1. Na abordagem à obra importa atender quer à FORMA quer ao CONTEÚDO.
2. Quanto à FORMA:
a. o livro recolhe e apresenta múltiplas representações artísticas do Condestável que, nos âmbitos da PINTURA, DA ESCULTURA, DA TAPEÇARIA, DA AZULEJARIA, DA TOPONIMIA, DA ARQUITETURA, DA HIERÁLDICA… foram criadas e produzidas, essencialmente em Portugal, em diversas Unidades Militares, mas também em Igrejas, praças, ruas, e outros edifícios, acompanhadas de uma narrativa que nos sintoniza com a história representada, com história do Condestável e com a história de Portugal. Isso permite-nos abraçar e compreender a importância decisiva de Nun’Álvares Pereira na História de Portugal, sobretudo a sua vertente de Combatente.
b. e desde já evoco um propósito que esta obra realiza: é que, na apresentação e disposição do material, as diversas representações não têm só um valor comemorativo ou litúrgico, mas detém um elevado valor pedagógico, no sentido que são obras que procuram fomentar os mesmos valores que animaram o Condestável. Nesta medida, o Condestável surge como alguém que desfruta de uma perene atualidade, porque cada época encontra nele um protagonista dos valores indispensável, a cada presente, para enfrentar os desafios de cada tempo. Mesmo para hoje, a obra em análise cumpre o ímpar desígnio de colocar São Nuno Alvares Pereira próximo de toda a pessoa, independentemente da idade ou condição.
c. do ponto de vista estrutural, a obra é de entrosamento, onde convergem harmoniosamente aspetos diversos e diversas dimensões:
– desde logo, o mais notório, a aliança, eficazmente conseguida, entre o texto narrativo-escrito e a narrativa-figurativa (o acervo fotográfico);
– entrosamento, porque se insere num caminho de pesquisa, de estudo, de análise e divulgação, promovido pelo Exército, relativo à arte em sentido lato (azulejaria, esculturas, pinturas…) que celebram as suas principais figuras;
– de entrosamento, porque tem a colaboração de diversos especialistas cujo contributo é determinante para se alcançar os objetivos pretendidos e que estão declarados na pág. 18 e cito “Vamos apresentar, de forma contextualizada, o Combatente na Arte, analisando variantes estéticas no território nacional, percorrendo imaginários do profano ao sagrado, em áreas artísticas e materiais diferenciados na sua conceção. Não pretendemos identificar um modelo representativo do Condestável, mas definir conceitos fisionómicos através dos tempos e da sua compleição no imaginário social. Ainda nesta nossa análise apresentamos relações no quotidiano militar e religioso, das suas vivências, no tempo e nos espaços, desenvolvidos anteriormente por diversos autores e artistas, que já investigaram, escreveram e trabalharam sobre o Condestável”.
– a valorização do contexto em que cada obra surgiu, sobretudo através de caixas temáticas, a cargo de especialistas, que têm em conta sempre três aspetos:
• as razões, circunstâncias e vicissitudes em que uma determinada obra foi pensada, planeada e, por fim, realizada;
• a emergência da consciência coletiva sobre o significado e a importância do Condestável para a Nação, para o exército e para a Igreja, no contexto de uma determinada época.
• a apresentação de traços da própria história de Portugal e da portugalidade.
Assim, temos que de história o livro foca: história de Portugal; história do Condestável; e a história da consciência do significado que D. Nuno Álvares Pereira teve, em cada época, para o povo português, para o Exército e para a Igreja e sociedade no seu todo.
– enfim, entrosamento também entre as duas dimensões do Condestável, mais fortemente sublinhadas: a do Militar, apresentado como combatente, líder, estratega e a do Místico que pauta a sua vida por uma devoção da fé e pelo ardor da caridade aos mais pobres e necessitados. Em termos representativos isto vem a confluir em imaginários ora profanos, ora religiosos.
– estruturado em três grandes Capítulos:
1. O condestável na Historiografia Militar
2. O Exército e D. Nuno Álvares Pereira
3. D. Nuno na Arte
Emoldurado por um Prefácio do Ex.º Senhor General Chefe do Estado-Maior do Exército, uma Apresentação, referência bibliográfica.
3. Quanto ao CONTEÚDO/SUBSTÂNCIA
A obra é, ela própria, um monumento da abordagem estética aos conteúdos da realidade.
Primeiro, capta a beleza nas diversas representações figurativas, mas para a reencontrar na essência da pessoa retratada, o Condestável. Assim, a captação estética nas configurações empíricas das esculturas, das pinturas, dos azulejos, das tapeçarias, dos túmulos… rapidamente se transforma em perceção da dimensão estética do protagonista retratado, ou dos acontecimentos celebrados e evocados.
O que se afigura como sendo um estímulo a ir revisitar a história e a pessoa para a olhar numa nova perspetiva. Parte-se da beleza da representação artística para a beleza da personagem; vai-se do encanto da figuração à estética dos acontecimentos.
Em estreita sintonia com o espírito do tempo (o nosso), o livro celebra a grandeza da estética que não aceita ser um fato marginal, ou uma mera nota de rodapé, mas é uma abordagem que dispõe de uma metodologia própria com uma nova linguagem para compreender e dizer o real. Temos aqui a história de Portugal escrita em categorias estéticas. Que se diferencia da abordagem ética, ou metafisica (onde se situa a prospetiva sociológica).
Isto mobiliza-nos para algumas considerações:
1. a primeira, é que torna possível a associação de conceitos, entenda-se realidades que, tradicionalmente, se excluem. Exemplos: guerra e beleza; morte e estética, serenidade e batalha…
A abordagem estética constitui para o Exército (e para as Forças Armadas, em geral) no fundo, uma libertação, porque vem resgatar dos eternos padrões de avaliação éticos – bem ou mal – e mesmo metafísicos ou deontológicos – verdadeiro ou falso; bom ou mau.
2. Verificamos também que é pela estética que melhor se salvaguarda a memória vida da história. Atente-se a quanto dizia Nietzsche, por exemplo, quando na Genealogia da Moral falava das mutações dos valores éticos: o que, no passado, era considerado bem, posteriormente é mal; e mesmo a abordagem metafisica que lida com o ser e o não ser, o verdadeiro e o falso – também tem dias – ao passo que a estética dificilmente perde a sua perene atualidade.
(“A beleza nos salvará” – frase atribuída a F. Dostoievski com a qual tendo a concordar, uma vez que os critérios deste transcendental, embora suscetíveis de critica e debate, dificilmente induzem à destruição, ou decapitação… refiro-me ao problema do revisionismo da história associado à remoção e destruição de estátuas, e outras obras de arte… assunto sério).
3. Sobre São Nuno Álvares Pereira: não há aspeto da sua complexa personalidade que não tenha sido retratado, mas é sobretudo o Militar, o Combatente e o Santo, o herói religioso que mais sobressaem. Ora, na abordagem estética, o que é que verificamos? Que há uma contemporaneidade entre ambas, ou seja, aquilo que habitualmente, por facilidade prática se distingue em diferentes áreas cronológicas, a arte atualiza, contemporiza tudo (torna tudo atual ao mesmo tempo). E esta abordagem, diga-se, é o que mais se aproxima da realidade. Vou só pegar neste pormenor: quando pensamos no Condestável-Santo, tendemos a imaginá-lo já idoso, porque foi com a veneranda idade de 63 anos que entrou no Convento do Carmo e se fez irmão donato. No entanto, como justamente notou o papa Bento XVI, a 26/04/2009, durante a celebração da Canonização, o Condestável, até mesmo nos contextos bélicos – entenda-se nos campos de batalha – foi santo e viveu como santo1, assim como quando era irmão donato carmelita, nunca deixou de ser um exímio combatente, agora não para combater o inimigo do costume, mas outros inimigos, os da alma, os inimigos da dignidade humana, da justiça…. E a arte tem, sem dúvida, a capacidade de tornar contemporâneo e atual o que, por vezes, está distante e separado.
Assim, o Condestável, foi sempre combatente, tal como foi santo e religioso (sempre).
Por fim, salientar que a marca de Vitorioso Combatente, própria de D. Nuno Álvares Pereira, tanto no campo Militar, como no campo Espiritual, também se verifica no campo da Arte; também neste domínio ele é um excelso Vitorioso Combatente, não só porque esta o retrata, ao longo do tempo, conservando a sua memória e o que de mais genuíno o carateriza, mas sobretudo porque a ele se deve o mérito do surgimento de cada nova expressão artística e dos contínuos monumentos estéticos que o celebram. Neste sentido, o subtítulo «O Combatente na Arte» tem um significado não só descritivo, mas inclusive performativo, ou seja, como no campo de Batalha, e nas lutas Espirituais, também na Arte emerge sempre um Santo Combatente e um Combatente Santo. Por isso, o livro é, sim, obra e mérito do Senhor Doutor Professor Augusto Moutinho Borges e de Luís Chaves, seus autores, sem dúvida, mas também da personagem nela apresentado e retratado. Parabéns aos Autores, e um elevado reconhecimento ao ilustre Protagonista.
† Rui Valério
Bispo das Forças Armadas e Forças de Segurança
A Revista Militar felicita os autores pela publicação desta obra e agradece a oferta do exemplar que passou a contar no seu acervo bibliográfico. |
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1 “Sinto-me feliz por apontar à Igreja inteira esta figura exemplar nomeadamente pela presença duma vida de fé e oração em contextos aparentemente pouco favoráveis à mesma, sendo a prova de que em qualquer situação, mesmo de carácter militar e bélico, é possível atuar e realizar os valores e princípios da vida cristã, sobretudo se esta é colocada ao serviço do bem comum e da glória de Deus.” Papa Bento XVI, Homilia para a Canonização do Beato São Nuno de Santa Maria, https://www.vatican.va/content/benedictxvi/pt/homilies/2009/documents/h_ben-xvi_hom_20090426_canonizzazioni.html.
Bispo das Forças Armadas e Forças de Seguranca