O fenómeno do poder é essencialmente estudado pela ciência política, e esta possui diversas ciências que consigo se relacionam, como as relações internacionais e a estratégia, sendo a estratégia normalmente associada a um ambiente conflitual, de emprego da força. Neste ensaio, a nossa abordagem vai noutro sentido e procuramos resposta para diversas questões: o que é a estratégia? Como e porque se relaciona com a Ciência Política? e, como se relaciona com a Paz?
Para responder a esta questão, organizámos o nosso estudo em 3 partes distintas mas interrelacionadas e, através de uma abordagem conceptual ampla, começamos por analisar o que é o poder e como se quantifica, para numa segunda parte abordarmos o estudo das relações internacionais e a sua relação com os estudos de segurança; finalmente, numa terceira parte abordamos a estratégia e as ameaças em termos estratégicos e com esta base identificamos as estratégias gerais para que se consiga alcançar a paz possível.
A Ciência Política estuda de forma científica o fenómeno do Poder. O Poder, segundo Max Weber (1972), é “a capacidade de uma ou mais pessoas realizarem a sua própria vontade num ato coletivo contra a vontade de outros que participam no mesmo ato ”, ou, para Raymond Aron (1983), é a “capacidade de um ator do sistema internacional impor a sua vontade a outro ator, mediante a suposição de sanções eficazes no caso de uma não-aceitação dessa vontade”, ou, nas palavras de Adriano Moreira (1997), é a “capacidade de fazer cumprir”.
Para um conceito tão profusamente usado, o Poder continua a ser difícil de avaliar. Todos conhecemos e usamos as expressões grandes poderes, as superpotências, os poderes exíguos, o poder nacional. Mas como se mede? Como se quantifica?
Vamos primeiro às características do Poder. Podemos dizer que o Poder tem uma base objetiva, quantificável (dinheiro, armas), uma base subjetiva, difícil de avaliar (forças morais). O Poder tem também uma base relativa, ou seja, só tem significado numa relação a outro ator; tem um carácter situacional, porque depende da situação concreta que se coloca; é dinâmico, pelo que, por estar em constante evolução, apenas tem significado em relação a um determinado momento, e é multidimensional, pelo que não faz sentido referências isoladas ao Poder de cada uma das dimensões (política, económica, militar, psicossocial), devendo ser analisado em todos os seus fatores (Couto, 1998).
O poder é determinante também na política internacional, aqui lembramos Hans Morgenthau (1985), para quem “a política internacional, tal como toda a política, é uma luta pelo poder”. Mas se este é um conceito perfeitamente assumido e a sua medição um fator determinante nas Relações Internacionais, temos dificuldade em avaliar o poder, de criar uma escala de valores para o quantificar. Aqui, seguimos Nye (2012), que exemplifica a quantificação do poder como semelhante à quantificação do amor; ou seja, é mais fácil sentir o amor, tal como o poder, do que o definir ou medir. Mas sendo o Poder uma relação, para Robert Dahl (2005), “o principal problema não é determinar a existência do Poder, mas sim comparar poder”.
Ao longo dos anos, vários analistas tentaram encontrar fórmulas para que fosse possível quantificá-lo e, assim, nas Relações Internacionais, poder efetuar a sua comparação. Uns autores mais matemáticos, como Nicholas Spykman (1944) e Wilhelm Fucks (1966), orientaram o seu esforço apenas no que consideravam perfeitamente quantificável, e outros, como André Beaufre (1975), Hans Morgenthau (1985) e Ray Cline (1977), tentaram introduzir fatores subjetivos e de difícil medição como a Vontade Nacional ou a qualidade das lideranças.
Talvez a fórmula mais evidente e fácil para a quantificação do Poder tenha sido introduzida por Ray Cline. A equação de Cline, com o Poder Percebido (Pp), ainda hoje é muito usada em Geopolítica. Esta, identificava fatores quantificáveis, como a massa crítica, ou seja, o rácio população/território (C), a capacidade económica (E), a capacidade militar (M), e fatores não quantificáveis como a capacidade estratégica e a vontade nacional.
Figura 1 – Fórmula de Cline.
Mas Cline esqueceu-se que o poder depende do contexto e das relações humanas, pelo que é difícil ter um “valor padrão que possa resumir todas as relações e contextos e apresentar um total global de Poder” (Nye, 2012).
Neste século, assistimos a duas grandes alterações de Poder e novos conceitos emergem. Hoje, vivemos um período de transição de centros de poder entre estados/regiões, sobretudo, do Atlântico para a região da Ásia-Pacífico, e, ao mesmo tempo, graças ao ciberespaço que permite o chamado ciber-poder, a uma difusão do poder que se afasta de todos os estados. É uma forma de poder que coexiste com o espaço geográfico, o que complica o significado do que é ser soberano (Nye, 2012). Esta difusão do poder está a fornecer novas ferramentas de poder aos intervenientes não estatais e provoca que haja cada vez mais coisas fora do controlo, até dos países considerados mais poderosos (Nye, 2012).
Depois, temos conceitos, como os introduzidos por Nye, como hard power, baseado em estímulos ou ameaças, no uso da força. Mas existe também uma forma soft/suave ou indireta de exercer o poder, assente na capacidade de atração das nossas ideais, usando a persuasão como capacidade de determinar e moldar a agenda política e as preferências expressas por outros (Nye, 2012).
Nye também nos identifica o Smart power/Poder inteligente. Veremos adiante que as estratégias ligam os meios aos fins, e as que combinam as fontes do hard power e do soft power com êxito em diversos contextos são a chave do smart power (Nye, 2012).
Temos o Poder integrador de Kenneth Boulding (1989), expresso como a capacidade de criar redes de confiança que permitem que os grupos trabalhem juntos em direção a objetivos comuns.
Em 2017, o National Endowment for Democracy surge com o Sharp Power, poder insidioso baseado na subversão, na manipulação, hoje muito usado para caraterizar a forma de atuação da China na cena internacional.
Finalmente, não podemos deixar de referir uma outra nova forma de poder dos Estados, o conhecimento em rede e as redes de conhecimento (Bernardino, 2021).
No contexto estratégico contemporâneo, com elevado grau de incerteza e volatilidade, não é claro como avaliar a hierarquia de Poder e os equilíbrios de Poder e, muito menos, como desenvolver estratégias bem-sucedidas para sobrevivermos neste mundo.
As fontes do Poder e a sua posse não nos garantem a obtenção de resultados desejados. A conversão do poder é uma variável essencial. A capacidade de converter recursos em resultados desejados dependem das competências e dos contextos do país para converter recursos em estratégias que produzam resultados desejados (Nye, 2012).
Converter recursos em Poder exige estratégias bem concebidas e uma boa liderança. Não basta pensar em poder sobre os outros, mas, sim, que temos de atingir objetivos o que implica também poder com os outros (Nye, 2012).
Dentro da Ciência Política temos um ramo, hoje, já completamente autónomo, o vasto campo do estudo das Relações Internacionais, que transcendendo um espaço político formal, compreende relações entre forças políticas, agindo aos níveis interno/externo e entidades de que as mesmas estão, ou não, formalmente dependentes no exterior do território, bem como relações entre forças sócio-religiosas distribuídas por soberanias diferentes, sobre o conjunto se exercendo pressões ideológicas concorrentes ou antagónicas no panorama internacional (Garcia, 2000).
As Universidades dedicam-se muito ao estudos das diversas escolas de pensamento das Relações Internacionais, como a Realista, a Liberalista, a Construtivista, a Feminista, etc. Mas aqui recordo Condoleezza Rice (2005), que foi Conselheira de Segurança do Presidente George W. Bush, mas que é, acima de tudo, uma brilhante académica, e que nos lembra que uma coisa é a análise académica, a outra é a prática política e que, na vida real, nas Relações Internacionais, o Poder é que conta.
Mais uma vez, o Poder como fenómeno central da Ciência Política.
Quando estudamos este vasto campo das Relações Internacionais, além das Escolas e das Teorias, estudamos também Diplomacia, Economia Internacional, Política Internacional, Geopolítica, Resolução de Conflitos, a Guerra e a Paz.
O estudo científico da Guerra é apelidado por Polemologia, e centra-se assim na Guerra, que, segundo Clausewitz (1976), é a continuação da política por outros meios e que para nós é um fenómeno entendido como a violência armada e sangrenta, entre grupos organizados, que cria e se desenvolve num ambiente hostil, inerentemente incerto, evolutivo, tendo como finalidade mais evidente o acesso ao, ou a manutenção do, Poder (Garcia, 2010).
Mais uma vez nos surge a palavra Poder.
Também estão muito em voga os estudos de Segurança e que, dentro desta perpetiva apresentada, se inserem e integram a Polemologia, as Relações Internacionais e a Ciência Política. Porém, para Horta Fernandes (2011), há um certo desnorteamento que perpassa pelos estudos de segurança, o que não é obviamente imputável “à menor qualidade dos autores, mas sim à falta de um referencial substantivo por parte dos próprios estudos de segurança” (Fernandes, 2011).
A Segurança é outro conceito muito lato e hoje profusamente utilizado. Para muitos autores desta área de estudos, tudo tem a ver com segurança. Este conceito, ambíguo, complexo e com fortes implicações políticas e ideológicas, também sofreu alterações. Atualmente, tem vindo a afirmar-se a tendência para o alargamento do conceito e para nele incluir outras dimensões, tais como a segurança económica, a segurança do ecossistema e outros conceitos alternativos de segurança, que incluam o crime internacional organizado, a propagação transnacional de doenças, os movimentos migratórios internacionais em grande escala, a segurança societal e a segurança humana.
Parece-nos ainda importante relembrar que, hoje, a relação entre segurança e desenvolvimento é incontestável, relembramos o Papa Paulo VI (1967), para quem o desenvolvimento era o novo nome da Paz, não podendo haver desenvolvimento sem paz nem segurança, da mesma forma que sem desenvolvimento e prosperidade não haverá condições para a manutenção de uma paz duradoura. Neste contexto, a abordagem à dimensão segurança não deve ser vista como um objetivo em si mesmo, mas enquanto preocupação fundamental, designadamente para a atuação preemptiva ou preventiva sobre as causas da fragilidade e da instabilidade.
Há assim uma grande dificuldade de definir e enquadrar este conceito tão alargado segurança. Mas quais as dimensões da análise? E qual o valor da segurança?
Convém assim operacionalizar este conceito, pois apesar de multidimensional, pode ser observado, mensurado e aplicado. Depois podemos ligar com outros conceitos: vários valores podem ser protegidos com vários meios (adjetivar a segurança). Pode ainda ser aplicada à realidade: prioridades aos valores a proteger; variedade de ameaças; vários meios; custo; período de tempo; diferentes perspetivas de acordo com quem aplica (estados; partidos políticos).Também devemos efetuar investigação científica sobre o assunto, dado que é conceito aberto que permite utilização nas mais variadas situações, como objetivo e como atividade.
Sabendo que há diferentes leituras deste conceito, neste nosso ensaio optamos por nos centrar apenas nos que cruzam o universo da Estratégia.
Para Arnold Wolfers (1962), por exemplo, segurança é “ausência de ameaças aos valores adquiridos”. Em termos amplos, podemos considerar assim a segurança como a busca da libertação relativamente à ameaça, sendo a resultante da interação entre as vulnerabilidades de uma unidade política e as ameaças que a mesma enfrenta.
Ameaças, vulnerabilidades, escolha de caminhos, objetivos, etc., estamos a chegar finalmente à Estratégia, e esta exige hoje uma nova abordagem na sua compreensão e o seu estudo integra os estudos de segurança, que, como vimos, integram as Relações Internacionais, que integram a Ciência Política.
Se o papel da Política reside, sobretudo, na escolha dos fins e na definição do quadro de ação, e releva em grande parte de elementos subjetivos, o papel da estratégia consiste em definir meios e caminhos para se atingirem alguns desses fins, e releva de elementos e raciocínios que devem ser objetivos.
A Estratégia, que é antecipatória e pró-activa, na sua essência e em sentido lato, consiste na escolha do melhor caminho para se atingir um determinado objectivo com os meios (de hard e soft power) disponíveis, procurando no jogo dialéctico minimizar sempre as vulnerabilidades, maximizar as potencialidades e neutralizar as ameaças, tendo a sua aplicação num ambiente hostil ou competitivo, ou seja, em ambiente agónico (Garcia, 2010).
Nesta minha abordagem emergem inúmeros outros conceitos que eu tentarei abordar de uma forma espectral.
Comecemos pelo de Ameaça. O que é uma ameaça em termos estratégicos?
Tradicionalmente, ameaça é definida como sendo qualquer acontecimento ou ação (em curso ou previsível), de variada natureza e proveniente de uma vontade consciente que contraria a consecução de um objetivo que, por norma, é causador de danos, materiais ou morais; no fundo, o produto de uma possibilidade por uma intenção (Couto, 1998).
Porém, este conceito, por não ser suficientemente abrangente, apresenta hoje difíceis problemas quando procuramos precisar o que compreende; além do mais, não permite a inclusão de algumas manifestações com implicações tão sérias que podem ser classificadas como ameaças não tradicionais à segurança, como é o caso das alterações climáticas ou das pandemias como a COVID-19.
Face à multiplicidade de conceitos sobre o assunto, optámos por adotar a definição de ameaça transnacional do relatório das Nações Unidas, “A More Secure World: Our Shared Responsability de 2004”, que admite uma concepção bastante ampla de ameaça, encarada como: “(…) Any event or process that leads to large-scale death or lessening of life chances and undermines States as the basic unit of the international system is a threat to international security (…)”.
E quais as ameaças que hoje enfrentamos? Para nós, a maior ameaça é a pobreza, a miséria humana; depois vem o fracasso do Estado (nos seus diversos estágios), que quando falha se torna mais permissivo a que todas as outras ameaças se instalem e desenvolvam, como é o caso do Crime Organizado Transnacional, do Terrorismo e de outras diversas formas de violência que acabam por provocar um mar de refugiados que habitam em campos onde, normalmente, a miséria é grande e os cuidados profiláticos decrescem. A tudo isto, em África, por exemplo, acrescem as disparidades económicas, a mudança climática e o exponencial crescimento demográfico.
Este caldo de cultura desperta fatores que acabam por fomentar a migração irregular, forçando as populações a movimentarem-se para outros espaços na procura de recursos, segurança e bem-estar, fragilizando territórios e o sentido de espaço, desvalorizando Estados na lógica dos seus elementos constitutivos e quiçá, valorizando outros.
Apesar do Estado falhar, as populações continuam a viver nesses espaços, possuindo diversas formas de organização social, que subsistem e que competem com as restantes estruturas do Estado, na cobrança de impostos, no uso da força e na responsabilidade social sobre as populações que controlam.
No caso de Moçambique, hoje temos as ameaças, sobretudo, em Cabo Delgado, como a guerra e o Crime Organizado, ou na Beira, cidade onde se sentem as alterações climáticas, e, em todo o território, a Pandemia Covid.
A Estratégia é a ciência e a arte de “ponderar e de agir prudentemente sobre e na conflitualidade hostil” (Fernandes, 2011), mas também é uma disciplina de meios, face à guerra e à política (Couto, 1998). A ela compete lidar com todas as formas que imediata ou mediatamente tenham a ver com a hostilidade, ou seja, “todas as potenciais razões de hostilização de outra vontade política quando confrontada com objetivos políticos que colidam ou possam vir a colidir com os seus” (Fernandes, 2011).
Se é verdade que a estratégia visa gerir os conflitos políticos violentos, em particular a guerra, de modo a obter a vitória desejada, alcançando os objetivos definidos pela política, ela deve, sobretudo, assumir-se como uma ética do conflito, destinada a combater a violência no seu próprio campo para chegar à paz definitiva. “No fundo, a finalidade última da estratégia, é, afinal, acabar por desaparecer, por se auto anular num universo pacífico” (Fernandes, 2011).
Com base nos estudos da Estratégia, é possível encontrar formas de se estudar e trabalhar para alcançar a Paz. A Paz é assim o verdadeiro valor da utilidade marginal da estratégia (Fernandes, 2011).
Numa abordagem holística identificámos 4 Estratégias gerais (militar, político-diplomática, socioeconómica e gestão das perceções) que dão corpo à estratégia total. Todas elas são concorrentes para que se consiga encontrar a paz possível, positiva ou negativa, na expressão de Galtung (2013), e com ela se obtenha a segurança necessária ao desenvolvimento das sociedades.
Comecemos pela estratégia militar. A Força não está obsoleta e os atores não estatais, como os de Cabo Delgado, sentem-se menos constrangidos por questões morais do que os estados, com a sua ética e valores. Mas juridicamente o uso legal e legítimo da força ainda reside apenas nas entidades políticas reconhecidas pelo Direito. Porém, a Força é hoje cada vez mais dispendiosa e difícil de usar pela maior parte dos estados do que acontecia no passado (Nye, 2012).
A estratégia militar orienta o emprego, de forma útil, do instrumento militar (Smith, 2006), que faz sempre parte da solução. As guerras, como as que, hoje, Moçambique enfrenta, em Cabo Delgado, não se ganham pela ação militar, mas perdem-se pela inação militar. Ademais, em zonas de ambiente não permissivo, de alta violência, só os militares atuam na procura de garantir a segurança e posterior desenvolvimento das populações.
Com o incremento da segurança devido à ação militar, começa a ser permitido o desenrolar da vida normal, as pessoas vão ao mercado, à escola, etc. Ou seja, a atuação militar garante a estrutura que ajuda a providenciar um nível mínimo de ordem. Como refere Nye (2012), o poder militar está para a Ordem “como o Oxigénio está para a respiração: mal se nota até começar a rarear”.
Com a estratégia político-diplmática equacionamos sempre uma atuação externa e outra interna. A nível interno, a ação política está estreitamente relacionada com as reformulações de carácter dinâmico realizadas pelo poder, com a tomada de decisões a nível administrativo, e com a adoção de medidas de âmbito legislativo, regulamentar, organizativo e de reforço da autoridade do Estado.
A nível externo, há diversas formas de atuação. Através da ação diplomática sobre Estados, Organizações Internacionais ou outras entidades identificadas com relevância estratégica, procura angariar apoios e reduzir os dos adversários, promovendo o seu descrédito, recorrendo, se necessário, a uma diplomacia coerciva. Ao nível externo, propomos ainda a vertente de atuação cooperativa da comunidade internacional. Veja-se, hoje, em Cabo Delgado, a intervenção da Southern African Development Community e da União Europeia, por exemplo.
Esta estratégia é fundamental, uma vez que é com e através dela que se garante a liberdade de ação – a essência da Estratégia – para se poder conceber a estratégia ao nível interno, onde jogam três variáveis fundamentais: as forças materiais, as morais e o tempo que essa manobra leva.
A estratégia socioeconómica sobre as populações, visando a melhoria das suas condições de vida e a manutenção ou conquista/reconquista da fidelidade às Autoridades formais, passa pela síntese de duas ações que devem ser desenvolvidas em permanência, inscrevendo-se desde o período preventivo ao de intervenção: o controlo da população e dos recursos, e a melhoria das estruturas e infraestruturas.
A promoção socioeconómica das populações faz-se pela elevação do nível de vida das mesmas, satisfazendo as suas necessidades mais urgentes e destina-se a sustentar a fidelidade das populações ao poder constituído. Deve ser criado emprego, justiça social, levar a justiça e o Estado às populações, garantir cuidados básicos de saúde, de ensino/educação, etc.
Esta estratégia visa conseguir a adesão das populações e impedir aos adversários a realização dos seus objetivos psicológicos, tendo a estratégia militar que garantir o espaço e o tempo necessários para a consecução desse objetivo.
Finalmente, devem ser geridas as perceções que as populações e a comunidade internacional têm da situação. Há uma realidade percebida/ construída, diferente da realidade efetiva. Esta gestão é feita através dos mais diversos meios tradicionais ou com recursos mais tecnológicos, como as redes sociais. Deve ser efetuada uma intensa ação de combate à desinformação, com campanhas de verdade e de informação pública.
Hoje, os êxitos são, sobretudo, psicológicos, as palavras, as ideias e as perceções desempenham um papel importante, sendo a melhor propaganda uma operação militar vitoriosa. Não podem existir vocábulos apolíticos ou neutrais. As próprias palavras são armas empregues para isolar e confundir o adversário, motivar amigos e atrair indecisos. Ideias combatem-se com ideias, mas também valorizando as ações socioeconómicas em desenvolvimento.
Após esta abordagem holística da Estratégia como ciência auxiliar da Ciência Política, cremos que cumprir a estratégia, e seguindo Horta Fernandes (2011), é pois, “pôr-lhe cobro, não só porque instaurada a paz definitiva já não haveria lugar para racionais estratégicos, mas e sobretudo porque, à estratégia não cabe ultimamente resgatar a hostilidade por completo, tarefa apenas alcançável pela paz” positiva ou Pura, de Galtung (2013).
No fundo, a guerra é mais do que a célebre máxima Clausewitz já referida por nós, ela é antes, segundo o Papa Francisco na sua Encíclica Fratélli Tutti (2020), o fracasso da Política e, “(…) Infelizmente não basta que a Estratégia se assuma como uma ética do conflito para que consigamos irradicar as guerras. Estas estão de tal maneira enraizadas na vida dos povos que só um projeto inovador de Paz pura, e que também alimenta a estratégia, lhes poderá pôr cobro” (Fernandes, 2011).
Gostaríamos de findar este ensaio com uma palavra de esperança do Santo Padre João Paulo II, na oração pela paz convocada, em Assis, em 27 de Outubro de 1986: “a Paz é um estaleiro aberto a todos e não apenas aos especialistas, aos sábios e aos estrategas”.
Figura 2 – O lugar da Estratégia.
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* Conferência Plenária no V Congresso Internacional da Universidade Católica de Moçambique, “Incentivando a produção científica para a promoção da paz, justiça social e desenvolvimento sustentável”, Beira, 18-19 Novembro 2021.