A queda do muro de Berlim e a implosão da União Soviética implicou o fim da Guerra Fria e da bipolaridade mundial, iniciando-se a unipolaridade com a hegemonia dos Estados Unidos da América (EUA). No entanto, nas últimas décadas tem-se assistido à ascensão da República Popular da China (RPC), principalmente com a chegada ao poder de Deng Xiaoping, em 1978, iniciando o seu programa das “quatro modernizações”1. Através dos seus líderes, desde então, a RPC não esconde a sua vontade de se tornar uma potência global, iniciando, assim, uma das principais transformações na estrutura do poder mundial nas últimas décadas, com o desígnio de rivalizar com a única superpotência desde o fim da Guerra Fria, os EUA. Esta ascensão origina mudanças e incertezas no sudoeste asiático, em geral, nos Mares do Sul da China (MSC) e nos Mares do Leste da China (MLC), em particular, uma vez que se trata de uma área de importância económica e estratégica não só para a RPC como para os demais países que são banhados pelas suas águas e assim como para os EUA, bem como todo o mundo (Tomé, 2019, p. 67).
Nesta lógica, a economia do mar foi desde sempre e assume cada vez mais uma importância vital para a RPC e os seus países vizinhos ribeirinhos dos MSC e MLC, onde, hoje, a geopolítica e a geoeconomia são utilizadas pelos dois principais protagonistas da política internacional, os EUA e a RPC (Miranda, 2017, p. 46).
Face à importância dos espaços marítimos para a RPC, sob o ponto de vista económico e geopolítico, a RPC delineou a estratégia da Primeira e Segunda Cadeia de ilhas, de forma a obter, paulatinamente, o controlo destes mares. Nos MSC, onde existem Estados mais fracos, a RPC, apesar de optar pelo dialogo, tem uma postura mais assertiva, ocupando e militarizando ilhas, corais ou atóis2, usando a sua guarda costeira e grupos paramilitares para negar o acesso aos recursos piscícolas aos países que mantém uma disputa territorial e marítima, no sentido de ocupar a área conhecida como “linha dos nove traços3”, preconizada como espaço vital no âmbito da sua estratégia de defesa (Norton, 2015, pp. 6-7).
Não obstante, nos MLC, onde existem Estados mais fortes, a RPC não assume uma postura tão assertiva, mas mantém a sua intenção de controlo desses mares, gerando alguns incidentes. Por fim, encontra-se presente a pretensão da RPC realizar a reunificação com Taiwan4, sob a égide da aspiração da reunificação da “pátria mãe”, na base inicial do princípio “um país, dois sistemas”, promovendo a “política das três manutenções”, ou seja, baseada em manter o bloqueio diplomático5, os laços económicos e a pressão militar (Tomé, 2019, pp. 73-74).
Para uma melhor compreensão do vasto espaço sob soberania de Pequim, grande parte não está, porém, totalmente definido, em virtude das muitas disputas territoriais que envolvem a RPC e os países vizinhos. Em relação à Índia, Pequim reivindica o Arunachal Pradesh, ao mesmo tempo que a Índia não reconhece a cessão do Paquistão de Aksai Chin, em 1964, à RPC, um território designado como parte do estado de Caxemira pelo British Survey of India, em 1865, bem como outros territórios da Caxemira. O Butão e a RPC continuam as negociações para estabelecer um alinhamento de fronteira comum para resolver disputas territoriais decorrentes de discrepâncias cartográficas, na qual a mais contenciosa se encontra a oeste do Butão ao longo da saliência de Chumbi (CIA, 2021).
Por outro lado, os mapas chineses exibem um símbolo de fronteira internacional (já denominada linha de nove traços) ao largo das costas dos Estados litorais dos MSC e MLC. Portanto, a RPC pretende afirmar a sua soberania sobre o recife de Scarborough junto às Filipinas e Taiwan e sobre as ilhas Spratly nas imediações da Malásia, Filipinas, Taiwan, Vietname e Brunei. No início de 2018, nas ilhas Spratly, a RPC continuou a expandir a construção de instalações, implementando sistemas militares avançados e ocupou algumas das ilhas Paracel, também reivindicadas pelo Vietname e Taiwan. No que respeita às ilhas Senkaku administradas pelo Japão, também são reivindicadas pela RPC e por Taiwan e até a Coreia do Sul mantém um diferendo com a RPC no que concerne à Ilha-Rocha Ieodo/Socotra/Suyan, bem como a Coreia do Norte em certas ilhas nos rios Yalu e Tumen (CIA, 2021).
Face a esta envolvência geopolítica, a RPC tem desenvolvido capacidades na guerra assimétrica e incrementou a sua capacidade militar em diversas áreas6, de forma a obter uma vantagem militar sobre os adversários. A RPC também investiu na edificação de diversos recursos militares, tais como a capacidade de negar o acesso a uma arma e/ou uma área (A2/AD)7, através da dissuasão e projeção militar, com o desígnio de demonstrar um poder militar e proteger as suas zonas de interesse (Norton, 2015, p. 9).
A partir desta conjetura geopolítica, verifica-se por parte da RPC uma estratégia marítima de médio e longo prazo que poderá colocar em perigo a segurança marítima8 na região Indo-Pacífico, porque, afinal, é preciso ressalvar que toda a extensão do litoral do país é rodeada por um conjunto de Estados-arquipélagos, como é o caso das Filipinas e do Japão. Isso transforma os mares banhados pela RPC em geografias semicerradas, impondo restrições na vertente do Direito Internacional Marítimo, condicionando, em muito, a expansão chinesa em direção ao Oceano Pacífico. Para contornar tal restrição, a reincorporação de Taiwan na RPC é fundamental, uma vez que furaria a barreira de ilhas.
Antes de abordar os riscos e ameaças para a segurança marítima nos MSC e MLC, deve primeiramente, entender-se o conceito dessas duas definições. Nesse caso, de acordo um artigo de Luís Carlos Falcão Escorrega na Revista Militar, os riscos “são uma ação não diretamente intencional e eventualmente sem carácter intrinsecamente hostil (contrariamente aos termos que caracteriza a ameaça na estratégia), provinda de um ator interno ou externo não necessariamente estratégico”, não pressupondo assim a existência de intenção de cometer uma ação ilegal ou em provocar danos. No entanto, a ameaça é hoje entendida como “qualquer acontecimento ou processo que cause mortes em grande escala ou uma redução maciça das expectativas de vida e que enfraqueça o papel do Estado como unidade básica do sistema internacional” (Escorrega, 2009).
Sabendo o que são riscos e ameaças, vai então, aprofundar-se o conceito de segurança marítima nos MSC e MLC. Historicamente, os MSC e MLC (figura 1) são palco de constantes reivindicações territoriais, tornando-os o epicentro de disputas por soberania. Os atritos provêm, principalmente, do potencial energético, além da sua localização, de extrema importância estratégica, tornando-se assim na área marítima mais contestada do mundo (Morton, 2016, p. 911).
Fonte: (Researchgate.net, 2022)
Figura 1 – Identificação da área marítima dos MSC e MLC.
Conforme se pode verificar na figura 2, a RPC, Taiwan e o Vietname reivindicam a totalidade da área dos MSC, ao passo que as Filipinas, a Malásia e o Brunei reivindicam algumas zonas, perfazendo um total de seis países em litígio territorial.
Fonte: (Stearns, 2012)
Figura 2 – Disputas territoriais e de áreas marítimas nos MSC.
No caso específico da RPC, em fevereiro de 1992, aprovou a Lei de Águas Territoriais que, essencialmente, acabou por formalizar a reivindicação do conjunto das ilhas dos MSC, contudo, como é percetível, outros países pretendem disputar o MSC. Nesse sentido, seguidamente apresenta-se uma síntese das áreas reivindicadas pelos diversos países daquela região do globo (Pereira, 2004, pp. 105-110):
– Brunei: As suas pretensões baseiam-se na extensão da sua zona costeira ao longo da sua plataforma continental. Existe uma sobreposição com as reivindicações da RPC, Malásia, Taiwan e Vietname. Dos países envolvidos, é o único que não ocupa atualmente qualquer área dos MSC, o que, de alguma forma, o enfraquece em termos negociais.
– RPC: Assegura que as origens das suas pretensões remontam à Dinastia Han (206 AC-220 DC) e à utilização dos MSC por pescadores chineses, desde essa data. A primeira reivindicação oficial data de um tratado assinado com a França, em 1887, mediante o qual se dividiu o Golfo de Tonquim, que Pequim interpreta como extensível a todas as ilhas dos MSC. Atualmente, ocupa todo o arquipélago das Paracel, oito ilhas das Spratly e reivindica a quase totalidade dos MSC.
– Filipinas: Baseia as suas pretensões no que designa por ilhas Kalayaan e a sua proximidade ao território filipino e na ocupação e desenvolvimento económico destas ilhas alegadamente inexploradas, descobertas por filipinos. Sobrepõe-se às pretensões da RPC, Malásia, Taiwan e Vietname. Atualmente, ocupa oito ilhas e reivindica a totalidade do arquipélago.
– Malásia: Baseia-se numa plataforma continental, além da sua costa, e inclui ilhas e atóis a Sul e Leste das Spratly. As suas ambições sobrepõem-se às da RPC, Taiwan e Vietname, e também alguns recifes e bancos no caso das Filipinas. Atualmente, ocupa seis e reivindica 12.
– Taiwan: Equivalem, grosso modo, às pretensões da RPC, ou seja, reivindica a totalidade das ilhas dos MSC. Atualmente, ocupa o arquipélago de Pratas e Itu Aba, a maior das ilhas Spratly.
– Vietname: Reivindica a totalidade da área, defendendo que ganhou soberania sobre as Spratly e as Paracel, após a independência da França. Atualmente, ocupa 25 ilhas das Spratly.
Estas reivindicações dos diversos países elencados anteriormente advém também das operações militares da RPC nos MSC, principalmente desde 1974 e que, ao longo do tempo, paulatinamente, tem realizado, como se pode analisar seguidamente (Moraes, 2015, p. 37):
– A Batalha das ilhas Paracel, em 1974, pela qual a RPC conquistou a parte ocidental das ilhas, então sob controlo do Vietname, passando a controlar a totalidade deste arquipélago.
– O incidente das Spratly, novamente entre a RPC e o Vietname, em 1988, passando a RPC a ocupar sete das ilhas Spratly.
– A construção de instalações permanentes, em 1995 e 1999, em Mischief Reef, nas Spratly, então sob controlo das Filipinas, chegando os dois países a entrar em confronto naval, em 1995.
– A ameaça de retaliação contra empresas de hidrocarbonetos, em 2007, caso assinassem contratos com o governo do Vietname para a exploração de recursos nos MSC.
– O estabelecimento, em 2012, do distrito administrativo de Sansha, com jurisdição sobre as ilhas Paracel e Spratly.
– A impressão nos passaportes chineses de mapas contendo a “linha dos nove traços”.
– O incidente entre as guardas costeiras da RPC e do Vietname, em maio de 2014, após uma plataforma de petróleo da Chinese National Offshore Oil Corporation (CNOOC) ter sido estacionada em área reivindicada pelos dois países, o que levou embarcações chinesas a abalroarem e dispararem canhões de água contra as embarcações vietnamitas.
Verificadas as disputas e as diversas situações que originaram uma crise nos MSC, nos MLC existem disputas marítimas, mas somente entre dois atores estatais, particularmente a RPC e o Japão, que reclamam a soberania sobre as ilhas de Senkaku9 (figura 3).
Fonte: (Lee & Ming, 2012)
Figura 3 – Disputas territoriais e de áreas marítimas nos MLC entre a RPC e o Japão.
Devido à existência de diversas ilhas e arquipélagos de outros Estados nos MSC e MLC e como a RPC não possui esses mesmos territórios, de acordo com a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), a RPC possui uma Zona Económica Exclusiva (ZEE) de pequenas dimensões comparativamente com as dimensões do seu território. Em comparação com os EUA, a sua ZEE é aproximadamente 14 vezes inferior e em relação ao Japão é cerca de 4,6 vezes menor (Moraes, 2015, p. 26) (figura 4).
Fonte: (Smith, 2021)
Figura 4 – A ZEE chinesa de acordo com a CNUDM vs. linha dos nove traços.
Ainda sobre este assunto, deve referir-se que, em julho de 2016, o Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia10 aceitou o pedido das Filipinas. Segundo o Tribunal, a “linha de nove-traços” baseada nas alegações chinesas de evidências históricas e reivindicação territorial sobre aquela região não podem ser consideradas legítimas. Ainda que o governo chinês tivesse direitos históricos sobre as águas dos MSC, esses direitos foram extintos, pois são incompatíveis com as ZEE estabelecidas pela CNUDM, além de que as atividades de construção artificial de ilhas prejudicaram o meio ambiente e também porque as práticas inseguras dos navios chineses aumentaram os riscos de navegação. A RPC não aceitou e nem reconheceu as deliberações do tribunal (Neto, 2019, pp. 5-13). Como se pode verificar, desde logo, na figura 4, se a linha de nove traços fosse considerada legitima à luz do direito internacional marítimo, a ZEE chinesa aumentava consideravelmente.
As águas dos MSC e MLC são ricas em recursos energéticos (petróleo e gás natural) e recursos piscícolas, ou seja, estes mares são vitais para as economias dos países da região Indo-Pacífico, de forma a garantir a continuação do crescimento das suas economias, incluindo a RPC. Em 2013, a United States of Energy Information Administration (EIA) confirmou a existência de 11 biliões de barris de petróleo e 190 triliões de pés cúbicos de gás, em contraste com a CNOOC que estimou a existência de 125 biliões de barris de petróleo e 500 triliões de pés cúbicos de gás natural (Morton, 2016, p. 915).
Embora existam diversas reivindicações territoriais e de áreas marítimas nos MSC, a verdade é que existem diversas companhias11 de diferentes países que estão atualmente envolvidas na exploração de gás ou petróleo. Estas explorações nos MSC iniciaram-se com a introdução, por parte de alguns países reivindicadores, de companhias estrangeiras a partir da década de 1970 (Ye, 2019, p. 86).
Neste âmbito, em novembro de 2018, durante a visita do presidente chinês Xi Jinping a Manila, nas Filipinas, os dois Estados assinaram um memorando de entendimento sobre a exploração de petróleo e gás nos MSC. Essa mudança originou não só uma redução significativa das tensões Sino-filipinas, mas também para a região dos MSC, em geral. Apesar de tais desenvolvimentos positivos, as práticas e acordos provisórios ainda enfrentam enormes obstáculos e desafios, podendo originar algumas tensões (Ye, 2019, p. 89).
Nos MLC também existem explorações de gás, à semelhança dos MSC. Cerca de 4 km a oeste da linha que atualmente divide as ZEE da RPC e do Japão há um campo de gás natural, denominado Campo de Chunxiao12, explorado pela RPC. Embora a área do campo se situe na ZEE chinesa, o Japão alega que a exploração afeta áreas que se encontram sobre a sua ZEE, exigindo dessa forma participação na exploração (EIA, 2014).
Desde 1999, a RPC aplica uma proibição anual de pesca em parte dos MSC, com o objetivo, supostamente, de prevenir a sobrepesca e garantir a sustentabilidade das espécies marinhas. A RPC declarou que a proibição se aplica principalmente aos seus navios de pesca tradicionais, mas os outros países da região consideraram essa moratória “uma ameaça à estabilidade e à ordem na região”. Estas contradições, originam diversas vezes incidentes entre navios e/ou embarcações da RPC e dos restantes países dos MSC (Ye, 2019, p. 86).
No entanto, contraproducente à lei vigente sobre a pesca por parte da RPC, existe necessidade de ter em conta as atividades da People’s Armed Forces Maritime Militia (PAFMM) e da Guarda Costeira Chinesa (GCC). Estas duas forças não militares desempenham um papel essencial nas atividades coercivas para alcançar os objetivos políticos da RPC, até porque, em caso de a RPC colocar os meios militares navais a realizar este tipo de intervenções, poderia originar um conflito armado (DIA, 2019, pp. 79-82).
Nos MLC também existem tensões entre a RPC e o Japão relativamente às atividades de pesca. Um deles ocorreu em 2010, quando um navio de pesca chinês colidiu com um navio da guarda costeira japonesa nas proximidades das ilhas Senkaku/Diaouy, levando a detenção do comandante do navio de pesca. Como resposta, as autoridades chinesas cancelaram as visitas oficiais programadas para o Japão e suspenderam o fornecimento de terras raras ao país (Moraes, 2015, p. 30).
Igualmente preocupante é o fenómeno de pirataria e de assalto à mão armada existente nos MSC. Em 2014, este mar destronou as outras zonas críticas como a zona mais perigosa. Os registos divulgados pela International Maritime Organization (IMO) revelaram um rápido aumento de assaltos à mão armada e ataques violentos nos portos e águas da costa das Filipinas e Indonésia. Esses incidentes alimentam a insegurança crescente e os conflitos entre Estados vizinhos pelos recursos marinhos, soberania territorial e jurisdições marítimas (Morton, 2016, p. 915).
Analisando os dados divulgados (figura 5) constata-se que este fenómeno apenas existe nos MSC, não existindo ocorrências nos MLC. Para uma melhor perceção, até junho de 2021, os MSC registaram 28 incidentes enquanto o Golfo da Guiné registou 22 casos.
Fonte: (ICC, 2021)
Figura 5 – Incidentes de pirataria e assalto à mão armada no mundo, até junho de 2021.
Conforme se pode verificar na figura 6, a RPC encontra-se bloqueada por diversos territórios, se for incluída a ilha de Taiwan, o que não permite possuir uma ZEE de grandes dimensões, tendo em conta o seu território. Além disso, a presença militar dos EUA na região também contribui para esse bloqueio marítimo e naval efetivo.
Fonte: (Moraes, 2015, p. 29)
Figura 6 – ZEE e disputas marítimas nos MLC e a presença militar americana no Pacífico Oeste.
Face a estas circunstâncias, a RPC, em 1988, através de Deng Xiaoping e do Almirante Liu Huaqing, comandante da People´s Liberation Army-Navy (PLAN), na altura, idealizou e adotou uma estratégia marítima. Assim, ao analisar a estratégia adotada e o seu modo de implementação, observa-se que se estabeleceram três metas para o desenvolvimento desta (figura 7). A primeira meta foi estabelecida para que, em 2000, a RPC tivesse capacidade de desenvolver forças navais suficientes para defender os seus interesses marítimos até à Primeira Cadeia de Ilhas, enquanto a segunda meta foi até 2020, em que a PLAN conseguia defender os interesses marítimos da RPC até a Segunda Cadeia de Ilhas. Por último, em 2049, quando a RPC comemorar o centenário da PLAN, esta será capaz de projetar esquadras e porta-aviões (poder), de forma a proteger os interesses nacionais em qualquer lado do globo (Jenner, 2019).
Fonte: (The Economist, 2017)
Figura 7 – Primeira e Segunda Cadeia de Ilhas.
Das imagens anteriores, verifica-se que a Primeira e a Segunda cadeia de ilhas são coincidentes com território de outros países e convém referir que a Primeira Cadeia de Ilhas também é conhecida por uma área definida através do conceito de “linha de nove-traços”. Originalmente, o nome era “linha dos onze-traços” e foi proposto pela RPC, em 1947. Mais tarde, foram subtraídos dois traços do Golfo de Tonquim, formando a linha atual que a RPC reivindica atualmente.
Há quatro grandes interpretações sobre o significado da “linha dos nove-traços”, tais como a demarcação de fronteiras marítimas, soberania sob as ilhas, direitos históricos e águas históricas, sendo que esta linha corresponde a cerca de 80% dos MSC. Nessa lógica de expansionismo, nas últimas décadas, a RPC tem, através de “pequenos passos”, ampliado o seu domínio territorial nos MSC (figura 8), em função das operações militares realizadas (Moraes, 2015, pp. 34-37).
Fonte: (Schuster, 2016)
Figura 8 – “Linha dos nove traços” e as ilhas artificiais.
Sobre este tema, a RPC, na sua Note Verbale (CML/18/2009) submetida à ONU, em maio de 2009, em resposta às submissões da Malásia e do Vietname à Comissão das Nações Unidas para os Limites da Plataforma Continental (RPC, CML/18/2009, 2009), afirmava a “soberania indisputável” sobre as ilhas e “águas adjacentes” dos MSC, ressalvando que possui “direitos soberanos” e “jurisdição” sobre o que denomina “águas relevantes”, assim como leito marítimo. No entanto, a RPC, em 2011, na sua Note Verbale (CML/8/2011) (RPC, CML/8/2011, 2011), não declarou oficialmente o que a “linha de nove-traços” significava e, embora afirme a sua legítima propriedade sobre as águas relevantes e adjacentes, a delimitação geográfica nunca foi demarcada, assim como os direitos marítimos aplicáveis.
Para além das conquistas territoriais (ilhas e recifes), a RPC tem projetado poder militar através da construção de ilhas artificiais13 altamente militarizadas nos recifes (figura 9), implantando sistemas de defesa, mísseis, aeronaves e navios numa organização de sistema A2/AD (Norton, 2015, p. 9).
Fonte: (AMTI, Fiery Cross Reef, 2021)
Figura 9 – Imagens satélite de Fiery Croos Reef,em agosto de 2014 e setembro de 2015.
Ainda sobre o assunto anterior, foram identificados sistemas de defesa antimíssil de longo alcance em dois pontos do arquipélago das ilhas Spratly, além de artilharia antiaérea e ainda uma estação de radar, antecipando assim um conflito futuro. Além disso, a militarização das ilhas possibilita à força aérea e naval chinesa capacidade de operação sobre a quase totalidade dos MSC. As facilidades marítimas e aéreas permitem uma logística avançada sem necessidade de retorno ao continente. Ainda, a presença de facilidades rádio e radar aumentam o espectro da presença chinesa e a sua capacidade de deteção e aviso antecipado. Tudo isso resulta em ganhos de eficiência em missões de reconhecimento, vigilância, resgate, além de combate e defesa. Logo, o custo de oposição regional e internacional à RPC nesse espaço torna-se cada vez mais elevado. Tudo isto assenta, mais uma vez, na estratégia de um sistema A2/AD que a RPC preconiza para os MSC e MLC (figura 10).
Fonte: (Poder Naval, 2021)
Figura 10 – Atual capacidade A2/AD de defesa e deteção chinesa sobre os MSC.
As reivindicações chinesas nos MSC têm sido reforçadas não apenas por meios militares. Nesse âmbito, a RPC conta com uma forte presença de navios da sua Guarda Costeira e até da milícia marítima, que são o principal instrumento coercivo das reivindicações chinesas nos MSC e MLC, tendo em vista que a presença de meios navais militares de grande porte seria mais facilmente interpretada como uma ação hostil pelos restantes países da região. Isso implicaria o risco de escalada de tensões e incentivaria os países vizinhos a procurarem o apoio dos EUA, contrabalançando assim a força da RPC. Esta ação foi denominada como small stick e supera, por si só, a dimensão das forças armadas dos países que compartilham o espaço marítimo. Enquanto as hostilidades não aumentarem, o small stick continua a ser usado, com a PLAN (o big stick) permanecendo como força de reserva (Moraes, 2015, p. 38).
Embora a RPC tenha assinado com a Association of Southeast Asian Nations (ASEAN) a Declaração do Código de Conduta nos MSC, cujo um dos objetivos passa pela resolução de diferendos territoriais por via pacífica e sem recurso à força, a verdade é que Pequim considera que a soberania sobre o conjunto dos MSC é alienável. Assim, apesar da escalada das disputas territoriais nos MSC, Pequim tem procurado, em simultâneo, trabalhar com os membros da ASEAN para mitigar a seriedade destes conflitos e promover o desenvolvimento e estabilidade regional. Pequim tem seguido uma política de charme, consolidando o apoio daqueles países da ASEAN que não têm reivindicações territoriais nos MSC, como a Tailândia, Laos ou Camboja, e ganhando o silêncio de países que, apesar de disputarem parte do território marítimo, estão relutantes em antagonizá-la, como a Malásia ou o Sultanato do Brunei (Mah, 2016, p. 38).
Nos MLC, a história é diferente, o Japão e a Coreia do Sul possuem forças militares fortes e existe uma maior presença militar americana, não permitindo que a RPC tome uma postura tão assertiva como nos MSC. No entanto, a RPC não desiste da sua estratégia e, em novembro de 2013, estabeleceu uma Air Defence Identification Zone (ADIZ) (figura 11), que se sobrepõe parcialmente às ADIZ do Japão, Coreia do Sul e Taiwan, além de incluir o espaço aéreo correspondente às disputadas ilhas Senkaku/Diaouy e à sua respetiva ZEE. Esta medida foi fortemente constada pelo Japão (Moraes, 2015, pp. 31-32) e, como é perfeitamente percetível, pode criar desentendimentos em face as possíveis dúvidas de soberania.
Fonte: (Green, Hicks, Cooper, Schaus, & Douglas, 2017)
Figura 11 – Zonas de Identificação de Defesa Aérea da RPC, Japão, Coreia do Sul e Taiwan.
Seguidamente, tenciona-se abordar a questão de Taiwan, as várias provocações entre a RPC e os EUA e a edificação de várias organizações, liderada pelos EUA e RPC. Por outro lado, a questão do conflito armado na Ucrânia alterou a geopolítica mundial. Estas temáticas são extremamente pertinentes para perceber o futuro na região Indo-Pacífico.
A RPC e Taiwan são dois territórios autónomos desde 1949, altura em que o antigo governo nacionalista chinês sob a liderança Chiang Kai-shek se refugiou na ilha, após a derrota na guerra civil frente aos comunistas. Apesar disso, Taiwan continuou a ser reconhecida como o governo legítimo da China pela ONU e por muitos Estados não comunistas, até 1971. A partir desse ano, através da Resolução 2758 da ONU, Taiwan transferiu o seu assento para a RPC (Lima A. S., 2021).
Não obstante, Pequim considera Taiwan parte do seu território e ameaça a reunificação através da força, contudo, apesar de Washington ter reconhecido, em 1979, o governo da China comunista, em detrimento de Taiwan, continuou a manter uma forte relação não oficial com a ilha. Nessa conjetura, Xi Jinping já deixou claro que a resolução da questão de Taiwan deverá ser resolvida até ao fim do seu mandato, preferencialmente por via negocial, mas, em último caso, por “meios não pacíficos”, transformando assim aquela região do globo num potencial foco para um conflito entre a RPC e os EUA (Cunha, 2021).
Ultimamente, Pequim tem iniciado testes de reação com maior intensidade no território de Taiwan, através do envio de caças e bombardeiros para a ADIZ de Taiwan, tendo como pano de fundo uma possível invasão da ilha, estratégia essa decorrente do Livro Branco sobre a “Defesa numa nova era”, divulgado pela RPC, em 2019. De acordo com o Ministro da Defesa taiwanês, em 2025, a RPC dispõe das capacidades militares para uma invasão da ilha, que apenas poderá ser contrariada com o apoio militar dos EUA. Numa tentativa de atrair Taiwan para a sua órbita, Pequim promete um elevado grau de autonomia, incluindo a conservação do governo local e das Forças Armadas. Mas a decisiva intervenção do governo chinês em Hong Kong, impondo uma rígida lei de segurança nacional, deixou evidente que Pequim acelerou a transição para “um país, um sistema” e isso poderá ter implicado a reunificação pacífica com Taiwan. Neste cenário delicado, a questão de fundo é incontornável: estarão os EUA dispostos a fazerem a guerra com a RPC para defenderem Taiwan? Por outro lado, a cedência à RPC para evitar uma guerra não só comprometeria irremediavelmente a posição geoestratégica dos EUA na Ásia-Pacífico, como consolidaria a tendência hegemónica da RPC na região ou mesmo a nível mundial (Cunha, 2021).
Mais recentemente, numa reunião por videoconferência entre Joe Biden e Xi Jinping, o presidente dos EUA referiu que o seu país se opõe veementemente a qualquer tentativa unilateral de mudar o estado atual em relação a Taiwan, ao qual o presidente da RPC alertou o seu homólogo norte-americano que a ideia da independência de Taiwan seria “brincar com o fogo”, à medida que a RPC aumenta a pressão militar sobre a ilha (DN/Lusa, 2021).
Por fim, Henry Kissinger, antigo Secretário de Estado do Governo americano e conselheiro de segurança nacional e também grande versado nas questões chinesas, disse, durante uma entrevista na CNN, no programa “Fareed Zakaria GPS”, em 20 de novembro de 2021, que não prevê uma invasão militar chinesa de Taiwan na próxima década, embora seja perfeitamente possível que a RPC tente enfraquecer o estado atual da ilha (House, 2021).
Desde o início desta crise, a RPC e os EUA tiveram vários momentos de tensão entre os dois, estando em plena crise internacional (Galbreath & Deni, 2018). No entanto, sob a égide da “liberdade de navegação”, a Marinha dos EUA envia regularmente navios para a região, originado diversas situações de tensão entre os dois países. Uma dessas tensões originou um comunicado do Exército da RPC, referindo que expulsou um navio de guerra dos EUA (USS Benfold) de uma área disputada nos MSC, depois de Washington ter alertado que um ataque às Filipinas14 motivaria uma retaliação (Lusa, 2021). Outro incidente recente que ocorreu foi a colisão de um submarino dos EUA (USS Connecticut) com algo desconhecido nos MSC, provocando vários feridos (JN, 2021a).
Por outro lado, o Pentágono referiu que a RPC está a acelerar o desenvolvimento do seu arsenal nuclear, tendo já capacidade para lançar mísseis balísticos a partir de terra, mar e ar. Um exemplo disso foi o teste chinês de uma arma hipersónica capaz de orbitar parcialmente a Terra antes de reentrar na atmosfera. Acresce a isso, foi a descoberta por parte dos EUA de que Pequim estar a usar maquetes em tamanho real de navios da Marinha dos EUA (figura 12) para treinar o lançamento de mísseis15 no deserto de Taklamakan. Nessas imagens satélite, também é possível ver um sistema de carris com seis metros de largura, que servirá para simular o movimento das embarcações (JN, 2021b).
Fonte: (Sutton & LaGrone, 2021)
Figura 12 – Fotos detalhadas do alvo móvel nas instalações de Ruoqiang.
a. AUKUS16
Esta organização advém, primordialmente, depois do périplo do UK Carrier Strike Group, com o Porta-aviões Queen Elizabeth II, um Destroyer da marinha dos EUA e uma Fragata Neerlandesa, desde maio de 2021 e durante os sete meses seguintes. Durante a missão de charme, realizou diversos exercícios, principalmente com a Índia e na região Indo-Pacífico (Japão, Coreia do Sul, Singapura e Malásia), com especial enfoque no exercício no âmbito da liberdade de navegação nos MSC (figura 13), criando assim o cenário ideal para formular o acordo de defesa para fornecer submarinos nucleares à Austrália em detrimento da França (Ministry of Defence of UK, 2021).
Fonte: (Archus, 2021)
Figura 13 – Trânsito do UK Carrier Strike Group Deployment.
Assim, o AUKUS é uma nova parceria estratégica tripartida entre a Austrália, o Reino Unido e os EUA, anunciada em 15 de setembro de 2021, para a região Indo-Pacífico. Dito de outro modo, uma aliança político-militar que tem como finalidade desenvolver uma tecnologia militar que permita à Austrália obter submarinos de propulsão nuclear. O pacto também inclui a cooperação no ciberespaço, inteligência artificial, tecnologias quânticas, capacidades submarinas adicionais e vigilância em longa distância (Teixeira, 2021).
b. FIVE EYES
A aliança Five Eyes é um acordo de partilha de informação de cariz secreto entre cinco Estados de língua inglesa, especificamente os EUA, Reino Unido, Canadá, Austrália e Nova Zelândia, que foi criado depois da Segunda Guerra Mundial e evoluiu durante a Guerra Fria como um mecanismo para monitorizar a União Soviética, mas que agora está direcionada para a região Indo-Pacífico (Office of the Diretor of National Intelligence, 2021).
c. QUAD
O Quadrilateral Security Dialogue (Quad) é um fórum estratégico informal entre os EUA, Japão, Austrália e Índia, criado em 2007 e reativado em 2017, tendo como propósito17 a partilha de informações, assuntos de segurança, fomentar a cooperação regional em matéria de combate à pirataria e pesca ilícita, na gestão de catástrofes e na área da segurança da cadeia de abastecimento e normas ambientais, tecnológicas, bem como a realização de exercícios militares entre os países membros (Buchan & Rimland, 2020).
Nessa perspetiva, na última reunião, em 12 março de 2021, numa nota da Casa Branca da Presidência dos EUA, o QUAD salienta a sua preocupação pelo Direito Internacional Marítimo, pela segurança marítima, pela liberdade de navegação e valores democráticos da região Indo-Pacífico e não pelas atividades coercivas, numa clara alusão às atividades da RPC nos MSC e MLC. Reafirma, de igual modo, o apoio à ASEAN para uma estratégia de paz e prosperidade (White House, 2021).
a. SCO
A Shanghai Cooperation Organisation (SCO) é uma organização intergovernamental, fundada em 15 de junho de 2001, baseada numa aliança política, económica e de segurança. Na visão dos EUA, a SCO é a maior organização regional do mundo em termos geográficos e população, cobrindo três quintos do continente euro-asiático, 40% da população mundial e mais de 20% do Produto Interno Bruto (PIB) global, liderada pela RPC e com um desiderato de projeção de poder, realizando exercícios de pequena/média escala18 e instituindo acordos diplomáticos. A SCO (figura 14), atualmente, compreende oito Estados-membros, quatro Estados Observadores interessados em aderir à adesão plena e seis “Parceiros de Diálogo” (Janik, Southerland, & Green, 2020).
Fonte: (Janik, Southerland, & Green, 2020, p. 4)
Figura 14 – Países pertencentes à SCO.
b. QCCM
O Quadrilateral Cooperation and Coordination Mechanism (QCCM) é uma organização gerada pela RPC, formada por mais três Estados, o Afeganistão, o Paquistão e o Tajiquistão, com o intuito de partilha de informação militar no âmbito do contra terrorismo e outros assuntos de interesse estratégico (Janik, Southerland, & Green, 2020, p. 8).
Como foi possível verificar anteriormente, através das organizações edificadas sob a liderança dos EUA e da RPC, é evidente que começam a ser criados dois grandes blocos na região Indo-Pacífico, liderados pelas duas grandes superpotências mundiais, os EUA e a RPC. Considera-se, de igual modo, que a RPC, numa ação diplomática, está a tentar que os países banhados pelos MSC tomem uma posição favorável ou, pelo menos, de neutralidade aos seus intentos. Ao invés, os EUA tentam contrariar esse propósito, realizando operações de charme junto da Índia e dos países também banhados pelos MSC.
Sabe-se também que a RPC possui uma preocupação expressa em evitar as guerras que ainda não pode ganhar e, por isso, este grande desenvolvimento militar assente numa estratégia de longo prazo e flexível perante as circunstâncias externas ambientais. Portanto, atento a todo este ambiente na vertente política e económica, mas também na área da geopolítica na região Indo-Pacífico, entre duas grandes superpotências, estão criadas as condições necessárias para o início de uma nova Guerra Fria (Kissinger, 2011).
Mas não será nos moldes da antiga Guerra Fria entre os EUA e a União Soviética, porque no que respeita à economia, mormente numa economia global atual, os EUA dependem da RPC em termos de matérias-primas e a RPC possui muitos investimentos financeiros nos EUA e um conflito entre os dois países, irá alterar esse status quo, com consequências devastas a nível mundial, principalmente em termos económicos (Fok, 2022).
Ao observar o AUKUS e se juntar os países pertencentes ao Five Eyes, mais o QUAD, e outros países da região Indo-Pacífico com problemas diplomáticos com a RPC, emerge a ideia de que os EUA poderão estar a edificar uma organização semelhante à OTAN direcionada para o Pacífico. A mudança na estratégia dos EUA, centrada para o Indo-Pacífico, tem implicações diretas para o debate transatlântico sobre a partilha dos custos da defesa, com implicações na Segurança Cooperativa e Coletiva, bem como na Cooperação Bilateral. Atento ao que o anterior presidente dos EUA, Donald Trump, referiu sobre a OTAN, dizendo que era obsoleta, o que realmente pretendia mencionar era que pretendia que a OTAN reorientasse a sua estratégia para conter os avanços da RPC. De facto, esse episódio obrigou os aliados a alterar a sua estratégia para a RPC, além de outros pontos críticos atuais na Europa19, perspetivando-se a formulação de um novo Conceito Estratégico 2030. Neste sentido, embora a Rússia seja o desafio militar mais significativo e geograficamente próximo no curto prazo, os decisores europeus começaram a entender que, a longo prazo, o desafio estrategicamente mais importante para os Estados europeus pode ser uma RPC ressurgente (Daehnhardt & Gaspar, 2020).
a. Problema do Art. 5.º da OTAN: razão principal da edificação do AUKUS?
Para perceber definitivamente a razão do nascimento do AUKUS, devemo centrar-nos num aspeto fundamental, o problema do Art.º 5.º do Tratado do Atlântico Norte. Ao observar o que está exposto nesse artigo, verifica-se que não está enquadrado para uma ação da OTAN no Oceano Pacífico. Nesse sentido, tendo em consideração esta imensa dúvida, considera-se que os EUA procuram novas alianças na região do Indo-Pacífico, principalmente em relação ao eixo anglófilo, mas também com a Índia e outros países dos MSC e MLC, de forma a equilibrar as forças perante o crescimento político, diplomático e militar exponencial por parte da RPC, juntamente com os seus aliados.
Posto isto, e no seguimento do referido anteriormente, pode referir-se que o AUKUS poderá ser um primórdio de uma organização semelhante à OTAN para o Pacífico, para conter o avanço da RPC, na qual juntando os países dos Five Eyes, QUAD e outros países com problemas diplomáticos e territoriais com a RPC, tornará esta hipotética futura organização numa instituição de grande dimensão mundial em termos militares, económicos e financeiros em contraponto com os propósitos chineses na região Indo-Pacífico, apoiada pela SCO e QCCM.
A invasão militar do território ucraniano por parte da Rússia, com o pretexto de a Ucrânia pretender aderir à OTAN, veio alterar a geopolítica mundial com repercussões a médio e a longo prazo. Apesar deste conflito ser na Europa, tem influência na Indo-Pacífico. Ao analisar melhor os países que compõem a SCO, pode constatar-se que os países mais relevantes na cena internacional que fazem parte dessa organização, além da RPC, são a Federação Russa e a Índia. Estes três países demonstram, atualmente, uma grande proximidade, especialmente após a invasão militar da Federação Russa à Ucrânia. A Índia, aproveitando as sanções dos países ocidentais, quadruplicou, durante o mês de março de 2022, as importações de petróleo russo, além da compra de equipamento militar (Abreu, 2022).
Por outro lado, a RPC refere que as relações com a Rússia são uma parceria estratégica de maior influência regional e mundial. Essa estratégica é visível e assente em três pilares fundamentais: o fornecimento de gás russo à RPC através do gasoduto Power of Sibéria20, o apoio da Rússia perante a questão de Taiwan e a possível ajuda militar e económica da RPC à Rússia após as sanções económicas e financeiras dos países ocidentais decorrentes da invasão da Ucrânia (Yang, 2022).
De igual forma, de uma forma mais abrangente, pode verificar-se a proximidade da Índia e da RPC à Rússia, através das abstenções destes países durante a votação da resolução “Agressão contra a Ucrânia”, na Assembleia-Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre a ofensiva militar da Rússia à Ucrânia (ONU, 2022).
Os pontos atrás referidos denotam uma grande complexidade nas relações diplomáticas entre os países da SCO, particularmente entre a RPC e a Rússia, em que presumivelmente a comunidade internacional irá compreender na sua plenitude a médio a longo prazo, dependendo das ações diplomáticas, económicas, financeiras e militares a serem desenvolvidas por estes dois atores essenciais da cena internacional a breve trecho.
A RPC, atualmente, é um ator incontornável nos MSC e MLC. Detém um forte Poder Marítimo, alicerçada numa Marinha de Guerra em franco crescimento e desenvolvimento, uma relevante Guarda Costeira, a maior frota pesqueira mundial e uma das maiores frotas mercantes do mundo e, além disso, possui grupos paramilitares que atuam nos MSC e MLC, contudo, encontra-se confrontada com três grandes fraquezas, designadamente, a sua economia dependente das vias marítimas, de lhe ser fácil efetuar um bloqueio naval e igualmente as bases e alianças que os EUA possuem na região Indo-Pacífico.
No entanto, à luz do Direito Internacional, as ilhas que reivindica nos MSC e MLC não são aceites pela respetiva comunidade internacional. Sabendo que a nível geopolítico as ilhas existentes nestes mares são importantes para a RPC, este país encontra-se a desenvolver um conceito expansionismo marítimo, idealizado muitos anos atrás por Deng Xiaoping e pelo Almirante Liu Huaqing, ao qual se pode aferir que as bases conceptuais dessa estratégia marítima referente a Primeira e Segunda Cadeia de ilhas mantém-se em vigor e em marcha.
Noutro campo, atualmente, existem diversos riscos e ameaças à segurança marítima nos MSC e nos MLC. A maior ameaça é, sem dúvida, as diversas disputas territoriais e de áreas marítimas existente entre diversos países. Estas disputas ocorrem devido ao potencial energético (gás e petróleo) presentes nestes mares e da importância estratégica das diversas ilhas e recifes, além dos recursos piscícolas consideráveis, existindo uma pesca intensiva por parte da maioria dos países em contenda. Esta competição pelos diversos recursos origina incidentes entre embarcações e/ou navios dos diversos países da região, constituindo-se como uma ameaça à escala de tensões entre Estados. Igualmente preocupante é o fenómeno de pirataria e de assalto à mão armada existente nos MSC que constitui uma ameaça considerável à segurança marítima nestes mares.
Nesse sentido, analisado os factos, podem caraterizar-se os riscos e ameaças à segurança marítima nos MSC e MLC, afirmando que existem diversos riscos e ameaças à segurança marítima nos MSC e nos MLC, sobretudo, a existência e exploração de significativas reservas de gás e petróleo, a pesca intensiva, os ataques piratas e de assalto à mão armada, mas com especial ênfase as disputas interestaduais marítimas.
Por outro lado, sob o ponto de vista geopolítico, devido à existência de diversos arquipélagos estrangeiros em áreas próximas à costa chinesa, a RPC encontra-se “bloqueada”, colocando-a numa situação marítima desfavorável, sob o ponto de vista económico e geopolítico, uma vez que possuí, de acordo com a CNUDM, uma ZEE bastante pequena quando comparada com a dimensão terrestre do país, limitando seriamente a sua capacidade de projeção de poder. Se, nos MSC, os Estados neles existentes possuem um fraco poder militar, nos MLC, além de uma significativa presença militar norte-americana na região, a Coreia do Sul e o Japão possuem um poder militar significativo.
Nessa linha de pensamento, a RPC delineou uma estratégia de controlo destes mares, através da edificação da Primeira e Segunda Cadeia de ilhas, de forma a diminuir a sua posição marítima desfavorável. Nos MSC, onde existem Estados mais fracos, a RPC tem uma postura mais assertiva, ocupando e militarizando ilhas, usando a sua guarda costeira e milícias para negar a utilização do mar aos outros países da região, no sentido de ocupar a área da “linha dos nove traços”. Não obstante, a RPC tem optado pela via do diálogo em vez do conflito, mas não abdica da sua estratégia. Nos MLC, onde existem Estados mais fortes, a RPC não tem uma postura tão assertiva, mas mantém a sua intenção de controlo.
Considera-se que a edificação da Primeira e Segunda Cadeia de ilhas, a ocupação, construção e militarização de ilhas artificiais, a implementação de um sistema A2/AD, a criação e ampliação da ADIZ e, por fim, a reunificação com Taiwan, permitindo aumentar consideravelmente a sua ZEE, são os cinco pilares da estratégia chinesa para os MSC e para os MLC, tudo isto assente no crescimento e modernização da PLAN e a utilização da guarda costeira e das milícias marítimas para os efeitos coercivos.
Sabendo também que os meios da PLAN, que estão a aumentar em termos quantitativos a um ritmo recorde, estão concentrados nos MSC e MLC, via de navegação estratégica que a RPC reivindica praticamente na totalidade, esse facto ameaça a navegação neste ponto crítico, chave para o tráfego marítimo mundial. Constata-se assim que a RPC possui vontade, capacidade e uma estratégia estável para obter o seu controlo.
Assim, visto e ponderados os factos, pode verificar-se que a estratégia adotada pela RPC em relação aos MSC e MLC se baseia numa estratégia marítima arrojada de edificação da Primeira e Segunda Cadeia de ilhas, de forma a obter, paulatinamente, o controlo dos dois mares e diminuir a sua posição marítima desfavorável. Além disso, a RPC tem uma postura mais assertiva nos MSC, em virtude de nele existirem Estados mais fracos21.
Por fim, pode afirmar-se que, num mundo em mudança constante e célere, as relações diplomáticas entre a RPC e os EUA atravessam o pior momento em várias décadas, marcadas por disputas comerciais e tecnológicas, direitos humanos, conceções ideológicas22 e com particular foco no estatuto de Taiwan e dos MSC e MLC. Para que isso ocorra, ajuda grandemente a intenção da RPC fazer regressar Taiwan sob sua jurisdição, por uma questão de unificação do país, mas também para aumentar significativamente a sua ZEE e em consequência possuir acesso a todo o Oceano Pacífico, evitando assim os estreitos de Malaca, Lombok e Sunda. Contudo, o mais importante será em ser capaz de projetar poder, através da PLAN, de forma a proteger os interesses nacionais em qualquer lado do globo, conforme Deng Xiaoping e o Almirante Liu Huaqing preconizaram.
De este ambiente complexo e volátil, acrescenta-se ainda as provocações constantes que ocorrem nos MSC e MLC entre as marinhas das duas superpotências, ou mesmo as evidências de que a RPC se prepara militarmente para um possível conflito armado. Para esse ambiente de imprevisibilidade e incerteza, ajuda de igual forma a criação ou o fortalecimento de diversas organizações de ambos os lados, num sistema de alianças que até pode substituir a OTAN no Pacífico, pelo problema de interpretação do Art.º 5.º da Organização, apesar de estar a ser elaborado um novo conceito estratégico da Aliança Atlântica. Tudo isto ajuda a criar uma envolvência de nova Guerra Fria, mas, neste caso, no Indo-Pacífico, num jogo de equilíbrio de forças difícil, porque, com Xi Jinping, a RPC entra num novo período de ser forte militarmente. A questão consiste agora em saber como é que poderá ser utilizada essa força militar, porque, na realidade, quando a RPC conseguir o poder militar capaz de lançar uma ofensiva fulminante em direção a Taiwan, poderá alcançar-se um ponto sem retorno.
Atendendo a isso, pode afirmar-se que a estratégia dos EUA perante a RPC, relativamente à região Indo-Pacífico, assenta numa nova abordagem para criar e/ou reforçar organizações com novos aliados na região, dando início à criação de uma nova ordem de natureza militar similar à OTAN para o Pacífico, num esforço de conter os avanços da RPC e não perder a sua hegemonia na região Indo-Pacífico, obrigando mesmo a OTAN a rever o seu conceito estratégico.
No entanto, essa linha de ação estratégica foi interrompida e contrariada em função da invasão da Ucrânia pelas Forças Armadas russas, alterando substancialmente o paradigma da OTAN, dando-lhe uma nova vida, em que, a médio e a longo prazo, o mais provável será o ressurgimento de uma nova Guerra Fria entre a OTAN e a Rússia. Ora, aqui, subsiste uma grande dúvida. Como vimos, a RPC e a Rússia encontram-se num novo patamar diplomático, com fortes projetos em desenvolvimento e apoio mútuo na área económica, financeira e talvez militar. Perante o cenário de a RPC invadir militarmente Taiwan, será que a Rússia apoia a RPC? Se isso ocorrer, como irá ser a resposta dos EUA, tendo em conta a oposição de dois gigantes, a RPC e a Rússia, sabendo de igual modo, que o Teatro de Operações na atualidade, agora se joga no Mar Mediterrâneo, no Atlântico Norte e no Indo-Pacífico? É uma dúvida difícil de responder, mas sabe-se que, a partir 24 de fevereiro de 2022, data da invasão militar da Ucrânia, a geopolítica mundial alterou significativamente e as nações ocidentais terão de adaptar-se rapidamente em termos económicos, financeiros e militarmente. Nesta conjuntura incerta e volátil, considera-se que, atualmente, já existe uma clara crise internacional entre a RPC e os EUA, em que a entrada em cena da Rússia, com o ator incontornável Vladimir Putin, ainda veio mais desordenar a geopolítica mundial. Neste contexto, já surgiram várias advertências e o catalisador que pode provocar o fator de desequilíbrio, a radicalização e depois a confrontação, sob ameaça nuclear, é sem dúvida a questão de Taiwan ou mesmo uma resposta da OTAN a uma intervenção russa na Ucrânia em virtude do uso de armas NBQR23, em que a Rússia contará com o apoio da RPC.
Nesse sentido, a RPC irá manter a sua estratégia em fazer regressar a Formosa, como os portugueses lhe chamaram, ao seu território e com isso resta-nos esperar pela reação do presidente dos EUA.
Atento ao que se precede, como princípio orientador, pode afirmar-se que, perante os atuais riscos e ameaças à segurança marítima nos MSC e MLC, inseridos atualmente num ambiente incerto, volátil e imprevisível e face à estratégia da RPC para estes mares e principalmente para com Taiwan, existe uma crise internacional entre a RPC e os EUA, originando uma insegurança marítima enorme na região Indo-Pacífico, consequentemente, provocando fortes constrangimentos económicos e financeiros e uma ameaça à paz mundial. Por sua vez, a invasão da Ucrânia, veio alterar o paradigma da geopolítica internacional, abrindo mais uma zona de conflito, obrigado os EUA a reorientar a sua estratégia, possuindo agora dois Teatros de Operações, o Atlântico Norte e o Mar Mediterrâneo, e, por outro lado, o Indo-Pacífico, ou seja, por outras palavras, um pesadelo militar, tendo em conta a imensidão e abrangência dos espaços marítimos. Perante isto, estão criadas as condições para que ocorra um conflito armado de grandes dimensões entre grandes superpotências e os seus respetivos aliados.
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* O artigo resulta do seminário de “Crises e Conflitos Armados”, no âmbito no Doutoramento em Ciências Militares, no Instituto Universitário Militar (IUM).
1 Na agricultura, na indústria, na ciência, tecnologia e na esfera militar.
2 Podem gerar uma área de mar territorial, ZEE e plataforma continental, nos termos da Convenção das Nações Unidas Sobre o Direito do Mar (CNUDM) de 1982.
3 Esta linha inclui partes dos MSC, como as ditas ilhas e, define os limites do território, que Pequim considera estar sob a sua jurisdição e que foi apresentado, publicamente, pela primeira vez, em 2009, como resposta aos requerimentos do Vietname e da Malásia à Comissão das Nações Unidas de Limites da Plataforma Continental para extensão das suas plataformas para além das 200 milhas náuticas, de modo a abranger partes dos MSC (Mah, 2016, p. 38).
4 Taiwan é considerado por Pequim com parte inalienável da RPC e, portanto, um assunto “interno” igualmente associado a unidade da RPC, apesar do envolvimento direto dos EUA, protetor de Taiwan.
5 Um bom exemplo do poder económico convertido em influência político-diplomática da RPC é o crescente número de países que deixaram de reconhecer Taiwan para estabelecer relações diplomáticas formais com Pequim, optando pela RPC como única e legítima representante de toda a RPC territorial.
6 Tais como as informações, a guerra eletrónica e domínios eletromagnéticos, o uso de instrumentos no ciberespaço e no espaço.
7 O A2/AD (Anti-access/area denial) é uma estratégia militar centrada na negação de uma arma ou o acesso a um determinado local, idealizando assim uma zona de defesa nos três ambientes da guerra, ou seja, é um dispositivo ou estratégia defensiva usada para evitar que um adversário ocupe ou atravesse uma determinada área (terra, mar ou ar).
8 O conceito de segurança marítima é frequentemente descrito como sendo abrangente e difuso e a sua conceptualização ainda não é consensual, estando focada nas ameaças e incidentes nos espaços marítimos ou na manutenção da boa ordem no mar, estando separada no Maritime Safety (Prevenção de acidentes no mar e ações subsequentes em caso de sinistro) e no Maritime Security (Ameaças conscientes aos navios, pessoas, instalações ou equipamentos ligados à atividade marítima) (Piedade, 2018).
9 Os chineses reconhecem as ilhas como Diaoyo (Moraes, 2015, p. 29).
10Relatório da decisão do Tribunal Permanente de Arbitragem de Haia, de 12 de julho de 2016 (Permanent Court of Arbitration, 2016).
11A RPC detém a CNOOC, a Petroleum and Chemical Corporation (SINOPEC) e a National Petroleum Corporation (CNPC).
12O Japão denomina este campo de Shirakaba.
13As ilhas encontram-se previstas no Art.º 121.º da CNUDM e são definidas como uma formação natural de terra, rodeada de água, que fica a descoberto na praia-mar. De acordo com o Art.º 60.º da CNUDM, o Estado Costeiro tem o direito de construir ilhas artificiais, contudo, sem o estatuto jurídico de ilhas nem Mar Territorial próprio. Ao abordar a possibilidade de haver mar territorial em ilhas, exclui desta as ilhas artificiais, plataformas e os chamados baixios a descoberto (que se encontram submersos em maré alta) (Art.º 11.º da CNUDM). De igual modo, no Art.º 121.º que diferencia as ilhas das rochas, as rochas não podem sustentar habitação humana, ou vida económica própria, nem possuem ZEE ou Plataforma Continental (ONU, Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, 1998).
14O Art.º IV do Tratado de Defesa Mútua entre os EUA e as Filipinas obriga os dois países a ajudarem-se mutuamente, em caso de um ataque.
15Os navios de guerra fazem parte da U.S. Seventh Fleet e estão, neste momento, situados no Pacífico ocidental, que incluem as águas em torno de Taiwan, alvos preferenciais para o míssil balístico DF-21D.
16Acrónimo de Australia, United Kingdom, United States.
17Insere-se primordialmente nos assuntos da segurança marítima.
18A SCO tem-se concentrado principalmente em questões de segurança regional, na luta contra o terrorismo regional, separatismo étnico e extremismo religioso e o desenvolvimento regional (ONU, Shanghai Cooperation Organization, 2021).
19Exemplo disso é o conflito militar entre a Ucrânia e a Rússia.
20O acordo feito em 2012 (dois anos depois ocorreu a invasão da Crimeia e a insurgência do Donbas na Ucrânia) permite à Rússia um importante mercado de exportação de gás e, provavelmente, serve para mitigar a queda do fornecimento de gás à Europa num futuro próximo. Do ponto de vista chinês, o projeto permitirá assegurar um abastecimento de energia a um preço fixo durante um longo período.
21Conforme explanado pela RPC em “China Military Strategy”, em 2015 (USNI, 2015).
22Veja-se a reunião virtual de países democráticos, que ocorreu em 9 e 10 de dezembro de 2021, com Taiwan convidado, em confronto com os países autoritários (RPC e Rússia) e até o bloqueio diplomático dos países anglófilos aos Jogos Olímpicos de Inverno de Pequim, em 2022.
23Nuclear, Biológica, Química e Radiológica.
Mestre em História Marítima, pela Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa.