assim designavam os canhões portugueses.

30Rodrigo Jose de Lima, Subsídios para a história da India Portuguesa, Lisboa, Typographia da Academia Real das Sciências, 1868, p. 10.

31Rol da artilharia das fortalezas do Estado da Índia durante o vice-reinado de D. Afonso de Noronha (1550-1554) Lisboa, Biblioteca da Ajuda, Códice 51-VI-54, fól. 39r-43v.

32Rol da artilharia das fortalezas do Estado da Índia durante o vice-reinado de D. Afonso de Noronha (1550-1554) Lisboa, Biblioteca da Ajuda, Códice 51-VI-54, fól. 39r-43v.

33Condestável era o comandante dos bombardeiros em cada fortaleza ou navio e o Condestável-Mor da Índia era responsável por todos os condestáveis e bombardeiros que estavam no Oriente.

34Luís de Albuquerque e José Pereira da Costa, «Cartas de “serviços” da Índia (1500-1550)», Mare Liberum, n.º 1, Lisboa, 1990. pp. 365-366.

Gerar artigo em pdf
2021-09-15
319-345
3099
992
REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia