Nº 2640 - Janeiro de 2022
Pessoa coletiva com estatuto de utilidade pública
Editorial
General
José Luiz Pinto Ramalho

Desde o final do ano passado que temos assistido a uma tensão entre a Europa e os EUA, por um lado, e a Rússia por outro, fruto da concentração e movimentação de tropas russas na fronteira com a Ucrânia, colocando-se a hipótese de um conflito armado naquela região, a par de um conjunto de reivindicações de Vladimir Putin, relativamente a uma adesão daquele país à OTAN.

Nessas preocupações de Putin constam igualmente uma afirmação de ameaça à Rússia fruto da política de “porta aberta”por parte da OTAN, que se tem aproximado da sua fronteira terrestre, situação considerada inaceitável.

As questões relacionadas com o alargamento da OTAN estiveram sempre presentes no relacionamento dos EUA com a Rússia, logo após a queda do Muro de Berlim, em que George H. W. Bush afirmou a Mikhail Gorbachev, em 1989 , na Cimeira de Malta, que, “a Aliança não iria saltar sobre o Muro”; alguns meses mais tarde, ainda no mesmo ano, James Baker, Secretário de Estado americano, particularizava que “os EUA manteriam uma presença militar na Alemanha reunificada, país da Aliança, e que não haveria “uma polegada” de extensão da jurisdição da OTAN para Leste”. Em 1991, aquando do fim do Pacto de Varsóvia, Jonh Major, Primeiro-ministro do Reino Unido, afirmava também que “não estava em discussão o alargamento da OTAN”.

Contudo, a realidade atual é diferente. Desde 1991, a Aliança caminhou para Leste mais de 1000 Km; a escassa fronteira com a Rússia, materializada no norte da Noruega, abrange agora os três países Bálticos, a cerca de 200 Km de São Petersburgo e a 600 Km de Moscovo, e sete dos oito membros do extinto Pacto de Varsóvia tornaram-se membros da Aliança. Aquando do convite, em 1997, para a adesão à Aliança, à Hungria, Polónia e República Checa, a Rússia não levantou grandes objeções e foi assinado o “Founding Act” com a OTAN, em que aceitava o alargamento e era estabelecido o compromisso de não colocação de efetivos significativos de forças militares de combate naqueles países ou de armas nucleares. O idêntico convite feito à Ucrânia e à Geórgia, durante a Cimeira de Bucareste, em 2008, já provocou reações diplomáticas por parte da Rússia, mas agravou-se com a recente reiteração no final do ano passado.

Estamos ainda em plena crise, decorrente do estacionamento das tropas russas na fronteira da Ucrânia e mais recentemente da presença das mesmas na Bielorrússia, a par do discurso musculado dos EUA, da OTAN e da UE, mais do que do Reino Unido, menos de Emmanuel Macron e menos ainda do Chanceler alemão, que não parece ajudar a encontrar, no curto prazo, uma solução em que todos “saiam bem” – a Rússia sabe que a maior parte das suas exigências não podem ser aceites e a Ucrânia também sabe que, para além da solidariedade diplomática e algum material de guerra, não terá outra e que a sua adesão à Aliança, assim como da Geórgia, não encontrará o consenso dos atuais países membros num futuro próximo.

No curto prazo, se uma invasão em larga escala, com várias frentes, parece ser de duvidosa probabilidade, manda a prudência que se centre a atenção e se evitem ”provocações”, agravando ou criando situações novas na região do Dombass, (Luhansk-Donetsk), controlada pelos separatistas apoiados pela Rússia e na faixa litoral a oeste do Mar de Azof, passando por Mariupol e pelo porto de Berdyansk (onde a Ucrânia pretende criar uma base internacional naval e onde investimentos do Reino Unido e dos EUA têm sido efetuados), em direção à Península da Crimeia.

Não serão discursos belicistas inflamados e movimentações de tropas que facilitarão o desanuviamento da tensão, o retomar e privilegiar a negociação (o Acordo de Minsk) e trazer a situação à normalidade possível.

 

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General

José Luiz Pinto Ramalho

Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964. 

Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.

Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.

Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.

REVISTA MILITAR @ 2024
by COM Armando Dias Correia