A invasão da Ucrânia pela Rússia, em 24 de fevereiro, alterou radicalmente o quadro de Segurança Internacional que vinha sendo perspetivado desde a Queda do Muro de Berlim, em 1989. Esta alteração comprometeu essa “nova ordem mundial”, ainda não consolidada, embora promissora, tal como funcionou na resposta mundial ao combate à Pandemia, trazendo, agora, de novo, um sentimento, já anteriormente conhecido, de que essa “ordem” já não é possível e que a “nova ordem, não se formou e é cheia de incertezas”; contudo, existem realidades que, inevitavelmente, a vão condicionar e terão de estar presentes nessa construção política, económica, financeira, social e também militar.
Estamos confrontados com um ambiente internacional caracterizado pela guerra na Ucrânia, decorrente da agressão da Rússia, sob ameaças de utilização de Armas de Destruição Massiva, havendo uma clara militarização do Ocidente, expressa na revitalização da OTAN e estão em execução poderosas sanções económicas, que antecipam uma crise mundial nos domínios energético e alimentar.
Em termos económicos, estamos perante uma crise económica, decorrente de dois anos de Pandemia e ainda não ultrapassada, agravada agora por uma disrupção das cadeias de fornecimento de matérias primas, de produtos manufaturados ligados às novas tecnologias, mas, em especial, ao petróleo e gás natural, cereais, fertilizantes e rações, com incontornáveis implicações na indústria e na agricultura, na pecuária e nas industrias agro-alimentares, mas também na subida de preços, a nível mundial.
As questões ligadas à dependência energética, a sensibilidade dos canais de fornecimento decorrente desta instabilidade política e militar, estão a fazer repensar o modelo de relações comerciais que se praticava, a revelar um impacto na economia mundial, superior ao que ocorreu aquando dos embargos petrolíferos de 1973 e 1979 e a provocar a procura de novas fontes de aprovisionamento, em áreas regionais, mais fiáveis, mesmo que isso implique maiores custos.
Essa diversificação das origens de fornecimento de combustíveis fósseis será certamente acompanhada de uma mudança e incremento das opções no domínio das energias renováveis, trazendo também novos desafios para a garantia da segurança e continuidade do seu acesso e disponibilidade. Mas esse desafio coloca-se, também, quanto ao reativar, mesmo que temporariamente, das centrais a carvão ou mesmo a opção pelo nuclear.
Relativamente à área financeira, a dimensão das sanções aplicadas e o seu impacto económico, a nível mundial, veio demonstrar que a visão tradicional da importância de reservas financeiras no exterior deixaram de ser uma garantia segura de disponibilidade financeira em termos de divisas em tempo de crise, a par da eventual impossibilidade de venda de reservas de ouro, para o mesmo efeito de obtenção de moeda.
A dimensão e efeitos desta “nova arma” levanta a interrogação se, a mesma, pode ser deixada ao critério de definição e de aplicação aos grandes poderes mundiais ou se essa capacidade deve ser objeto de regulação pela Comunidade Internacional, eventualmente através do Direito Internacional.
Também o efeito económico das sanções na economia internacional, nos preços das múltiplas “commodities”, na inflação, no crescimento económico, na degradação do PIB, na nova situação de “estagnaflação”, coloca enorme pressão nos instrumentos de estabilização social, quer para apoio das empresas quer para a conservação do emprego, ou o apoio na falta do mesmo, a par de políticas fiscais que minimizem essa fragilidade económica e financeira.
Paralelamente, estamos também confrontados com uma crise humanitária, provocada pelo maior fluxo de Refugiados, desde a II GM, no centro da Europa, mas que se vai estendendo a todos os países europeus; nesta data, segundo estimativas da ONU, cerca de 3,5 milhões estão fora da Ucrânia e cerca de 10 milhões deslocados no interior daquele país. As implicações sociais e económicas, para os próprios e para os países de acolhimento, vão implicar apoios adequados, programas de assistência humanitária. A questão demográfica e o défice com que a Europa se debate, em termos de crescimento negativo, é também um problema para o qual tem de encontrar medidas sociais, económicas e também fiscais, para inverter a tendência.
Estamos também perante um quadro de desenvolvimento militar, que prespetiva que a guerra não vá acabar rapidamente, embora se assuma que tenha de ser encontrado um processo negocial que conduza a um Acordo. Quando é que esse acordo poderá surgir, depende do sentimento de incapacidade para continuar, por cada uma das partes e do seu reconhecimento que tem de chegar a um entendimento. Será um processo que poderá começar com um Cessar Fogo, eventualmente garantido internacionalmente (ONU ?).
A negociação será especialmente difícil relativamente ao Dombass (será necessária alguma criatividade político-diplomática, já que, relativamente à Crimeia, esta será definitivamente russa), seguindo-se o firmar de um acordo que envolverá, certamente, uma relação estreita entre alívio de sanções e a retirada de tropas russas do território ucraniano. Contudo, enquanto Putin estiver no poder, as sanções não desaparecerão totalmente.
De referir que Zelensky já declarou a sua aceitação da não adesão à OTAN e a adoção de um estatuto de neutralidade em moldes a definir, pelo estabelecimento de garantias de segurança, assim como o objetivo de desmilitarização da Ucrânia, referido pela Rússia, tem vindo a ser conseguido através da destruição pela guerra, das infraestruturas económicas e pela atrição e desgaste, material e humano das forças armadas do país.
Mas o fim desta guerra pode, igualmente, fazer emergir uma divisão geopolítica entre o Ocidente e a Rússia, juntamente com a China, aproximação motivada por alguma fragilidade económica e isolamento político da primeira e interesse económico da segunda, mas, também, porque ambos discordam de uma hegemonia mundial americana; essa divisão, traz sempre um fator de desconfiança mútua, que perturba a estabilidade e a paz internacional, situação geopolítica que irá comprometer o ambiente da globalização, nos múltiplos domínios, em que a Sociedade Internacional tem convivido.
A constituição de blocos tem sempre, na fase inicial, o risco de emergência de situações de crise, fruto dessa desconfiança e da não estabilização dos mecanismos de contenção político-diplomáticos e, também, da ausência de acor os e medidas de confiança no domínio militar, a par da necessária clarificação da previsibilidade dos comportamentos de cada uma das partes.
Temos neste domínio a experiência do pós II GM, em que vivemos as crises do Bloqueio de Berlim, em 1948-49; a crise do Suez, em 1956; a construção do Muro de Berlim, em 1961; e a crise dos mísseis em Cuba, em 1962; viveu-se o clima da Guerra Fria, aquilo que Raymond Aron designou de “guerra improvável e paz impossível”, que só terminou com a queda do Muro de Berlim, em 1989, seguindo-se o fim da URSS e do Pacto de Varsóvia.
Estaremos perante um ambiente internacional mais crispado em termos de segurança, claramente marcado por maiores investimentos na área da defesa, designadamente no quadro da OTAN e da UE, o que implicará a participação responsável de cada país membro ou assumir, por omissão nesse domínio, ser considerado irrelevante e dispensável. Embora a OTAN seja a organização credível no quadro da segurança e defesa europeia, fruto da ligação transatlântica e da capacidade militar dos EUA e a força dissuasora do Art.º 5 do Tratado, a UE percebeu, finalmente, que também ela tem de ser um ator credível em termos de segurança e defesa. A Europa ainda que forte do ponto de vista tecnológico e económico, demonstra uma fragilidade militar em relação à Rússia, que só a OTAN e as capacidades militares americanas permitem ultrapassar.
Será um ambiente internacional em que, apesar de tudo, se tornará necessário cooperar, eliminando a ambiguidade do estabelecimento de compromissos (entre o formalismo e a conveniência de determinados convites e a impossibilidade ou a inconveniência da sua concretização, caso da Ucrânia em relação à OTAN ou da Turquia relativamente à UE), quer para garantir a defesa do ambiente ou para combater futuras pandemias quer para promover o desenvolvimento e a paz, objetivos que não serão atingidos, se não encontrarmos forma de consolidar e ampliar essa cooperação.
Nasceu em Sintra, em 21 de Abril de 1947, e entrou na Academia Militar em 6 de Outubro de 1964.
Em 17 de Dezembro de 2011, terminou o seu mandato de 3+2 anos como Chefe do Estado-Maior do Exército, passando à situação de Reserva.
Em 21 Abril de 2012 passou à situação de reforma.
Atualmente exerce as funções de Presidente da Direção da Revista Militar e de Presidente da Liga da Multissecular de Amizade Portugal-China.