Nº 2638 - Novembro de 2021
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Nagorno-Karabakh. Palco de interesses e influência na região
Major
Rui Miguel Pinho Silva

1. Introdução

                                                                                                                                                         Fonte: Chinappi (2020)

Figura 1 – Região de Nagorno-Karabakh.

 

Situada entre a Arménia e o Azerbaijão, a região de Nagorno-Karabakh (figura 1), voltou a estar no centro das atenções do mundo, quando, em julho de 2020, problemas existentes desde o fim da Guerra Fria voltaram a emergir, culminando em confrontos que começaram na manhã de 27 de setembro e terminaram em 10 de novembro do mesmo ano. No entanto, podemos recuar até 1923, quando, após o fim do Grande Guerra, os soviéticos deram o controlo do enclave arménio de Nagorno-Karabakh ao Azerbaijão, tendo sido esse o momento da colocação da semente para um conflito que, nas últimas três décadas, se tem vindo a acentuar (Kern, 2020).

Prevendo-se a dissolução do domínio soviético e consequente diminuição da autoridade centralizada na região, no final da década de 1980, as tensões entre estes dois países chegaram ao seu auge, com a Arménia a aproveitar a oportunidade para reclamar o controlo da região, após confrontos violentos que terminam em 1994, com a assinatura de um acordo provisório de cessar-fogo, denominado Protocolo de Bishkek (Gafarli, 2020).

Porém, e após três décadas de combates intermináveis, fruto de várias violações do acordo, parece finalmente ter acabado o “conflito congelado”1 mais antigo, no antigo espaço soviético, fruto da assinatura, a 9 de novembro de 2020, de um novo acordo de cessar-fogo entre as partes e a Rússia. Contudo, na opinião de Stronski (2020), será, mais uma vez, apenas uma pausa, na medida em que ”não existe um plano real de reconstrução, estabilização ou reconciliação”, assim como “o papel da Turquia, que não é signatário, não é mencionado formalmente”. A situação regional como um todo ainda é caraterizada por instabilidade e incerteza (Nuriyev, 2019, p. 201), sendo a única certeza a Rússia estar a aumentar a sua presença militar fazendo com que a Turquia, possivelmente, faça o mesmo, criando assim as condições para novas tensões na região (Stronski, 2020).

Novas tensões estas que, para além do envolvimento da Turquia e da Rússia por motivos históricos, poderão envolver outros atores que também manifestam interesses na região, pois o Cáucaso2 encontra-se situado entre o Mar Negro e o Mar Cáspio, sendo uma região importante para a economia mundial pela produção de petróleo e gás natural. “É pelo Azerbaijão, inclusive, que passam diversos oleodutos que transportam o material e o levam até a Turquia, de onde é enviado para outros países, principalmente na Europa” (Kern, 2020).

Nesse sentido, este artigo propõe-se analisar a importância geostratégica e geopolítica da crise de Nagorno-Karabakh, sendo que, para isso, será analisado o empenhamento estratégico das principais potências regionais e globais intervenientes na crise, assim como o impacto da mesma na estabilidade da região.

No que diz respeito à estrutura do estudo, este encontra-se dividido em duas partes. A primeira, dedicada às dinâmicas internas e externas do conflito, e a segunda, à análise das principais implicações, numa perspetiva interna e externa, para a estabilidade regional. Estas duas partes são antecedidas por um enquadramento concetual, por forma a permitir ao leitor um melhor entendimento sobre o tema.

 

2. Enquadramento concetual

2.1. Interesse

Usado em múltiplos contextos, não existe propriamente uma definição deste conceito, podendo, porém, ser entendido como algo que convém a alguém, que traz vantagem, ser útil ou relevante (Infopédia, 2020).

No âmbito da estratégia e das relações existentes entre atores da cena internacional, podemos classificar interesse como aquilo que é estabelecido decorrente de objetivos que se pretendem atingir (Santos, 1983). Conforme referido por Cabral Couto, interesse pode ser expresso como o que um ator “entende como necessário ou desejável em relação a uma situação, região ou problema específicos” (1988, p. 65), podendo o mesmo adotar a forma de permanente ou variável, primário ou secundário, e ainda de carácter geral ou específico (Santos, 1983, p. 48).

 

2.2. Crise

A definição deste conceito é bastante importante, na medida em que se colocam hoje, cada vez mais, desafios exigentes aos atores com papel fundamental na gestão e resolução de crises, como é o caso da União Europeia, através da sua Política Externa de Segurança e Defesa, ou da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN). Nesse sentido, para esta última, uma crise pode ser entendida “como uma situação nacional ou internacional em que há uma ameaça a valores, interesses ou objectivos prioritários das partes envolvidas” (Kriendler, 1999 cit. por Saraiva, 2011, p. 25).

Por sua vez, Santos advoga que estamos perante uma crise “quando se verifica uma perturbação no fluir normal das relações entre dois ou mais actores da cena internacional com alta probabilidade do emprego da força” (1983, p. 101). Também Moreira (2015, p. 1) refere que a crise pode ser identificada “como o ponto crucial de um processo que marca a eventual passagem da paz para a guerra ou da guerra para a paz”.

 

2.3. Conflito

Podemos referir que estamos perante um conflito quando existem objetivos ou vontades opostas, entre dois ou mais indivíduos, podendo o mesmo “ser conduzido pacificamente ou por meio da força e violência” (International Labour Organization [ILO], 2011, p. 1), caracterizado por ser uma situação dinâmica, com uma intensidade que varia com o tempo, e que por norma tem uma fase de escalada de tensão que se transforma em violência e uma fase descendente para a construção da paz, conforme se pode visualizar na figura 2.

                                                                                                                                                                                          Fonte: Janus (2005)

Figura 2 – Ciclo de Vida do Conflito.

 

2.4. Conflito Armado

Como constatado anteriormente, um conflito pode ser conduzido de forma violenta, derivando assim num conflito armado. Pese embora existam duas formas de classificar este tipo de conflito à luz do Direito Internacional dos Direitos Humanos, nomeadamente como conflito armado internacional e não-internacional, deixamos aqui uma definição holística do mesmo. “Processo de confronto violento entre dois ou mais antagonistas, com envolvimento de forças armadas governamentais e não governamentais” (ILO, 2011, p. 2).

 

2.5. Protracted Conflict

Protracted Conflict, que significa conflito prolongado, é outro conceito importante no âmbito do presente estudo. Este pode ser definido como “processos e não acontecimentos específicos, são interacções hostis que ocorrem ao longo de um período longo com surtos esporádicos de conflito aberto oscilando na frequência e intensidade” (Azar, 1978 cit. por Saraiva, 2011, p. 16). Este conceito foi desenvolvido por Edward Azar, nos anos de 1970, e também pode ser conhecido por “conflito intratável”, por ser complexo, difícil ou mesmo impossível de resolver, tendo surgido já na década de 1990 um termo associado, como sendo uma categoria deste tipo de conflito, os Frozen Conflict (Dubowy, 2019, p.161).

 

2.6. Frozen Conflict

A expressão “conflito congelado”, até ao fim da Guerra Fria, não tinha sido realmente empregue com o significado que atualmente é usada em matéria de relações internacionais (Grant, 2017). Após esse período, esta expressão passou a ser empregue para definir uma guerra que se encontra estagnada, ou seja, que os combates estão interrompidos, mas as causas subjacentes aos mesmos ainda existem sem que se tenha efetuado um tratado de paz permanente ou exista uma estrutura política aprovada pelas partes para o processo de reconciliação (Nguyen, 2019; Pohl, 2016).

 

3. Posicionamento dos principais atores intervenientes na região

3.1. Dinâmicas internas

3.1.1. República de Artsakh ou República de Nagorno-Karabakh

“As designações de República de Nagorno-Karabakh e República de Artsakh são as mesmas”, conforme descrito no art.º 1.º da sua Constituição (Office of the Nagorno Karabakh Republic [ONKR], 2020), pese embora este território não seja reconhecido por nenhum país ou organização internacional3.

Integrado em 1923 no Azerbaijão pelas autoridades soviéticas, este território de maioria arménia, e como tal um enclave cristão dentro de uma nação predominantemente muçulmana, proclamou unilateralmente a sua independência a 6 de janeiro de 1992, após a realização de um referendo, a 10 de dezembro de 1991, no qual era questionado se “concorda que a proclamada república de Nagorno-Karabakh seja um estado independente que age por sua própria autoridade para decidir formas de cooperação com outros estados e comunidades?” (ONKR, 2020). Os resultados foram bastante esclarecedores, tendo o “Sim” obtido 99,9% dos votos entre os 82,2% de eleitores registados (figura 3).

                                                                                                                                                                      Fonte: southfront.org (2020)

Figura 3 – Territórios controlados e reclamados pela República de Artsakh.

 

Com uma estrutura governamental bem definida, desde um Presidente eleito, uma Assembleia Nacional com 33 membros eleitos, um Governo e um Exército moderno e bem equipado, as autoridades da República de Artsakh estão totalmente empenhadas na resolução pacífica do conflito, atribuindo uma “grande importância à integração nos processos internacionais que visam a consolidação e o desenvolvimento da cooperação nas esferas económica, política e cultural”, estando no topo das suas prioridades de política externa, o reconhecimento da sua independência por parte da comunidade internacional, que conta com o apoio do seu principal aliado, a Arménia, apesar de este ainda não o ter efetuado de forma isolada (Ministry of Foreign Affairs, 2020).

No entanto, este apoio vê-se agora enfraquecido, na medida em que, fruto do acordo de cessar fogo assinado em novembro de 2020, parte dos territórios recuperados pelo Azerbaijão irão manter-se dessa forma, e as forças arménias terão ainda de abandonar outras regiões da República de Artsakh, ficando assim esta região isolada do seu principal aliado (figura 4).

                                                                                                                                            Fonte: Tashjian (2020)

Figura 4 – Mapa do acordo de cessar-fogo de Nagorno-Karabakh de 2020.

 

3.1.2. Arménia

O posicionamento da Arménia na crise de Nagorno-Karabakh é caracterizado pelo apoio à população arménia daquela região, ainda que nunca tenha reconhecido oficialmente a autoproclamada República de Artsakh (Júnior & Xavier, 2018).

Isto deve-se a garantir uma posição de vantagem à mesa das negociações, pois, caso contrário, deixariam de poder participar nas mesmas deixando a resolução do conflito apenas para o Azerbaijão (Nurullayev, 2019). Contudo, a maior preocupação, para além das questões históricas que tem com o Azerbaijão4, existe a perceção de insegurança criada pela Turquia, pois a mesma é vista não só como uma simples ameaça, mas como uma ameaça à própria sobrevivência da nação arménia (Júnior & Xavier, 2018).

Após o conflito de 1988-1994 com o Azerbaijão, a Arménia passou a controlar sete distritos circundantes à região (figura 5), estando a sua politica externa direcionada para conseguir o maior apoio internacional possível no reconhecimento da autoproclamada República, usando a ser favor, para além de outros fatores, a grande concentração de descendentes arménios, principalmente nos países pertencentes ao Grupo de Minsk5 (Júnior & Xavier, 2018).

                                                                                                                   Fonte: International Crisis Group (2020)

Figura 5 – Mapa detalhado da Zona do Conflito.

 

Nesse sentido, a Estratégia de Segurança Nacional Arménia destaca o papel da Rússia como mediador no conflito, pois esta representa um “estado substituto”, quer político, quer militar e económico para a Arménia, tornando-se assim, o seu principal aliado, impedindo a Arménia de ser bloqueada pela Turquia e pelo Azerbaijão6 (Davidian, 2019).

Porém, na sequência do conflito que deflagrou nos últimos meses de 2020, a Arménia sofreu uma “pesada derrota”, na medida em que teve de abandonar completamente a região, conforme estabelecido no acordo de cessar-fogo, deixando Nagorno-Karabakh isolado, estando agora apenas ligado por um corredor, denominado corredor de Lachin7 (Miklasová, 2020).

 

3.1.3.Azerbaijão

No que diz respeito ao posicionamento do Azerbaijão no conflito, a sua política é mais simples, pois pretende apenas que a região de Nagorno-Karabakh seja totalmente reintegrada no seu território (Alili, 2019).

Este conflito que tem moldado a agenda da política externa do Azerbaijão desde o final dos anos 1980, encontra-se intimamente ligado, à economia do país. Devemos compreender que o Azerbaijão vê a Rússia e o Irão como ameaças à sua segurança, tendo como seu principal aliado a Turquia, pois, economicamente, o Azerbaijão depende em larga escala da Turquia, que funciona como ponto de trânsito para o transporte do abastecimento de hidrocarbonetos do Azerbaijão para a Europa (figura 6) (Geybulla, 2018).

                                                                                                               Fonte: Economist (2018)

Figura 6 – Rede de pipelines na região.

 

Contudo, geograficamente, não detém nenhuma conexão terrestre com a Turquia8, e encontra-se “espremido” por três estados que considera hostis, o Irão, a Rússia e a Arménia, que estão em posição de ameaçar a sua segurança e que poderão impedir o Azerbaijão de trazer o seu petróleo para o mercado (Alili, 2019; Júnior & Xavier, 2018). Aliás, foi graças à riqueza fornecida pelo petróleo e gás natural que o Azerbaijão conseguiu nos últimos anos modernizar o seu exército, superando o exército arménio (Gafarli, 2020), e que, na sequência dos últimos confrontos, conseguiu mesmo recuperar os sete distritos ocupados pelas forças arménias desde 1994, assim como controlar partes da própria região de Nagorno-Karabakh, onde se inclui a importante cidade de Shusha9 (figura 7) (Miklasová, 2020).

                                                                                                                                 Fonte: Ahmed (2020)

Figura 7 – Mapa de situação no momento do acordo de cessar-fogo.

3.2. Dinâmicas externas

3.2.1. Rússia

A Rússia é o principal ator internacional na região. Para a mesma, a região do Cáucaso assume uma dimensão estratégica crucial, pelos seus recursos e pela sua geografia10, tendo como principal objetivo impedir que os países da região se aproximem ao ocidente (Poghosyan, 2019).

No que diz respeito ao conflito, a Rússia mantém relações com ambas as partes. Por um lado, a Arménia participa em organizações lideradas pela Rússia, tais como a União Económica da Eurásia (EAEU) e a Organização do Tratado de Segurança Coletiva (CSTO), sendo assim o seu principal aliado. Para além disso, a Rússia continua a ter uma forte presença na Arménia, onde mantém um contingente militar de mais de três mil homens (figura 8) (Pereira, 2012).

                                                                                                                                                                                                       Fonte: Gafarli (2020)

Figura 8 – Bases militares russas à volta do seu território.

 

Por outro lado, a Rússia vê no Azerbaijão uma rota importante para a conectar ao Irão, com vista ao transporte de petróleo e outros bens entre a Índia e a Europa (figura 9), com um entreposto em São Petersburgo (Poghosyan, 2019).

                                                                                                                                                                               Fonte: Gomez (2018)

Figura 9 – Ligação India-Europa, via Rússia.

 

3.2.2. Turquia

A par da Rússia, a Turquia é um dos principais atores na região e no conflito. Porém, o seu nível de envolvimento foi mudando ao longo dos últimos anos não só pela sua dependência energética, mas também pelos compromissos com a OTAN, com uma possível entrada na União Europeia, e, sobretudo, pela forma como tem conduzido a sua política externa tendo em atenção a Rússia (Demirtas-Bagdonas, 2018).

Atualmente, os interesses turcos passam por se posicionarem como líderes regionais, fortalecendo a posição turca, em detrimento da influência russa, e reduzir a dependência em relação ao gás russo. Nesse sentido, a Turquia tem-se preocupado principalmente com o desenvolvimento de projetos para o transporte de petróleo e gás do Mar Cáspio para a Europa por meio de oleodutos que atravessam o seu território, tornando-se assim, o principal apoiante do Azerbaijão (Veliyev, 2015).

 

3.2.3. Irão

Outro ator presente na região, e que não pode ser descartado, é o Irão. Embora não relacionado diretamente com o conflito de Nagorno-Karabakh, onde o mesmo tem adotado uma postura mais passiva do que ativa, sendo um ator de status quo, o Irão assumiu uma postura mais pró-arménia, pois uma vitória do Azerbaijão significaria que cerca de 130 km seriam adicionados às suas fronteiras, para além de que, sendo os azeris um povo turco, isto iria aumentar a influência da Turquia na região, prejudicando os seus projetos energéticos como fonte de energia para a Europa (Kabalan, 2020; Paul, 2015).

Assim, a Arménia tornou-se no parceiro mais importante do Irão, com a criação de vários projetos e estabelecimento de protocolos, com vista a facilitar a comunicação e coordenação entre as empresas, assim como eliminar ‘barreiras processuais’ com vista a facilitar o desenvolvimento de uma zona de livre comércio e aproveitar o potencial dos sítios históricos da região para atrair turismo (Tabatabai, 2018).

 

3.2.4. Estados Unidos da América

Embora fisicamente distante da região em conflito, as consequências vindas do conflito podem afetar a segurança regional e, por consequência, a segurança transatlântica. Nesse sentido, importa aos Estados Unidos da América (EUA) manter a estabilidade na região, com vista a suprimir o aumento da influência turca e russa, assim como suprimir um possível aumento de influência por parte do Irão (Widdershoven, 2019), garantindo, em simultâneo, o apoio necessário ao desenvolvimento de uma segurança energética como resposta à influência russa no abastecimento de energia à União Europeia (Coffey, 2020).

 

4. Consequências na estabilidade regional

4.1. Perspetiva das dinâmicas internas

Embora o acordo de cessar-fogo de novembro de 2020 tenha terminado com os combates entre as partes, a questão principal ficou de fora desse mesmo acordo: qual o status de Nagorno-Karabakh? A verdade é que a Arménia deixa de ter controlo sobre a região e o Azerbaijão ganha-o, mas como a República de Artsakh não é reconhecida internacionalmente, legalmente este território já pertencia ao Azerbaijão.

Porém, as autoridades da autoproclamada república continuam a funcionar, tendo sido, inclusive, emitido um comunicado pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em dezembro último, em resposta a declarações proferidas pelas autoridades do Azerbaijão.

Deve-se notar que o Exército de Defesa da República de Artsakh foi, atualmente é e será o principal fiador da segurança do Estado de Artsakh e de seu povo. Após o estabelecimento do cessar-fogo mediado pela Rússia em 10 de novembro, o Exército de Defesa de Artsakh, junto com as forças de paz russas, continua a cumprir sua missão de garantir a estabilidade e a paz na zona de conflito (MFA, 2020)

Com uma ligação extremamente forte à população arménia de Nagorno-Karabakh, é expectável que a Arménia apele ao princípio da autodeterminação desse povo, através do Grupo de Minsk, tirando partido da recente comunicação do senado francês, da sua parceria com a Rússia e da influência da comunidade arménia existente nos EUA, como foi o caso, em 1994, aquando da proibição de qualquer ajuda direta dos EUA ao governo do Azerbaijão (Chiragov & Karimov, 2015).

Por sua vez, e de acordo com Cornell (1999, op. cit. Júnior & Xavier, 2018), o Azerbaijão pretende “demostrar que a região é uma alternativa válida para o transporte de petróleo e gás para os países do ocidente, com segurança”, procurando dessa forma manter o seu valor estratégico para o Ocidente, sem afastar significativamente a Rússia ou o Irão.

 

4.2. Perspetiva das dinâmicas externas

Com o acordo de cessar-fogo assinado em novembro de 2020, a vantagem que a Rússia aparentemente obteve pode ser resumida em três pontos: (i) poder diplomático, pela mediação das negociações de paz; (ii) uso de laços económicos, históricos e políticos com ambas as partes, e; (iii) hard power, com a presença de forças militares na Arménia (Gafarli, 2020), fazendo com que a Rússia atinja, para já, alguns dos seus objetivos.

Para além de aumentar a presença militar na região, com a presença de “1960 tropas armadas com armas de fogo, 90 viaturas blindadas e 380 viaturas motorizadas e unidades de equipamentos especiais”, por um período de cinco anos, com prorrogação automática por períodos iguais, a Rússia consegue deixar a Turquia de fora, no que diz respeito à presença militar na região (figura 10), diminuindo aparentemente a sua influência no conflito e na região (Miklasová, 2020).

Assim, podemos afirmar que para a Rússia é importante ter um anel de estados ao longo de sua periferia que temam pela sua sobrevivência e, como tal, necessitem do seu apoio, ao mesmo tempo que servem como zonas tampão entre a Rússia e a OTAN (Westerlund e Oxenstierna, p. 83, 2019), assim como a região é fundamental para os seus interesses energéticos.

                                                                                                                                                     Fonte: Aranha (2020)

Figura 10 – Presença de forças russas na região do conflito.

 

Por sua vez, a Turquia, na sequência dos confrontos recentes, celebrou ao lado do Azerbaijão aquela que refere como uma vitória importante sobre a ocupação arménia de parte do território azeri, pese embora, tenha ficado fora das negociações do acordo de paz (Stronski, 2020). No entanto, também é verdade que os acordos, por si só, não impedem que a Turquia aumente a sua influência no Azerbaijão, o que pode ser entendido como uma ameaça, pois, apesar dos laços económicos e políticos aprofundados nos últimos anos, a competição Rússia-Turquia permanece, sendo mais um exemplo disso a intervenção declarada na guerra da Líbia, colocando-se em oposição à Rússia.

No que diz respeito ao Irão e aos EUA, estes dois atores, com um papel mais passivo, parecem querer uma resolução pacífica do conflito. Porém, as questões económicas e securitárias poderão desempenhar um papel fundamental para o empenhamento destes atores, principalmente agora que a Rússia obteve uma posição de superioridade na região.

 

5. Conclusões

A elaboração deste estudo teve como objetivo central analisar a importância geostratégica e geopolítica da crise de Nagorno-Karabakh, tendo sido efetuada uma análise ao posicionamento dos diversos atores intervenientes no conflito e que consequências para a estabilidade regional daí poderiam advir.

Conclui-se que a crise de Nagorno-Karabakh, no que diz respeito às dinâmicas internas do conflito, poderá ter um impacto reduzido na estabilidade regional, face ao acordo de cessar-fogo assinado pelas partes em confronto, em novembro de 2020, e que foi mediado pela Rússia. Conclui-se ainda que a resolução do conflito trouxe ganhos ao Azerbaijão, tendo a Arménia “perdido” parte do território ocupado e controlado, mas que na prática o status da autoproclamada República de Artsakh ficou por definir, deixando assim margem para que as partes possam, novamente, efetuar as suas reivindicações, quer territoriais por parte do Azerbaijão quer de apelo ao princípio da autodeterminação daquele povo por parte da Arménia, e como tal ser reconhecida a sua independência.

No que diz respeito às dinâmicas externas do conflito, nomeadamente com o posicionamento dos principais atores externos intervenientes no conflito, a Rússia é quem retira maior vantagem deste conflito, deixando a Turquia relegada para um segundo plano na região, pese embora este último tenha celebrado a vitória ao lado do seu aliado, o Azerbaijão. O Irão e os Estados Unidos da América com uma posição de garantir o status quo, mantém-se atentos às questões económicas e securitárias. Assim, podemos concluir que, face ao aumento da presença militar por parte da Rússia, fruto da sua posição vantajosa como mediador no acordo de cessar-fogo, a estabilidade na região poderá manter-se durante os próximos anos. De salientar dois fatores que poderão colocar esta estabilidade em questão. O primeiro, prende-se com o facto da Turquia ter sido deixava à margem do acordo, e o segundo, pela sua dependência de recursos energéticos da Rússia, que podem provocar um aumento da sua influência na região, colocando-se uma vez mais do lado oposto à Rússia e, assim, aumentar novamente a tensão na região provocando, à semelhança do passado, a eclosão de novos confrontos.

 

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1 Expressão que descreve uma situação de um conflito internacional, em que, após uma crise ou mesmo uma guerra, o mesmo se encontra latente, não tendo sido realmente resolvido “Frozen Conflict”.

2 Área geográfica que divide a Europa Oriental e a Ásia Ocidental e onde se encontram, para além de outros países, a Arménia e o Azerbaijão como países independentes.

3 Apenas três estados, Abecásia, Ossétia do Sul e Transnístria, que não são membros da Orga-
nização das Nações Unidas, o reconhecem como estado independente, e mais recentemente, a 23 de novembro de 2020, o senado francês recomendou ao governo que fizesse o mesmo (Ozcan, 2020).

4 Étnicas, religiosas e territoriais.

5 “O Grupo de Minsk, cujas atividades ficaram conhecidas como Processo de Minsk, lidera os esforços da Organização para a Segurança e Cooperação na Europa para encontrar uma solução pacífica para o conflito de Nagorno-Karabakh. É co-presidido pela França, Federação Russa e Estados Unidos” (OSCE, 2020).

6 Por motivos de segurança relacionados com o conflito não resolvido de Nagorno-Karabakh, mas também pelo fecho das fronteiras com a Turquia e o Azerbaijão (Giragosian, 2018).

7 Corredor de 5 km de largura controlado por forças russas.

8 Não se considera a República Autónoma do Azerbaijão, Nakichevan, que geograficamente se constitui como um enclave do Azerbaijão entre a Arménia, o Irão e uma pequena fronteira de 9 km com a Turquia.

9 Também conhecida como Shushi é uma cidade na região de Nagorno-Karabakh.

10As montanhas do Grande Cáucaso servem de fronteira sul à Rússia e constituem a única defesa natural das planícies agrícolas que se estendem para norte.

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2022-03-30
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Rui Miguel Pinho Silva

Mestre em Ciências Militares, especialização em Cavalaria, na Academia Militar. Atualmente, desempenha funções de docência na Área de Ensino Científico Específico do Exército, no Instituto Universitário Militar.

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