Quem seguir com atenção as discussões que hoje se desenvolvem na procura de um paradigma para a segurança e defesa, face a novas ameaças e constante transferência de áreas de importância geopolítica, constatará que nações e alianças procuram encontrar espaços alargados de segurança ao mesmo tempo que contraem dispositivos de defesa. Será tempo de parar e meditar, mais uma vez não esquecendo o passado como um prólogo para o futuro.
O território nacional e a sua geografia tiveram, através da História, importância primordial na formulação do paradigma da defesa. As provas encontram-se no terreno, desde a fronteira do rio Minho ao litoral algarvio, onde numerosos locais e localidades lembram datas e feitos associados à formação e continuidade da Nação. Desde a alta Idade Média, a coroa descentralizou territorialmente a responsabilidade pelo aprontamento da defesa, dividindo o território em coudéis e ordenanças, divisão e responsabilidade que mais se foi materializando com a progressiva formação do estado moderno e da constituição dos exércitos permanentes. A primeira divisão do território nacional em Províncias, que ainda hoje se mantem, data de 1641. A partir de então, as sucessivas reorganizações do Exército e o seu dispositivo, além de considerações geoestratégicas que são sempre de conjuntura, mantiveram um princípio estrutural: a presença do Exército junto da população. Porque esse é um dos valores estruturantes do Exército, que o distingue dos outros Ramos das Forças Armadas, e que não prejudica conceitos actuais de sistemas de forças e de dispositivo.
Com a proclamada “desterritorialização” da defesa abriu-se um debate ainda não terminado sobre os sistemas de forças e os dispositivos que melhor satisfaçam novos condicionamentos da segurança. Forças de reacção rápida estão na moda, no denominado pensamento militar ocidental, mas vemos que outros pensamentos militares não estão a seguir esse modelo, preferindo manter modelos tradicionais e seculares de segurança e de defesa implantados no território que não têm dado grande descanso às aventuras do deslocamento rápido. Os desenvolvimentos futuros mostrarão, como noutras revoluções militares, os pontos de equilíbrio.
A nova Lei Orgânica do Exército (Decreto-Lei nº 61/2006), afirma no seu preâmbulo “O modelo organizacional do Exército, até agora em vigor, foi concebido no início da década de 1990. Alguns pressupostos deste modelo, de entre os quais o predomínio da organização territorial decorrente da obrigatoriedade do cumprimento do serviço militar e das necessidades de instrução associadas, encontram-se hoje ultrapassados…”. Declarações do actual responsável do Ministério da Defesa e publicadas num jornal diário referem “que finalmente o exército deixou de ser territorial para ser operacional”. São conceitos que nos merecem reparo.
Naturalmente que conceitos ultrapassados de “áreas de responsabilidade das unidades”, ou de Regiões Militares que, entre outras razões, fizeram o seu tempo enquanto se adoptaram princípios de Justiça Militar que foram alterados, terão de encontrar adaptações face a novas estruturas do Estado que evoluíram para funções mais amplas do que as da justiça, fazenda, graças e milícia. Mas às tendências, crescentes e algumas vezes apressadas, que advogam a desmilitarização dos estados, sem explicar o que isso significa, têm de se opor a firmeza do racional e as convicções de todos aqueles que no tempo de uma geração militar assistiram a um conjunto de reorganizações que quase sempre não ultrapassaram o período de experimentação.
A actual reorganização do Exército mantém uma estrutura de base que constitui a sua presença no território. Os vazios já criados dificilmente terão retorno. Mas é necessário manter aquela presença, ainda que algumas vezes simbólica. O futuro dirá se os vazios criados se traduziram em poupanças substanciais ou em prejuízos para o Exército.
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* Sócio Efectivo da Revista Militar. Presidente da Direcção.