Nº 2458 - Novembro de 2006
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Etnicidade e Violência Étnica. As Diferentes Abordagens Teóricas e a sua Utilidade na Gestão de Conflitos.
Major-general
Carlos Manuel Martins Branco
Introdução
 
Apesar de passadas quase duas décadas sobre o fim da Guerra-Fria e da preponderância das chamadas guerras civis em detrimento das guerras entre estados, a problemática da etnicidade e da violência étnica continua a ser objecto de uma especial atenção por parte de académicos oriundos dos mais diversos domínios das ciências sociais. A sua importância decorre dos insuficientes contributos teóricos registados no campo da gestão e da contenção da violência intercomunal, nomeadamente no continente africano, independentemente da natureza da clivagem - religiosa, social, cultural ou linguística - que lhe está subjacente.1 Só uma profunda compreensão do fenómeno permitirá aos mediadores construirem estratégias de mediação eficazes. Caso contrário, a gestão destes conflitos corre o sério risco de se tornar num exercício condenado ao insucesso.
 
Apesar dos fracos resultados obtidos na gestão da violência intra-estadual generalizada, os mediadores têm insistido em extrapolar para este tipo de conflitos as as técnicas e os métodos utilizados na gestão de conflitos entre estados. O facto de se tratar de uma realidade essencialmente distinta, nomeadamente quando nos referimos aos chamados conflitos de natureza étnica, justifica necessariamente o emprego de técnicas e de métodos igualmente distintos para a sua resolução. Apesar do cepticismo do autor quanto à existência de conflitos étnicos e à utilidade de tal classificação para identificar estratégias que permitam pôr fim àquele tipo de violência, o debate sobre o tema é incontornável, sendo crucial estudar as explicações sobre etnicidade e violência étnica dadas pelas diferentes escolas, tendo sempre em mente a sua utilidade na identificação de estratégias que permitam conter e pôr fim à violência.
 
A escolha das ferramentas teóricas utilizadas para a interpretação e análise das causas e origens de uma determinada disputa revelou ser de uma importância crucial, visto afectar decisivamente todo o processo da gestão de conflitos. Daí a importância deste trabalho. O crédito atribuído à tese de que o confronto armado entre os grupos étnicos que integravam a antiga Jugoslávia resultou de uma propensão intrínseca e natural das diferentes culturas do espaço balcânico condicionou significativamente a definição das políticas do Ocidente para a região, tanto no domínio da gestão como da resolução de conflitos. Apesar desta corrente de pensamento não ter recebido um grande acolhimento na academia e ser de uma simplicidade e poder explicativo confrangedores, ela foi abraçada por uma valiosa audiência, muito em particular por uma grande parte dos decisores políticos ocidentais, com resultados desastrosos.2
 
Conscientes da dificuldade em incluir num trabalho desta natureza a totalidade das teorias e dos pontos de vista sobre a problemática da etnicidade e da violência étnica, limitar-nos-emos a efectuar a apresentação, de uma forma tanto quanto possível acessível, das principais abordagens teóricas e dos pontos de vista de maior visibilidade e aderência, as quais organizámos em três grandes escolas de pensamento - Primordialista, Instrumentalista e Construtivista - procurando, sempre que possível, reflectir sobre as suas possibilidades e limitações na construção de estratégias de gestão de conflitos. A classificação proposta é aceite por um leque muito alargado de analistas, sendo, contudo, apenas uma entre várias classificações possíveis.3
 
É fundamental ter sempre presente que tanto o processo interpretativo das causas do conflito como o das fundamentações intelectuais que lhe estão subjacentes não são neutrais quando se trata de definir estratégias e políticas, quer de gestão da violência quer da resolução dos conflitos. Os resultados a que se chega diferem consoante optemos por análises baseadas em lealdades primordiais, na actuação de activistas políticos, ou em aspectos de natureza social. As correntes de pensamento apresentadas não são monolíticas, nem completamente exclusivas. Se por um lado é possível identificar no interior de cada uma delas argumentos distintos, por outro, as explicações sobre etnicidade e conflitualidade étnica avançadas pelas diferentes escolas, apesar de serem conflitivas em vários aspectos e revelarem diferenças conceptuais persistentes, também, nalguns casos, combinam e permutam argumentos. Por isso, é difícil arranjar alguém que se situe e reveja completamente em todos os argumentos de cada uma das abordagens apresentadas. Por questões de economia e de parcimónia evitaremos discutir pontos de vista minoritários, concentrando a nossa atenção apenas nos argumentos consensuais de cada escola de pensamento.4
 
O estudo das diferentes abordagens terá uma forte componente compa­rativa tendo por base as respostas avançadas por cada uma das escolas de pensamento às variáveis em análise, sendo acompanhado da identificação dos pontos fortes e das vulnerabilidades explicativas de cada uma das escolas. Numa tentativa de combinar as preocupações teóricas com a análise empírica, apresentaremos ainda as explicações avançadas por representantes de várias escolas para a violência que teve lugar na antiga Jugoslávia, no início dos anos noventa. Finalmente, procuraremos perceber a utilidade e os méritos de cada uma das abordagens enunciadas na definição de políticas e na identificação de técnicas de gestão e, em última análise, de resolução dos conflitos. O tema não se esgota, obviamente, neste texto. Não só a sua riqueza extravasa largamente um trabalho desta dimensão, como a própria diversidade e complexidade dos conflitos étnicos coloca limitações ao desenvolvimento de uma teoria geral de gestão dos conflitos étnicos.
 
 
A Escola Primordialista 5
 
 
Os pensadores primordialistas explicam a etnicidade em termos de características comportamentais herdadas pelo indivíduo, tanto de natureza biológica como cultural. Sendo estas características determinadas pelo nascimento, para os primordialistas a identidade étnica emerge naturalmente.6 A ênfase colocada tanto na variável biológica como na cultural para explicar a etnicidade depende do alinhamento científico dos seus promotores. Os primordialistas de formação socio-biológica tendem a explicar os comportamentos sociais e étnicos em termos de traços biológicos herdados, enquanto que antropologistas sociais dão maior ênfase à cultura. Clifford Geertz chama aos factores de identidade - língua, religião, costumes, raça, ou laços sanguíneos assumidos - lealdades primordiais.7 Para ele os seres humanos nascem como animais incompletos, os quais se preenchem através da cultura que eles próprios criam, a qual assume o papel de uma atribuição primordial de existência social.8 Apesar de se perpetuar através de um processo contínuo de sociabilização que vai acentuar a percepção de exclusividade dos membros de um determinado grupo, e o sentido de diferença relativamente a outros grupos sociais, a pertença a um determinado grupo social é definida no acto do nascimento.9
 
Os socio-biologistas discordam entre eles quanto à força das causas biológicas para explicar o comportamento humano.10 Para alguns deles - os radicais - o comportamento social é explicado exclusivamente pela biologia; certas tendências comportamentais observadas em humanos têm causas genéticas intrínsecas.11 Os genes explicam o comportamento humano porque são sólidos e seguros, enquanto que a cultura é efémera, inconstante, contingente e não é fiável; para outros - os moderados - o comportamento social explica-se através de uma mistura de biologia e cultura; a base biológica do comportamento humano pode ser anulada ou alterada pelas poderosas capacidades culturais da espécie, as quais moldam o ambiente e provocam uma adaptação a elas por meios não biológicos.12 A base sociológica das relações humanas de natureza étnica e rácica apenas vêm adicionar ou complementar o actual entendimento histórico e cultural destas relações, em vez de demonstrarem as causas genéticas subjacentes às escolhas culturais.
 
Podemos ainda encontrar entre os primordialistas uma explicação alter­nativa aos argumentos biológico-culturais. Em vez de biologia ou cultura, Frederik Barth propôe como variável explicativa para a formação da identidade étnica o primado da manutenção das fronteiras. Sem questionar o carácter hereditário (ascriptive)13 e a “essência” cultural da etnicidade na definição daquelas identidades, Barth atribuiu uma tremenda importância à manutenção das fronteiras. Para ele, o aspecto central da investigação deve ser a fronteira étnica que define o grupo, e não os aspectos de natureza cultural que aquela incorpora.14 As fronteiras a que se deve dar atenção são as fronteiras sociais, as quais, nalguns casos, poderão assumir uma natureza territorial. A fronteira étnica canaliza vida social compreendendo frequentemente uma organização complexa de comportamentos e relações sociais. Segundo Barth, a fronteira é o âmago da consciência étnica. Ao atribuir uma ênfase decisiva ao facto dos grupos étnicos serem categorias de natureza hereditária e de identificação pelos próprios actores, com a característica de organizarem interacções entre pessoas, Barth muda o centro da investigação da constituição interna e histórica dos grupos para a problemática das fronteiras étnicas e sua manutenção.15
 
Com base no raciocínio acima apresentado, os primordialistas argumentam que o conflito étnico é uma consequência natural das diferenças étnicas, não necessitando de ser explicado. Os membros de um grupo étnico sentem naturalmente empatia entre si e hostilidade relativamente aos membros dos outros grupos.16 Assim, os primordialistas sugerem a ubiquidade do etnocentrismo, i.e., a crença de que os membros do seu grupo são superiores aos dos outros grupos.17 Para os primordialistas, o conflito étnico decorre e tem origem na etnicidade; é uma inimizade espontânea e organizada. Com base neste argumento, as relações entre os membros de um grupo serão mais pacíficas, ordeiras e cooperativas do que as relações destes com membros de outros grupos, as quais tendem a ser conflitivas, anárquicas e destrutivas. Enquanto que semelhanças étnicas conduzem à cooperação, diferenças étnicas con­duzem ao conflito interétnico.18
 
Muitos académicos primordialistas vêem a cultura como o principal responsável pelas animosidades interétnicas. É através da cultura que os seres humanos obtêm uma língua, religião, costumes, vestuário, alimentação, etc. comuns e, simultaneamente, desenvolvem um conjunto de afinidades e adquirem um sentido de fidelidade ao grupo, e, consequentemente, um sentido de inimizade para com os elementos exteriores ao seu grupo. Para os defensores das teses primordialistas, o conflito relaciona-se com irracionalidade e com tendências psicológicas e sociais “naturais” de pertença a um grupo que conduzem à rejeição dos outros grupos. Segundo alguns autores primordialistas esta tendência emerge naturalmente quando deixa de ser reprimida.
 
A argumentação primordialista centra-se em explicações de solidariedade social extremamente simplistas. Se é certo que em muitas sociedades as semelhanças físicas dos seus membros e a crença numa mesma ancestralidade, reforçadas por uma língua, história e inimigos comuns servem frequentemente não só para justificar certas formas de solidariedade social como para definir a identidade do grupo, também é verdade que este argumento é manifestamente insuficiente para explicar tanto a natureza da solidariedade de grupo como o modo como os problemas da acção colectiva são resolvidos. Se aquelas explicações podem, com restrições, ser aceites para justificar a solidariedade de grupo, dificilmente podem explicar os problemas da acção colectiva, os quais não são explicados pela solidariedade orgânica.
 
Os argumentos primordialistas não conseguem explicar, por exemplo, os prolongados períodos de coexistência pacífica de diferentes grupos étnicos num mesmo espaço geográfico. Como veremos de seguida, o conflito étnico não é directamente causado pelas diferenças entre grupos, as quais, por si só, não provocam conflitos. Os primordialistas tratam a etnicidade como um fenómeno óbvio e natural que explica automaticamente todas as formas de acção colectiva, não levando em consideração as diferenças existentes entre cultura e expressões políticas das diferenças culturais, i.e., movimentos separatistas, esforços para controlar o estado, ou tentativas de partilha de poder com outros grupos culturais.19 O primordialismo não consegue, por exemplo, distinguir entre identidade cultural e identidade cultural politi­camente relevante.20 As identidades de grupo não só não são fixadas historicamente, como se encontram em constante mudança, surgindo novas identidades a todo o instante. Mesmo contendo indivíduos com diferentes graus de ancestralidade comum, os grupos “étnicos” sofrem alterações na sua composição ao longo dos tempos (como ocorreu, por exemplo, com a criação de uma identidade “Anglo-Saxónica”).
 
Em presença de uma racionalidade instrumental, os problemas da acção colectiva inerentes a qualquer acção de grupo organizada tornam-se de difícil resolução, não podendo ser descartados apenas com base no simples argumento da solidariedade orgânica. Por outro lado, surgem no interior dos diferentes grupos étnicos lutas permanentes pelo poder, as quais acabam por corroer a solidariedade social que aqueles poderiam reunir para prosseguir o propósito da uma acção colectiva bem sucedida. A análise destes factores permite-nos verificar que a natureza da solidariedade étnica é, por si só, altamente problemática e não se produz sem esforço, meramente com base em características humanas superficiais, mitos de um passado comum, ou mesmo de uma história partilhada, como sugerem as explicações primordialistas.
 
Uma explicação consistente do fenómeno étnico não só necessita de explicar os termos em que ocorre e se constrói uma forte ligação do indivíduo ao grupo, como também necessita de explicar a sensibilidade das fronteiras e do conflito étnico em contextos de mudança, assunto que os primordialistas normalmente negligenciam. Tem acontecido, por vezes, que perante manifestações de sentimentos étnicos de elevada intensidade alguns analistas são levados a identificá-las como primordiais, apesar de serem identidades de grupo socialmente construídas, nalguns casos recentemente, com poucas diferenças tangiveis, e resultantes de mutações provocadas por alterações ambientais. Há a salientar que uma forte ênfase na resposta dos grupos étnicos às necessidades profundas dos seus membros não se encontra de modo algum em contradição com um forte sentimento de variação do fenómeno étnico. Os sentimentos entre grupos podem e na realidade alteram-se. Em face do exposto, não nos parece que a escola primordialista se possa constituir numa referência conceptual relevante na gestão da violência intra-estado, sendo as suas explicações de pouca utilidade para a resolução de problemas que envolvam acção colectiva.21 A evidência empírica coloca sistematicamente em causa as crenças primordialistas.
 
 
A Escola Instrumentalista
 
As abordagens instrumentalistas encontram-se normalmente associadas à sociologia e à ciência política. Uma vez que a abordagem instrumentalista incorpora uma larga variedade de perspectivas, começaremos por apresentar um conjunto de premissas aceites de uma forma geral por todas elas, antes de entrarmos no detalhe argumentativo das mais relevantes. Para efeitos deste trabalho, considerámos integrados na perspectiva instrumentalista as seguintes linhas de pensamento: o Estruturalismo, os trabalhos levados a cabo pelos académicos de inspiração Weberiana, o Dilema da Segurança, e o Institucionalismo.
 
Os Princípios
 
A identidade étnica é vista pelos instrumentalistas, acima de tudo, como um fenómeno social, e não como um processo biológico que se herda, e que é passado de geração em geração. A etnicidade e o nacionalismo não são “atribuídos” mas sim construções sociais e políticas.22 Para os instrumentalistas a etnicidade não emerge naturalmente; resulta de um processo de socialização sob pressão das elites e da comunidade, assim como de orientações de modos de vida. Em termos gerais, os instrumentalistas vêem a etnicidade como contextual, fluida, maleável e em função das condições estruturais existentes na sociedade.23 Acima de tudo, consideram a etnicidade um conceito elástico, cujas fronteiras e conteúdos são variáveis e sujeitos a mudança.24
 
Para os instrumentalistas a identidade étnica é uma construção social que pode ser aumentada ou diminuída, em determinados momentos históricos e contextos económicos e sociais, por elites políticas na busca de poder.25 Segundo esta escola, a opção étnica é uma escolha individual feita em liberdade; é escolhida em vez de atribuída. A simples existência de uma identidade presumida não implica, por si só, a mobilização de um grupo para a acção social e política. É necessário primeiro politizá-la, o que é normal­mente feito por activistas políticos. Em contraste com os primordialistas, os instrumen­talistas não vêem o conflito interétnico como o produto de uma tendência ou propensão inata; as diferenças culturais de per se não significam conflito.
 
Os instrumentalistas baseiam as suas análises na utilização da etnicidade como um instrumento de competição social e política.26 Para eles, o conflito étnico é o resultado da competição entre elites e da manipulação que estas fazem da cultura, na prossecução dos seus interesses, tanto políticos como económicos.27 Consoante as circunstâncias políticas e económicas, as elites tanto podem politizar a cultura e impelir os grupos étnicos para a rivalidade e hostilidade, como podem subvalorizar ou mesmo prescindir da manipulação simbólica da cultura, valores e práticas, procurando a cooperação com os outros grupos, ou a colaboração com as autoridades do estado.28 A cultura torna-se, assim, numa “matéria-prima” que necessita de ser primeiro “trabalhada”.29
 
Nesta lógica, é a competição entre elites que precipita o conflito étnico, a qual tem lugar em determinados ambientes políticos e económicos, em vez dos valores culturais dos grupos étnicos em questão. A cultura, os valores, e as práticas dos grupos étnicos tornam-se recursos políticos que as elites utilizam na sua competição em busca de poder político e vantagem económica.30 Contudo, o processo da conversão daquelas diferenças culturais em bases de diferenciação política entre povos, que se levantam apenas em circunstâncias muito específicas das suas histórias, necessitam de ser claramente identificadas,31 visto variarem de caso para caso.
 
O processo da mobilização política das comunidades étnicas envolve invariavelmente competição e conflito por poder político, benefícios económicos, e estatuto social entre as elites competidoras, as classes, e as lideranças de grupos, tanto no interior como entre grupos étnicos diferentes.32 Para criar maior coesão interna e fazer prevalecer mais eficazmente as exigências étnicas contra grupos rivais, as elites étnicas e nacionalistas amplificam não só as semelhanças entre os membros dos grupos a que pertencem, como as diferenças que os distanciam colectivamente dos restantes grupos.33
 
Os instrumentalistas argumentam que o uso da etnicidade como ferra­menta política faz com que esta não se distinga fundamentalmente de outras afiliações políticas, e, por conseguinte, as diferenças étnicas, por si mesmas, têm pouca utilidade para explicar os conflitos. Se estes não são causados por diferenças étnicas, então a utilidade desta categoria pode, de algum modo, ser colocada em causa. Em vez de serem “étnicos,” os conflitos são “políticos.” Isto é, são produtos de manipulações levadas a cabo por activistas políticos ou por forças estrangeiras procurando tirar vantagem das diferenças étnicas para enfraquecer e desestabilizar o estado.34
 
Depreende-se dos argumentos instrumentalistas que as lições aprendidas com os conflitos étnicos podem frequentemente - talvez sempre - aplicar-se a outros tipos de conflitos. Uma vez politizada, a etnicidade não é essencialmente diferente de outras formas de associação política. Assim sendo, os conflitos étnicos não serão necessariamente diferentes de conflitos com origem em interesses, nomeadamente os de natureza material, ou ideológicos. Nesta perspectiva, o conflito étnico, embora prevalecente, é parte de um processo conflitual de maior amplitude.35 A etnicidade é primeiro e acima de tudo um rótulo ou um conjunto de laços simbólicos que são usados para se obterem vantagens políticas, exactamente como acontece com as filiações em grupos de interesse ou em partidos políticos.36 Contudo, esta utilização dos atributos étnicos feita pelas elites económicas e políticas encontra-se condicionada exactamente pelas crenças e valores dos tipos de apelos que possam vir a efectuar.37 Isto é particularmente verdade se tivermos em conta o insucesso das tentativas de promoção de identidades, como aconteceu, por exemplo, no Sul da França, nos anos 60, com a identidade “Ocitânica”, ou com os esforços para criar uma identidade “Padânica” entre os italianos do norte, nos anos 90.38 Na realidade, os esforços para agitar identidades étnicas sem uma base cultural credível e sólida são frequentemente mal sucedidos. De modo a promoverem os seus interesses, os líderes étnicos podem tentar explorar diferenças percebidas, mas se não conseguirem responder a injus­tiças e aspirações reais, não têm sucesso.39
 
O processo de formação de nacionalidades a partir de grupos étnicos ou da construção de culturas (ou ideologias) nacionais que se ajustem às fronteiras do estado são em muitos aspectos semelhantes. Iniciam-se normalmente através de pequenas elites que politizam agendas culturais. Os actores-chave deste processo podem ser tanto intelectuais como oportunistas políticos que usam as identidades culturais para os seus próprios desígnios. As explicações instrumentalistas são de grande utilidade para compreender a violência interétnica, não só em sociedades industriais mas também naquelas em desenvolvimento que atravessam um processo de modernização. Como salientou Horowitz, são as elites, que supostamente deveriam afastar os seus povos de afiliações étnicas, quem encontramos frequentemente na liderança do conflito étnico. Nestas sociedades, os partidos políticos de natureza étnica têm as suas origens profundas entre as elites educadas; por todo o mundo em desenvolvimento a violência étnica tem lugar em áreas urbanas, onde normalmente se concentram estas mesmas elites e os exércitos se dividem com base em tensões étnicas que conduzem a golpes de estado e a genocídios.40
 
O instrumentalismo tem sido objecto de duas críticas principais: a primeira prende-se com a sua inabilidade para explicar a poderosa carga emocional que tanto parece envolver o comportamento étnico que se encontra subjacente a tais conflitos. Crawford, por exemplo, acusa os instrumentalistas de subvalorizarem a dimensão afectiva dos conflitos étnicos.41 Smith, por seu lado, chama a atenção para o perigo comum a todas as abordagens instrumentalistas, de negligenciarem o ambiente cultural em que se desenrola a competição entre elites, e maximizarem o factor racional das preferências. A segunda crítica tem a ver com a tendência dos instrumentalistas para definirem os interesses em disputa fundamentalmente em termos materiais, não entrando em linha de conta com a resilência dos sentimentos étnicos dos litigantes.42
 
O Debate Estruturalista
 
Alguns académicos do campo instrumentalista mais radicais, os chamados estruturalistas, de formação marxista ou marxizante, tendem a ignorar completamente a variável cultura na equação étnica, argumentando que a etnicidade não é politicamente relevante nem serve para explicar a conflitualidade social. A organização social é definida pela posição dos grupos sociais no modo de produção capitalista e o conflito social é explicado pelo antagonismo de classe, e não por diferenças com base na religião, raça ou cultura. A raça e os grupos étnicos funcionam apenas como meras “máscaras” que são utilizadas para obscurecer a identidade de classe, na luta pelo poder político ou económico. Os estruturalistas consideram os grupos de base comunitária apenas como mais uma entrada na lista de grupos orgânicos das suas tabelas de “sistemas políticos”.43
 
Para os estruturalistas, o aspecto dominante e decisivo do conflito centra-se na classe, sendo a etnicidade tratada como um factor subsidiário - uma forma de consciência que, se não falsa, pelo menos não é fundamental. Os estruturalistas ignoram o fenómeno étnico assim como as lutas raciais e comunais. Para eles, a etnicidade é uma ocorrência meramente acidental que pode ser rapidamente desprezada em favor de outras forças sociais que, apesar de escondidas, são mais consequentes.44 A dinâmica da luta de classes é o real motor por detrás da acção “étnica”,45 sendo o pluralismo cultural considerado como uma arma prestimosa nas mãos dos políticos da burgesia na busca dos seus interesses de classe.
 
Embora usando argumentos semelhantes, instrumentalistas e estruturalistas divergem substancialmente em dois assuntos cruciais: na importância atri­buída ao factor cultural, e na natureza dos actores do conflito. Embora o pensamento neo-Marxista tenha produzido uma grande variedade de conceptualizações, modelos teóricos, análises históricas e argumentos políticos sobre raça, classe e a “libertação” do estado do clássico determinismo económico Marxista,46 continua, no entanto, a considerar as divisões raciais e étnicas na sociedade capitalista como parte de outros tipos de relações sociais mais gerais (produção ou baseadas na classe), ou a tratá-las como um fenómeno de natureza superestrutural escondendo a sua base “real”.47 Embora alguns instrumentalistas tendam a abordar o factor cultural de uma forma subsidiária, comparativamente com os estruturalistas, a sua abordagem é seguramente muito menos dogmática e rigída.
 
Enquanto que os instrumentalistas falam de elites, os estruturalistas referem-se a classes sociais. A análise do papel das elites no conflito é muito mais complexa do que a feita com base nas clivagens de classe. Para os marxistas, a mobilização social é sempre o resultado do antagonismo de classe. O apelo étnico é apenas uma forma de mascarar as desigualdades de classe. A abordagem estruturalista poderá revelar-se de grande utilidade para explicar os conflitos sociais que ocorram em sociedades onde se verifique uma enorme correlação entre raça e classe, como acontece na África do Sul ou mesmo nos Estados Unidos da América, onde as diferenças culturais coincidem com a estratificação social. Contudo, o seu poder explicativo diminui nos casos em que diminui ou não se verifica esta coincidência. O grande contributo desta abordagem reside no facto de alertar para a realidade da política ser um combate pela riqueza e pelo lucro, permitindo assim compreender porque é que certos grupos se unem politicamente para actuarem colectivamente na disputa de recursos escassos.
 
Weber e a Crença Subjectiva
 
Ainda no domínio da lógica instrumentalista encontramos o pensamento de Max Weber - um sociólogo do conflito, por excelência - e dos académicos que seguiram as suas ideias. A sua definição de etnicidade enquadra-se perfeitamente nas premissas instrumentalistas. Weber manifestou inequivo­camente o seu descontentamento com “as múltiplas origens sociais e ambiguidades teóricas” da etnicidade como conceito,48 assim como a “inutilidade da noção de grupo étnico.”49 Apesar do modo como estas duas questões foram levantadas, Weber concebeu um corpo de ideias sobre etnicidade coerente merecedor de análise e atenção.
 
Segundo Weber, são grupos étnicos aqueles grupos humanos que partilham uma crença subjectiva na sua descendência comum devido a seme­lhanças de natureza física ou de costumes, ou de ambos, ou ainda devido a memórias de colonização e migração.50 Esta crença pode ser importante para a formação do grupo, não interessando se existe ou não uma relação sanguínea objectiva entre os seus membros.51 A ênfase colocada por Weber numa identidade presumida como o princípio estruturante da unidade étnica não implica, contudo, qualquer consequência particular no domínio da acção social e política. O facto de se pertencer a uma etnia não significa automaticamente a existência de um grupo étnico; apenas facilita a sua formação qualquer que seja a sua natureza, particularmente na esfera política”.52 A noção de acção social etnicamente motivada faz parte de um fenómeno, que uma análise sociológica rigorosa tem de saber distinguir cuidadosamente.
 
A consciência étnica forma-se primariamente através de experiências políticas comuns, não importando o quão artificial seja a organização politica da comunidade. Weber abre a porta para a possibilidade da etnicidade ser criada, mesmo apenas através da imaginação colectiva de indivíduos aparentemente semelhantes. O papel fundamental da política implica que a etnicidade como um fenómeno se torne real apenas devido às circunstâncias, e não porque exista a priori como qualquer solidariedade instrinsecamente permanente, ligando um conjunto de indivíduos através do tempo e do espaço.
 
A Abordagem Racionalista
 
A tradição da escolha racional considera os comportamentos individuais como uma função da interacção de constrangimentos estruturais com as preferências soberanas dos indivíduos. A estrutura determina primeiro, numa maior ou menor extensão, os constrangimentos sob os quais os indivíduos actuam. Dentro destes constrangimentos, os indivíduos enfrentam várias modalidades de acção possíveis. A modalidade escolhida é resultado de uma selecção racional. Os indivíduos adaptam os meios aos fins, por forma a conseguirem a maneira mais eficiente de os obter. Quando se assume saber as preferências individuais, podem-se prever os comportamentos face a qualquer combinação de constrangimentos estruturais.53
 
Transpondo estes pressupostos para a acção étnica, a escolha racional argumenta que os indivíduos se juntam para actuarem colectivamente com o objectivo de maximizarem o valor das suas acções, participando ou abstendo-se de acções étnicas colectivas de acordo com os seus próprios interesses individuais e ambições, não sendo os interesses dos grupos étnicos, de acordo com esta explicação, mais do que a soma dos interesses individuais dos seus membros. É nestes pressupostos que se enquadra a teoria do dilema de segurança a qual, inicialmente desenvolvida por matemáticos, foi mais tarde adoptada pelos cientistas sociais para explicar e prever comportamentos individuais. O conceito foi inicialmente empregue para explicar o compor­tamento político das superpotências durante a Guerra-Fria, mas com a emergência dos conflitos étnicos que dilaceraram a Europa e a antiga União Soviética no rescaldo da Guerra-Fria, o dilema da segurança foi objecto de revisão, tendo sido reformulado de modo a explicar este tipo de conflitos,54 na tentativa de os entender em termos de dilemas estratégicos e de acções racionais.
 
Os apoiantes desta abordagem argumentam que com o declínio das instituições do Estado, este perdeu capacidade tanto para arbitrar conflitos entre grupos que emergem no seu interior como para lhes fornecer garantias credíveis de protecção. Nestas circunstâncias, naquilo a que Posen chamou de situação de “anarquia emergente,” a segurança física tornou-se uma preocupação da mais elevada importância.55 Levantam-se medos colectivos sobre o futuro, e os grupos tornam-se receosos pela sua sobrevivência. Passam a investir e a preparar-se para a violência, e, por conseguinte, a violência torna-se realmente possível.56
 
Segundo os defensores desta linha de pensamento, o conflito étnico intenso é na maioria dos casos causado por receios colectivos quanto ao futuro. Quando os grupos começam a recear pela sua segurança, levantam-se dilemas estratégicos de resolução difícil, os quais transportam consigo um tremendo potencial de violência.57 Falhas na comunicação e problemas de credibilidade das promessas feitas permitem que o dilema de segurança ganhe espaço. Os grupos tornam-se mais apreensivos, o Estado enfraquece, e a probabilidade de conflitos aumenta. Os activistas étnicos e os empreendedores políticos que actuam no seio destes grupos manipulam estes receios de insegurança e polarizam a sociedade.58
 
Sem a imposição levada a cabo por um Estado estável, os grupos étnicos deixam de acreditar uns nos outros, e o conflito étnico irrompe devido à adopção de estratégias ofensivas e aos elevados graus de incerteza normalmente existentes nestes ambientes. Esta abordagem sugere que onde deixem de existir instituições responsáveis por impor a autoridade e prevaleça a anarquia, os grupos tendem a privilegiar a procura de segurança acima de qualquer outro objectivo, o que os conduz a tomarem medidas que tornam os outros grupos inseguros, os quais, por sua vez, vão tomar igualmente acções que os tornam uma ameaça.59 As memórias políticas e as emoções podem também ampliar estas ansiedades, e aumentar a distância entre os diferentes grupos em questão. Juntas, estas interacções estratégicas entre e intra grupos produzem uma mistura tóxica de desconfiança e suspeição que pode descambar em violência assassina.
 
O dilema da segurança coloca-se quando numa situação de anarquia se torna difícil distinguir os preparativos defensivos de um oponente daquilo que poderão ser intenções ofensivas. Nestas circunstâncias de incerteza, desde que a ofensiva se possa revelar como uma medida mais adequada do que a defesa, e a vantagem que o actor dispõe se possa erodir pela inacção, poderá ser melhor lançar uma guerra preventiva.60 Contudo, alguns teóricos do dilema da segurança não reclamam a racionalidade em todos os aspectos do processo de decisão que conduz à violência generalizada. Posen, por exemplo, considera que a lista de transacções violentas anteriores afecta a percepção dos participantes sobre a possibilidade de um ataque do oponente e a necessidade de se tomar a iniciativa de atacar primeiro; as interpretações das intenções dos oponentes será orientada para a imputação de malevolência se existir um historial de violência étnica.61
 
Os seguidores da escolha racional procuraram também analisar o modo como factores não racionais, como sejam os mitos políticos e as emoções, interagem com os dilemas estratégicos enunciados, e até que ponto as emoções se podem incluir na razão. Contudo, os racionalistas têm, de um modo geral, argumentado contra as tentativas de se arranjar um espaço independente para as paixões, sugerindo em vez disso que o conflito e a violência derivam de consequências não optimizadas da acção racional.62 Ao ser uma teoria desenvolvida segundo o modelo da “escolha racional”, o dilema da segurança tem sido também estudado com o recurso à teoria dos jogos.
 
O dilema da segurança tem sido objecto de várias críticas, de que salientamos as seguintes: apesar de ter muitos aderentes, a escolha racional e a teoria dos jogos como formas de descrever o comportamento humano na assunção da sua racionalidade tem sofrido vários revezes explicativos. Não se pode reduzir o conflito étnico apenas à economia. A teoria dos jogos assume que os jogadores, leia-se os partidos em disputa ou em negociação, têm um conhecimento perfeito de parâmetros chave do “jogo” como sejam as suas regras, as formas de cálculo dos benefícios, ou as probabilidades associadas às diferentes decisões. Contudo, o grande problema da teoria dos jogos prende-se exactamente com a natureza dos benefícios. Só os conhecemos depois dos jogadores os terem escolhido. É difícil explicar escolhas não previstas, suscitadas, por exemplo, por culturas diferentes;63 outra das fraquezas desta abordagem prende-se com a sua incapacidade para explicar a violência cultural em sociedades industrializadas onde a autoridade central é relativamente forte, e os contratos sociais são, de um modo geral, conside­rados legítimos,64 onde não se coloca o dilema da segurança.
 
A Visão Institucionalista
 
Tal como os promotores do dilema da segurança, também os pensadores institucionalistas dão grande relevo às instituições do Estado, ao seu declínio e às suas fraquezas, atribuindo a violência cultural à quebra de velhos contratos sociais garantidos pelo Estado. Estes argumentam que as mudanças de poder originadoras (pelo menos percebidas como tal) de discriminação étnica, religiosa e de privilégios provocam ressentimentos que se tornam terreno fértil para a acção de activistas políticos, que os utilizam para mobilizarem apoios em torno de identidades étnicas sectárias. Nesta perspectiva, os conflitos culturais tendem frequentemente a irromper em locais onde se quebram os antigos contratos sociais que guiavam a distribuição dos recursos políticos e económicos, segundo critérios de natureza étnica e religiosa. O conflito cultural torna-se violento quando aquelas instituições perdem vigor, entram em rotura, ou se transformam substancialmente ao ponto de sabotarem os compromissos que ligam aqueles contratos.65
 
Embora existam muitas forças a sabotar aqueles compromissos, Beverly Crawford aponta a globalização e a liberalização económica como os responsáveis mais importantes por essa sabotagem. Quando as forças impessoais dos mercados e da globalização usurpam o controlo das instituições domésticas, inibindo-as de imporem os acordos que asseguram a competição pacífica entre os grupos politicamente relevantes de uma sociedade, ou quando deixam de poder impor políticas culturalmente discriminatórias, a violência surge, em muitas ocasiões, como a única alternativa que resta aos activistas políticos para efectuarem exigências não negociáveis em nome dos vários grupos culturais.66 O argumento central dos institucionalistas para explicar a violência étnica reside na debilidade das instituições do Estado, a qual tem lugar em determinados contextos históricos. Em sociedades fragmentadas, quando as instituições enfraquecem e perdem vitalidade, os activistas políticos mobilizam apoios ao redor de identidades culturais previamente legitimizadas e transformam-nas em identidades políticas, recorrendo frequentemente à vitimização do grupo e ao exacerbamento de injustiças e privações de que terão, eventualmente, sido vítimas.67
 
 
A Escola Construtivista
 
O construtivismo é o mais recente dos três modelos analíticos apresen­tados. Os primórdios dos estudos construtivistas sobre etnicidade remontam aos trabalhos de Benedict Anderson (Imagined Communities, 1983), e de Eric Hobsbawm e Terence Ranger (The Invention of Tradition, 1983) nos anos oitenta, em que o grupo étnico era considerado, acima de tudo, como uma comunidade imaginada.68 Colocando a ênfase na natureza e nas origens sociais da etnicidade, esta corrente de pensamento têm vindo a ganhar aderentes entre os académicos.
 
Tal como os instrumentalistas, também os apoiantes do construtivismo divergem sobre vários assuntos, não se constituindo o campo construtivista como uma totalidade una. Por questões de economia do trabalho, apresentaremos apenas os argumentos construtivistas que reúnem consenso, e que constituem o core desta abordagem. Tanto instrumentalistas como construtivistas consideram as identidades étnicas como construções, como fenómenos sociais cujas fronteiras podem variar, não resultando de algo que é dado. Contudo, as explicações avançadas por aquelas duas correntes de pensamento para a problemática da identidade étnica são substancialmente dife­rentes.
 
Enquanto que os instrumentalistas consideram a elasticidade étnica como o resultado da manipulação das elites (que ampliam ou reduzem intencionalmente as diferenças entre grupos, em seu próprio proveito, consoante os interesses em jogo), os construtivistas argumentam que o processo de formação de identidades é muito mais complexo do que as explicações centradas no protagonismo das elites avançadas pelos instrumentalistas. Para os construtivistas, a etnicidade é o produto de uma densa rede de interacções sociais. Do modo como se desenvolvem estas interacções sociais, assim se desenvolve o processo de identidade grupal. A etnicidade e as suas manifestações políticas não podem ser analisadas no vácuo histórico. Pelo contrário, devem ser estudadas num contexto mais alargado de prolongadas relações históricas, culturais e ambientais.69
 
Para os construtivistas, a etnicidade deve ser entendida como uma comunidade imaginada que se distingue não pelas suas falsidades/autenticidades, mas pelo estilo em como são imaginadas. A etnicidade é uma construção social de expedientes complexos, que através de múltiplos mecanismos, uma vez germinada a consciência, se desenvolve através de progressivas redefinições que ocorrem a todos os níveis do Estado e da sociedade. O texto de Leroy Vail abaixo apresentado, citado por Crawford Young, dá-nos uma ilustração de uma abordagem construtivista no que respeita, por exemplo, à problemática da etnicidade na República da África do Sul:
 
“…A criação da etnicidade como uma afirmação ideológica de atracção popular, inserida num contexto de profunda mudança social, económica e política na África do Sul, foi o resultado da conjugação de várias forças e fenómenos históricos. É o desencontro entre a emergência e a interacção dinâmica daquelas forças e fenómenos históricos que explica a desigualdade no desenvolvimento de uma consciência étnica na região. Podemos considerar três dessas variáveis na criação e implantação da mensagem étnica. Primeiro, como ocorreu no surgimento dessas ideologias por toda a parte, por exemplo, nos casos dos nacionalismos na Europa, no século XIX, em que era essencial a existência de um grupo de intelectuais envolvidos na sua formulação - um grupo de agentes culturais. Segundo, o emprego generalizado de intermediários africanos para administrar os povos subordinados, um sistema a que normalmente se chamava “governo indirecto,” e que serviu para definir as fronteiras e a textura de novas ideologias. Terceiro, a necessidade real das pessoas comuns dos chamados “valores tradicionais” num tempo de rápidas mudanças sociais, abrindo assim o caminho para a aceitação generalizada de novas ideologias…”70
 
Tal como os instrumentalistas, também os construtivistas não vêem a etnicidade como um fenómeno naturalmente conflitual. Mas enquanto que para os instrumentalistas o conflito é um processo largamente inspirado pelas elites, as quais mobilizam a etnicidade na prosecussão dos seus próprios interesses; para os construtivistas, o conflito é causado por certos tipos daquilo a que se chamam sistemas sociais patológicos, os quais os indivíduos não controlam. Nesta perspectiva, é o sistema social que alimenta o conflito violento e não os indivíduos. Por isso, os construtivistas tendem a ver o conflito étnico como o resultado de ligações subjectivas e emocionais a uma comunidade imaginada.71
 
Nalguns temas os construtivistas movem-se numa posição intermédia entre o primordialismo e o instrumentalismo. Os construtivistas consideram que a etnicidade não é imutável nem completamente aberta.72 De uma forma geral, discordam da tendência instrumentalista para ver a etnicidade como uma liberdade de escolha individual; a identidade de um indivíduo permanece para além de uma escolha sua, cujo controlo lhe escapa.73
 
Enquanto que os argumentos instrumentalistas sobre a conflitualidade étnica se podem aplicar a casos de conflitos intra-estado com outras motivações que não sejam a identidade, os construtivistas são mais reservados no que concerne a generalizações. As suas considerações sobre conflitualidade étnica aplicam-se apenas a conflitos que têm por base grupos e clivagens socialmente construídas, i.e., religiosas, regionais, ou grupos nacionalistas cuja existência não resulte de escolhas individuais. Excluem das suas análises conflitos baseados em interesses de classe ou qualquer outro interesse material, como sejam os conflitos intra-estado com motivações político-económicas que, segundo eles, são provavelmente fundados em atributos individuais.
 
  
As diferentes Abordagens Teóricas e o Conflito Jugoslavo
  
Procuraremos nesta secção confrontar as explicações dadas pelas diferentes escolas com um caso empírico. Escolhemos o conflito na antiga Jugoslávia onde, ao contrário do que aconteceu na antiga Checoslováquia, o processo de dissolução do Estado foi acompanhado por uma guerra civil violenta. Apesar de existir imensa literatura sobre o tema, não foi fácil a escolha de textos representativos de cada uma das escolas apresentadas: ou têm um forte pendor jornalístico, não incorporando análises sociais sérias e sistemáticas; ou apresentam uma forte carga emocional, impossibilitando a análise neutral e despida de preconceitos; ou porque os trabalhos científicos misturam argumentos e pontos de vistas enquadráveis em diferentes linhas de pensamento. Não é fácil encontrar análises “puras” que reflictam, na sua globalidade, apenas os argumentos e as explicações de uma linha de pensamento.
 
Perante a abundância, como vimos nem sempre útil, seleccionámos Balkan Ghosts como o texto representativo da escola primordialista. Para ilustrar as explicações da escola instrumentalista “clássica” seleccionámos vários trabalhos, de que destacamos The Fragmentation of Yugoslavia: Nationalism and War in the Balkans, de Aleksandar Pavkovic, e Ethnicity and Nationalism: Theory and Comparison, de Paul Brass. Apesar de este último não se dedicar primariamente ao conflito étnico na Jugoslávia, apresenta matéria suficientemente relevante para ser estudada.74 Ainda no âmbito da escola instrumentalista, mas numa perspectiva institucionalista, analisaremos o já referido trabalho de Beverly Crawford.75 Como ilustração da escola racionalista, apresentaremos uma aplicação da teoria dos jogos ao caso da dissolução da Jugoslávia, Why do Countries Break Up?, The Case of Yugoslavia, de Vladimir Gligorov, e sobre o dilema da segurança apresentaremos uma síntese de vários textos do livro The International Spread of Ethnic Conflict: Fear, Diffusion and Escalation, coordenado por David Lake e Ronald Rothchild. Para ilustrar a argumentação construtivista escolhemos The Myth of Ethnic War. Serbia and Croatia in the 1990s, de Gagnon Jr.
 
Publicado pela primeira vez em 1993 Balkan Ghosts tornou-se um dos livros mais lidos e controversos sobre a realidade balcânica. O livro consiste num relato das viagens do autor pela região nos finais dos anos 80 e princípios dos anos 90, pouco antes da dissolução da Federação Jugoslava, quando não se fazia ainda ouvir o troar dos canhões. O livro é uma combinação de diário com história da região e análise de política externa, a meio caminho entre a filosofia política e o jornalismo.
 
Embora Kaplan defenda que o livro é na sua essência apenas uma reportagem jornalística de viagens, a verdade é que o autor efectua incursões em assuntos que extravasam largamente o domínio lúdico dos relatos de viagens, facto sobejamente comprovado, não só pelas posições políticas por si assumidas sobre a matéria em causa, mas também pelo impacto que o livro provocou nos decisores políticos da costa Oeste do Atlântico.76 Sob a capa pretensamente “apolítica” que se espera de um livro de viagens, Kaplan procurou através do roteiro escolhido afirmar uma convicção (política) mais profunda, uma espécie de ideia fixa que o perseguia. Isto é, a crença de que o estado-nação tem os dias contados, e que o entendimento que temos da actual organização do mundo se encontra num processo de dissolução. No seu entendimento estaríamos a passar ao largo das tendências mais impor­tantes que determinam e predizem o nosso futuro.
 
Kaplan leva-nos numa viagem a um mundo em que as fronteiras nacionais têm cada vez menos significado, em que os acontecimentos motores da mudança deixaram de ser os habituais protagonistas - presidentes, parlamentos, polícias - para passarem a ser as forças que dissolvem o estado-nação e o mundo Westfáliano nele assente: o conflito entre as fronteiras dos estados-nações artificialmente desenhadas e o aumento da consciência étnica, o aumento demográfico explosivo, a doença, o crime, a degradação ambiental, a escassez dos recursos hídricos e a mobilização das pessoas provocada por estas mudanças.
 
Em Balkan Ghosts, Kaplan coloca os conflitos étnicos que desmembraram a Jugoslávia nos anos 90 no contexto de uma clivagem civilizacional ao longo da linha de separação entre o antigo Império Romano do Ocidente e o Império Bizantino, a qual se tornou mais tarde, nos Balcãs, numa linha divisória entre a Europa Cristã e os territórios sob controlo da Turquia Otomana. O argumento central de Kaplan sobre a violência étnica na região baseia-se nas características inerentemente belicosas da cultura balcânica, a qual se encontra historicamente dominada por ódios étnicos e religiosos, profundos e inatos, que tornam inevitável uma guerra brutal.
 
“...Aqui [nos Balcãs] os homens têm sido isolados pela pobreza e pela rivalidade étnica, condenando-os ao ódio…” escreve Kaplan. E prossegue questionando, “…Aqui a política reduziu-se a níveis próximos da anarquia. Com que é que se parece a terra nos sítios onde as pessoas cometem atrocidades? Onde existe um cheiro desagradável, um genius loci, e coisas incriminatórias na paisagem?...”77 Ao mesmo tempo que evidencia a intensidade dos ódios sufocados e as injustiças históricas ocorridas na região, Kaplan tenta transmitir ao leitor um poder virtual que certos “fantasmas” teriam na psico da população, ignorando, por completo, todos aqueles que viviam, respiravam e suportavam a multietnicidade, e que representavam um largo sector da população. Ao descrever o conflito étnico dos anos noventa como uma inevitabilidade, como uma força incontrolável da natureza que impele os indivíduos à matança e à limpeza étnica, Kaplan coloca os aspectos da responsabilidade individual em segundo plano. Para ele, o conflito emerge naturalmente das discordâncias étnicas e não da promoção efectuada por activistas políticos. As suas narrativas descrevem a realidade como que imunes à acção humana.
 
O tom e a linguagem utilizada na caracterização da antiga Jugoslávia (“paisagens de atrocidades,” aldeias Bósnias “plenas de ódios selvagens, corrompidas pela pobreza e pelo alcoolismo”) deram colorido e serviram aparentemente para credibilizar a ideia largamente propalada de que a violência étnica nos Balcãs era um fenómeno endémico, sendo, por isso, inevitável um novo derramamento de sangue. Esta visão fatalística da histórica encontra-se bem patente na última página do livro. Socorrendo-se do dramatismo de Shakespeare e da sua afirmação de que “… um céu carregado não se limpa sem uma tempestade…”,78 Kaplan afirma por analogia que as “… histórias dos conflitos étnicos, inflamadas pela morte em curso do comunismo, tornaram os céus dos Balcãs tão carregados que agora, infelizmente, é necessária uma tempestade para os limpar…”79
 
Partindo da premissa de que o conflito na antiga Jugoslávia é o resultado de paixões étnicas, e de um temperamento balcânico propenso à violência, Kaplan sublinha a necessidade de compreender a psicologia daqueles povos e os “ódios étnicos antigos e intratáveis” que lhes estão subjacentes. Esta linha de pensamento, adoptada no Ocidente por meios jornalísticos politicamente influentes, recorria com frequência a uma terminologia pré-moderna para caracterizar os Balcãs apresentando os seus povos, e neste caso concreto os Jugoslavos, como seres primitivos, como a antítese do Ocidente moderno, progressista e liberal. Tribalismo, desadequação cultural e irracionalidade eram vocábulos utilizados pelos defensores desta corrente de pensamento para caracterizar a região e os seus povos.
 
As imagens, tanto sobre o conflito como sobre a realidade social na antiga Jugoslávia, transmitidas pela imprensa ocidental e por muita literatura pretensamente académica diferiam com frequência dos factos no terreno, os quais chocam definitivamente com visões de identidade étnica de orientação essencialista.80 Inúmeros factos, tais como as altas taxas de casamentos inter-étnicos, a elevada percentagem da resistência ao recrutamento militar, e as estatísticas existentes sobre os mais variados assuntos não comportam confortavelmente a noção de estas guerras resultarem de ódios étnicos antigos. Os Balcãs, e muito menos os territórios correspondentes àquilo que foi a Jugoslávia, nunca foram palco de guerras religiosas como aquelas que se verificaram na Europa durante o século XVI.
 
À semelhança do referido para as análises de matriz primordialista, também no campo instrumentalista coexistiram estudos de grande fôlego sobre o conflito Jugoslavo com trabalhos de natureza jornalística com ambições politólogas, centrados no papel desempenhado pelos dirigentes dos dife­rentes grupos étnicos. Apesar da política oficial de “fraternidade e unidade” e da hostilidade aberta do regime a manifestações de natureza chauvinista e a animosidades nacionalistas, estas tinham uma existência real na sociedade Jugoslava desde meados dos anos sessenta, encontrando organizadas em diversas associações e grupos, muito particularmente entre a burocracia e as diferentes elites.81
 
Durante a vida de Tito, a competição entre as elites político-económicas era mantida a baixos níveis de conflitualidade dada a existência de vários mecanismos de regulação de conflitos, em última instância o próprio Tito, que intervinha para resolver os interesses não acomodáveis e refrear as exigências mais impulsivas. Com o desaparecimento de Tito e a ausência de um árbitro com prerrogativas semelhantes que o pudesse substituir na resolução dos casos difíceis, aumentou a rivalidade entre as elites provocando-se uma alteração qualitativa no debate político. A médio prazo, a adopção do nacionalismo como a opção ideológica por excelência fez escalar os conflitos entre as repúblicas, desencadeando choques sobre escolhas económicas entre as respectivas elites, as quais seriam posteriormente politizadas e transformadas em questões de soberania e de identidade política não negociáveis.82
 
Um dos expoentes máximos dessa competição foi a adopção de quatro Constituições (1946, 1953, 1965 e 1974) em menos de 30 anos. A última Constituição é, de certa forma, o resultado da agitação social de carácter nacionalista que varreu o país nos finais dos anos sessenta, promovida principalmente por Albaneses, Eslovenos e Croatas. As principais reivindicações destas forças centrífugas, materializadas na nova Constituição, vieram definir os termos dos novos arranjos no processo de decisão e os mecanismos de partilha do poder. Por outras palavras, a Constituição serviu para consolidar o poder das elites regionais nos domínios económico e político, nomeadamente o seu controlo dos meios económicos, em detrimento da redução da autoridade federal. A Jugoslávia pós 1974 não era a mesma que tinha sido criada em 1945. Esta nova Jugoslávia era a consequência de uma nova relação de forças instalada no país, na qual a descentralização, o nacionalismo e o separatismo (fenómenos associados) passaram a desempenhar um papel decisivo, se tivermos presente que as alterações constitucionais resultaram de pressões originadas por forças republicanas e provinciais.
 
O nacionalismo tornou-se o aspecto mais importante na vida política da Jugoslávia pós-Tito. Desde 1980 até ao desmembramento do país em 1991-2, e de acordo com os protagonistas e os assuntos em discussão o nacionalismo desenvolveu-se em quatro fases distintas:83 a primeira, ao longo da primeira metade da década, caracterizou-se pelo aumento da disputa entre as elites dirigentes ao redor dos assuntos económicos; a segunda, ainda dominada por assuntos económicos, mas em que as elites dirigentes, em estreita cooperação com grupos não comunistas, codificaram os objectivos nacionais e articularam programas nacionais; uma terceira, em que a elites comunistas deram início à implementação daqueles programas nacionais; e uma quarta fase, após as eleições de 1990 até ao desmembramento da federação, dominada pelas elites não comunistas vencedoras das eleições, as quais terminaram a implementação dos programas nacionais previamente iniciados pelas elites comunistas.
 
Durante a toda a década de oitenta, como vinha ocorrendo do antece­dente, o debate político continuava centrado ao redor da distribuição de poderes entre o centro e as repúblicas. Havia entre as elites comunistas a convicção generalizada de que a causa dos problemas económicos que assolavam o país residia na distribuição errada de poderes entre as repúblicas e o centro. A chave para a resolução daqueles problemas residia numa correcta redistribuição de poderes. Na segunda metade da década, a discussão ao redor da melhor distribuição do poder deixou de ser o tema central da agenda política. A deterioração da situação económica ajudou à explosão do nacionalismo. A incapacidade do regime para corresponder às expectativas dos cidadãos levou ao seu discrédito e à consequente perda de legitimidade. As elites governantes, impotentes e sem soluções para os problemas que assolavam o país, utilizaram o nacionalismo como uma tábua de salvação, distanciando-se progressivamente dos princípios socialistas. Para voltar a ganhar a legitimidade perdida, mudaram a sua imagem ideológica e adoptaram a retórica nacionalista dos grupos não comunistas dissidentes.84
 
Esta evolução/mutação ideológica das elites dirigentes Jugoslavas foi acompanhada pela tolerância em relação às vozes dissidentes, tanto nacionalistas como não comunistas. Na segunda metade dos anos oitenta as exigências nacionalistas já tinham deixado de ser um tabu. Num curto espaço de tempo, as elites comunistas e os grupos dissidentes não comunistas encontravam-se no mesmo lado da barricada. Nos finais da década, na Eslovénia, Croácia e Sérvia os dirigentes comunistas e os dissidentes anti-comunistas, antigos antagonistas, tinham-se tornado aliados políticos unidos na acção política em redor da questão nacional.
 
Tanto as elites dirigentes como os grupos que não integravam as elites iniciaram naquelas repúblicas o assalto ao modelo consociacional85 em que se baseava e tinha sido concebido o sistema constitutional Jugoslavo, articulando os objectivos estratégicos nacionais em programas políticos que eles consideravam alternativas justas e válidas para as suas repúblicas: a Sérvia pretendia manter a federação mas com uma correlação de forças diferente, a Eslovénia propunha a independência e a Croácia uma confederação (inicialmente).
 
Alguns instrumentalistas explicam o crescimento do nacionalismo Croata com base naquilo que se conhece por teoria da deprivação relativa. Isto é, não é objectivamente a desigualdade como tal que precipita o nacionalismo, mas o sentimento de frustação ou de deprivação relativa definido como “o equilíbrio entre os bens e as condições de vida que as pessoas pensam que são capazes de obter ou manter, dados os meios sociais ao seus dispor.” Para os defensores desta linha, independentemente do real avanço económico dos Croatas relativamente às restantes repúblicas, os Croatas almejavam atingir um nível de desenvolvimento económico comparável ao dos países da Europa ocidental, e sentiam que isso não era possível de alcançar no interior da Jugoslávia.86 Contudo, a capacidade explicativa desse argumento é manifestamente insatisfatória. Por exemplo, a exigência nacionalista do reconhecimento da língua Croata como uma língua oficial distinta e com o mesmo estatuto do Servo-Croata, feita com o objectivo de enfatizar a diferença croata não tem nada a ver com uma alegada situação de deprivação relativa em que os Croatas eventualmente se encontrassem. Aqui o que se tratava era tão-somente a necessidade de evidenciar uma diferença para justificar vantagens económicas e políticas.87
 
A argumentação instrumentalista mais consistente para explicar a emer­gência do nacionalismo Croata que levaria ao conflito e levantaria a questão das relações entre as restantes nacionalidades Jugoslavas prende-se naturalmente com a competição por oportunidades e recursos económicos e políticos. Na realidade, o que parecia estar em causa na Jugoslávia, como em muitos países em desenvolvimento, era a competição pelos recursos económicos, particularmente no que respeitava à distribuição dos fundos de investimento necessários para promover o desenvolvimento económico, a mudança tecnológica e a criação de empregos; e pelo poder político, que no caso Jugoslavo se cristalizou no tema das mudanças constitucionais, na discussão da centralização versus descentralização.
 
No contexto político da Jugoslávia, a descentralização regional, tanto do poder político como dos recursos económicos, servia objectivamente os interesses da elite gestora croata, que preferia controlar as oportunidades na Croácia do que mover-se para regiões menos desenvolvidas da Jugoslávia. Por isso, o nacionalismo Croata articulou-se em termos de exigências autonómicas regionais. Em contraste, os interesses Sérvios na Jugoslávia identificavam-se mais com políticas e práticas centralizadoras, visto as elites Sérvias se encontrarem em melhor posição do que as elites das outras nacionalidades para controlarem os recursos económicos e políticos de um estado centralizado.88
 
Por outro lado, os autores de inspiração institucionalista argumentam que as raízes do “conflito étnico” na antiga Jugoslávia se encontram na estrutura institucional dos sistemas económicos e políticos construídos após a Segunda Grande Guerra.89 Enquanto que a estrutura institucional criada a seguir à Guerra Mundial oferecia numerosos incentivos para a afirmação de identi­dades no interior de um estado Jugoslavo integrado, assim como incentivos para o desenvolvimento de lealdades políticas regionais (em oposição às étnicas), acabava também por encorajar a rivalidade interétnica através das suas instituições de representação e participação. Com o enfraquecimento do estado federal, a estrutura institucional passou a oferecer aos activistas políticos incentivos cada vez maiores para “jogarem a cartada étnica” na sua luta pelo poder político.
 
Enquanto o estado federal permaneceu forte, as lealdades ideológicas e regionais competiram com as lealdades étnicas como fontes de identidade política. As instituições federais podiam adjudicar disputas entre as elites regionais, resolver os conflitos pacificamente, desencorajar, e quando necessário, reprimir as políticas e manifestações étnicas nacionalistas. Na tentativa de manter a autoridade e desviar as críticas à crise económica e discriminação política, o governo federal descentralizou o seu controlo tanto sobre a economia como sobre o sistema político. Cada passo dado na direcção da descentralização representou um passo em direcção à fragmentação e à consequente erosão da autoridade federal. Com o aprofundamento da descentralização, as elites locais adquiriram mais recursos para distribuírem em troca de apoios, vendo cada vez menos razões para manterem lealdade ao governo central. Contudo, estas elites locais podiam-se ter mobilizado em redor de apelos ideológicos - como aconteceu na República Checa - ou terem-se orientado para a autonomia regional em vez de étnica.90
 
A explicação institucionalista para o facto das elites na Sérvia, Croácia, e Bósnia terem refutado os apelos ideológicos e regionais e se terem decidido por envolver em disputas de simbolismo cultural que levantaram emoções e empolaram sentimentos de discriminação étnica, prende-se com o facto dessa decisão ser em grande medida estabelecida pelos incentivos institucionais criados pela Jugoslávia federal ao longo do período pós-guerra. Ao radicalizarem-se, estes incentivos institucionais desencorajavam a criação de coli­gações que assegurassem a moderação em assuntos geradores de discórdia.91 As novas regras institucionais de participação e representação desenhadas para acomodar as eleições multipartidárias de 1990, vieram reforçar estes incentivos. As regras existentes não só desencorajavam a criação de coligações de base ideológica ou orientadas para a resolução de problemas específicos que reunissem aliados através das fronteiras das repúblicas, como encora­javam o exclusivismo das políticas de identidade cultural.92
 
Também vários analistas procuraram explicar o conflito e as causas do conflito na antiga Jugoslávia com base na argumentação racionalista. Dentro desta linha escolhemos duas orientações: as explicações com base nos receios causados pelo designado dilema da segurança, e com base na teoria dos jogos. Académicos mais orientados pelos princípios do dilema da segurança explicam a violência étnica com base na procura da segurança que perversamente transporta os grupos étnicos para a insegurança. O medo induz as pessoas a apoiar a violência, mesmo quando isso possa envolver custos elevados. As opções de escolha parecem resumir-se apenas a duas: ser ou não ser a vítima. Esta argumentação explica satisfatoriamente a reacção da população Sérvia na Croácia quando esta república Jugoslava se decidiu tornar independente. A forma como a liderança Croata lidou com a população Sérvia reavivou as memórias das atrocidades cometidas e dos sofrimentos impostos pelos Croatas à população Sérvia, durante a Segunda Grande Guerra.
 
Não só a Constituição croata definia o Estado croata como o Estado soberano da nação Croata; não fazendo referência aos sérvios que, assim, perdiam, na nova república em que se viam integrados, o estatuto de nação constituinte que usufruiam na antiga república Croata da Jugoslávia, e se tornavam por esta via cidadãos de segunda classe; como a liderança política croata adoptou uma linguagem próxima da utilizada pelos fascistas ustashas, começando, por exemplo, por adoptar os símbolos do Estado ustasha, nomeadamente a sahovnica, a bandeira sob a qual milhares de Sérvios tinham sido barbara­mente chacinados durante a Segunda Grande Guerra.93 Mas também a ideologia nacional croata, claramente anti-sérbia, foi reabilitada. A demissão dos polícias sérvios nas regiões de maioria sérvia e a imposição do uso da sahonica nos seus uniformes foram os catalizadores específicos que fizeram deflagrar o conflito no interior da Croácia. A insensibilidade de Tudjman para lidar com as legítimas ansiedades sérvias aumentou o receio da população sérvia, que optou por não ser vítima.94
 
Por outro lado, Gligorov procurou analisar a racionalidade política do conflito recorrendo à teoria dos jogos para explicar a dissolução da Jugoslávia. Na linha racionalista, Gligorov argumenta que o resultado do desmembramento do País foi o resultado de uma opção política racional.95 Para fundamentar o seu argumento Gligorov recorreu a três tipos de jogos: o dilema do prisioneiro, o jogo da galinha e o jogo da cadeia de lojas. Para Gligorov pode-se, em termos da teoria dos jogos, explicar os falhanços da cooperação entre os diferentes grupos recorrendo ao dilema do prisioneiro ou ao jogo da galinha. Na realidade, pode-se representar a essência do conflito Jugoslavo através da competição entre Sérvios e Croatas, através de um processo em que o dilema do prisioneiro se torna no jogo da galinha.
 
A estratégia utilizada pelos Croatas, tanto no período em que integraram o Império Austro-Hungaro como na Jugoslávia, conduziu-os à situação do dilema do prisioneiro. Utilizaram sempre a secessão como uma ameaça, mas acabaram sempre por obter uma solução pior do que aquela que podiam ter assegurado através da cooperação. Por outro lado, aquele analista vê a estratégia da Sérvia na Jugoslávia mais orientada para a confrontação directa do que para a busca do compromisso, mais parecida com o jogo da galinha.96 Assim, pode-se afirmar que os resultados do conflito entre Sérvios e Croatas foram determinados pela inabilidade dos croatas em cooperar e pela tendência dos sérvios em procurarem uma resolução através de um confronto final. Na realidade, eles nem conseguiram concordar sobre o tipo de jogo que iam jogar, quanto mais numa estratégia comum.97
 
O jogo da cadeia de lojas permite a sua modelação a partir do seu interior, podendo tornar-se tanto no dilema do prisioneiro como no jogo da galinha. Em ambos os casos, permite movimentações agressivas do jogador domi­nante, o qual pode escolher qualquer dos três jogos. Se escolhe o dilema do prisioneiro, o secessionismo é impossível, mas a frustação geral é inevitável. Se escolhe o jogo da galinha, pode optar por afastar toda a gente do seu caminho nos seus próprios termos. Algumas destas separações podem ser vistas como movimentações cooperativas (como no caso da Eslovénia e talvez da Macedónia), enquanto que outras estão condenadas a serem violentas. Por conseguinte, o jogador dominante, no caso da Jugoslávia a Sérvia, é que determina tanto a escolha do jogo como os resultados finais.98
 
Seguindo uma orientação próxima do paradigma construtivista, Gagnon procura demonstrar no seu trabalho duas questões essenciais: a violência na antiga Jugoslávia não foi o resultado de ódios étnicos, apesar da tenacidade com que os jornalistas ocidentais defenderam essa tese; e, a massiva mobilização popular verificada após 1990 centrava-se em assuntos não étnicos e era dirigida contra os partidos dirigentes, contrariando muita da literatura académica sobre conflitos étnicos, que se centra nas elites e nas estratégias de incentivo à violência segundo clivagens étnicas, através da mobilização das massas em seu apoio. Para Gagnon, a mobilização das massas ao redor de assuntos de cultura e de identidade requer algo mais do que simples apelos à história e a símbolos, ou à identificação de ameaças de natureza étnica. É fundamental ter em conta a dimensão e o papel crucial desempenhado pelo contexto social e pessoal envolvente, e as relações vividas na construção da identidade, que os modelos de mobilização étnica simplesmente ignoram.99
 
Gagnon não só refuta frontalmente a explicação dos conflitos na Bósnia e na Croácia com base nos argumentos essencialistas, como adopta alguns aspectos da argumentação instrumentalista, nomeadamente no que se refere à adopção por parte das elites republicanas de estratégias que lhe permitissem assegurar as suas posições de poder e privilégio, mas obviamente com interpretações diferentes. Gagnon explica aqueles conflitos tendo em consideração a realidade social das identidades e culturas em jogo, vendo-as num contexto mais lato de vida quotidiana das pessoas e das estruturas de poder em que têm lugar. Na análise daqueles confltitos, Gagnon atribui grande importância não só às realidades sociais e à acção dos seres humanos, como reconhece ao mesmo tempo a importância do papel exercido pelas diferentes estruturas de poder na definição das escolhas individuais, e na configuração dos resultados.
 
Gagnon argumenta que a violência fazia parte de uma estratégia mais geral utilizada pelas elites conservadoras na Sérvia e na Croácia não para mobilizar as massas, mas sim para desmobilizar aqueles que pugnavam por mudanças nas estruturas do poder económico e político que iriam afectar negativamente os interesses e os valores daquelas elites. Com isso, pretendiam não só manter o controlo das estruturas de poder existentes, assim como reposicionarem-se para converterem em benefício próprio a propriedade estatal em privada, a base do poder num novo sistema de economia liberal.100
 
Como os instrumentalistas, Gagnon foca a sua atenção nos objectivos e nas estratégias das elites, mas ao contrário daqueles não resume as suas expli­cações a histórias de pura e simples manipulação, de líderes que jogam a cartada étnica ou carregam em botões e obtêm respostas pavlovianas das massas étnicas.101 Para Gagnon, as elites tiveram de recorrer à violência para atingir os seus objectivos precisamente porque não lhes era fácil traduzir a identificação étnica em mobilização para a violência, dadas as realidades sociais reflectidas em processos de identificação étnica. A estratégia da violência e desmobilização foi necessária precisamente porque as identidades étnicas não tinham a força e o poder de motivação que os primordialistas assumiam que tinham.102
 
Ao invés dos instrumentalistas, Gagnon argumenta que as elites demonstraram uma grande inabilidade para jogar a cartada étnica, como meio de mobilização das massas, o que as levou a usar outras opções, muito particularmente a criação de conflitos violentos como um estratégia de desmobilização política dos largos sectores da sociedade que desafiavam o status quo em vigor, e que pugnavam por uma mudança de regime económico e político, tanto na Sérvia como na Croácia. A estratégia da violência visava desmobilizá-los, marginalizá-los e, acima de tudo, colocar as suas preocupações fora do domínio do discurso político. A eficácia da estratégia da desmobilização não se deve aos apelos à etnicidade ou à identidade mas, pelo contrário, à vontade dos seus mentores em usarem a violência e a coerção para silenciar as pessoas.103 Para os seguidores desta abordagem, a compreensão do comportamento das pessoas mobilizadas pela violência requer uma abordagem muito mais complexa e sofisticada do que o típico cenário da mobilização étnica.
 
Nesta perspectiva, tanto as identidades existentes como aquilo que significavam manifestaram-se como obstáculos à concretização dos objectivos das elites, em vez de meios para os atingir. Assim, as guerras não foram nem uma expressão de sentimentos irreconciliáveis, nem uma expressão democrática de preferências políticas e culturais de uma larga parte da população. Em vez disso, a violência foi imposta a comunidades plurais de fora daquelas comunidades por forças políticas e militares da Sérvia e da Croácia, como parte de uma estratégia mais geral de desmobilização.104 Devido ao seu controlo dos recursos (económico, militar, político e de comunicação), as elites usaram a violência para criar uma noção de coesão de grupo que não existia do antecedente.105
 
A análise efectuada por Gagnon salienta a natureza altamente problemática da escolha de categorias como “etnicidade” e “grupo étnico” como unidades de análise. Se entendermos os processos de identificação étnica em termos da construção social de identidades através de experiências vividas, abrimos a porta a uma abordagem muito diferente destas guerras, uma abordagem que reconhece que a violência não foi uma função directa de processos de identificação étnica. A violência não foi o resultado da mobilização das massas, nem foi uma resposta à pressão de baixo para remover elementos de outras étnias de determinados territórios.106 Olhando cuidadosamente para os lugares mais fustigados pelos combates - lugares com os níveis mais altos de coexistência - a violência, quase sem excepção, foi importada para aquelas comunidades, como resultado de decisões estratégicas tomadas pelas lide­ranças em Belgrado e Zagreb. Após 1990, nem o HDZ nem o SPS mobilizaram activamente a maioria da população em seu apoio, tanto em termos de demonstrações de rua como em termos de votos.107 Em ambos os casos, os partidos dirigentes apenas conseguiram manter o controlo do Estado recor­rendo tanto à manipulação dos processos eleitorais, provocando alterações constitucionais que lhes proporcionavam vantagens injustas, como impondo limitações à acção dos partidos da oposição.108
 
 
Conclusões
 
Na apresentação que efectuámos sobre os fundamentos intelectuais das três principais correntes académicas sobre etnicidade e conflito étnico - o primordialismo (a identidade como um processo afectivo e irracional), o instrumentalismo (a identidade como um processo elástico e instrumental), e o construtivismo (a identidade como um processo social imaginado e de expedientes complexos) - procurámos, sempre que possível, perceber a utilidade e a contribuição das diferentes explicações no âmbito da gestão da violência intra-estado. É substancialmente diferente ver um conflito como o resultado de paixões irracionais ou como o resultado da manipulação de um pequeno grupo poderoso da sociedade. Estas percepções do problema condicionam não só a definição das estratégias de gestão do conflito como têm um poderoso impacto nas mentes dos decisores políticos que apoiam as estratégias implementadas pelos mediadores, e do público em geral. A gestão da violência intra-estado conduzida por uma terceira parte requer, não só a necessidade de compreender o conflito e as suas causas, como o conheci­mento da sociedade em apreço e, sobretudo, das redes de poder nela existentes.
 
Embora muitos autores atribuam às suas teses um poder explicativo superlativo, a verdade é que as abordagens estudadas não só se complementam, como nalguns aspectos se reforçam mutuamente, não detendo nenhuma delas o monopólio explicativo. Em última análise nenhuma é suficientemente abrangente para explicar todos os fenómenos. O que explicam umas teorias não explicam as outras; umas explicam melhor certas situações do que outras. O pensamento marxista poderá aplicar-se com sucesso, por exemplo, a conflitos que ocorram em sociedades onde raça e classe se possam confundir, onde exista uma verdadeira coincidência de clivagens sociais. Mas o seu poder explicativo diminui à medida que aquelas clivagens se vão cruzando. Em última análise, a construção dos modelos teóricos leva sempre em conta determinadas referências empíricas, as quais por serem diferentes, encaminham os analistas para respostas também diferentes. É, pois, decisivo que o mediador perceba qual o modelo que melhor se aplica ao caso concreto em análise. A qualidade desta escolha é crucial.
 
Quase nenhum académico que se dedique ao estudo do nacionalismo e da etnicidade aceita os “ódios antigos”, as “paixões étnicas”, a “libertação de sentimentos longamente reprimidas pelos regimes comunistas” no pós Guerra-Fria, ou o stress da vida moderna no seio da economia global como causas ou explicações plausiveis para os conflitos étnicos. Se o primordialismo fornece algum contributo para o processo da gestão de conflitos, será apenas no capítulo da compreensão do poder emotivo das afiliações étnicas. Enquanto que o instrumentalismo não se preocupa com esta questão, o construtivismo atribui-lhe alguma importância. Como afirma Young, o primordialismo tem o mérito de completar o instrumentalismo pela força dos laços afectivos através dos quais o interesse é instrumentalmente perseguido; ajuda a tornar compreensível a emocionalidade latente nos conflitos étnicos, a sua dispo­sição para despertar ansiedades profundamente arreigadas, medos e inseguranças, ou a provocar um grau de agressividade não explicável em termos puramente materiais.109 Do ponto de vista da gestão da violência a proble­mática das paixões é de pouca utilidade, não proporcionando uma grande ajuda à compreensão da sociedade nem dos mecanismos de poder e de funcionamento dos grupos em litígio. Em última análise, a escola primordialista desempenhará sempre um papel secundário e marginal neste debate, pouco contribuindo para a identificação de estratégias de mediação adequadas.
 
Pelo contrário, as análises instrumentalistas revelaram-se de grande interesse para os mediadores, dada a centralidade que atribuem ao papel desempenhado pelas elites nos conflitos. O poder da análise instrumentalista reside não só na identificação do elemento ignidor da violência, como na necessidade do seu estudo de uma forma sistemática. É certo que os construtivistas também reconhecem o papel desempenhado pelas elites nos conflitos, mas não lhes atribuem a importância dada pelos analistas de inspiração instrumentalista na equação do problema. Apesar da utilidade óbvia das abordagens construtivistas, estas têm o inconveniente de dispersarem a atenção dos mediadores do estudo profundo do modo como se articulam as elites que dominam os diferentes grupos em confronto, relegando as causas dos conflitos para certos tipos de “sistemas sociais patológicos” que os indivíduos não controlam. Ao responsabilizar o sistema social pela alimentação do conflito étnico violento, em detrimento de grupos activistas e empreendedores políticos, como fazem os instrumentalistas, o construtivismo perde alguma da sua utilidade como instrumento de referência na gestão de conflitos.
 
Se as elites são o motor do conflito, também são seguramente o motor da paz e da reconciliação. É com elas e não com as massas que os mediadores têm de negociar as soluções. Por serem incontornáveis torna-se necessário estudá-las profundamente. Embora nenhuma das correntes instrumentalistas aponte concretamente uma metodologia para o estudo sistemático do comportamento desses grupos organizados, elas têm o mérito de os desagregarem e proporem o estudo autónomo das subunidades resultantes. Se nos conflitos internacionais os mediadores se relacionavam exclusivamente com as autoridades estatais, leia-se elites políticas, os únicos interlocutores à disposição dos mediadores, nas guerras civis, os detentores formais do poder político não são os únicos decisores. No interior de cada facção, o poder encontra-se fragmentado por diferentes sub-grupos, tendo por isso os mediadores que explorar o potencial de transformação do conflito existente no seio de cada facção. A desagregação das elites que a argumentação instrumentalista faz abre as portas à adopção de um conjunto de estratégias que tenham em conta a necessidade de actuar sobre um conjunto variado de protagonistas, nomeadamente os de cariz “não-politico” (ideológico, económico e militar), os quais poderão ser irrelevantes no caso de conflitos entre estados, mas que não o são em guerras civis, permitindo assim beneficiar da sua alavancagem e potencial de gestão de conflito.
 
O modo de desagregação das elites varia consoante a corrente em que se insere o autor. A sociologia oferece múltiplas opções e caminhos. Brass refere-se à competição e ao conflito pelo poder político, benefícios económicos, e estatuto social entre elites competidoras, classe e liderança de grupos ambos no interior e entre categorias étnicas diferentes, não se esquecendo das elites religiosas.
 
110 Em contraste com as guerras entre estados, para além das causas da guerra e da envolvente histórica, os mediadores devem conhecer aprofundadamente as sociedades em causa. É insuficiente a análise dos antecedentes históricos dos conflitos; é necessário introduzir uma dimensão sociológica no seu estudo. As facções intervenientes em guerras civis não são normalmente entidades unitárias. Eles integram redes de poder - ideológicas, económicas, militares e políticas - mais ou menos complexas e sofisticadas, que se sobrepõem e intersectam com maior ou menor intensidade. É, pois, fundamental perceber como é que o poder se encontra distribuído na sociedade e no interior dos grupos oponentes, e identificar não só os detentores do poder político, mas também quem condiciona de um modo decisivo o processo da decisão política. O instrumentalismo tem a vantagem de endogeneizar e diferenciar tipos de actores.
 
Por outro lado, a abordagem instrumentalista coloca seriamente em causa as tentativas de analisar a violência segundo o paradigma culturalista, e a sua utilidade na gestão de conflitos. Embora os conflitos possam ser descritos como étnicos, e a identidade étnica possa na realidade desempenhar um papel no capítulo da violência, a etnicidade é talvez o factor de menor importância para compreender o processo da violência. É importante reconhecer que muitos conflitos “étnicos” ou “culturais” nem sempre têm a ver com as relações entre “grupos étnicos” ou “culturas.” De uma forma geral, os instrumentalistas não consideram a identidade étnica, cultural ou comunitária como a origem dos conflitos étnicos. Em muitos casos a exigência de justiça pode ser articulada em termos de direitos colectivos (étnicos, culturais), mas a grande questão em causa é saber se essas exigências são efectivamente a expressão da vontade colectiva de uma comunidade, ou um expediente de um grupo dessa sociedade para ganhar notoriedade, poder e legitimidade. Do ponto de vista da gestão de conflitos é essencial encontrar resposta para esta questão. As soluções que se baseiam no paradigma cultural, por se basearem em premissas incorrectas, normalmente não conseguem produzir paz duradoura porque não conseguem remover as causas subjacentes àquilo que parece ser um conflito étnico; e tautologicamente apoiam a lógica instru­mental do conflito.
 
 
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* Este artigo é uma versão ampliada de um artigo com o mesmo título publicado pela revista Relações Internacionais (R.I.), n.11, Setembro 2006.
O termo etnicidade não se encontra no dicionário da lingua portuguesa. É uma tradução livre da expressão inglesa “ethnicity”, feita pelo autor. O conceito de etnicidade não reúne consenso no seio dos académicos das ciências sociais, sobretudo no que toca à sua relação com conceitos próximos, como sejam raça, nação e classe. Para efeitos deste trabalho, adoptámos a definição proposta por Horowitz, o qual considera etnicidade como a identidade de grupo baseada na noção de uma origem comum, recrutada primariamente através do parentesco e manifestando uma determinada diferença cultural. O conceito de etnicidade inclui grupos diferenciados pela cor, linguagem e religião, assim como tribos, raças, nacionalidades, e castas. Ver Horowitz, Donald L., Ethnic Groups in Conflict, University of California Press, Ltd, London, 2000, pp. 51-54 (The concept of an ethnic group).
**     Coronel de Infantaria.
  1 Gestão e resolução de conflitos são termos frequentemente empregues com o mesmo significado, como se do mesmo conceito se tratasse. Seguindo a conceptualização adoptada por Zartmann, a gestão de conflitos refere-se à eliminação da violência e dos meios de prosseguir o conflito relacionados com a violência, de modo a que os assuntos que estão subjacentes ao conflito possam ser dirimidos ao nível político. A resolução de conflitos tem um alcance mais profundo e refere-se à remoção das causas, asssim como das manifestações de conflito entre as partes e à eliminação das fontes de incompatibilidade. Sobre este assunto ver William Zartman & Lewis Rasmussen, Peacemaking in International Conflict. Methods and Techniques, United States Institute of Peace Press, Washington DC, 1997, p. 11. Em termos temporais as diferenças são enormes. Enquanto que a gestão de conflitos é um processo de curto e médio prazo, a resolução é essencialmente um processo de longo prazo, senão de gerações.
  2 É pública a influência exercida pelo livro Balkan Ghosts sobre o antigo presidente americano Bill Clinton, e o modo como acabaria, indirectamente, por condicionar a política americana para a região. Sobre este assunto ver, por exemplo, o discurso de Bill Clinton no New York Times, de 21 de Janeiro 1993, p. A15.
  3 Como referido, este tema é passível de muitas abordagens.Thomas Szayna, por exemplo, classifica as grandes linhas de pensamento sobre etnicidade e violência étnica em primordialista, epifenomenalista e hereditária (ascriptive), correspondendo a “sua” corrente epifenomenalista à “nossa” escola estruturalista. Para mais detalhes sobre a classificação proposta por Szayna ver Identifying Potential Ethnic Conflict: Application of a Process Model, MR-1188-A, RAND’s Arroyo Center Division, 2000. Um grupo alargado de especialistas limita-se a considerar apenas o pensamento primordialista e construtivista. Neste caso, o conceito de construtivismo difere daquele por nós mencionado. Nesta linha de pensamento, Horowitz considera duas abordagens, uma radical (hard) e outra moderada (soft). Para um hipotético analista que aderisse a todas as posições radicais (ninguém o faz), os grupos étnicos são o resultado de um património herdado (ascriptive), isto é, são entidades consistentemente definidas, baseadas num forte sentimento de comunidade, produtoras de lealdades sólidas e persistentes, fornecendo grandes recompensas afectivas aos membros do grupo, inclinando-se para o etnocentrismo e para a hostilidade, e com vontade de dominar quem não pertença ao grupo. São susceptíveis de comportamentos conflituosos baseados em paixões, e geram nos membros do grupo uma grande vontade em se sacrificarem pelo bem-estar colectivo. Para um outro hipotético analista que aderisse a todas as posições moderadas (que também não existe), os grupos étnicos são entidades cujas fronteiras são problemáticas e maleáveis, em que a solidariedade é baseada em recom­pensas materiais as quais proporcionam aos seus membros, em vez de afeições, sentimentos difusos, cujo comportamento, baseado nos interesses dos seus membros, é vulnerável à manipulação estratégica. A aparente afeição pode ser frequentemente reduzida ao calculismo; os conflitos com os outros grupos resultam mais de dilemas estratégicos do que de objectivos irreconciliáveis. Como diz Horowitz, a posição radical vê as afiliações étnicas feitas de pedra, enquanto que a moderada as vê feitas de pasta. Sobre este assunto ver Horowitz, The Deadly Ethnic Riot, University of California Press, Ltd, London, 2001, pp. 44-45.
  4 Alguns autores movem-se em domínios de alguma “ambiguidade” teórica. Petersen, por exemplo, desenvolve uma abordagem ao conflito étnico com base no argumento das emoções, identificando três tipos de emoções instrumentais: o medo, o ódio e os ressentimentos. Apesar de partir de um princípio de inspiração primordialista, ao considerar a motivação para participar e apoiar a violência étnica como inerente à natureza humana, e até mostrar algum desprezo pelo papel das elites no comportamento das massas, a sua abordagem assume formas que a aproxima dos argumentos de algumas correntes racionalistas, sobretudo no que respeita às questões relacionadas com o medo e o ódio entre grupos. Sobre a abordagem com base nas emoções ver Petersen, Roger D., Understanding Ethnic Violence. Fear, Hatred, and Resentment in Twentieth-century Eastern Europe, Cambridge University Press, Cambridge, 2002.
  5 O termo primordalismo foi utilizado pela primeira vez por Edward Shils, em 1957.
  6 Issacs, Harold, Idols of the Tribe: Group Identity and Political Change, Harper and Row, New York, 1975.
  7 Geertz, Clifford, The Integrative Revolution: Primordial Sentiments and Civil Politics in the New State, in Old Societies and New State: The Quest for Modernity in Asia and Africa, Geertz, Clifford ed., New York, Free Press, 1963, pp. 109-13.
  8 Geertz, Clifford, The Interpretation of Cultures, Basic Books, New York, 1973.
  9 Para um estudo mais aprofundado dos argumentos primordialistas ver, por exemplo, Banton, Michael, Racial and Ethnic Competition, Cambridge University Press, Cambridge, 1983; Smith, Anthony D., Theories of Nationalism, Holmes and Meier, New York, 1983; Smith, Anthony D., The Ethnic Origins of Nations, Basil Blackwell, Oxford, 1986; e Armstrong, John, A., Nations Before Nationalism, Chapel Hill, University of North Carolina Press, 1982.
 10 Sobre a força das causas biológicas para explicar o comportamento humano ver, por exemplo, em Thompson, Richard H., Theories of Ethnicity: a Critical Appraisal, Greenwood Press, Westport Connecticut, 1989, o Capítulo 2, In Genes we Trust: the Socio-biology of Race and Ethnicity.
 11 Sobre a temática das explicações comportamentais com base nas causas biológicas ver, por exemplo, Wilson, E. O., Sociobiology: The New Synthesis, 1973, uma das grandes referências desta escola.
 12 Sobre a versão sociobiológica moderada ver Pierre L. Van Den Berghe, The Ethnic Phenomenon, Greenwood Press, 1981. Van Den Berghe afirma que as relações intergrupo são passíveis de se reduzirem à competição por recursos escassos. Mas enquanto que as classes sociais se agrupam de acordo com interesses materiais comuns, os grupos étnicos são a consequência de uma descendência comum, em última análise, na base de interesses comuns. Apesar de argumentar que o nepotismo étnico é, nos seus fundamentos, biológico, Berghe mostra abertura para relacionar a etnicidade com um largo espectro de factores ambientais.
 13 Não encontrámos no dicionário tradução para ascriptive, revelando-se difícil a transposição do conceito para a língua portuguesa. Decidimos utilizar os termos herança ou hereditário, conforme melhor se adequar a sua inserção no texto, por forma a transmitir o conceito de algo que é imputado, atribuído ao indivíduo e que não resulta de uma escolha.
 14 In Barth, Frederik, Ethnic Groups and Boundaries: The Social Organisation of Culture Difference, Little, Brown and Co., Bergen, 1969, pp. 9-38.
 15 Barth, Frederik, Ethnic Groups and Boundaries, in Frederik Barth ed., Process and Form in Social Life: Selected Essays, London: Routledge & Kegan Paul, 1981, pp. 198–227.
 16 Henderson, Errol A., Ethnic Conflict and Cooperation, in Encyclopedia of Violence, Peace & Conflict, Vol. 1, Academic Press, 1999, p. 751.
 17 Idem, p. 754.
 18 Henderson, op. cit., p. 754.
 19 Crawford, Beverly, The Causes of Cultural Conflict: An Institutionalist Approach, In The Myth of ‘Ethnic Conflict’: Politics, Economics, and ‘Cultural’ Violence, Beverly Crawford and Ronnie D. Lipschutz, ed., University of California Press, Berkeley, 1998, p. 11.
 20 Idem.
 21 Para uma crítica consistente do primordialismo, as suas virtudes e insuficiências ver, por exemplo, entre outras referências: Brass, Paul R., Ethnicity and Nationalism: Theory and Comparison, Sage Publications, New Delhi, 1999, pp. 69-74; Szayna, Thomas S., op. cit., Capítulo 2; ou Eller, Jack David e Coughlin, Reed M., The Proverty of Primordialism: the Demystification of Ethnic Attachments, in Ethnic and Racial Studies 16, n.º 2 (Abril 1993), pp. 183-202.
 22 Brass, Paul R., op. cit., p. 13.
 23 Sisk, Timothy, Power Sharing and International Mediation in Ethnic Conflict, United States Institute of Peace, Washington D.C., 1997, p. 12.
 24 Henderson, op. cit., p. 754.
 25 Sisk, op. cit., p. 12.
 26 Young, Crawford, The Rising Tide of Political Culturalism: The Nation-state at Bay? University of Wisconsin Press, Madison, 1993, p. 22.
 27 Tal como acontece com o conceito de etnicidade, também não existe no seio da comunidade científica uma definição de elite consensual, nomeadamente entre sociólogos. O termo elite tem sido utilizado com muitos significados, muitas vezes com o sentido de classe dominante ou classe política. A proliferação de ideias similares (elites dirigentes, elites governantes, classes dominantes, etc.) também não tem contribuído para esclarecer o conceito. Para efeitos deste trabalho utilizaremos a definição de elite avançada por Brass, ou seja, os subgrupos influentes no interior dos grupos étnicos ou classes sociais. É de salientar que Brass se refere a elites políticas, económicas e religiosas.
 28 Brass, op. cit., p. 16.
 29 Cederman, Lars-Erik, Nationalism and Ethnicity in International Relations, in Walter Carlsnaes, Thomas Risse, and Beth Simmons, eds.,The Handbook of International Relations, Sage Publishers, 2002.
 30 Brass, op. cit., p. 15.
 31 Brass, op. cit., p. 13.
 32 Brass, op. cit., p. 25.
 33 Brass, op. cit., p. 21.
 34 MacFarlane S. Neil, The Internationalization of Ethnic Strife, International Security XX, n.º 1 (Summer 1995).
 35 Lake, David A. and Rothchild, Ronald (eds.), The International Spread of Ethnic Conflict: Fear, Diffusion and Escalation, Princeton University Press, Princeton, 1998, p. 6.
 36 Idem. Esta abordagem é desafiada por aqueles que argumentam que a etnicidade não é um processo de escolha decidido pela vontade dos indivíduos, como acontece com as filiações políticas, encontrando-se sempre condicionada e controlada pela sociedade em que o indivíduo se insere. Apontam a natural natureza social de todas as identidades étnicas e argumentam que a etnicidade apenas pode ser compreendida no contexto de um quadro relacional.
 37 Brass, op. cit., pp. 16-17.
 38 Os termos “Ocitânica” e “Padânica” foram criados para este texto e derivam respectivamente das expressões Occitan (em francês langue d’oc) e Padania (italiano). “Ocitânica” tem a ver com uma região do Sul de França onde se tentou criar uma identidade própria com base nos falantes de Occitan, uma língua falada antes do Francês se ter tornado idioma oficial; e, por sua vez, “Padânica” tem a ver com a Padânia, uma região do Norte de Itália onde um movimento sessionista liderado por Umberto Bossi procurou criar uma identidade local ao redor de hipotéticas injustiças, de que a região teria sido eventualmente vítima, provocadas pela direcção central do Estado italiano.
 39 Henderson, op. cit., p. 754.
 40 Horowitz, Donald L., Ethnic Groups in Conflict, University of California Press, Ltd, London, 2000, p. 97. Sobre este assunto ver o Capítulo III (Conflict Theory and Conflict Motives), pp. 95-140 e MacFarlane S. Neil, The Internationalization of Ethnic Strife, in International Security XX, n.º 1 (Verão 1995). Horowitz relaciona conflito étnico com o processo de modernização de três maneiras distintas: a primeira, em que o conflito étnico é visto como uma mera relíquia de um tradicionalismo fora de moda, condenado a ser marginalizado pelas incursões da modernidade; a segunda, em que o conflito étnico é interpretado numa perspectiva tradicional, mas sem se constituir como um impedimento à modernização; e a terceira, que considera o conflito étnico como uma parte integrante - mesmo um produto - do próprio processo de modernização. Sobre as relações entre o nacionalismo étnico e as necessidades das elites políticas em condições de rápida (democratização) transição ver, entre outros, Mansfield, Edward D. e Snyder, Jack, in Democratization and the Danger of War, International Security, Vol. XX, n.º 1 (Verão 1995), pp. 5-39.
 41 Young, Crawford, op. cit., p. 22. Esta crítica é partilhada por outros respeitáveis analistas. Hutchinson, John & Smith, Anthony D. (eds), Ethnicity, Oxford University Press, New York, 1996, referem que ao longo da história, etnias e nações têm claramente levantado paixões de uma natureza quase física, que nem as classes alguma vez chegaram a atingir, p. 9.
 42 Hutchinson & Smith, op. cit., p. 9.
 43 Young, Crawford, op. cit., p. 22.
 44 Szanya, op. cit., p. 21.
 45 Szanya, op. cit., p. 23.
 46 Para uma excelente revisão das diferentes perspectivas marxistas sobre raça e etnicidade, ver Solomos, John, Varieties of Marxist Conceptions of Race, Class and State: A Critical Analysis, in J. Rex e D. Mason (eds.), Theories of Race and Ethnic Relations, Cambridge University Press, Cambridge, 1986, pp. 84–109. Solomos “organizou” estas abordagens neo-Marxistas ou Marxizantes em três modelos: o modelo autónomo relativo, o modelo autónomo e o modelo do trabalho migrante.
 47 Solomos, John, op. cit., p. 84, citando Parking, F., Marxism and Class Theory: a Bourgeois Critique, Tavistock, London, 1979, Social Stratification, in T. Bottomore and R. Nisbet (eds.), A History of Sociological Analysis, Heinemann, London, 1979.
 48 Ver Weber, Max, Economy and Society, University of California Press, 1978, p. 387.
 49 Idem, p. 393.
 50 Idem, p. 389.
 51 Idem.
 52 Ibidem.
 53 Hechter, Michael, Ethnicity and Rational Choice Theory, in Hutchinson, John & Smith, Anthony D., op. cit., p. 90.
 54 Para informação mais detalhada sobre o conceito do Dilema da Segurança ver, por exemplo, Jervis, Robert, Cooperation under the Security Dilemma, World Politics, n.º 30, pp. 167-214; Lake and Rothchild: The International Spread of Ethnic Conflict; and Containing Fear: the Origins and Management of Ethnic Conflict.
 55 Posen, Barry R., The Security Dilemma and Ethnic Conflict, Survival, vol. 35, n.º 1 (Primavera 1993), p. 27.
 56 Lake, David A. and Rothchild, Ronald, Containing Fear: the Origins and Management of Ethnic Conflict, in Theories of War and Peace (Brown, Coté, Jr., Lynn-Jones and Miller, eds), the MIT Press, Massachusetts, 1998, p. 294.
 57 Idem, p. 292.
 58 Ibidem.
 59 Crawford, Beverly, p. 13.
 60 Horowitz, Donald L., The Deadly Ethnic Riot, University of California Press, Ltd, London, 2001, p. 545.
 61 Posen, op.cit., pp. 30-31.
 62 Horowitz, The Deadly Ethnic Riot, p. 547. Desafiando os argumentos racionalistas sobre paixões, Horowitz discute em separado dois argumentos: a racionalidade do medo e a racionalidade das atrocidades. Recorrendo a um trabalho de Robert Bates, Rui de Figueiredo e Barry Weingast segundo o qual a “etnificação” da política é o produto do medo das massas de que o outro lado possa atacar primeiro. Este medo é reforçado por líderes étnicos ambiciosos que convencem os seus seguidores da plausibilidade do outro grupo atacar primeiro. O medo induz as pessoas a apoiar a violência por muitos custos que esta possa ter, porque a escolha parece situar-se entre ser ou não ser a vítima. De acordo com esta abordagem, quando o que está em causa é muito elevado, como a probabilidade de genocídio, desenvolve-se um elevado grau de afecto, e assim, a emoção é o produto de uma avaliação racional da situação que se pode considerar normal. Nesta perspectiva, o medo não se poderá considerar um produto da irracionalidade.
 63 Idem.
 64 Crawford, Beverly, op. cit., p. 15.
 65 Idem, pp. 5-6.
 66 Ibidem.
 67 Crawford, Beverly, p. 38.
 68 O nacionalismo não é o despertar da auto-consciência das nações: inventa nações onde elas não existem. Anderson, Benedict, Imagined Communities, Reflections on the Origin and Spread of Nationalism, Verso, London, 1991, p. 6, citando Ernest Gellner, Thought and Change, p. 169.
 69 Ver as explicações avançadas por Anderson (op. cit., pp. 37-46) para explicar o desenvolvimento da consciência nacional com base na mudança no carácter do Latim, o impacto da Reforma, e a expansão de vernáculos como instrumentos de centralização administrativa, e como diferem dos argumentos instrumentalistas.
 70 Leroy Veil, The Creation of Tribalism in Southern Africa, University of California Press, Berkeley, 1989, citado por Young, Crawford, op. cit., p.22.
 71 Para Anderson, parte da explicação para os sacrifícios que as pessoas estão dispostas a efectuar em nome de uma causa reside nas raízes culturais do nacionalismo. Independentemente das desigualdades e da exploração que possa prevalecer em cada uma, a nação é sempre concebida como um camaradagem horizontal profunda. Em última análise, é esta fraternidade que tem tornado possível ao longo dos últimos dois séculos, para tantos milhões de pessoas, não tanto matar como ter vontade de morrer em nome de exercícios imaginativos tão limitados, Anderson, op. cit., p. 7. Anderson dúvida do papel exercido tanto pelas mudanças sociais como pela transformação da consciência, por elas próprias, para explicar os afectos que as pessoas sentem pelas invenções da sua imaginação, relembrando que as nações inspiram amor e, frequentemente, um profundo amor que proporciona o auto-sacrifício. A ideia do derradeiro sacrifício vem associada à ideia de pureza, através da morte. Morrer pelo país, que um indivíduo normalmente não escolhe, assume uma grandeza moral, já o dizia Horácio (Dulce et decorum est pro patria mori - quão doce e honroso é morrer pela pátria, Odes III, 2. 13). Pode parecer paradoxal que os objectos destas fidelidades sejam “imaginados”, anónimos, sem face. Neste aspecto, amor patriae não difere de outras sentimentos, nos quais exista sempre um elemento de paixão imaginada. Anderson, op. cit., pp. 141-154.
 72 Quando nos referimos a imutabilidade temos em mente uma versão extremista do Primordialismo. Os autores Primordialistas têm vindo a mostrar alguma abertura para abdicarem deste extremismo.
 73 Lake, David A. and Rothchild, Ronald (eds.), The International Spread of Ethnic Conflict: Fear, Diffusion and Escalation, Princeton University Press, Princeton, 1998, p. 6.
 74 Para uma visão mais alargada do pensamento instrumentalista ver, entre outros, Silber, Laura e Little, Alan, The Death of Yugoslavia, Penguin Books, 1995; Gleeny, Misha, The Fall of Yugoslavia, Penguin Books, 3rd edition, 1996; e Denitch, Bogdan, Ethnic Nationalism. The Tragic Death of Yugoslavia (Revised Edition), University of Minnesota Press, 1997. Estes documentos revestem-se de um profundo carácter jornalistico.
 75 Também numa lógica institucionalista ver Hayden, Robert M., Blueprints for a House Divided. The Constitutional Logic of the Yugoslav Conflict, The University of Michigan Press, 1999.
 76 É um debate antigo e recorrente saber até que ponto um autor pode ou não ser responsável pelo uso que outros fazem do seu trabalho. Não nos podemos abstrair do que foi o comportamento de Kaplan após a publicação do livro (intervenções públicas desde a CNN até à Carlisle Barracks), o seu empenho político e a sua militância a favor de uma intervenção militar contra os Bósnios Sérvios.
 77 Kaplan, Robert D., Balkan Ghosts: A Journey Through History, Picador, New York, 2005.
 78 Kaplan, Robert D., op. cit., p. 287.
 79 Idem.
 80 Para uma excelente desmontagem da argumentação primordialista do conflito na antiga Jugoslávia ver, por exemplo, Gagnon Jr, V. P., The Myth of Ethnic War. Serbia and Croatia in the 1990s, Cornell University Press, 1999, p. 39.
 81 Paul Shoup terá sido o académico que melhor estudou e descreveu a competição no seio das elites comunistas. Um excelente exemplo daquela situação foi a discussão pública travada entre Dobrica Cosic (Sérvio) and Dusan Pirjevac (Esloveno), em 1961, acerca da cooperação entre repúblicas, a qual oferece uma visão inequívoca das ideias prevalecentes no seio da intelectualidade Jugoslava. Ver Shoup, Paul, Communism and the Yugoslav National Question, Columbia University Press, New York, 1968, p. 197.
 82 Woodward, Susan L., Balkan Tragedy: Chaos and Dissolution After the Cold War, The Brookings Institution. Washington D.C., 1995, p. 99.
 83 A análise do nacionalismo na Jugoslávia durante os anos 80, foi inspirada nos princípios enunciados por Miroslav Hroch, o qual considerou o desenvolvimento do nacionalismo em três fases: uma primeira, na qual os intelectuais elaboram os atributos da nação; uma segunda, envolvendo a acção política concertada de pequenos grupos de patriotas através de clubes, jornais e associações; e uma terceira, envolvendo a mobilização das massas populares. Ver Hroch, Miroslav, Social Precondition of National Revival in Europe, Cambridge, 1989.
 84 Pavkovic, Aleksandar. The Fragmentation of Yugoslavia: Nationalism and War in the Balkans (Second Edition), Macmillan Press, LTD, London, 2000, p. 86.
 85 Tradução do autor do termo Consociationalism. O “consociacionalismo” consiste numa estratégia de gestão de conflitos em sociedades plurais que passa pela cooperação e o acordo entre as diferentes elites segmentais, em vez de competição e decisões maioritárias. O “consociacionalismo” define-se em termos de três características: governo de um gabinete de grande coligação; veto mútuo; proporcionalidade como a principal regra de representação política, nomeação de funcionários civis e atribuição dos fundos públicos; e alto grau de autonomia para cada segmento da sociedade gerir os seus próprios assuntos internos. Sobre o “consociacionalismo”, ver Lijphart, Arend, Democracy in Plural Societies. A Comparative Exploration, Yale University Press, 1977, pp. 25-52.
 86 Brass, op. cit., p. 42, citando Gary K. Bertsch, Relative Deprivation and Yugoslav Nationalisms: The Rationalization of Frustations, comunicação apresentada no encontro da Associação Americana de Ciência Política, em 1973, p. 18.
 87 Brass, op. cit., p. 44.
 88 Idem.
 89 Crawford, Beverly, op. cit., p. 198.
 90 Idem.
 91 Crawford, Beverly, op. cit., p. 199.
 92 Idem.
 93 Ver, por exemplo, The Horrors of the War: Historical Reality and Philosophy, M. Evans & Co Inc, 1996, da autoria do Presidente Franjo Tudjman, o qual não só contesta o número de mortos na Segunda Grande Guerra como tenta legitimizar o holocausto Ustasha. Segundo Tudjman, o Estado croata independente da Segunda Guerra Mundial não era apenas um mero acto colaboracionista ou crime fascista, mas também a expressão das aspirações históricas do povo Croata.
 94 O Capítulo 7 (The Remnants of a Slaughtered People) do livro The Death of Yugoslavia, de Laura Silber e Allan Little, faz uma descrição pormenorizada deste problema, pp. 98-112.
 95 Gligorov, Vladimir, Why Do Countries Break Up?, The Case of Yugoslavia, Acta Universitatis Upsaliensis, Uppsala 1994, p. 10.
 96 É possível construir outras opções/decisões segundo lógicas diferentes daquelas apresentadas por Gligorov. Como o próprio afirma, a apresentação efectuada é apenas um exemplo das várias explicações possíveis da teoria dos jogos.
 97 Gligorov, op. cit., pp. 52-53.
 98 Idem, pp. 109-112 (Apêndice III).
 99 Gagnon, op. cit., p. 178.
100 Gagnon, op. cit., p. XV.
101 Gagnon, op. cit., p. XVI.
102 Gagnon, op. cit., p. XVIII.
103 Idem.
104 Gagnon, op. cit., p. 179.
105 Gagnon, op. cit., p. XVIII.
106 Gagnon, op. cit., p. 179.
107 O HDZ (Hrvatska Demokratska Zajednica), Comunidade Croata Democrática, era o partido dirigente na Croácia, sob a direcção de Franjo Tudjman; e o SDS (Socijalisticka Partija Srbije), Partido Socialista da Sérvia, era o partido dirigente na Sérvia, liderado por Slobodan Milosevic.
108 Gagnon, op. cit., p. 179.
109 Crawford Young, op. cit., p. 23.
110 Sobre este assunto ver, por exemplo, Brass, op. cit., pp. 18-40.
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Major-general

Carlos Manuel Martins Branco

Major-general do Exército Português, na situação de reserva.

Presentemente, é investigador do Instituto Português de Relações Internacionais.

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by COM Armando Dias Correia